domingo, 31 de maio de 2015

Oferta de escola: Introdução à Cultura e Línguas Clássicas

Como é bem sabido, nas décadas mais recentes a cultura e, sobretudo, as línguas clássicas - latim e grego - foram sendo afastadas do sistema educativo português, tendo chegado praticamente à extinção.

Vários professores dos diversos níveis de escolaridade não desistiram, no entanto, de as ensinar, fosse em contexto formal fosse em contexto não formal.

Algum do trabalho desses professores foi agora reunido e acolhido pelo Ministério da Educação e Ciência, que o disponibliza a todos Agrupamentos de escolas/Escolas não agrupadas que o queiram aproveitar.

Assim, a partir do próximo ano lectivo, as escolas com Ensino Básico que considerem pertinente integrar uma componente de cultura e línguas clássicas no seu Projecto Educativo  poderão enquadrá-la na "Oferta de Escola" dos 1.º, 2.º e/ou 3.º Ciclos,

Para apresentar essa componente e o quadro curricular em que se insere, realizar-se-á, no dia 5 de Junho, no Conservatório de Música de Coimbra, um seminário aberto à comunidade educativa, com especial destaque para directores, professores e formadores de professores.

Um "programa altamente estruturado de formatação ideológica"

“Não fomos informados previamente, não nos pediram autorização, o que deveria ter sido feito dado o conteúdo gravíssimo deste programa, onde a sociedade é apresentada como sendo exclusivamente regida por relações económicas e que exclui tudo o que sejam relações de solidariedade e de afecto” [tudo isto] “vai contra o que tenta ensinar ao filho” [e também contra] “os valores da escola pública” (Mariana Santos, mãe).
“Não queremos que a escola pública obrigue os nossos filhos a serem empreendedores competitivos obcecados pelo sucesso” contestam o que consideram ser “um programa altamente estruturado de formatação ideológica” (Carta aberta  de vários pais enviada à comunicação social).
No início deste mês, no jornal Público, Clara Viana, deu a conhecer a surpresa e indignação de uma mãe ao descobrir na mochila do seu filho de seis ou sete anos um folheto que lhe havia sido oferecido na escola por alguém que foi lá "educar para...". Outros pais se lhe juntarem, protestaram em conjunto e a imprensa deu-lhe eco, em artigos como o de José Soeiro, publicado no Expresso.

Mas, que folheto era esse que tanta agitação provocou entre pais e jornalistas?
Era de "educação para o empreendedorismo".

E, sendo sobre "educação para o empreendedorismo", justificava-se tanta agitação?

Dou, desde já, a minha opinião: sim, justificava. Melhor, justifica. Explico as minha razões.

1. A "educação para o empreendedorismo" como componente curricular

1.1. A "educação para o empreendedorismo" constitui, efectivamente, uma orientação (com força de directriz) de instâncias internacionais, como a OCDE e a UE, para todos os níveis da educação escolar, desde o Jardim de Infância até ao final do Ensino Superior), estando estas instâncias muito atentas ao seu cumprimento. Para se perceber melhor o que digo, leiam-se dois relatórios publicados durante este ano: Perspetivas da Política da Educação 2015: Concretização das Reformas, da OCDE e Country Report Portugal 2015, da UE (páginas 42-49).

No primeiro, salienta-se Portugal pela positiva no que respeita à ponte que tem estabelecidos entre escolas e empresas; no segundo recomenda-se que a educação permaneça na agenda política como um dos principais motores do crescimento económico sustentável e da produtividade, e nele se acrescenta que a revisão curricular mais recente "despreza várias competências chave transversais como a capacidade empreendedora".

1.2. Passando para o plano nacional, a "educação para o empreendedorismo" encontra-se consagrada como uma das quinze áreas de Educação para a Cidadania. No sítio online da Direcção-Geral de Educação, constam as linhas gerais que a devem guiar, bem como documentos de referência, recursos educativos e tudo o mais que seja preciso para o seu ensino. Dá-se também destaque a ligações úteis, colaboradores, concursos, etc.

1.3. E, chegamos às escolas, que no Projecto Educativo devem integrar uma ou várias "Educações para...". Não tenho dados em mão, mas estou convenciada de que, a par da "Educação para a saúde" e da "Educação sexual", escolhem a "Educação para o empreendedorismo" e  a "Educação financeira".

Se atendermos a 1.1. e 1.2. concluimos que estão a cumprir orientações internacionais e nacionais. Podem, é certo, optar por outra(s) "Educação(ões) para..." que se afigurarão mais formativas, como a "Educação para os Direitos Humanos" ou a "Educação para a Paz", mas estas não têm, nem de perto nem de longe, o suporte institucional e logístico que aquelas têm.

2A força da "educação para o empreendedorismo"

Efectivamente, esse suporte inclui tudo o que as escolas precisam e nem imaginam que precisam para que os mais e menos jovens se tornem, diz-se, gestores das (suas) finanças e empreendedores de excelência.

Tudo é feito com o máximo de profissionalismo: os documentos parecem mesmo curriculares; as metodologias e os recursos parecem mesmo pedagógicos. Usa-se a linguagem que seduz: "abordagens activas e significativas", "ir ao encontro do interesse dos alunos", "proporcionar a expressão da sua natural criatividade", "trabalho colaborativo e autónomo"... Há concursos, prémios e muita animação.

Neste rol incluem-se as tais pessoas de que fala a mãe a que aludi no início deste texto: representantes “do mundo empresarial” ou, como a evolução da abordagem escolar desta matéria tem ditado, de consórcios. Trata-se de pessoas que não são educadores, não têm credenciais para ensinar mas levam “o empreendedorismo para dentro das salas de aula”.

Pelas razões que apontámos em 1 a que se juntam outras - não parecerem fechadas à sociedade, porque as autarquias assim o preferem ou exigem, pela falta de reflexão sobre o que realmente subjaz a estas "Educações para...", sobre a legitimidade de se aceitarem e sobre a ponderação ética que a aceitação requer -, as escolas escancaram-lhes a porta da frente e entregam-lhe, de bandeja, as crianças para que as doutrinem à vontade.

E, como Clara Viana apurou, são aos milhares em Portugal e aos milhões pelo mundo.

Os pais acima citados, tendo percebido isso mesmo, destacam, no meu entender muitíssimo bem, que estamos perante uma "formatação ideológica" segundo um "programa altamente estruturado".

