segunda-feira, 30 de novembro de 2020
domingo, 29 de novembro de 2020
MAIS VALE PREVENIR DO QUE REMEDIAR
Acabo de ler no "Público" (28/11/2020) esta notícia que, com a devida vénia, transcrevo parcialmente, que dá conta da indefinição que reina (facto que tem merecido vários artigos meus, um deles publicado hoje no “De Rerum Natura”) no que tange à vacinação corona vírus. Assina a notícia a eurodeputada do PSD Maria da Graça Carvalho, na foto.:
A importância de preparar cuidadosamente,
mas sem hesitações, o arranque da vacinação tem sido enfatizada pela Comissão,
que pediu aos Estados-membros para terem as suas estratégias de
vacinação concluídas até ao final deste mês, e antecipou-lhes
até parte do trabalho de casa, divulgando uma série de recomendações. Estas
abrangem desde os grupos prioritários a vacinar – tais como maiores de 60 anos,
pessoas com sistemas imunitários comprometidos, profissionais de saúde, outros
profissionais de setores fundamentais – às redes de distribuição, meios
técnicos de armazenamento (nomeadamente de refrigeração) e pessoal qualificado
a colocar no terreno (...).
AS SABICHONAS
“É uma ideia tonta que a vacinação não priorize os mais idosos” (Marcelo Rebelo de Sousa).
No passado dia 20 deste mês a findar, publiquei aqui um “post” titulado: “Corona Vírus e Dúvidas Sobre Prioridades”.
Hoje, passados que são nove dias, tenho a sensação que Portugal, neste aspecto, é um navio à deriva com duas timoneiras cursadas em escola náutica duvidosa sob a direcção de António Costa.
Nele publiquei uma imagem, de autor não identificado, com os seguintes dizeres: “As crianças são o melhor que o mundo possui e todas merecem amor e cuidado pois nas sua mãos vive o futuro”.
Entretanto, a exemplo do Titanic que naufragou por ter embatido num gigantesco iceberg, parece-me que o país se afunda com as medidas a tomar nesta emergência em que o gelo da indecisão faz com que haja uma vasoconstrição dos vasos que irrigam o cérebro da ministra e da directora-geral da Saúde que discutem nos bastidores as novas prioridades dos cidadãos a serem vacinados contra o corona vírus.
Pelo que deduzo, discutem entre elas e António Costa as prioridades desta vacinação, ou seja o nó górdio duma questão com mãos frágeis que empunham a espada que o deveria cortar sob o ponto de vista psicofísico carecendo de força física e anímica para o fazer sem tibiezas ou dúvidas.
Força anímica para que se sintam bem grudadas para permanecerem de pedra e cal nos seus lugares como lapas agarradas aos rochedos dos cargos que desempenham por um devotado amor à “res publica”, nunca por “os velhos terem tanta necessidade de afecto como de sol", em opinião de Victor Hugo.
E aqui reside outro busílis desta questão: tempos houve, escassos nove dias atrás, que seriam os velhos os primeiros a serem vacinados não por altruísmo mas, quiçá, para manter vivo o enorme arsenal de sabedoria que trazem na bagagem de vida com a utilidade de poderem vir a servir para indicarem a rota da prosperidade a este país exaurido pelos danos económicos e financeiros na hora que passa.
Receio, portanto, que como paga aos serviços prestados à pátria esses “patriotas” achem dever serem os primeiros a serem vacinados por parte dos diversos quadrantes políticos e, por arrasto, suas famílias deixando para trás os velhos que até ao aparecimento milagroso das respectivas vacinas faziam perigar, por contágio, a vida de concidadãos do país de lés a lés!
E o mais espantoso de tudo isto é o facto da Organização Mundial de Saúde formada por “ignorantes chapados” ter como prioridade a vacinação dos velhos. Ou seja, as entidades senhoris que presidem à Saúde dos portugueses são mais papistas que a própria Organização Mundial de Saúde e mais casmurras que os velhos!
Das pessoa mais credenciadas academicamente para este estudo epidemiológico é o bioquímico David Marçal, com vários artigos de natureza científica sobre esta temática que, de parceria com Carlos Fiolhais, pessoa altamente credenciada no âmbito científico, acabam de escrever o livro “Apanhados pelo vírus” (Gradiva).
Porventura, descendo dos seus tamanquinhos parlamentares e governantes, consultaram as suas doutas opiniões ou dar-se-á o facto de estarem mais virados e atentos a bolas de cristal de ignorantes das medicinas alternativas que abundam profusamente neste país em herança deixada em trevas medievais? Vá lá a gente saber numa época em que o segredo é a alma do negócio de quem governa sem dar cavaco a um povo de pseudo ignorantes.
P.S.: Para melhor compreenderem esta minha tomada de posição num tempo em que, em opinião de Simone de Beauvoir, “a velhice denuncia o fracasso da nossa civilização”, tenho por conveniente que os leitores consultem o meu artigo aqui publicado (20/11/2020) e citado no primeiro parágrafo deste meu texto: “Corona Virus e Dúvidas Sobre Prioridades”.
sábado, 28 de novembro de 2020
VIGÉSIMO PRIMEIRO CONGRESSO DO PCP
Depois de grandes controvérsias, e discussões sobre a legitimidade da realização deste Congresso, controvérsias que tiveram inclusivamente destaque constitucional, encontra-se ele a decorrer, com a promessa formal do PCP que seriam tomadas todas medidas para que não constitui-se nenhum perigo para a Saúde Pública em luta sanitária contra a pandemia provocada pelo fatal corona vírus
Substituiu-se, portanto, esta espécie de garantia, a uma tomada de posição enérgica das Ministra da Saúde e da Directora Geral deste ministério. Ou seja, em linguagem popular quem não tem cão caça com gato, ou seja, “mutatis mutandi”, quem não tem a garantia de quem devia dar o aval a esta realização teve de se contentar com a garantia do PCP, ainda que não lavrada em conservatória porque palavras leva-as o vento e de promessas está o inferno cheio.
Sem delírios persecutórios, apenas porque fiel ao principio de que uma imagem vale por mil palavras, peço a atenção dos leitores para esta foto de uma das sessões deste congresso. Embora sem uma fita métrica para medir o espaço que medeia entre os congressistas, mais me parece serem espectadores de um qualquer teatro de vilória, num dia invernoso sem aquecimento central, em que os espectadores se aproximam uns dos outros para se aquecerem com o calor humano exalado dos seus corpos.
Acho eu, acompanhado num país tradicionalmente de achismos de opiniões pessoais, com tal controversas, em que a liberdade de opinião deixou de ser coartada por censura oficial de estados totalitários ou como aconteceu, durante o regime do Estado Novo, com o lápis azul dos coronéis da Censura do Palácio Foz.
P.S.: A não se coagido por algum comentário, no direito legítimo de contestação, deixo descer o pano de qualquer novo texto meu sobre esta temática, com os votos sinceros de que este Congresso não tenha constituído perigo para a Saúde Pública de um povo causticado pelo traiçoeiro corona virus, e que nos dê a esperança ( inatingível a breve prazo?) de um Partido renovado porque o mundo político português não deve ficar enclausurado num passado solidário,ontem, com "Moscovo sol da terra" (Cunhal), hoje, com o comunismo da Coreia do Norte!
sexta-feira, 27 de novembro de 2020
JOAQUIM NAMORADO E A BANDEIRA DA POESIA
Minha recensão no jornal I de quinta-feira passada:
Sob uma Bandeira [Obra
Poética] é o título do livro que reúne a maior parte da poesia
do poeta Joaquim Namorado (Alter do Chão, 1914 - Coimbra 1986) que acaba de
sair numa magnífica edição com a chancela da Modo de Ler, do Porto (do veterano
editor José da Cruz Santos), com organização, prefácio e notas de José Carlos
Seabra Pereira, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A colecção é “As Mãos e os Frutos”, que abriu
com 36 Poemas e uma Aleluia Erótica, de Frederico García Lorca,
traduzidos por Eugénio de Andrade. A edição, com design de Rui Mendonça,
teve o apoio da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca
de Xira, que guarda o espólio literário de Namorado. Conforme explica no final uma
nota desta associação, o autor esteve na génese do Museu e deixou-lhe o seu
espólio literário, entre o qual se encontrava, organizado por ele e com o mesmo
título, a reunião da sua obra poética. Não é ainda a obra completa, mas é uma
boa tentativa.
