sábado, 18 de maio de 2024

UMA MARATONA DE PESSOAS E LIVROS


 Meu artigo no último JL:

O título acima é o subtítulo do belo livro Bibliotecas, que acaba de sair com a chancela da EntrefOlhOs (uma edição de autor, de apenas 150 exemplares), da autoria do médico pediatra Abílio Guimarães, residente em Cesar, Oliveira de Azeméis. Para além de uma obra de genealogia, de circulação restrita à família e amigos, é também autor de poesia, que reuniu no livro Trinta por uma linha. Trinta anos de poesia (ainda da EntrefOlhOs, 2023). E é montanhista, tendo já subido aos 6961 metros do Aconcágua, nos Andes, a mais alta montanha fora da Ásia.

A ideia de Bibliotecas é – há que reconhecê-lo – muito original: o autor visitou 50 bibliotecas privadas, espalhadas pelo Norte e Centro do país, com uma única excepção: a do poeta Tiago Alves da Costa, em Barcelona. A obra abre com um texto de sentido elogio aos livros e às bibliotecas, da autoria de um conhecido médico-poeta: Jorge de Sousa Braga (o autor de A matéria escura e outros poemas, Assírio & Alvim, 2021). E continua, nas suas 240 páginas de papel-couché, repletas de fotografias a cores, com a apresentação, numa prosa de tons poéticos escrita num português de lei, das bibliotecas pessoais, escolhidas por conveniência. Só duas dessas bibliotecas são de acesso e interesse públicos: a do Nobel da Medicina António Egas Moniz, na sua casa em Avanca; Estarreja, e a do poeta da saudade Teixeira de Pascoaes (o pseudónimo de Joaquim Teixeira de Vasconcelos), na sua casa de Gatão, Amarante (curiosamente os dois foram não só contemporâneos como também amigos). Todas as outras são de pessoas anónimas ou quase (o autor destas linhas é parte do «quase»: franqueei-lhe as portas da minha casa, por sugestão de um amigo comum, o pediatra e escritor Luís Carlos Januário). Cada descrição resumida e necessariamente subjectiva (portanto, afectiva) de uma biblioteca pessoal é encimada por um título inspirado numa obra literária (a mim calhou-me, não sem exagero, O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena) e de uma epígrafe (a mim calhou-me Rui Knopfli: «Até que no tempo cesse anónimo o ténue sopro que ao tempo dou»). Trata-se de um meio único de conhecer 50 casas de pessoas, que se mostram através dos seus livros: «diz-me que livros tens, dir-te-ei quem és.» Couberam, em média, quatro páginas a cada proprietário. Como recompensa para quem conseguir chegar ao fim da «maratona» bibliotecária, o autor presenteia-nos com a descrição das suas visitas à Biblioteca Joanina, em  Coimbra, uma das mais belas do mundo, à Biblioteca Gabriel García Márquez, em Barcelona, considerada a melhor biblioteca pública em 2023 pela Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias, e à Livrearia, em Ponte de Lima, uma livraria inovadora pois não tem funcionários, pelo que os compradores vão livremente pagar numa das lojas próximas. E encerra com um depoimento sobre a sua própria biblioteca, onde a poesia impera, embora também haja romance, medicina e montanhismo.

Penitenciando-me de não ter providenciado amesendação ao visitante da minha biblioteca tal como fizeram outros visitados (soube ao lê-lo…), foi este livro que há dias apresentei na terra do autor, na antiga escola, mesmo ao lado da igreja. O nome de Cesar vem de «Villa Cesari», o que remete para os antigos romanos. Com tradição na latoaria, hoje é um centro industrial, sendo a fábrica mais famosa a da Silampos. Entre os ilustres da terra estão, para além de Abílio Guimarães, Carlos Costa, o economista que presidiu ao Banco de Portugal, Lindolfo Ribeiro, um chef de cozinha que já fez programas na TV, e Marlene de Sousa, hoquista do Benfica que já foi campeã europeia. A apresentação foi numa aldeia, mas a casa estava a transbordar.