Não é, na verdade, obra de amadores mas de técnicos altamente qualificados que conseguiu legitimidade curricular nos vários níveis de decisão curricular, desde o mais macro ao mais micro. Assim, entra pela porta da frente das escola para fazer exactamento o contrário daquilo que esta instituição tem por missão fazer: educar.

Eu gosto da ideia de escola pública

O texto Uma escola para os MEUS filhos, que antes publiquei neste blogue, mereceu comentários que, de uma ou de outra forma, me surpreenderam. Procurarei reforçar a ideia central desse texto:

1. A escolaridade universal, gratuita e, até certo patamar, obrigatória para todos, começou por ser um sonho. Graças a pessoas que pelos séculos fora afirmaram a capacidade transformadora (num sentido positivo) da educação formal, o sonho realizou-se em certas partes do mundo. Noutras ainda não foi possível realizá-lo ou só é possível para uma minoria, ou deixou de ser possível...

2. Efectivamente, a escolaridade universal, gratuita e, até certo patamar, obrigatória para todos, uma vez implantada, não se constituiu como garantia, pode sofrer retrocessos. É, portanto, um sonho que implica alerta e defesa.

3. Temos a sorte de viver numa das partes do mundo em que a escolaridade universal, gratuita e, até certo patamar, obrigatória para todos se encontra consagrada na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo. Temos obrigação de estar alerta às ameaças que possa sofrer e estar prontos para a defender.

4. O nosso currículo está longe de ser perfeito, as nossas escolas denotam mútiplos problemas, mas o dever de cada um é, com sentido do que é razoável, contribuir para melhorar o que estiver ao seu alcance. Declarar que não gosta da escola - e isso acontece sobretudo em relação à pública - e abandoná-la, optanto por construir um currículo próprio para quem lhe é afectivamente próximo, não me parece, de facto, a melhor atitude cidadã.

5. Justifico a minha afirmação: se nos devemos preocupar com as crianças e jovens que estão sob o nosso cuidado directo, não podemos deixar de nos preocupar com todos os outros. Todos têm, afinal, os mesmos direitos no que respeita à educação. Por outro lado, as crianças e jovens que estão sob o nosso cuidado directo não podem aprender apenas e só o que cada um de nós acha que é relevante. Talvez aqui importe admitirmos que há pessoas com melhor preparação que a nossa para decidir e concretizar a sua aprendizagem formal

6. Finalmente, sublinho que não sou contra a escola privada ou o ensino doméstico, que reconheço como opções ou necessidades da sociedade. Desde que cumpram o núcleo central do currículo com a qualidade esperada, o seu lugar deve ser reconhecido.

Mas sou absolutamente contra a desvalorização da escola pública, que está na moda. Para isso têm, seguramente contribuído várias "estrelas" do mundo empresarial, artístico, intelectual... - o exemplo que dei no texto referido não é, infelizmente, único - que declaram "não gostar" dessa escola e, talvez de nenhuma, e apresentam a "sua" ideia de educação dos "seus"...  Tendemos a concordar: estão no seu direito, não é? E, os outros? Bem... são os outros!

sábado, 30 de maio de 2015

Ana Luísa Amaral: E Todavia


 
 
 
 
 
 
 
 
Da Comum Claridade

Há um saber qualquer
que há-de ser semelhante ao das estrelas
no seu fino fio ausente a colisão:
é quando as coisas se complicam, ou se abrem,
ou muito simplesmente
se incendeiam.


Estará decerto no amar esse saber,
e por isso talvez do coração
diziam os antigos ser o meio,
o centro do pensar.


Talvez assim também
entre a cor da paisagem
e o recordar de cor
um rosto, uma janela quase circular,
um levíssimo gesto antecipado,
pode haver o mais óbvio
comum a universo:
explosão de estrela nova gerando
outras estrelas, ou mesmo
revogando a antiga luz.
 
 
Mas em tal comprimento de energia
que o átomo que foi,
desconcertado,
de encontro ao mais vazio,
tenta reconcertar outro
caminho


de onde: novo saber,
um brilho novo,
transversal a tudo.

 
Quanto ao humano,
sublunar na sua imperfeição,
cinde-o a maravilha do cuidar,
e só lhe resta: amar –
o que perfaz em soma,
igual ao fogo de que é feito
a estrela –
 

sexta-feira, 29 de maio de 2015

O mito da meritocracia

Sobre a importância do contexto naquilo que chamamos "sucesso". Ou sobre a importância do Estado Social e do acesso à educação, para dar uma hipótese aos menos sortudos. Ou como fizemos um percurso notável no pós-25 de Abril, que importa continuar, ao invés de arrepiar caminho.

LUZ E SOM


Texto meu no último As Artes entre as Letras:

Em francês diz-se de alguns espectáculos que são son et lumière. Som e luz têm em comum a capacidade de inebriarem os nossos sentidos, mas do ponto de vista físico, têm também em comum o facto de se deverem a ondas. Em ambos os casos falamos de velocidade de onda, de comprimento de onda (a distância entre dois pontos consecutivos equivalentes) e de frequência (o inverso do período, sendo o período o tempo que uma onda demora a percorrer um comprimento de onda). Como a velocidade num dado meio é sempre a mesma e como qualquer onda avança de um comprimento de onda num período, comprimento de onda e frequência são grandezas relacionadas uma com a outra.

Existe ainda um paralelo que diz respeito às nossas limitações de percepção. Não conseguimos ouvir sons com frequências menores do que 20 hertz e maiores do que 20.000 hertz (o hertz, a unidade de frequência, é o inverso do segundo), o que significa com comprimentos de onda maiores do que 17 metros e comprimentos de onda menores do que 1,7 centímetros). E temos também uma espécie de “palas” na vista: não conseguimos ver luz com frequência menores do que 750 terahertz e maiores do que 400 terahertz (um terahertz é um bilião de hertz), o que significa com comprimentos de onda maiores do que 400 nanómetros e menores do que 700 nanómetros (um nanómetro é um milionésimo do milímetro). A explicação tem a ver com a nossa contingência da vida na Terra. Os nossos ouvidos desenvolveram-se, no longo e lento percurso da evolução darwiniana, de modo a ouvir melhor os sons que são comuns na Terra, incluindo o som da nossa voz (produzida pelas nossas cordas vocais). Por seu lado, os nossos olhos desenvolveram-se, no decorrer do mesmo percurso, para captarem ao máximo a luz que a nossa estrela – o Sol – emite com maior intensidade. Na nossa retina existem receptores, os cones, que optimizam a captação de três cores fundamentais do espectro visível - o verde, o azul e o vermelho - enviando sinais eléctricos ao cérebro, através do nervo óptico. São bem conhecidos os casos de animais que ouvem de uma maneira mais ampla do que nós: por exemplo os cães captam sons entre os 15 e os 50.000 hertz, ao passo que os morcegos conseguem captar sons entre os 10 e os 120.000 hertz. Os cães conseguem captar infrassons, sons com menos de 20 hertz, associados a terramotos. E os morcegos conseguem orientar-se no escuro utilizando a sua maravilhosa possibilidade de ecolocalização: emitem ultrassons, sons com mais de 20.000 hertz, que regressam aos seus ouvidos depois da reflexão em obstáculos. Por sua vez, no que concerne à visão, as abelhas conseguem ver luz ultravioleta, guiando-se por essa luz em campos de flores na sua incansável tarefa de polinização.