Tive o gosto de conviver
com Joaquim Namorado, quando regressei em 1982 do meu doutoramento na Alemanha.
Bastante mais velho, ele era assistente de Matemática na Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), onde tinha feito o curso de
Ciência Matemáticas, que concluiu em 1943. Por ser militante do Partido
Comunista desde a década de 30, foi-lhe coarctada a possibilidade de seguir uma
carreira académica (incluindo a realização de doutoramento) e só após o 25 de
Abril de 1974 pôde entrar na função pública. Antes de ingressar na
Universidade, Namorado tinha andado no Liceu Normal de D. João III (hoje Escola
Secundária José Falcão), que eu, muito depois, também frequentei.
Lembro-me de o ver nos
cafés da Praça da República, em Coimbra, com a boina na cabeça o seu modo muito
próprio de interpelar as pessoas. Tinha um humor muito especial, tão lúcido
quanto ácido. Estive num jantar em sua homenagem em Junho de 1984, quando se
reformou, no qual foi distribuída uma “plaquete” de poemas seus relacionados
com a matemática: os Falsos Poemas Lógicos, incluídos no presente
volume. Estive também no seu funeral, que teve direito a honras académicas e a
um eloquente panegírico (não faltou a bandeira do PC sobre a urna).
Joaquim Namorado foi não só um intelectual resistente ao regime anterior, mas também um grande criador literário que merece maior reconhecimento do que aquele que teve hoje. Devido a várias circunstâncias da sua vida (julgo que viveu durante muitos anos de explicações particulares) e da censura reinante, não publicou muitos livros. Uma consulta ao catálogo da Biblioteca Nacional assinala essencialmente três: Aviso à Navegação: poemas (s.n., 1941), Incomodidade (Atlântida, 1945), A Poesia Necessária (Vértice, 1966). Mas na Biblioteca Rómulo, na Universidade de Coimbra, encontra-se também Zoo: poemas (FCTUC, s.d.). Alguma da sua prosa está em Obras, Ensaios e Críticas. Joaquim Namorado; organização, prefácio e notas de António Pedro Pita (Caminho, 1994). Escreveu Vida e Obra de Frederico García Lorca (s.n., 1943). Prefaciou livros de escritores seus contemporâneos: Fogo na Noite Escura, de Fernando Namora, Fanga, de Alves Redol, e Voz de Prisão, de Manuel Ferreira.
São vários os escritos
sobre a vida e obra de Namorado, a maior parte deles obras colectivas da iniciativa
da Câmara da Figueira da Foz (o poeta tinha uma casa de na Figueira e doou os
seus livros à Biblioteca local, razão pela qual a edilidade criou um prémio
literário com o seu nome) e do Museu do Neo-Realismo: Homenagem ao escritor Joaquim Namorado
(Câmara Municipal da Figueira da Foz, 1990; Joaquim Namorado - Vida e obra:
catálogo (idem, 1990); Incomodidade necessária: depoimentos (Câmara
Municipal de Coimbra, 1991); Joaquim Namorado: arte e intervenção, 1941, 50
anos depois (Museu do Neo-Realismo, 1993); Tudo existe o que se inventa
é a descrição: Joaquim Namorado, 100 anos, organização de Fátima Faria
Roque e António Pedro Pita (idem, 2014); e Joaquim Namorado: o herói no
"Neo-realismo mágico": no centenário do seu nascimento, de Jaime
Couto Ferreira (Lápis de Memórias, 2014).
Namorado é um autor do Neo-Realismo,
o movimemto que despontou em Portugal em 1936-1937, sendo uma sua marca de água
as preocupações social e política. Nesse movimento foi um dos poetas do
"Novo Cancioneiro" (1941-1944), uma colecção onde além dele publicaram
Fernando Namora, Álvaro Feijó, Carlos de Oliveira, Políbio Gomes dos Santos,
Francisco José Tenreiro, João José Cochofel (de quem a Imprensa Nacional acaba
de publicar a obra completa), Mário Dionísio, Sidónio Muralha e Manuel da
Fonseca (de quem acaba de sair uma entrevista a Amália Rodrigues, Amália nas
suas Palavras, Porto Editora). Namorado colaborou em várias revistas
culturais que agitaram o país entre os anos 30 e 50 do século passado como O
Diabo, Sol Nascente, Altitude, Síntese, Liberdade e Seara Nova.
Participou na reformulação da revista Vértice em 1945, da qual foi
director entre 1975 e 1981.
Comemorou-se a 24 de
Novembro o dia de aniversário do professor de Física e Química Rómulo de
Carvalho, de pseudónimo António Gedeão, que é também o Dia Nacional da Cultura
Científica. Embora Gedeão não caiba no Neo-Realismo, encontramos nalguns seus poemas, como “Poema da Pedra Lioz” e
“Calçada de Carriche”, as preocupações sociais dos
neorrealistas. Por outro lado, tal como Gedeão, Namorado abordou amiúde temas
científicos, o que não admira dada a sua formação.
Seabra Pereira
escalpeliza muito bem a lírica de Namorado. Mas o melhor aqui será mostrar
alguns exemplos. Os dois primeiros livros de Namorado são marcados pela Segunda
Guerra Mundial. O título do primeiro é retirado do poema “Aviso à Navegação”,
que é por si só uma bandeira de resistência: “Alto lá!/ Aviso à navegação!/ Eu
não morri:/ Estou aqui / na ilha sem nome, / sem latitude nem longitude,/
perdida nos mapas,/ perdida no mar Tenebroso!// Sim, eu,/ o perigo para a
navegação!/ o dos saques e das abordagens,/ o capitão da fragata/ cem vezes
torpedeada,/ cem vezes afundada,/ mas sempre ressuscitada!// Eu que aportei/
com os porões inundados, / as torres desmoronadas,/ os mastros e os lemes
quebrados/ - mas aportei!// Não espereis de mim a paz!/ Aviso à navegação:/ Não
espereis de mim a paz!// Que quanto mais me afundo/ maior é a minha ânsia de
salvar-me!/(…)”. No segundo livro, Incomodidade, o tom trágico-cómico está
patente no poema “Tragédia Antiga”: “Deitem-me às feras do circo!// Que me
importa/ que a multidão se debruce das bancadas/ e o César obeso e debochado/ me
olhe de través/pelo óculo de esmeraldas?!// Amanhã vou à manicure... “ E o tom irónico
está em “Mania das Grandezas”: “Pois bem, confesso:/ fui eu quem destruiu as
Babilónias/ e descobriu a pólvora.../ Acredite,/ a estrela Sirius, de primeira
grandeza,/ (única no mercado)/ deixou-ma meu tio-avô em testamento./ No meu
bolso esconde-se o segredo/ das alquimias/ e a metafísica das religiões/ — tudo
por inspiração!/ Que querem/ Sou poeta/ tenho a mania das grandezas...// Talvez
ainda venha a ser Presidente da República...” Gosto, em particular, pela
concisão e pelo humor, de três poemas muito curtos: “O Caruncho do Eterno”: “Se
nós não existíssemos/ Cervantes nunca seria imortal”; “Aventura nos Mares do
Sul”: “Eu não fui lá…”; e “Fábula”: “No tempo em que os animais falavam.../ Liberdade!/
Igualdade!/ Fraternidade!”