Escreve Jorge de Sousa Braga a rematar a sua nota de abertura: «Gosto de pensar numa biblioteca como um jardim. Com as suas árvores centenárias, as suas alamedas, os seus canteiros e as suas estufas. E também com as suas zonas escuras, onde é muito difícil penetrar». E escreve Abílio Guimarães, no fim do seu texto derradeiro: «Sobra-me o desejo de crer que estas curtas narrativas possam interessar a outros, que não só aos aqui descritos ou aos seus mais próximos, conquistando a curiosidade do leitor mais anónimo [para obter o livro, o leitor terá de o encomendar a abilioguim@gmail.com] (…) Em cada biblioteca e em cada leitor vive o grato prazer e a ágil surpresa. Nada disso pode ou deve sequer ser medido. Da biblioteca que a minha mãe me lia antes de adormecer, até estas que agora aqui vos deixo: Que sorte, que eu tive!»

Seria injusto destacar um dos 50 capítulos, de pessoas com as mais diversas idades (desde uma menina de oito anos a um ancião de 97 em excelente forma física e mental) e as mais variadas ocupações. Mas, por ser o «decano» destes «bibliotecários», seja-me permitido destacar o mais velho, Dr. Flores dos Santos Leite, médico residente em São João da Madeira. O título, retirado a Cesare Pavese, é Ofício de Viver e a epígrafe é de Carlos Drummond de Andrade: «(…) o mundo não pesa mais que a mão de uma criança». Vejamos um excerto da prosa de Abílio Guimarães que descreve a fabulosa biblioteca do Dr. Flores, que um dia passará para a bisneta: «É linda, a biblioteca! O paraíso não deve andar longe disto. Um sítio de prazer, satisfeito de relíquias: Arte de Furtar, que, a despeito de se apregoar do P.e António Vieira, ainda hoje abriga a dúvida da sua autoria: Os Lusíadas, edição do Morgado de Mateus – nem a Biblioteca Nacional o tem; e até um livro de aforismos de 1630. Ia aos alfarrabistas (o Fumaça na capital era o seu preferido) fisgado no gozo das primeiras edições: Florbela Espanca, Sá Carneiro, Garrett, Torga, Almada, Eça e do génio Pessoa, uma de Mensagem. Perdia a cabeça e tudo o que ganhava era para livros. Hoje ainda compra, mas menos. Sobre a biblioteca, alguém nos garante que estar lá metido é a sua maior e grata alegria.»

Alegria é mesmo a palavra certa para o convívio com os livros escolhidos a dedo. As bibliotecas não são uma Alegria breve, um título de Virgílio Ferreira, mas antes uma alegria duradoura, uma Alegria para o fim do mundo, um título de Andreia C. Faria.

CELEBRANDO O QUINZE

 


Meu artigo no mais recente número do quinzenário cultural As Artes entre as Letras, que hoje celebra no Porto os seus 15 anos:

O número quinze tem significado religioso por ser o produto de dois números sagrados (3 x 5), que na matemática constituem o primeiro par de gémeos de números primos (primos separados por duas unidades). Se somarmos os cinco primeiros números naturais, 1 + 2 + 3 + 4 + 5, também obtemos 15.  É um número importante na ciência, para além da matemática: é o número atómico do fósforo, o elemento químico cujo nome significa luz brilhante, e é o número da galáxia M15, um dos agregados de estrelas mais notáveis da nossa galáxia.

Mas é também um número relevante na nossa vida. Nos Estados Unidos é a idade mínima para poder obter carta de condução. Na América latina, há a tradição da festa das quinceaneras, celebrando a transição para a maturidade. Em França é a idade mínima para o consentimento sexual. Na cultura judaica, é o número mínimo de casas para poder ter uma sinagoga. E várias datas festivas ocorrem no dia 15. Ainda nessa cultura, uma particularidade curiosa: o número não se escreve com 10 (yodh) e 5 (heh) porque a junção daria um dos nomes de Deus, escrevendo-se antes com 9 (teth)  e 6 (vav).