Existem, todavia, importantes diferenças. As ondas de som exigem um meio material para se propagarem: pode ser o ar, mas pode ser também a água ou o metal. O som é bastante mais rápido na água ou num metal porque as partículas que constituem o meio estão mais próximas umas das outras. Em contraste, as ondas de luz, embora podendo atravessar o ar ou a água (são paradas por um meio metálico), conseguem também propagar-se no vazio. A luz é mais lenta na água do que no ar, ao contrário do que acontece com o som. Uma outra diferença é que as ondas de som são, em geral, longitudinais, isto é, as oscilações do meio dão-se na direcção da propagação, ao passo que as oscilações responsáveis pela luz (oscilações de grandezas abstractas: campos eléctricos e magnéticos) são transversais, isto é, perpendiculares à direcção de propagação. E uma outra diferença substancial, de resto muito conhecida, entre som e luz consiste no facto de o som ser muito mais lento do que a luz: no ar, em condições de temperatura normal, o som propaga-se a 343 metros por segundo, ao passo que a luz no vazio se propaga a uns estonteantes 300.000 quilómetros por segundo (no ar é praticamente a mesma coisa). A velocidade da luz é, de resto, a maior possível para a transmissão de informação no Universo. Nada no mundo pode ir mais rápido do que a luz!

As ondas de som e de luz, apesar de muito diferentes, podem ter o mesmo comprimento de onda. A forma de luz invisível conhecida por microondas, que usamos nas comunicações entre telemóveis, têm comprimentos de onda entre um milímetro e um metro, portanto com alguma sobreposição com os comprimentos das ondas sonoras audíveis. As ondas de luz com comprimentos de onda superiores a um metro chamam-se ondas de rádio (a separação entre microondas e ondas de rádio é apenas convencional, não tendo a ver com qualquer diferente percepção para os humanos) têm também comprimentos de onda que se sobrepõem com os de sons audíveis. As ondas sonoras com mais de 17 metros são os tais infrassons, sons muito mais graves do que aqueles que conseguimos ouvir.

Através do nosso conhecimento do som e da luz, conseguimos usar a luz para enviar sons. Num estúdio de rádio o locutor fala para um microfone. Toda uma electrónica converte esse som num sinal eléctrico, que é emitido através de uma antena. Os sinais sonoros são codificados em ondas de luz (ondas de rádio) e logo temos o som a propagar-se à velocidade da luz. Um prodígio tecnológico que se realiza desde que há telefonia sem fios.

Algo parecido se passa numa simples sala onde alguém faz um discurso. Num microfone sem fios: o som captado pelo microfone é convertido primeiro num impulso eléctrico e depois numa forma de luz invisível que, atravessando o ar, é captada por uma antena, que o transforma em corrente eléctrica. Um circuito adequado muda a corrente de novo em som, emitido por altifalantes. O som natural de um orador a falar numa sala com um microfone sem fios é completamente abafado pelo som intenso que sai das colunas, um som que viajou entre microfone e colunas sob a forma de luz.

Som e luz, parecem tão distantes e afinal ficaram tão próximos após o nosso conhecimento se ter apoderado deles e a nossa técnica os ter entrelaçado.


AS REFORMAS DOS ACTUAIS PENSIONISTAS



Meu artigo de opinião saído hoje no Público:

“O comércio e o crescimento económico associam-se com o mal e a infelicidade”.

Platão

Com a devida vénia, transcrevo da “Lusa” (24/05/2015) excertos de uma notícia que está a ser amplamente difundida nos noticiários televisivos da noite em que escrevo este texto. Rezam esses nacos de prosa:

“A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou no sábado à noite que é honesto dizer aos portugueses que vai ser preciso fazer alguma coisa sobre as pensões para garantir a sustentabilidade da Segurança Social’. Falando em Ovar, num evento organizado pela JSD local, Maria Luís Albuquerque admitiu a possibilidade de reduzir as pensões actuais, se isso significar uma melhor redistribuição social do esforço contributivo.
Se isso for uma distribuição mais equilibrada e razoável do esforço que tem de ser distribuído entre todos – actuais pensionistas, futuros pensionistas, jovens a chegar ao mercado de trabalho –, se essa for a solução que garante um melhor equilíbrio, é aí que nos devemos focar, disse”
Sem suporte académico que suporte a minha incursão no complexo e esotérico mundo dos cifrões – embora esse conhecimento não fosse, porventura, garantia suficiente tendo em vista o que se passa, por exemplo, com o debacle de alguns bancos portugueses sobre a supervisão de reputados académicos da ciência económica – começaria por alvitrar que se deixasse de recorrer aos fundos da Segurança Social para tapar buracos de outras rubricas deficitárias do Orçamento de Estado. Cada um pague pelas asneiras de que é responsável.

Quanto aos cortes nos actuais pensionistas, ou daqueles em vésperas de se reformarem, que depositaram nos cofres  do Estado os devidos descontos carecem eles de justiça por falta de respeito por direitos adquiridos em leitura arrevesada que deles se fazem em função  de interesses ocultos. Para utilizar uma linguagem do meio desportivo, tão ao gosto na boca dos políticos,  as regras do jogo não devem mudar a meio do jogo. E, muito menos, se devem alterar os resultados do jogo com manobras de secretaria de equilíbrio orçamental.

Num tempo em que o Estado privatiza tudo que dá prejuízo (ou julga dar!), penso que o “negócio” das reformas não será tão deficitário que não interesse à banca dele se apropriar no todo  ou em complemento de aposentações  ainda a tempo  de serem acauteladas  num futuro que se apresenta mais negro que as asas do melro  dos versos de Guerra Junqueiro.