No mesmo livro destaco,
sobre a pobreza, o poema ”Caridade”, segundo o autor uma das “cinco virtudes mortais”:
“As senhoras da sociedade/ deram um baile a rigor/ para vestir a pobreza/ e a
pobreza horas a fio/ cortou, coseu, enfeitou/ os vestidos deslumbrantes/ que a
caridade exibiu./ Depois das contas bem feitas/ bem tiradas as despesas/ arranjou
um namorado/ a mais nova das Fonsecas;/ esteve bem a viscondessa,/ veio o nome
e o retrato da comissão nos jornais,/ e
o doutor, o Menezes,/ o senhor desembargador,/ estiveram muito engraçados,/ dançaram
o tiro-liro/ já meio-tombados.../ Parece que ainda sobrou/ algum
dinheiro para chita/ para vestir a pobreza/ numa festa comovente com discursos de homenagem/ e uma missa.../ a
que assistiu toda a gente”.
Depois de Incomodidade
o organizador colocou o poema “Combate”, a muito conhecida letra de uma das
“Canções Heróicas” de Fernando Lopes Graça: “nada poderá deter-nos/nada poderá
vencer-nos.” As pessoas da minha geração ouvem a música quando lêem o poema…
No final do livro A
Poesia Necessária, o autor volta ao tema da pobreza, no poema “Edital”, com
algumas palavras em maiúsculas: “Foi afixado/ nos locais do costume/ que É
PROIBIDO MENDIGAR.// Logo mão que se descobre/ escreveu a tinta por baixo/ MAS
NÃO É PROIBIDO SER POBRE. “
O primeiro poema de Zoo
é “Serenata”: “Metam o burro na gaiola/ de douradas grades/ e tratem-no a
alpista/ se quiserem/ — é só um
despropósito./ Mas esperar dele o trinar/ do canário melodioso/ é simplesmente
tolo.” Um dos Falsos Poemas Lógicos
é "O que é, era": “Quando Cristóvão Colombo/ descobriu a América/ a
América estava lá;/ o sangue já circulava/ antes de descrever Harvey a sua
circulação;/ a gente respirava sem saber/ que respirar é uma oxidação:// Tudo
existe./ O que se inventa é a descrição.” Ora aqui está uma boa tirada poético-filosófica
sobre descoberta e invenção.
UMA BIBLIOTECA DO FUTURO
Bibliografia também publicada na revista BICA:
Woody Allen diz que gosta muita
do futuro, porque “é lá que vai passar o resto dos seus dias.” Eu também gosto.
E, por isso, há muito que tenho umas estantes da minha biblioteca dedicadas a esse tema. Arrumei-a agora, tendo
verificado que, passado o tempo, tenho vários livros do século passado que
previam como ia ser o mundo no ano 2020. Separei-os para ver como falharam, pois,
o futuro é sempre uma surpresa. Apesar ou talvez por causa dos erros de previsão,
prever é sempre um desafio interessante. Alinhei aqui uma lista de doze livros,
publicados em português nos últimos dez anos, que dizem como vão ser as
próximas décadas. Denominadores comuns são as mudanças tecnológicas e as
alterações climáticas. Não podiam prever o vírus que nos apanhou neste ano. A
ordem é a alfabética do apelido do autor:
1-Daniel Franklin (coord.). Megatech.
As grandes inovações do futuro, Lisboa: Clube de Autor, 2017 este é um
livro ligado à revista The Economist, que trata da alimentação, saúde,
energia e transporte no futuro, enfatizando as mudanças causadas por mudanças
tecnológicas. O livro baseia-se na opinião de empresários e filantropos como Melinda
Gates, cientistas como o Nobel da Física Frank Wilczek, para além de um grupo
de jornalistas da revista.
2- Jean-Gabriel Ganascia, O
Mito da Singularidade. Devemos temer a inteligência artificial? Lisboa:
Temas e Debates - Círculo de Leitores, 2018. Um autor francês, professor na
Universidade Pierre e Marie Curie, desmonta o mito da “singularidade”, uma
previsão que alguns fazem do momento em que a inteligência artificial superará
a inteligência humana, iniciando-se em futuro transhumano.
3- Yuval Noah Harari, Homo Deus.
História breve do amanhã, Amadora, Elsinore, 2019. O autor é um historiador
israelita que é actualmente o maior autor de best-sellers de não-ficção:
este seguiu-se a Sapiens. Hstória breve da Humanidade. É uma visão macro-histórica,
fundamentada no passado na relação entre história e biologia, e no futuro sobre
a relação entre seres humanos e máquinas. A tradução é do escritor Bruno Vieira
Amaral.
4-Daniel Innerarity, O Futuro
e os seus Inimigos. Uma defesa da esperança política, Lisboa: Teorema, 2011.
O filósofo político espanhol, professor na Universidade de Saragoça e professor convidado na Sorbonne em Paris
(foi lá que deu as lições que originaram o livro), é considerado um dos maiores
pensadores dos nossos tempos. Pretende uma reorientação da política para o
futuro. O livro é elogiado por Madeleine Albright, ex-secretaria de Estado dos EUA,
e por Walter Isaacson, autor de biografas famosas.
5- Michio Kaku, A Física do
Futuro, Como a ciência moldará o mundo nos próximos cem anos, Lisboa: Bizâncio,
Lisboa, 2011. O autor, professor de Física Teórica no City College de Nova Iorque, é autor de
vários best-sellers de prospectiva, que incluem a Física do
Impossível, Visões e O Futuro da Humanidade.
Com presença assídua na rádio e TV norte-americanas, faz previsões a muito
longo prazo. Entrevistei o autor para o Público quando ele veio a
Lisboa.
6- Elizabeth Kolbert, A Sexta
Extinção, Lisboa: Elsinore, 2018 (1.ª ed., Lisboa: Vogais, 2014). Da
autoria de uma jornalista do New York Times, este livro discute
extinções que ocorreram no passado e fala da eventual extinção da espécie
humana devido às alterações climáticas globais. O livro foi premiado com o
prémio Pulitzer de não-ficção em 2015. Tem um elogio de Al Gore na badana.
7– Paul Mason, Um Futuro Livre
e Radioso. Uma defesa apaixonada da humanidade, Lisboa: Objectiva, 2019. O autor é um jornalista e
ensaísta premiado, que já tinha tido êxito com o livro Pós-capitalismo-um
guia para o nosso futuro. Nesta obra critica o capitalismo neo-liberal,
aponta o dedo á desintegração intelectual, económica e política e, numa visão
humanista, entrevê o futuro.
8- Joseph S. Nye, Jr. O Futuro
do Poder, Lisboa: Temas e Debates - Círculo de Leitores, 2018. Um rofessor
universitário e político norte-americano, membro de varias academias e laureado
com vários prémios, explica como o poder tradicional vai ser mudado pela evolução
tecnológica. O panorama geoestratégico está a mudar de um modo acelerado.
9- Tim O’Reilly, Como Será o Futuro
e porque defende de nós. Lisboa: D. Quixote, 2018. O autor é fundador e CEO
das O’Reilly Media, uma empresa de Silicon Valley que fornece ensino à distância,
conferências e publicações, além de ser gestor de um fundo de capital de risco.
Fala do mundo governado por algoritmos e
das novas empresas como a Uber. Na capa diz que é um best-seller WTF, o que
significa Where’s the Flow.
10- Robert Shapiro, O Futuro,
uma Visão Global do Amanhã. Como as superpotências, populações me a globalização
vão mudar a forma como vivemos e trabalhamos Lisboa: Actual, 2010. Fundador
e presidente de uma empresa de consultadoria, o autor, professor da
Universidade de Harvard, foi político na administração Clinton. Discute a
demografia, a globalização, a tecnologia e as crises.
11- Eric Schmidt e Jared Cohen, A
Nova Era Digital. Reformulando o futuro das pessoas, das nações e da economia.
Lisboa: D. Quixote, 2013. Este é um best-seller
do New York Times escrito pelo fundador e chairman da Google,
depois de ter sido CEO muitos anos, e pelo director da Google Ideas. Esses visionários expõem o que pensam sobre o
nosso futuro digital. Não se trata apenas de tecnologia, mas também de vida e
política. Alguns dos nomes que abonam o livro na badana são Bill Clinton, Henri
Kissinger e Tony Blair.