Quinze é um número que entra de várias formas na cultura. É o número de categorias na Ordem dos Templários. E é ainda o número de mortos num poema cantado por piratas na Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson («Fifteen me non the dead man’s chest»). E é o número de jogadores de uma equipa de rugby.

Mas, hoje e aqui, quinze é sobretudo o número de anos do magazine cultural As Artes entre as Letras.  É uma festa para todos, a começar na equipa que o faz com regularidade desde o primeiro número em Maio de 2009, encabeçada pela sempre jovem Nassalete Miranda, e a acabar no colaborador permanente e membro do Conselho Editorial desde a primeira hora que assina estas linhas. Como a revista é quinzenal, o número quinze está inscrito no seu calendário desde o início. Portanto, foram quinze anos, de quinze em quinze dias, com várias e boas leituras sobre os mais variados temas de filosofia, história e património, artes plásticas e arquitectura, literatura, música, teatro, cinema, ciência, educação, etc., com uma atenção especial dada à lusofonia e à região Norte. Assinados por uma plêiade de autores das nossas letras e artes, infelizmente alguns deles já falecidos.  É só fazer as contas para ver o número de exemplares acumulados cujo rico conteúdo se foi acumulando em nós. Falo por mim, mas arrisco pensar que este sentimento é partilhado por muitos outros autores: estamos bem mais ricos ao fim destes quinze anos. Estou grato ao Artes e a quem o tem feito.

Os quinze anos correram muito rápidos, porque é assim que corre o tempo. Lembro-me que 2009 foi o Ano Internacional da Astronomia, por determinação das nações Unidas, para comemorar os 400 anos das primeiras observações que Galileu fez com o telescópio. Mas, com o auxílio da Internet (que é um excelente auxiliar de memória), lembro-me de alguns feitos da ciência nesses anos.  A começar pelo espaço, a ESA, a agência espacial europeia, lançou em Maio duas missões de satélites que tiveram impressionante êxito, os telescópios espaciais Planck e Herschel, o primeiro de raios X e o segundo de infravermelhos. A NASA lançou a sonda Kepler, que detectou centenas de exoplanetas. Foi encontrada água no pólo Sul da Lua e um lago subterrâneo de água em Marte. O eclipse solar total mais longo do século XXI ocorreu na China e na Índia, os países mais populosos do planeta (foi, portanto, o mais visto de sempre). Já era bem visível o aquecimento global, com uma onda de calor na Austrália, tendo havido no final do ano uma Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas em Copenhaga. Na informática a Microsoft lançou o Windows 7 e a Apple o Iphone 3GS (o Windows já vai no 11 e o Iphone no... 15). Foram feitas as primeiras transmissões de televisão de alta-definição.

Na política, o Prémio Nobel da Paz foi dado inesperadamente a Barack Obama, presidente dos Estados Unidos há relativamente pouco tempo. A Rússia e a Ucrânia estavam em disputa pelo gás natural. E o primeiro-ministro então eleito de Israel era… Benjamin Netanyahu.

Foi também um ano de algumas desgraças: caiu um avião francês (voo 447 da Air France do Rio de Janeiro para Paris) no meio do Atlântico (pouco antes tinha escapado, com uma aterragem forçada no Hudson, um avião norte-americano), houve um grande terramoto em Áquila, no centro de Itália. E houve a primeira pandemia do século XXI, a da gripe A (estava-se longe em 2009 de se imaginar a da COVID-19, dez anos depois).

Nas artes, o Nobel da literatura foi dado à alemã Herta Mueller. A Disney comprou a Marvel, a companhia dos super-heróis. E foi o ano da morte de Michael Jackson, provocando enorme comoção em todo o mundo.