Entretanto, os detentores da governação do país têm vendido grande parte do seu património imobiliário, acumulado ao longo dos anos, enquanto, em contrapartida, promovem e inauguram construções faraónicas em período pré-eleitoral (a carapuça tanto serve ao PSD como ao PS). E assim se cumpre o aforisma: “Vão-se os anéis, mas fiquem os dedos!”

E quando não houver mais anéis? Sobram dedos gangrenados pelos cortes das actuais pensões e pelo avanço da corrupção com os seus nefastos efeitos na economia nacional denunciados por Vasco Pulido Valente: 
“Talvez convenha perceber duas coisas sobre corrupção. Primeira, onde há poder há corrupção. E onde há pobreza há mais corrupção. Destes dois truísmos resulta necessariamente que quanto maior é o poder ou a pobreza maior é a corrupção”.
Ou seja, em verdadeiro atentado a uma justiça social, aumentar a pobreza  com cortes das pensões da classe média (em vias de desaparecimento) é uma perigosa forma de aumentar as chorudas e duvidosas contas bancárias dos ricos e diminuir o pão de cada dia  dos que o ganharam com o suor do rosto. Não haverá por aí uma alma caridosa social-democrata  que explique isto à ministra Maria Luís Albuquerque?

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Uma escola para os MEUS filhos

Um senhor muito rico, empresário com formação em economia e física, e com invenções e negócios admiráveis na área das tecnologias (onde se incluem os jogos de computador), declarou em entrevista recente que não gostava da escola onde os seus cinco filhos andavam. Então, à semelhança de várias outras pessoas com poder, criou uma escola especialmente para eles e para filhos de empregados de uma das suas empresas.

Essa escola:
- Tem um nome latino, sendo de inferir que a formação clássica estará presente, isto quando vários países, como a França, a afastam da escola pública;
- Não tem página de internet nem ligações a redes sociais, isto quando a escola pública é pressionada para se publicitar.

Além disso, essa escola dá corpo a ancestrais sonhos pedagógicos (não adianta nada de novo):
- Não constitui classes;
- Dá primazia aos gostos individuais dos alunos;
- Aposta na exploração do real pelos alunos e, à medida que isso acontece, vão sendo guiados na sua aprendizagem.

Desta notícia retiro duas tristíssimas ilações:

1) Quem pode, em vez de procurar fazer qualquer coisa (de modo altruísta, sem esperar qualquer contrapartida) pela escola pública, a que é para os filhos de toda a gente, cria uma escola para os seus próprios filhos;
2) Esta escola, como várias outras com semelhante origem, integra o que se apregoa como desadequado para os filhos dos outros - a formação clássica - e retira o que se apregoa bom para esses mesmos filhos - a pesquisa pelo espaço cibernaútico e a exposição pública.

Só mais uma nota: esta escola tem menos de duas dúzias de alunos, por isso, sim, pode concretizar os referidos sonhos pedagógicos, que não se podem, naturalmente, transpor para uma escola de centenas de alunos, daquelas que o tal senhor não gosta.

AINDA A PSEUDO-AVALIAÇÃO DA CIÊNCIA NACIONAL

Ao contrário do que se passou com José Mariano Gago, para o ministro Nuno Crato a ciência não foi uma prioridade política. Tal como na educação, tratava-se simplesmente de cortar  sem um critério racional. Mandou fazer cortes e mais cortes no sistema científico-tecnológico português, para além dos cortes no ensino superior, esquecendo que a ciência representava o meio por excelência de ganhar o futuro. Mas. na ciência, foi bastante pior do que cortar. Os recursos disponíveis, quaisquer que eles fossem, deviam ter sido atribuídos de um modo aberto e racional. Mas, com uma tenebrosa gestão na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), passaram a ser atribuídos de um modo secreto e irracional, completamente ao revés do espírito científico. Em vez de uma política participada, aberta aos contributos da comunidade científica, houve uma exercício autocrático de poder..

 A pseudo-avaliação das unidades científicas foi um dos exemplos mais evidentes do descalabro na ciência em Portugal. A FCT, com o apoio do ministro, encomendou à European Science Foundation (ESF) uma avaliação das unidades científicas nacionais que, soube-se depois, continha uma cláusula escondida: Metade das unidades devia ser excluída logo na 1.ª fase do processo. Quando houve a percepção de que os resultados catastróficos dessa “avaliação” provinham dessa regra nunca anunciada e nunca justificada, a FCT tentou iludir a realidade, mentindo a esse respeito. Desmentiu o que estava à vista de todos. Mas não foi apenas uma "poda", não se tratou apenas da eliminação sumária de metade das unidades onde se praticava ciência em Portugal. Acontece que a metade escolhida não era formada pelos melhores centros em várias áreas (bastava consultar índices de produção científica). Os peritos da ESF eram em número insuficiente e, em muitos casos, pouco qualificados. Não existiu, em muitos casos, uma avaliação por especialistas. Muitos pareceres não faziam, em largos excertos, qualquer sentido. Tal resultou em parte do facto de, na 1.ª fase, as unidades nem sequer terem sido visitadas, como manda a lei. O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), reconhecendo a validade de muitas reclamações, afirmou que o processo era um “falhanço pleno”.

 Na 2.ª fase, a arbitrariedade continuou, com atropelo das regras estabelecidas pela FCT e visitas feitas, nalguns casos, por não especialistas. Em suma, a “avaliação” da FCT-ESF não teve nunca a necessária qualidade. Em verdade se diga que os financiamentos também não seguiram a avaliação, tendo sido efectuados para os centros apurados na 2.ª fase com base essencialmente nos pedidos que eles tinham efectuado (a FCT falou de "modulação", mas eram apenas cortes mais ou menos arbitrários). Não admira que os protestos dos investigadores tenham de novo chovido. Das 178 unidades da 2.ª fase (eram 322 à partida) 123 protestaram. Tal como na 1.ª fase, a reclamações da 2.ª fase permaneceram sem resposta atempada e adequada. Só para dar um exemplo do despautério governamental: numa altura de austeridade do Orçamento de Estado, a FCT decidiu atribuir chorudos financiamentos públicos a fundações privadas. Lá fora, as fundações privadas ajudam o Estado, em Portugal é o Estado que ajuda as fundações privadas