12– David Wallace- Wells, A Terra
Inabitável, Lisboa: Lua de Papel, 2019. Jornalista da revista New York faz uma
previsão que solicita o nosso alerta urgente , num ensaio que começou por ser publicada naquela revista, sobre o futuro do nosso planeta,
ameaçado como está pela acção humana, num livro que está a ser bastante lido e
discutido em todo o mundo. Escrevi o prefácio.
SABER O FUTURO
Meu artigo no último número da revista BICA:
Foi o realizador norte-americano Woody Allen que disse “gosto muito do futuro porque é lá que vou passar o resto dos meus dias.” Será difícil não concordar. Daí as constantes e múltiplas tentativas que a Humanidade tem empreendido para preparar o futuro. O futuro é connosco no sentido em que, usando o nosso melhor conhecimento e os melhores meios tecnológicos proporcionados por esse conhecimento, podemos criar condições de vida que irão perdurar. Se é certo que o conhecimento ajuda muito na construção do futuro, não é menos certo que ele se tem revelado sempre uma caixinha de surpresas. Quem faz previsões e arrisca-se sempre a errar.
A futurologia é a disciplina que, com
base no actual conhecimento, efectua previsões, naturalmente falíveis. Grandes
nome da futurologia, que encontraram ampla audiência pública, são os norte-americanos
Rachel Carson (1907-1964), Daniel Bell (1919-2011), Hermann Kahn (1922-1983), Alvin
Toffler (1928 -2016), e os franceses Bertrand de Jouvenel
(1903-1987) e Jean Fourastié (1907-1990). Na actualidade têm-se destacado os
norte-americanos Michio Kaku (n. 1947) e Ray Kurzweil (n. 1948), e o
israelita Yuval Harari (n. 1976).
Os computadores são hoje em dia um
instrumento imprescindível para fazer previsões, não só porque acumulam
informações mas também permitem correr simulações. Mas as melhores previsões ainda continuam a
ser feitas por humanos, eventualmente servindo-se de computadores. Um projecto
particularmente interessante é o do psicólogo canadiano Philip Tetlock (n.
1954), autor do livro Superprevisões: A Arte e a Ciência da Previsão
(2015), escrito com Dan Gardner. A ideia dele, financiada por agências de
segurança dos Estados Unidos, é que se pode, com treino adequado, desenvolver
capacidades de previsão em pessoas que não são necessariamente génios.
O passado é o melhor guia
Há algumas coisas que podemos prever com confiança guiados pelo nossa experiência passada. Uma daquelas em que mais acredito – e tenho boas razões para acreditar - é de que, no futuro, vamos saber mais do que sabemos hoje. Já no século XVI, o médico português Garcia da Orta (c.1501-1568) escreveu, com manifesto optimismo, que “o que não sabemos hoje amanhã saberemos.” Foi nos séculos XVI e XVII – no tempo da chamada Revolução Científica – que surgiu o método científico que tem guiado o caminho da Humanidade desde então. O físico britânico David Deutsch (n. 1953) no seu livro O Início do Infinito (2011), diz que com a Revolução Científica se iniciou um processo sistemático de ampliação do conhecimento, uma vez que passámos a dispor de um meio para criar conhecimento seguro. No século XVIII surgiu, na sequência dessa Revolução, uma outra, a Revolução Industrial, que permitiu substituir o trabalho animal e algum trabalho humano por trabalho de máquinas (um marco foi a máquina a vapor de James Watt em 1776). Já não se via uma mudança tão grande na vida da Humanidade desde a Revolução Neolítica, há cerca de 10.000 anos, quando os caçadores–colectores passaram a fazer agricultura e pecuária perto das suas habitações, aglomeradas em povoações. No século XIX ocorreu uma segunda vaga da Revolução Industrial com a substituição gradual das máquinas a vapor por máquinas eléctricas (um marco foi o primeiro dínamo de Faraday em 1831). Já no século XX ocorreu uma terceira vaga da Revolução Industrial, com o desenvolvimento da electrónica (um marco foi a invenção do transístor em 1947) e dos computadores (marcos foram o aparecimento do computador pessoal em 1974 e a World Wide Web em 1990).
A Revolução Industrial levou a um crescimento explosivo da economia, um crescimento que continua nos tempos de hoje. É lícito esperar que essa tendência prossiga no futuro, isto é, que se produza cada vez mais riqueza, embora existam nítidas e persistentes desigualdades na sua distribuição.
A maior riqueza permitiu a mais gente ter acesso a um conjunto de bens que a ciência e a técnica foram proporcionando. O século XIX viu nascer, falando de inventos mais ligados à física: a telegrafia, eléctrica e sem fios, o telefone, a lâmpada eléctrica e a electrificação, os raios X, a bicicleta, o automóvel e o comboio. O século XX viu nascer o avião, a rádio e a televisão, a energia nuclear, os electrodomésticos, os computadores, os lasers e as fibras ópticas, os satélites e as viagens espaciais, a Internet e o GPS. Mas, nos dois últimos séculos, houve muitos outros inventos, incluido alguns ligados à química (os adubos, o plástico e a pílula anticoncepcional) e outros ligados à biologia e à medicina (o conhecimento dos gérmens, as vacinas, a aspirina, a penicilina, a estrutura do ADN e o projecto do genoma humano). Avanços no saneamento, na nutrição e na medicina conduziram a um contínuo aumento da longevidade humana que continua nos días de hoje. Baseado em todos esses avanços do passado, será seguro prever a continuação desse progresso material e do maior conforto do homem como habitante do planeta.
Erros de previsão
E, no entanto, algumas destas invenções, que hoje são banais nas nossas vidas, foram imprevisíveis. Ninguém previu, por exemplo, no alvor da última década do século pasado, o aparecimento da World Wide Web no CERN, um laboratório de ciência fundamental, nem o seu rápido crescimento em todo o globo, mudando completamente a nossa vida.
Mas já antes tinha havido
grandes dificuldades e falhas de previsão, tanto na ciência como na tecnología.
Alguns grandes nomes da ficção científica
como o francês Júlio Verne (1828-1905) fizeram
previsões bem sucedidas, como a da
viagem à Lua ou a de grandes viagens submarinas, mas no século XIX não era de
todo possível conceber o que seria o
século XX. Muitos sábios falharam. O físico norte-americano Albert Michelson
(1852-1931), coautor da famosa experiência que permitiu eliminar a hipótese do
éter como meio de propagação das ondas electromagnéticas, afirmou em 1894: “Parece
provável que a maior parte dos grandes princípios já estão firmemente
estabelecidos e que os avanços futuros precisam de ser procurados arduamente na
aplicação rigorosa desses princípios a todos os fenómenos de que temos
conhecimento. (…) As verdades futuras da física devem ser procuradas na sexta
casa decimal.” Não tinham ainda passados dez anos e já havia teorias
físicas completamente novas: a teoria quântica e a teoria da relatividade, que
haveriam de permanecer inabaláveis até aos dias de hoje. Houve quem tivesse
boas premonições. O britânico Lord Kelvin (1824-1907), um dos maiores físicos do século
XIX, numa conferência na Royal Institution de Londres em 1900, que havia, na
física clásica, dois pequenos problemas por resolver: “A beleza e a claridade da
teoria dinâmica, que coloca calor e luz como modos de movimento, está presentemente
obscurecida por duas nuvens.” Essas duas “nuvens” deram lugar às duas teorias
referidas, que são os pilares da física moderna e que, em particular a teoría
quântica, proporcionaram enormes transformações do nosso modo de vida.
No inicio do século XX houve algumas previsões que se
revelaram acertadas Por exemplo, o grande autor britânico da ficção científica
Herbert George Wells (1866-1946) previu as comunicações rápidas, a bomba
atómica, os lasers, a engenharia genética, etc. Mas outras pessoas notáveis falharam
nas suas previsões. O marechal francês Ferdinand Foch (1851-1929), professor de
Estratégia na Escola Superior de Guera em Paris, que seria comandante das
forças aliadas no frente oeste durante a Primeira
Guerra Mundial, declarou em 1911 que “os aviões são brinquedos
interessantes, mas não têm qualquer valor military.” No entanto, naquela guerra
os aviões começaram a revelar a sua enorme utilidade, tendo-se revelado
decisivos na guerra mundial seguinte.