Hoje, 15 anos depois, a ciência e a tecnologia progrediram; veja-se, por exemplo, o caso espantoso da inteligência artificial. Mas o mundo, continua convulso com disputas e desastres. Valem-nos, como sempre nos tem valido, as artes e as letras. O As Artes entre as Letras tem-nos valido nos últimos 15 anos. Que nos continue a valer por muitos anos!

Carlos Fiolhais

 

 

 

 

 

quarta-feira, 15 de maio de 2024

A FEALDADE DA LINGUAGEM DE ALGUNS ESPECIALISTAS

Como sugeri em vários apontamentos que tenho deixado neste blogue, vale muito a pena ler o que Jorge Larrosa escreve sobre o ensino e a formação de professores. Em mais um apontamento, recupero parte de uma entrevista que, em 2013, deu a Camila Ploennes (ver aqui).

Sobre a linguagem pseudo-educativa, a "linguagem dos especialistas", como diz...
"A minha mãe foi professora de creche por muitos anos. Hoje ela tem 82 anos. Ela tinha muito talento para contar histórias (...). Morávamos numa aldeia muito pequenininha do interior. Quando eu tinha 16 anos, migramos para a cidade e, então, minha mãe começou a trabalhar em uma escola que já estava altamente colonizada pela língua dos especialistas. Ela sentiu uma coisa muito particular: que a língua dela não estava autorizada, que não falava a língua dominante e então sentiu isso como uma humilhação. Porque ela não dominava a linguagem da psicologia, da psicologia cognitiva, das técnicas de avaliação (...). Então eu creio que ao reivindicar (...) o direito de o professor contar histórias, estou reivindicando um pouco a minha mãe. Porque ela tinha uma língua literária, porque era narrativa, mas ao mesmo tempo tinha a vontade de transmitir uma experiência, um conhecimento (...). E eu creio que essa língua está quase desaparecendo do campo educativo, então todo mundo tem de aprender a falar como os especialistas e isso é um problema, porque essa língua é feia."

Sobre a função do professor e do contexto em que professor e alunos se encontram em virtude de um interesse pelo mundo, quando juntos constroem algo que é comum.

"O professor não é um mediador. Existe um invento muito prodigioso que é a sala de aula. Uma sala de porta fechada, onde se reúnem várias pessoas e um professor, juntos, de corpo presente. A sala de aula é um espaço tridimensional, onde as pessoas estão reunidas ao redor de algo que é uma matéria de estudo. Na escola, as pessoas não estão interessadas umas pelas outras, se estão ali é porque estão interessadas pela mesma coisa, que é pelo mundo, pela matéria de estudo. Então o que acontece quando a sala de aula tem tecnologia? Ela se converte em um “entorno de aprendizagem”, como se gosta de dizer agora. Esse caráter tridimensional desaparece e esse caráter “comunista” desaparece e cada um está conectado ao conhecimento de uma forma privada e particular. Mas aí a sala de aula desaparece e cada vez mais. Não é mais um espaço tridimensional, é um espaço bidimensional, como é a tela. Minha ideia é a de que cada vez mais nos relacionamos com o mundo por meio da tela, por meio do mundo bidimensional, que não tem profundidade. Quando a sala de aula se converte em um centro de conexões, esse lugar onde cada um se conecta com algo, essa dimensão do que havia de comunitário desaparece. Eu não sou contra as tecnologias, mas me parece que as tecnologias são interessantes e educativas se usadas para construir o que é comum. E se são usadas como maneiras particulares e privadas de relacionar-se com o conhecimento já não são educativas, são outra coisa (...)."
"Uma aula é construir uma conversação sobre algo comum. E uma conversação pode ser construída com vários elementos: com textos, com tecnologia, com artes, com o que for. Mas o importante é que tudo isso construa algo comum e não algo particular de cada um. E aí creio que não é uma questão de tecnologia; se é tecnologia ou não. Tem a ver com a individualização. A educação no mundo moderno vai a favor de um individualismo, da separação das pessoas. Então as tecnologias unem as pessoas ou as separam? Unem as pessoas porque as conectam e as separam, porque cada um está com seu computador, com seu facebook, com sua televisão. Unem e separam ao mesmo tempo. Então as tecnologias são educativas quando unem e não quando separam (...)."