 Em 7 de Abril passado, demitiu-se o presidente da FCT, confrontado não só com os continuados protestos perante o desconchavo, mas também com a sua ocupação do cargo a tempo parcial. A manifesta falta de qualidade da gestão da FCT poderia ter a ver com a falta de tempo do seu presidente, que continuava professor no Imperial College de Londres. Foi então nomeada uma presidente interina, que ainda não reconheceu os erros que prejudicaram e prejudicam gravemente o sistema científico português. A pseudo-avaliação da FCT-ESF, caucionada do início ao fim por Nuno Crato, lançou o descrédito sobre a FCT e o Ministério da Educação e Ciência, não podendo ser reparada com remendos. Não há, de facto, nenhuma maneira de endireitar a sombra de uma vara torta.

terça-feira, 26 de maio de 2015

"É claro que há muitos estudos que ainda precisam ser feitos"

"Todos estão interessados em saber como as tecnologias digitais, especialmente a internet, afetam o cérebro. A primeira coisa a saber é que viver afeta o cérebro. O cérebro muda a todo instante de nossas vidas. Tudo que é feito durante o dia vai afetar o cérebro. A razão disso é que o cérebro humano se desenvolveu para se adaptar ao ambiente, não importando qual fosse esse ambiente (...) 
Há várias perguntas diferentes a serem respondidas. Eu acho que há três grupos abrangentes. O primeiro é o impacto das redes sociais na identidade e nos relacionamentos. O segundo é o impacto dos videogames na atenção, agressividade e dependência. E o terceiro é sobre o impacto dos programas de busca no modo como diferenciamos informação de conhecimento, como aprendemos de verdade. 
É claro que há muitos estudos que ainda precisam ser feitos, mas certamente há cada vez mais evidências sobre aspectos positivos e negativos (...) é importante começar a fazer pesquisa básica porque, até agora, está claro que coisas boas e coisas ruins estão acontecendo de um modo que não haviam acontecido em gerações passadas.    
Os extractos acima reproduzidos são retirados de uma entrevista feita em 2012 a Susan Greenfield, neurologista que se especializou em fisiologia cerebral. Apesar de já não ser recente, vale a pena lê-la (aqui) pela ponderação que nela transparece acerca do uso das tecnologias da informação e da comunicação na escola. Numa altura em que esse uso é imposto em múltiplos países com a promessa de aprendizagem e motivação garantidas, a prudência científica tende a ser esquecida.

Lançamento do Livro "Cem dias de solidão"

Informação recebida da biblioteca da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa:


NOITE da LUZ - 8 de Junho

Informação recebida da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa:



Dia 8 de Junho, no âmbito do Ano Internacional da Luz 2015, a Biblioteca e os Setores Departamentais da FCT/UNL convidam para uma noite inesquecível para celebrar a LUZ.


Múltiplas atividades vão acontecer e contamos com a vossa presença (programa em anexo e aqui: http://bibliotecaunl.blogspot.pt/).


Duas da atividades desta noite requerem inscrição prévia "Comes&Bebes"  e "Passeio dos Iluminados".  As inscrições devem ser feitas até dia 02 de Junho aqui: http://goo.gl/forms/xQJZ2fHlSP

O levantamento da senha para "Comes&Bebes" e peitorais para o "Passeio dos Iluminados" tem de ser feito nos dias 4 e 5 de Junho na Secretaria da Biblioteca.
Os primeiros 150 inscritos têm direito a um menu de "Comes&Bebes" grátis!

Esperamos vê-lo por cá e não se esqueça de trazer uma almofada (ou cadeira de praia) para a sessão de cinema.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

"NÚMERO ZERO", DE UMBERTO ECO


Informação recebida da Gradiva:

Número Zero, o novo romance de Umberto Eco, já à venda

 A Gradiva acaba de lançar, Número Zero, de Umberto Eco, um romance de um autor exímio a contar histórias, onde não falta a reflexão e a ironia. Número Zero é um romance que não deixa ninguém indiferente à reflexão sobre os jornais e a missão do jornalismo. A pretexto da criação de um novo jornal diário, a notícia está no centro das atenções (ou uma certa ideia de notícia), assim como os leitores (ou a percepção que se pretende ter deles), a par das regras e intenções em que assenta esta publicação (ou a «fachada» que ilude a realidade). Interesses que pouco ou nada têm a ver com a produção de boa informação ditam o que a redacção deverá desenvolver. Poderá um órgão de comunicação social servir para ter os inimigos na mão e chegar aonde se quer? 

Um jornal que está a dar os primeiros passos muito tem para decidir. E esta obra de Umberto Eco torna-se, nesta vertente, uma espécie de «manual» de decisões onde a qualidade do produto final está longe das preocupações de topo. Sendo esta uma obra de ficção, a leitura que pode ser feita do que lá se escreve vai além da boa leitura que a narrativa proporciona. Esta tem todos os ingredientes de uma trama que atrai – amor, poder, conspiração, morte – reunidos com a mestria de um autor que é um excelente contador de histórias

 Na redacção não falta um redactor paranóico que segue atrás de pistas que remontam ao fim da Segunda Guerra Mundial. Investiga, soma factos e conclui. Mas as suas conclusões têm um resultado inesperado. Para si. Para o jornal. Para os próprios colegas. O jornalista convencera-se de que fizera uma descoberta que era «dinamite» a respeito de Mussolini. Contudo, esse é apenas um ponto num enredo que segue pelos meandros da política, envolvendo o Vaticano, a máfia, os juízes e os serviços secretos. Aqui se apresenta um pequeno excerto da obra:

O que faço agora? Se ponho o nariz de fora, arrisco. Convém-me esperar aqui, na pior das hipóteses estão lá fora à espera que eu saia. E eu não saio. Na cozinha há vários pacotes de biscoitos e carne enlatada. De ontem à noite ficou-me também meia garrafa de uísque. Pode servir para deixar passar um dia ou dois. Deito duas gotas (e depois, talvez, mais duas gotas, mas só da parte da tarde, porque beber de manhã estupidifica) e tento voltar ao início desta aventura, sem precisar sequer de consultar a disquete, porque me lembro de tudo, pelo menos por agora, com lucidez. O medo de morrer dá fôlego às memórias.

 Para este jornal diário chamado Amanhã, o passado ensombra o presente e transforma o futuro.

SOBRE O  AUTOR

 Umberto Eco nasceu em Alessandria, em 1932. Filósofo, medievalista e semiólogo, estreou-se na narrativa com O Nome da Rosa (Prémio Strega 1981), a que se seguiram O Pêndulo de Foucault, A IIha do Dia Antes, Baudolino, A Misteriosa Chama da Rainha Loana e O Cemitério de Praga. Entre as suas numerosas obras ensaísticas (académicas e outras), destacam-se: O Signo, Os Limites da Interpretação, Kant e o Ornitorrinco, A Passo de Caranguejo, Obra Aberta, Dizer Quase a Mesma Coisa - Sobre a Tradução e Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Organizou ainda os livros ilustrados História da Beleza, História do Feio e História das Terras e dos Lugares Lendários.