Sobre os computadores,
que proliferaram no mundo de forma vertiginosa nos últimos 40 anos, também há
todo um reportório de previsões falhadas. Vejamos, como exemplos, os grandes
erros de três líderes norte-americanos da indústria informática. Em 1943, Thomas Watson
(1874-1956), fundador da IBM, afirmou: “Penso que no mundo só há mercado para talvez uns cinco computadores.” Mais
tarde, em 1977, Ken Olsen (1926-2011), fundador da, uma
companhia pioneira na indústria de computadores, declarou: “Não há nenhuma razão para que
um cidadão comum queira ter um computador em sua casa.” E Bill Gates (n. 1955), fundador da
Microsoft declarou, em 1981, que “Uma memória de 640 k deve ser suficiente para
qualquer pessoa”. Todas essas frases parecem-nos hoje ridículas. Houve, porém,
quem conseguisse fazer previsões acertadas a longo prazo. O engenheiro
norte-americano Gordon Moore (n. 1929), fundador da Intel, previu em 1965 que
os chips dos computadores iriam duplicar o número dos seus transistores
a cada 18 meses - a famosa lei de Moore-, e essa previsão acabou por ser
cumprida ao longo de décadas. Há quem diga que uma das razões é que a Intel
controlava a indústria…
Ninguém foi capaz de prever a libertação da energia nuclear, tal
como ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial. É certo que Pierre Curie
(1859-1906), o marido de Madame Curie e um dos pioneiros da radioactividade,
tinha dito, na sua Conferência Nobel em 1905: “Pode-se inclusive considerar que o
rádio pode tornar-se muito perigoso em mãos criminosas e, aqui, levanta-se a
questão quanto à capacidade da humanidade de se beneficiar do conhecimento dos
segredos da natureza, se está pronta para lucrar com isso e se essa sabedoria
não será prejudicial.” Mas ninguém podia adivinhar
o uso bélico dado à energia nuclear. Os militares não previram. Em 1945, o almirante
norte-americano William Leahy (1875-1959), disse ao presidente Truman em 1945 a
respeito da bomba atómica: “Esta é a maior tolice de
sempre. A bomba atómica nao explodirá nunca, e falo como especialista em
explosivos.” As explosões de Hiroshimna e Nagasaki calaram-no. Os átomos
passaram depois da guerra a servir para a paz, mas ninguém conseguiu prever
Chernobyl nem Fukushima. Assim como ninguém conseguiu prever quando haverá uma instalação prática que
permita fornecer energia nuclear de fusão, um dos santos grais da Física para
produzir energia limpa em abundância.
Sobre o espaço, a colocação em órbita do primeiro satélite
artificial, o Sputnik-1, em 1957, foi uma surpresa para muita gente. Em
particular, para os norte-americanos. Em resposta, o presidente John Kennedy
previu, em 1962 que os EUA seria o primeiro país a chegar à Lua, ainda antes do
fim dessa década, uma profecia que foi concretizada em 1969 graças aos
avultados meios colocados à disposição da NASA. É, como no caso da Intel, o que
se pode chamar uma profecia que se auto-realiza. Quando as leis da física o
permitem e o profeta tem os meios para concretizar a profecia, é fácil ser um profeta
bem sucedido.
Em contraste, as previsões feitas no século passado e mesmo
neste sobre a ida a Marte dificilmente se concretizaram. Eu próprio escrevi um
artigo em 1990 na revista Omnia (intitulado “A Difícil arte de prever o
futuro”) em que, com um optimismo temperado por um ponto de interrogação, dizia
que a primeira viagem a Marte poderia ocorrer em 2015. Já passaram cinco anos
sobre essa data e não só ainda não se foi ao planeta vermelho como ninguém
consegue prever com segurança quando se lá irá. A viagem é permitida pelas leis
da física e o grande roblema são os avultados meios para efectivar a viagem.
A aposta
Ehrlich-Simon
Há uma coisa que devemos aprender com a história no que respeita
à previsão do futuro. Não devemos nunca desprezar a capacidade humana de inovar
e, portanto, os desenvolvimentos tecnológicos que pode surgir. Nos anos 80
houve uma aposta envolvendo previsões que ilustra bem esta essa capacidade.
O norte-americano Paul Ehrlich (n. 1932), professor de Biologia na Universidade de Stanford, é um dos ecologistas mais conhecidos pelos seus avisos sobre os efeitos do crescimento populacional. Publicou em 1968 um livro, que se tornou rapidamente um clássico, sobre o crescimento populacional e suas consequências (A Bomba Populacional), que teve uma sequela (A Explosão da População, 1990). Nessas obras expôs as razões para temer para o futuro. Os motivos pareciam evidentes: A curva da população mundial estava a subir vertiginosamente, mas os recursos existentes na Terra para satisfazer as necessidades dessa população eram finitos. A certa altura teria de haver pessoas com necessidades.
Os pessimistas costumam ter optimistas por opositores. Julian Simon (1932 –1998), professor de Economia na Universidade de Maryland, depois de ter estudado a questão levantado por Ehrlich, concluiu que poderia haver um ou outro problema local relacionado com o excesso de habitantes na Terra, mas que no global não haveria problema nenhum. Quanto mais cabeças houvesse na Terra maior seria a pool de criatividade de onde novas ideias e soluções poderiam surgir. Simon publicou em 1980 na Science um artigo em que criticava as conclusões dos ecologistas pessimistas como Ehrlich. Se há mais gente a procurar mais matérias-primas e estas são limitadas, Ehrlich concluía que elas tinham de aumentar de preço, conforme manda a lei de oferta e da procura da economia. Errado, resplicou Simon, explicando: devido ao progresso das tecnologias que são necessárias para as suas extracção e transformação, o preço desses recursos não ia, a prazo, subir mas sim baixar. Ehrlich e Simon resolveram adoptar um exemplo concreto para confrontar as suas posições. Em 1980 fizeram uma aposta sobre o preço daí a dez anos de um conjunto de metais de utilização comum (cobre, crómio, estanho, níquel e tungsténio). Ehrlich previa que iam ser mais caros, ao passo que Simon previa que iam ficar mais baratos. Em 1990, foi a altura de verificar quem tinha ganho.
Ganhou
Simon. Corrigindo os preços para levar em conta a inflacção, esses metais
tinham de facto descido de preço. Aliás não era praticamente necessária essa
correcção porque a descida era bastante acentuada. Ehrlich não teve mais do que
pagar ao seu antagonista. As razões da descida de preço eram claras e
corroboravam a tese de Simon: tinham-se desenvolvido novas tecnologias de detecção
e extracção de jazidas metálicas e tinham-se substituído alguns materiais por
outros. Foram, designadamente, descobertas novas jazidas de níquel, o crómio
passou a ser extraído de uma forma mais eficaz, o tungsténio foi substituído por
cerâmica em utensílios de cozinha, e o cobre passou a ser substituído por fibra
óptica, que é feita de areia, muito mais abundante.
O boom
da população mundial
A questão do crescimento da população e
da escassez de recursos do planeta esteve também subjacente a um famoso
relatório do Clube de Roma, um grupo de notáveis fundado em 1968, que tem
debatido a economia, o ambiente e o desenvolvimento sustentável. O relatório intitulou-se Os Limites
do Crescimento (1972), elaborado por uma equipa
do MIT, contratada pelo
Clube de Roma e chefiada pela ecologista norte-americana Donella Meadows (1941-2001). A visão era pessimista: usando sofisticados
modelos matemáticos, os cientistas do MIT chegaram
à conclusão de que o planeta não suportaria o crescimento populacional devido à
pressão gerada sobre os recursos naturais, incluindo as
fontes de energia, e devido ao aumento da poluição, mesmo levando em conta os previsíveis
avanços
tecnológicos. Haveria problemas na qualidade de vida, a começar
logo pela saúde. O relatório vendeu mais de 30 milhões de exemplares em 30
línguas, tendo-se tornado o livro sobre ambiente mais vendido de sempre.