Reabre o Planetário do Porto

Mensagem recebida do Planetário do Porto

 Em nome do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto tenho a honra de convidar para a inauguração do sistema de projeção digital fulldome do Planetário do Porto – Centro Ciência Viva, que se realizará às 16 horas do dia 2 de junho de 2015.

 Daniel F. M. Folha
 Diretor Executivo do Planetário do Porto - Centro Ciência Viva Centro de Astrofísica da Universidade do Porto

 Incluído no programa da inauguração está a estreia em Portugal do filme imersivo fulldome "Vida - uma história cósmica". Como começou a vida na Terra? Esta questão é a base deste filme imersivo, produzido pela Academia de Ciências da Califórnia. Narrado pela atriz Jodie Foster, na versão original, e pelo ator Diogo Infante, na versão portuguesa exclusiva para o Planetário do Porto, "Vida - uma história cósmica", transporta a audiência numa viagem através dos tempos. Graças a visualizações científicas espetaculares, os visitantes são levados numa experiência imersiva, desde o mundo microscópico de uma célula, recuando até ao nascimento das primeiras estrelas e à origem dos próprios elementos, mergulhando até ao fundo do oceano da Terra primitiva e por uma viagem através dos estratos da Terra.

 Planetário do Porto
 Rua das Estrelas 4150-762 Porto
 T. +351. 226 089 800
 geral@planetario.up.pt

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS

Novo texto de Galopim de Carvalho

FALANDO DOS SOLOS (17)

 Bio-rexistasia

Numa concepção do solo como um fenómeno geológico, introduzida pelo geólogo americano Cutis Fletcher Marbut (1863-1935), o geógrafo francês Henri Herhart (1898-1982) publicou, em 1956, uma interessante e original teoria “La genèse des sols en tant que phénomène géologique: Esquisse d'une théorie géologique et géochimique, biostasie et rhexistasie”, com uma segunda edição na Masson, Paris, em 1967.

Segundo o autor francês, certas regiões do globo estiveram ou estão numa situação que referiu por biostasia, (do grego bios, vida, e státis, estabilidade) isto é, uma situação de equilíbrio biomorfológico, expresso principalmente por uma muito vasta e densa cobertura vegetal, de longa duração e estável. Tal acontece porque, durante períodos muito longos, não se verificaram variações sensíveis das condições ambientais sob as quais essa cobertura se desenvolveu, situação exemplificada pela actual floresta quente-húmida amazónica. O equilíbrio biológico próprio deste tipo de cobertura vegetal protege o solo da erosão mecânica, mas é favorável à alteração química em profundidade e subsequente evacuação dos materiais solubilizáveis. O período biostásico é sempre um intervalo de tempo longo, à escala geológica, e de pedogénese intensa. Por seu lado, rexistasia (do grego rhexis, rotura, e státis, estabilidade) refere, ao contrário, um tempo muito mais curto, caracterizado pela rotura daquele equilíbrio e consequente destruição da cobertura vegetal, com exposição do solo à erosão mecânica. As causas desta interrupção são geralmente devidas a mudanças climáticas, mais ou menos acentuadas e bruscas, quer no sentido do arrefecimento, quer no da elevação da temperatura, acompanhada de secura, conduzindo à desertificação.

Durante os longos períodos biostásicos, a manutenção de condições de humidade e de temperatura relativamente elevadas e estáveis, associadas à exuberância da cobertura vegetal dela dependente, conduzem a intensa alteração das rochas e a profunda evolução dos solos, proporcionando, contudo, acentuada protecção destes materiais, face aos agentes de erosão mecânica. Praticamente, só os produtos solúveis resultantes da decomposição são mobilizados e arrastados pelas águas de infiltração, no trabalho de lavagem que exercem ao atravessá-las antes de atingirem os cursos de água. Neste contexto, poderá falar-se de erosão química.

Com efeito, ricos de substâncias químicas em solução (iões como Ca2+, Mg2+, K+, Na+, CO3H-, CO2-, PO4H2-, SO42-, etc., e moléculas como SiO2) os rios promovem o seu transporte até aos locais de sedimentação, onde esta se processa por mera precipitação química destas substâncias ou através da acção de seres vivos que, previamente, as incorporam na construção dos seus esqueletos, isto é, por via bioquimiogénica. Em síntese e por outras palavras, diremos que, no que se refere à sedimentogénese em períodos de biostasia, a sedimentação terrígena é reduzida, ao contrário da sedimentação química e/ou bioquímica. O material terrígeno resultante da alteração neste tipo de ambiente e que tinge a água dos rios é predominantemente argiloso, impregnado de óxidos de ferro.



                                                                             Rio Amazonas

Nos períodos de desnudação da cobertura vegetal, resultante das crises rexistásicas, a floresta deixa de proteger a superfície do solo que, em consequência do período anterior, está profundamente alterado e, portanto, facilmente atacável pela erosão. Os materiais postos em jogo no transporte e sedimentação subsequentes são essencialmente detríticos e reflectem, na parte inferior das séries sedimentares que alimentam, os produtos da capa de alteração (a primeira a ser erodida) e, na parte superior, os materiais não alterados do substrato desnudado, sujeito, sobretudo, a desagregação e erosão mecânicas. O período rexistásico é um período de morfogénese intensa, não necessariamente longo, e a ele se associam escassez de sedimentação química e/ou bioquímica, em contraste com a grande importância de sedimentação detrítica, muitas vezes de carácter torrencial bem marcado e sempre revelador de maior ou menor imaturidade.

 A dialéctica biostasia versus rexistasia, tal como a concebeu Ehrart, reforçou a dimensão geológica dos solos, na medida em que estes são também testemunhos das paisagens continentais suas contemporâneas, quer nos aspectos físicos (relevo, clima) quer biológicos, em particular, a vegetação.

Os constituintes minerais do solo (areia, argila) ficam, muitas vezes, com marcas características dos ambientes a que estão submetidos. O mesmo acontece com os solos do passado, e as marcas que levaram consigo, na sequência da erosão, acabaram por transitar para as rochas sedimentares detríticas, hoje patentes em sequências estratigráficas nas quais, como nas páginas de um livro, as procuramos ler e interpretar.

PROJECTO DIÁLOGOS: MEDEIA EM COIMBRA


 Informação recebida do projecto Diálogos da Fundação Gulbenkian: 

No dia 28 de Maio, pelas 17h30, no Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, irá realizar-se a Conferência Diálogos: Medeia de Eurípides – o conflito entre paixão e razão.

Serão oradores os Professores Delfim Leão e Alexandre Sá, da Universidade de Coimbra. Delfim Leão apresentará a comunicação Em Defesa de Medeia? O Horizonte Literário e Jurídico da Medeia de Eurípides e Alexandre Sá A Medeia Enquanto Paradigma Fraturante.

No decurso da Conferência haverá Leitura encenada de excertos da Medeia pelo grupo de teatro “Thíasos” / FESTEA – Festivais de Teatro de Tema Clássico.

Esta Conferência enquadra-se no âmbito da colaboração entre o Projeto Diálogos e a Universidade de Coimbra: Rómulo - Centro Ciência Viva; Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos; Instituto de Estudos Clássicos e Grupo de Teatro “Thíasos” / FESTEA.

O Projeto Diálogos, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, visa promover uma reflexão a partir de textos fundamentais da história do pensamento ocidental. Aqui se inscreve a Medeia de Eurípides.

Maria Helena da Rocha Pereira refere na Introdução da Medeia de Eurípides, na edição da Fundação Gulbenkian que “(...) é na forma que Eurípides deu à história que o mito cristalizou, foi assim que ele se transformou em motivo de inspiração de pintores e poetas desde a Antiguidade aos nossos dias”.

Analisar, hoje, um texto como a Medeia, numa abordagem transdisciplinar, mostrando a força e persistência de mitos que deram forma à consciência ocidental, é um exercício revelador do sortilégio da poesia e da literatura como meios de irradiação do conhecimento e de construção de um pensamento crítico.

Sejam bem-vindos!


Nota de Delfim Leão
Embora a ação de Medeia nos remeta para o passado remoto de Corinto e, por conseguinte, para um tempo heroico de personagens de exceção, a audiência que assistiu à sua apresentação, nas Grandes Dionísias de 431, vivia numa pólis específica, que se encontrava organizada segundo uma estrutura social concreta. Por este motivo, o público ateniense, na apreciação do drama euripidiano, terá por certo ponderado também a situação jurídica de uma mulher exilada, com uma descendência reconhecida pelo marido, que estava a ponto de ser trocada por outra mulher, de estatuto mais elevado e que oferecia uma ligação mais proveitosa para Jasão. Além disso, acrescia ainda o facto de Medeia se movimentar com uma determinação varonil numa sociedade dominada por homens e respetiva mundividência familiar, política e legal. Numa primeira abordagem, a situação jurídica desta mulher é bastante difícil ou mesmo até insustentável: a um historial altamente violento e comprometedor, motivado pelo impulso amoroso de seguir Jasão, a quem se encontrava ligada sem um vínculo matrimonial legalmente reconhecido, juntava-se ainda a contingência de ser bárbara, de praticar a feitiçaria e de recorrer ao crime hediondo de matar os filhos, quando o instinto maternal a deveria levar a protegê-los. A conjugação destes fatores relega Medeia para as margens da existência em sociedade e torna-a, à partida, numa pessoa indesejável em qualquer comunidade politicamente organizada. Ainda assim, importantes personagens do drama – como a Ama, o Coro e Egeu – reconhecem-lhe certa dose de razão que, se não justifica por inteiro a sua atuação extrema, ajuda a sustentar a justeza dos motivos de agravo relativamente a Jasão.
Nesta análise, irá ser privilegiada uma abordagem jurídica do desenlace trágico da atuação de Medeia e Jasão, não com o objetivo de absolver ou condenar em definitivo a conduta de qualquer um deles (até porque isso não seria viável), mas antes para tentar reproduzir alguns dos constrangimentos legais que, a par de fatores éticos, religiosos, culturais e estéticos, terão pesado na apreciação do público que assistiu à estreia da peça.

Texto: Eurípides. Medeia (vv. 160-172) [tradução de M.H. da Rocha Pereira]
[fala da Ama]

Traindo a minha senhora e os seus próprios filhos, Jasão repousa no tálamo régio, tendo desposado a filha de Creonte, que manda nestas terras; e Medeia, desgraçada e desprezada, clama pelos juramentos, invoca as mãos que se apertaram, esse penhor máximo, e toma os deuses por testemunhas da recompensa que recebe de Jasão.

NEW POLICY FROM ELSEVIER IMPEDES OPEN ACCESS AND SHARING

Informação recebida do Serviço Integrado de Bibliotecas da Universidade de Coimbra. Lembro que a Elsevier foi a organização contratada pela FCT para um estudo bibliométrico da produção científica nacional.
Global coalition of organizations denounce the policy and urge Elsevier to revise it
Washington, DC and Göttingen, Germany – Elsevier’s new sharing and hosting policy represents a significant obstacle to the dissemination and use of research knowledge, and creates unnecessary barriers for Elsevier published authors in complying with funders’ open access policies, according to an analysis by the Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition (SPARC) and the Confederation of Open Access Repositories (COAR). 
“Elsevier’s policy is in direct conflict with the global trend towards open access and serves only to dilute the benefits of openly sharing research results,” said Heather Joseph, Executive Director of SPARC and Kathleen Shearer, Executive Director of COAR, in a joint statement. “Elsevier claims that the policy advances sharing but in fact, it does the opposite. We strongly urge Elsevier to revise it.” 
The new stance marks a significant departure from Elsevier’s initial policy, established in 2004, which allowed authors to self-archive their final accepted manuscripts of peer-reviewed articles in institutional repositories without delay.  While the stated purpose of the new revision is, in part, to roll back an ill-conceived 2012 amendment prohibiting authors at institutions that have adopted campus-wide Open Access policies from immediate self archiving, the net result of the new policy is that Elsevier has placed greater restrictions on sharing articles.
Twenty-three groups today released the following statement in opposition to the policy:
“On April 30, 2015, Elsevier announced a new sharing and hosting policy for Elsevier journal articles. This policy represents a significant obstacle to the dissemination and use of research knowledge, and creates unnecessary barriers for Elsevier published authors in complying with funders’ open access policies. In addition, the policy has been adopted without any evidence that immediate sharing of articles has a negative impact on publishers’ subscriptions.
“Despite the claim by Elsevier that the policy advances sharing, it actually does the opposite. The policy imposes unacceptably long embargo periods of up to 48 months for some journals. It also requires authors to apply a "non-commercial and no derivative works" license for each article deposited into a repository, greatly inhibiting the re-use value of these articles. Any delay in the open availability of research articles curtails scientific progress and places unnecessary constraints on delivering the benefits of research back to the public.
“Furthermore, the policy applies to "all articles previously published and those published in the future" making it even more punitive for both authors and institutions. This may also lead to articles that are currently available being suddenly embargoed and inaccessible to readers.
“As organizations committed to the principle that access to information advances discovery, accelerates innovation and improves education, we support the adoption of policies and practices that enable the immediate, barrier free access to and reuse of scholarly articles. This policy is in direct conflict with the global trend towards open access and serves only to dilute the benefits of openly sharing research results.
“We strongly urge Elsevier to reconsider this policy and we encourage other organizations and individuals to express their opinions.” The statement is available here and we welcome others to show their support by also endorsing it.
The statement has been signed by the following groups:
COAR: Confederation of Open Access Repositories
SPARC: Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition
ACRL: Association of College and Research Libraries
ALA: American Library Association
ARL: Association of Research Libraries
Association of Southeastern Research Libraries
Australian Open Access Support Group
IBICT: Brazilian Institute of Information in Science and Technology
CARL: Canadian Association of Research Libraries
CLACSO: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales
COAPI: Coalition of Open Access Policy Institutions
Creative Commons
Creative Commons (USA)
EIFL
Electronic Frontier Foundation
Greater Western Library Alliance
LIBER: European Research Library Association
National Science Library, Chinese Academy of Sciences
OpenAIRE
Open Data Hong Kong
Research Libraries UK
SANLiC: South African National Licensing Consortium
University of St Andrews Library