Mas, décadas volvidas, podemos confrontar
com a realidade as conclusões do relatório Meadows. Vários analistas concluíram
que as equações dos modelos eram muito sensíveis a pequenas variações de alguns
parâmetros, pelo que as suas previsões não se podiam considerar fiáveis. Além
disso, ocorreram inovações, que, por definição, são imprevistas.
A previsão do crescimento da população mundial resistiu à prova do
tempo. Projecções da ONU têm augurado o crescimento contínuo dessa população,
que ultrapassou há pouco tempo os sete mil milhões de pessoas, de modo a
ultrapassar os dez mil milhões antes do fim do actual século (em 2019 a ONU previa
que os habitantes da Terra seriam 10,9 mil milhões nessa altura). No entanto,
essas previsões podem revelar-se falíveis. Segundo um estudo do Instituto de
Medição e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington, publicado em Julho
de 2020, no fim do corrente século a população mundial estará dois mil milhões
abaixo das previsões da ONU. Haverá um pico de 9,7 mil milhões por volta do ano
2064, caindo para 8,8 mil milhões em 2100. A razão é a queda da natalidade em
numerosos países. Portugal é um exemplo concreto: devido à falta de
nascimentos, a população portuguesa cairá para metade antes do fim do século,
tornando-se um dos países mais envelhecidos do mundo. À escala global, essas
são boas notícias para o ambiente, uma vez haverá menos pressão sobre ele. Mas
para a economia dos países com maior decréscimo populacional, como é o caso
português, as notícias não são boas. Não se vê como melhorar a situação a não
ser com incentivos à natalidade e à imigração.
O clima e a energia
O relatório do Clube de Roma não foi alarmante sobre o
aquecimento global. Esse é, porém, um problema que a ciência tem vindo desde
então, e cada vez mais, a evidenciar, chamando a atenção dos políticos e da
população em geral. Não restam dúvidas de que o nosso planeta está, em média, a
aquecer e que esse aquecimento se deve à acção humana, designadamente aos
processos de produção de energia, industriais e de mobilidade que levam a
emissões de dióxido de carbono, que causam um excesso de efeito estufa. O Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU tem produzido sucessivos
relatórios alertando para as consequências em vários domínios que vão da
meteorologia à saúde, passando pela biodiversidade. Fala-se até de uma nova
era, o Antropoceno, caracterizada pelo nefasto primado da acção humana sobre o
ambiente. Em 1997 foi assinado o Protocolo de Quioto, uma resposta política
global á ameaça anunciada. Na sua sequência, foi, em 2015, assinado o Tratado
de Paris por quase todos os países do mundo (os Estados Unidos assinaram, mas
não ratificaram), um acordo para a diminuição das emissões de dióxido de
carbono. As previsões sobre o clima e o ambiente a curto e médio prazo são
feitas com bastante segurança, mas, como o problema é extremamente complexo,
existe alguma incerteza quanto à amplitude da questão num prazo mais longo. Este
é decerto um dos problemas maiores do nundo de hoje e paira a dúvida sobre o
que vai acontecer.
Mais uma vez, como no caso da aposta Ehrlich-Simon é bastante
possível que a inovação venha em nosso auxílio. Há já muito que se desenvolvem
e aplicam tecnologias para obter energias por fontes alternativas aos
combustíveis fósseis (recorrendo às energias eólica, solar, hídrica, etc.), que
se procuram processos industriais mais sustentáveis (com menores emissões de
gases de efeito estufa), e que se desenvolvem veículos com menos ou nenhumas
emissões (os veículos híbridos ou eléctricos).
O caso do petróleo é particularmente interessante. Vários especialistas
têm tentado prever o fim do petróleo, uma vez que as reservas são evidentemente
limitadas. Alguns disseram que estava quase a acabar. Mas o facto é que as
novas tecnologias, como a extracção do petróleo de xisto, levaram a que ainda
tenhamos reservas para cerca de 50 anos, continuando o consumo actual. A
procura está a baixar, como é indicado pelos preços que, em média, estão a descer
desde 2008 (na actual crise pandémica atingiu-se um mínimo de duas décadas). Embora
seja desejável não depender dos combustíveis fosseis, o certo é que ainda
dependemos em larga medida e não sabemos bem quando estaremos em condições de
deixar de depender. Apesar dos seus riscos, o tema da energia nuclear voltou à
baila, uma vez que não tem emissões de dióxido de carbono. Fala-se hoje muito
em economia do hidrogénio, mas as previsões da sua implementação são muito
incertas.
Os computadores e o futuro
Um
desenvolvimento tecnológico vertiginoso e em larga medida inesperado ocorreu na
área dos computadores. Se o mesmo desenvolvimento tivesse ocorrido na indústria
automóvel hoje andaríamos de Ferrari pelo preço de uma bicicleta. São os nossos
computadores mais poderosos que nos permitem fazer previsões sobre o futuro:
num certo sentido, são as nossas bolas de cristal. No início da década de 60,
quando os computadores pessoais ainda não existiam e a computação implicava
grandes e dispendiosos monstros electrónicos, previa-se o triunfo a curto prazo
da inteligência artificial, com os computadores a desempenharem muitas das
tarefas humanas. Mas, apesar de o progresso ter sido lento, hoje o tema da
inteligência artificial voltou em força (um marco desse desenvolvimento foi a
derrota, em 1997, do campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, num jogo com uma
máquina da IBM). Há quem anteveja que a inteligência artificial se vai desenvolver
de tal maneira que haverá o que se chama uma “singularidade” daqui a cerca de
30 ou 40 anos, quando os computadores tiverem mais capacidade do que o cérebro
humano. Seria o que poderíamos chamar “fim da história humana” e o começo de
uma “história transhumana”.
A ideia, apesar de ser hoje muito debatida (Stephen Hawking e Ellon Musk chamaram a atenção para o perigo
de um futuro transhumano) não é propriamente nova. O engenheiro norte-americano
de origem austríaca Hans Moravec (n. 1948), da Universidade de Carnegie-Mellon,
previu no seu livro Homens e Robôs. O futuro das inteligências humana e
robótica (1988), que robôs inteligentes iriam acabar por prevalecer sobre
os seus criadores. Tal supremacia deveria correr cerca do ano 2040. Por essa altura, poder-se-ia
fazer o download da mente humana para dentro de um robô, assegurando
assim uma vida eterna. Em defesa da sua tese, Moravec confessa que nunca
percebeu por que razão o Pinóquio, um boneco de pau, queria ser humano. Ele em
criança sonhava ser Pinóquio, o que lhe garantia uma recupeação fácil na
oficina do Mestre Gepeto em caso de um eventual acidente. O professor de Robótica
diz que as pessoas preferirão ser robôs, com o hardware imperecível, e
um software com capacidade para expansão para além dos actuais e frágeis
limites humanos.
Não sei, tenho dúvidas… Os computadores são
velozes processadores de informação, mas não são ainda conscientes. Nem se sabe
se algum dia poderão ser: não falte quem diga que não. E, para um futuro
decente, a consciência é essencial.
quinta-feira, 26 de novembro de 2020
NOVOS CLASSICA DIGITALIA
Os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar 2 novas publicações com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra. Os volumes dos Classica Digitalia estão disponíveis em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital, em Acesso Aberto.
NOVIDADES EDITORIAIS
Volumes de Homenagem a Nair de Nazaré Castro Soares
António Rebelo & Margarida Miranda (Coords.), O Mundo Clássico e a Universalidade do seus Valores – Homenagem a Nair de Nazaré Castro Soares. Vol. I (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020). 490 p.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2032-9.
António Rebelo & Margarida Miranda (Coords.), O Mundo Clássico e a Universalidade do seus Valores – Homenagem a Nair de Nazaré Castro Soares. Vol. II (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020). 496 p.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2034-3.