DELEGAÇÃO DA FENPROF REUNIU COM A NOVA PRESIDENTE DA FCT

Informação recebida da FENPROF:
Em 15/5, a FENPROF reuniu a seu pedido com a nova Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Prof. Maria Arménia Carrondo.
A FENPROF apresentou as suas discordâncias com a política que tem sido seguida por este governo para a Ciência, da qual a FCT tem sido um instrumento privilegiado, tendo apontado as seguintes questões fundamentais:
-       o aumento muito significativo da desigualdade no financiamento das unidades de investigação, tendo muitas ficado sem qualquer apoio financeiro e muitas outras com um apoio que não chega para as despesas de funcionamento corrente, em resultado de uma decisão de excluir a priori metade das unidades da 2ª fase da avaliação;
-       as inúmeras violações dos regulamentos da própria FCT e da legislação geral sobre os procedimentos na administração pública, que levaram a uma contestação generalizada na comunidade científica e à interposição de recursos  para os tribunais e para o ministério público;
-       a redução significativa do número de contratos para investigadores FCT e a manutenção dos que conseguiram continuar empregados sob contratos precários, em violação da directiva comunitária contra contratos a termo resolutivo sucessivos.
-       a grande redução do número de bolsas de doutoramento e a prioridade dada à atribuição dessas bolsas a programas de doutoramento previamente aprovados pela FCT, com critérios muito contestáveis, deixando a descoberto em várias instituições algumas áreas científicas e prejudicando gravemente os candidatos mais novos.
A respeito destes problemas, a FENPROF defendeu que o processo de avaliação deve ser anulado e as unidades financiadas de acordo com a anterior avaliação, enquanto um sistema idóneo e equitativo não for posto em prática.
A FENPROF defendeu ainda que as instituições devem ter os seus orçamentos reforçados na proporção dos salários dos investigadores contratados, por forma a terem condições de abrir concursos para a carreira de investigação científica.
Defendeu ainda a necessidade de aumentar significativamente as bolsas de doutoramento que apoiem os jovens que querem desenvolver investigação nas instituições da sua escolha.
A Presidente da FCT afirmou que à Fundação competia executar as políticas para a Ciência que eram decididas a nível governamental e, ainda, que não lhe competia contratar por tempo indeterminado os investigadores, sendo essa uma competência exclusiva das instituições do ensino superior e unidades com autonomia administrativa e financeira.
Disse ainda que esta foi a primeira vez em que todas as unidades de investigação foram simultaneamente avaliadas, incluindo nesse exercício os Laboratórios Associados. Informou que serão em breve publicados os resultados das audiências prévias de carácter científico e das reclamações de natureza administrativa. Referiu que, em cooperação com o CRUP, estavam a ser avaliadas as reclamações que se baseavam em erros grosseiros.
Afirmou ainda que o seu mandato duraria apenas até ao final de 2015, tendo como prioridades o encerramento do processo de avaliação das unidades e a articulação da Fundação com as regiões, quanto à aprovação dos projectos financiados pelos fundos europeus de apoio ao desenvolvimento regional, cuja tipologia está dependente de decisões tomadas a esse nível pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Esclareceu que a FCT será necessária para analisar e avaliar os projectos propostos, competência que não existe a nível regional.
A FENPROF fez chegar queixas da comunidade científica relativamente à enorme burocracia nos concursos a projectos, a qual é considerada, por muitos investigadores responsáveis,  maior do que a relativa a concursos para projectos europeus, o que foi refutado pela Presidente.
A FENPROF concluiu desta reunião que uma inflexão positiva para a área da Ciência só será possível com um novo governo que tenha uma política diferente, na transparência e valorização deste sector, e, em particular, nas condições de estabilidade dos contratos dos investigadores.
Em síntese, a FENPROF continua a defender, ao contrário da actual prática da FCT e do MEC:

-       que a FCT e o MEC cumpram as “melhores práticas internacionais” que tanto apregoam, em particular a Carta Europeia dos Investigadores (recomendação da Comissão Europeia de 2005), a Recomendação da UNESCO (1997) subscrita pelo governo português, e a Directiva Comunitária 1999/70/CE relativa à ilegalidade de sucessivos contratos precários para vagas permanentes, e que obriga também o governo português, criando-se, assim, efectivas condições de estabilidade para os investigadores contratados;
-       a anulação do processo de avaliação das unidades de investigação e a manutenção temporária das anteriores regras de financiamento até que uma nova avaliação transparente e independente seja levada a cabo;
-       que os contratos de investigação – que deveriam substituir as bolsas pós-doutoramento – sejam celebrados no âmbito da carreira de investigação científica, ou seja, do ECIC;
-       o aumento das bolsas de doutoramento, sendo os candidatos livres de escolher a instituição de acolhimento.

22/05/2015

O Departamento do Ensino Superior e Investigação

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...