[Esta obra em dois volumes pretende homenagear a Prof. Doutora Nair de Nazaré Castro Soares, Professora Catedrática Jubilada da Universidade de Coimbra, num ato de reconhecimento pela sua carreira académica, que se desdobrou num profícuo e longo magistério, e numa investigação de excelência. Da sua longa e proveitosa atividade ao serviço da educação e da ciência beneficiaram muitas gerações de alunos e de investigadores, em Portugal e no estrangeiro. São esses discípulos, colegas e amigos que agora contribuem para a composição deste livro, com trabalhos que versam as várias áreas do saber em que ela se distinguiu e que conferem estrutura à organização desta obra: a literatura e a cultura greco-latinas, a tradição clássica medieval, os estudos do Humanismo e Renascimento, e a herança clássica no mundo moderno e contemporâneo.]
A GATARIA DE S.BENTO
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
«As Pedras na Ciência e na Cultura» : Novo livro de Galopim de Carvalho
Apresentação por José Batista d'Ascenção:
O
livro «As Pedras na Ciência e na Cultura» é uma «viagem» extraordinária pelo
universo das rochas, de que a generalidade das pessoas tem um conhecimento
superficial. Numa escrita primorosa, o rigor da informação e a objectividade
são conseguidos com uma liberdade de exposição e uma «tonalidade» de escrita só
ao alcance de quem possui uma vastidão de conhecimentos e uma capacidade de
comunicação fantásticas, baseadas na paixão pelo saber e na vontade de o
partilhar com o público.
Muito
ganha o leitor ao iniciar esta «viagem». Porque pode seguir como quiser, do
início ao fim, ou saltar pelos temas, voltar atrás, ou começar até do fim para
o princípio, que não perde por isso. É como se navegasse num livro impresso
tradicional, porquanto, cada tema ou capítulo é claro e atractivo em si mesmo e
harmoniza-se com os restantes. Pode seguir ou «vaguear» por diversos
«percursos», tamanha é a riqueza dos conteúdos, em termos científicos, mas
também de cultura geral, onde cabem a explicitação dos étimos, a poesia, os adágios,
o conto, a escultura, a arquitectura, a toponímia, ou a referência aos vultos
que engrandece(ra)m a História do conhecimento geológico. Em qualquer caso, o
leitor é transportado muito para além do estudo específico de minerais e
rochas, como sejam as relações de uns e de outras com a economia dos povos e
seus usos e costumes – a sua cultura, ou o modo como influencia(ra)m paisagens
e seres vivos ao longo dos tempos.
Como
se não bastasse, para entendimento do que é esta bola planetária em que nos
cabe viver, há ainda a explicação alargada, em linguagem simples, dos impactos
de corpos rochosos na Terra e das cicatrizes que deixaram nela, como que a
transportar-nos para os limites do entendimento de quem somos no universo.
Acresce, a cada passo, a revelação de curiosidades pertinentes que aumentam o
prazer da leitura e a bagagem de conhecimentos.
Naturalmente,
o livro também se presta valiosamente a visitas curtas ou consultas pontuais,
em qualquer altura, aos seus diversíssimos temas ou a algum dos seus dois
glossários finais.
Ao
elucidar os fenómenos naturais (e artificiais) da origem e alteração de
minerais e rochas, além de explicitar com clareza muitas das condições, das
técnicas e das tecnologias com que o ser humano, desde as suas origens,
procedeu à sua exploração e emprego, o livro «As Pedras na Ciência e na
Cultura» poderia, resumidamente, classificar-se como uma obra de decifração (em
linguagem acessível) do que as «pedras» são, da sua importância na litosfera (do grego lithos, rocha, e sphaira, esfera), das
suas utilizações possíveis e da informação que nos podem fornecer. Como as
«pedras» são o suporte em que a Natureza registou a sua História, não há como
estudá-las para se entender o passado da Terra, imensamente anterior ao
aparecimento da espécie humana, e conhecer os mecanismos geodinâmicos
fundamentais, prevendo ou antecipando, de algum modo, os fenómenos geológicos
que podem ocorrer no presente e no futuro, com implicações mais ou menos
dramáticas no mundo vivo e nas realizações humanas. Esse estudo importa ainda
como meio de alargar os conhecimentos que permitam explorar e transformar
sustentavelmente os recursos minerais, assegurando a qualidade ambiental e o
respeito pela importância dos geomonumentos.
É
muito importante a divulgação e a compreensão, mesmo pelas pessoas comuns, dos
mecanismos básicos e gerais da origem das diferentes rochas e das condições em
que podem converter-se umas nas outras, ao longo do tempo geológico, num ciclo
(petrogenético) não perceptível à escala temporal dos humanos, porque de uma
dimensão muitíssimo mais longa. O Professor Galopim de Carvalho, no seu labor
incansável e fecundo, fala-nos de tudo isso com a paixão serena de quem ama o
que sabe e se dedica inexcedivelmente a divulgar o que estudou e aprendeu.
E
fá-lo como poucos, contagiando com o seu entusiasmo os que tiveram o privilégio
de terem sido seus alunos e muitos dos que leem o que escreve (em livros e
revistas, em jornais, em blogues diversos ou nas redes sociais) ou ouvem as
suas comunicações, sejam crianças de tenra idade, jovens ou adultos.
Por
consequência, este livro nasceu com tanto empenho e generosidade, quanto o
desejo de aumentar a literacia dos portugueses, numa área em que a preparação
geral é tendencialmente fraca. Uma parte muito significativa do público-alvo
são (ou deviam ser) os professores do 3º ciclo do ensino básico (7º - 9º anos
de escolaridade) e do ensino secundário. Especialmente para esses, a obra surge
plena de oportunidade. Da acção pedagógica dos professores depende a formação
dos jovens, a qual, no que se refere à Geologia, e devido a factores vários,
continua a revelar falhas comprometedoras e notória impreparação geral. Ora,
nada melhor que (in)formação rigorosa e fundamentada, de preferência exposta
com o dom da clareza, da elegância e da economia de palavras, numa escrita
plena de harmonia nos termos e nos conceitos, no discurso, nas ideias e nos
conhecimentos, que o saber e a arte do autor tornam próxima e convidativa.
Livros assim são como que «acções de formação» (cómoda, fácil, agradável e
proveitosa) sobre conteúdos relevantes prontos a assimilar e sempre
disponíveis.
Mas o
livro «As Pedras na Ciência e na Cultura» pode também ser muito útil no ensino
universitário, sobretudo para os estudantes de ciências geológicas e áreas
relacionadas dos primeiros anos, quer pelas falhas de preparação de anos
anteriores, quer pela visão integrada e global da abordagem às «pedras» que
proporciona.
Assim,
ganham todos os leitores interessados numa cultura geral abrangente ou em
conhecimentos específicos, desde o fabrico da cal e do cimento, às aplicações
artesanais e industriais do barro, à elaboração da calçada portuguesa, à
exploração de adubos, do gesso, do sal, do alumínio, do ferro, dos carvões ou
das pedras preciosas, passando pela informação fornecida pelo estudo dos
meteoritos, tudo isso e muito mais aqui harmoniosamente tratado pela pena do
Professor Galopim de Carvalho. E de que ele nos fornece vastíssimos exemplos,
por todo o território português ou em quaisquer locais do planeta - a “bola
colorida” que é a nossa casa e onde temos que encontrar e gerir
responsavelmente tudo o que precisamos para sobrevivermos enquanto espécie
biológica.
Em boa
hora este livro viu a luz do dia. Lê-lo é um prazer que faz crescer. É essa a
sua função. Aproveitemos, em benefício próprio e em homenagem ao Bom Mestre e
Homem Bom que o produziu.
Com
admiração profunda e sentido agradecimento”.
José
Batista d’Ascenção
ANTÓNIO DAMÁSIO: DO SENTIR AO SABER
Meu artigo no último JL:
António Damásio (Lisboa, 1944), professor de Neurociências
na Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, onde dirige o Instituto
do Cérebro e da Criatividade, é, provavelmente, o mais célebre dos cientistas
portugueses contemporâneos. Não sei por que surgem outros nomes quando, por
vezes de forma descuidada, se fala da possibilidade de um novo Nobel português.
Damásio é um produto da escola de Neurologia de Lisboa, que António Egas Moniz,
o único Nobel português em ciências, deixou. Além de ser um dos mais eminentes
neurocientistas mundiais, ele é autor de livros que comunicam ideias
intrincadas das Neurociências a um público não especialista, sendo, através de
várias traduções, lido avidamente em todo o globo.
Acaba de sair na Temas e Debates - Círculo de Leitores o seu
sexto livro de Neurociências para todos: Sentir & Saber. A Caminho da
Consciência. Os anteriores foram: O Erro de Descartes: Emoção, razão e cérebro
humano (Europa-América, 1995; edição revista e actualizada: Temas e
Debates, 2011), um best-seller traduzido em 20 línguas; O Sentimento
de Si. O corpo, a emoção e a neurobiologia da consciência (Europa-América, 2000;
edição revista e atualizada: Temas e Debates, 2013); Ao Encontro de
Espinosa: As emoções sociais e a neurologia do sentir (Europa-América, 2003;
edição revista e actualizada: Temas e Debates, 2012); O Livro da Consciência:
A construção do cérebro consciente (idem, 2010); e A Estranha Ordem das Coisas:
A vida, os sentimentos e as culturas humanas (idem, 2017). O autor produziu
outros livros: o seu primeiro foi a tese de doutoramento em Medicina que defendeu
em 1974 na Universidade de Lisboa: Perturbações neurológicas da linguagem e
de outras funções simbólicas. E um outro livro técnico que publicou antes
de emigrar em 1975 para os Estados Unidos e se tornar famoso foi Parkinsonismo
(Buchholz, 1974). E escreveu, mais recentemente, prefácios sobre temas inesperados:
Mourinho: Porquê tantas Vitórias? de Bruno Oliveira et al.
(Gradiva, 2006) e, com a sua esposa,Hanna (a quem o novo livro é dedicado, tal
como outros anteriores), Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro, de Cândida
Pinto (D. Quixote, 2011).
O trabalho de investigação de Damásio tem incidido no estudo
do cérebro, dos sentimentos (como a dor e o prazer) e do comportamento humano. Analisou
o comportamento de centenas de doentes com lesões no córtex pré-frontal,
concluindo que havia curiosas mudanças na conduta social. Interessou-se por
faculdades do cérebro como a memória e a linguagem. Em O Erro de Descartes contrariou
a tese cartesiana da separação do corpo e da alma (mente). Procurou ligar as emoções
e sentimentos com o raciocínio ao defender que o sistema límbico (parte
do cérebro que controla as emoções e acções básicas) e o neocórtex (que diz
respeito ao raciocínio) estão intimamente relacionados, funcionando em
conjunto. Para Damásio, "toda e qualquer expressão racional está baseada
em emoções". Em O Sentimento de Si continuou o seu caminho em
direcção à compreensão da consciência, esse “santo dos santos” do humano. Em
Ao Encontro de Espinosa chamou à atenção para o facto de o grande filósofo
holandês, de origem lusa, ter sustentado o primado dos afectos. No Livro da
Consciência (no original How Self Makes Mind) tratou da magna
questão da origem da consciência e, no seu livro anterior, A Estranha Ordem
das Coisas, dissecou a relação entre os sentimentos, a mente e a cultura.
Li com enorme prazer – lá está, um sentimento…. – o seu
último livro, cuja edição americana só vai sair na Primavera do próximo ano.
Devido a um louvável esforço de síntese do autor, é mais curto do que os
anteriores e também mais fácil de ler por estar dividido em 46 pequenas secções.
O desafio central é a explicação da consciência, uma das actuais fronteiras da ciência.
O editor
pretendia um livro sucinto e o autor respondeu “escrevendo apenas sobre as
ideias que mais o interessam”. Praticou, diz ele, a “arte do haiku” nas
Neurociências. Pergunta Damásio: “Como
é que o cérebro constrói experiências mentais que associamos inequivocamente ao
nosso ser, a nós próprios? Sobretudo na última década, vários investigadores
destacados têm aventado respostas a esta questão embora se possa seguramente
afirmar que até agora nenhuma dessas respostas tenha sido considerada
plenamente satisfatória. Espero que as soluções adiantadas no presente livro
nos aproximem de uma resposta adequada e que sejam entendidas como um Manifesto
sobre o Problema da Consciência.” A consciência, que há alguns anos parecia tão
misteriosa, está finalmente a render-se aos porfiados esforços dos
investigadores.
O livro reparte-se por quatro capítulos: “Ser”, “Representar”,
“Sentir” e “Saber”, pois antes de se chegar ao sentir e ao saber, é preciso entender
o ser (estando as representações antes do sentir, para que este fique mais claro). Para
Damásio, que apresenta o percurso evolutivo das espécies, é muito claro que
“antes de chegarmos ao saber, é preciso percorrer o ser e o sentir”. Parte,
portanto, da base biológica. Começa por definir o que é um ser vivo: para ele
todos os seres vivos, a começar pelas bactérias, são inteligentes, no sentido
em que detectam o seu ambiente, respondendo a ele, segundo os ditames de
homeostasia. A vida tem um objectivo simples: viver o mais possível e, para
isso, é indispensável a atenção ao mundo em redor. Escreve: “Detectar é uma
forma primitiva de sentir e que resulta numa forma primitiva de saber.” De
seguida, Damásio trata o modo como os animais com um sistema nervoso simples (portanto,
multicelulares e com órgãos diferenciados) sentem: sentir é indispensável aos processos
mentais e isso é feito, através do sistema interoceptivo, a parte do sistema
nervoso que assegura a ligação com o corpo. No capítulo final, tenta entender o
extraordinário bónus da consciência, ou sentido de si, que é albergado pelo
cérebro, que mescla de modo sofisticado sentimentos e raciocínios. Mente e
consciência não são a mesma coisa: a consciência é um “estado mental enriquecido”.
O autor insiste nas ligações entre o sistema nervoso e o corpo: fala da
“inserção da mente [consciente] no teatro do seu corpo” e diz que “o sistema
nervoso, onde se inclui o cérebro, o seu âmago natural, situa-se, na sua
totalidade, dentro do território que é o corpo e permanece em constante
interacção com ele.”
Se a base da consciência assenta na biologia, as teses de
Damásio tocam em questões mais gerais da filosofia da mente e da inteligência
artificial. Segundo ele, os robôs só poderão ser conscientes se, além de
cérebro, tiverem um corpo. Antevê robôs multissensoriais que possam ser “assistentes
eficazes dos seres humanos com sentimentos reais”. E prevê que eles terão um
certo grau de consciência…
São inúmeros os prémios e distinções de Damásio. Foi feito
Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1995), com Hanna; foi
Prémio Príncipe das Astúrias de Investigação Científica e Técnica (2004); e
Prémio Pessoa (1992), de novo com Hanna. Tem o seu nome numa escola secundária
em Lisboa, onde, num ginásio a abarrotar, assisti ao lançamento do seu livro
anterior. Entrou para o Conselho de Estado em 2017, em substituição de António
Guterres. É membro de várias academias e instituições internacionais, como a American
Academy of Arts and Sciences e a European Academy of Sciences and Arts. Em
1995, a revista Time dedicou-lhe um longo artigo com chamada na capa. Com
o novo livro, Damásio ganha mais uma distinção, que não será menor: torna-se
mais inteligível, bem mais inteligível, para o grande público.
Recomendo o livro a todos os seres conscientes que queiram
saber o que é e de onde lhes vem esse dom. Além do mais, Damásio escreve com
elegância. Para dar um sabor do seu estilo encerro com um excerto que me deixou
a pensar: “Em certa medida, do ponto de vista histórico e evolutivo, a
consciência foi um fruto proibido que uma vez provado nos tornou vulneráveis à
dor e ao sofrimento e, em última análise, expostos ao trágico confronto com a
morte.”
O corpo e a mente
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