segunda-feira, 13 de maio de 2024

EGAS MONIZ 150 ANOS CELEBRADOS EM AVANCA

PORTUGAL MEDIEVAL


 

NOVIDADES DA GRADIVA

 

Novidades Gradiva Maio 2024 | Já disponível: "Subtil é o senhor", de Abraham Pais. De €25,00 por €22,50.

VENCEDOR DO NATIONAL BOOK AWARD NONFICTION

VENCEDOR DO SCIENCE WRITING AWARD 
 

Desde a morte de Albert Einstein em 1955, foram muitos os livros dedicados ao homem e ao cientista, bem como à teoria que criou.

Abraham Pais, o reputado físico norte-americano que privou com Albert Einstein durante vários anos, oferece-nos, neste seu livro, um guia sobre a vida e o pensamento do mais célebre cientista do século XX e talvez de sempre. Recorrendo a numerosos escritos inéditos e a relatos pessoais, a sua narrativa ilumina a figura do homem e do pensador com um rigor e uma vivacidade notáveis, tornando este seu livro a melhor biografia intelectual de Einstein. Escrita com um conhecimento íntimo incomparável da vida e do pensamento de Einstein, esta nova edição de Subtil é o Senhor irá encantar e inspirar leitores fascinados pelo homem cujas ideias revolucionárias definiram a física moderna.

Nova edição com prefácio de Roger Penrose (Prémio Nobel de Física de 2020) e um texto de apresentação de Vítor Cardoso (Professor Bohr, Instituto Niels Bohr, e Professor Distinto do IST - Instituto Superior Técnico)

Já disponível: "Entre a Mentira e a Ironia", de Umberto Eco. De €12,50 por €11,25.

Mais do que uma reflexão literária ou semiótica sobre a mentira e a ironia, este pequeno livro de Umberto Eco reúne quatro ensaios sobre os usos e abusos da linguagem.

Apesar de aparentemente não terem muito em comum, as figuras que habitam estes textos do célebre semiólogo italiano - Cagliostro, Alessandro Manzoni, Achille Campanile e Hugo Pratt -, proporcionam uma reflexão sobre a linguagem e a sua capacidade de ironizar, mentir, desfigurar ou subverter o sentido das palavras.
 

«Umberto Eco mudou a nossa visão dos livros: essenciais, pequenos, frágeis, por vezes perigosos, quase sempre salvadores.Um mestre que nos ensinou a entrelaçar a sabedoria e o jogo com o seu estilo sagaz e lúdico, com a sua surpreendente inventividade e lucidez certeira.»

 

Irene Vallejo

Já disponível: "O Médio Oriente e o Ocidente", de Bernard Lewis. De €15,50 por €13,95.

As consequências do choque entre o Islão e a modernidade.

A perda da liderança civilizacional pelos muçulmanos e o seu afastamento da modernidade são factos centrais no quadro da história universal dos últimos quinhentos anos e permanecem entre os principais factores por detrás de conflitos internacionais e disputas diplomáticas.

O que correu mal?

Inquestionavelmente uma questão pertinente. Frequentemente, os muçulmanos parecem manifestar o sentimento de que a história os traiu, e não há tema relativamente ao qual a contribuição deste clássico historiador Bernard Lewis possa revestir-se de maior importância, tanto mais que o assunto surge contaminado por comprometimentos ideológicos, discursos facciosos e pelos constrangimentos do politicamente correcto.

Muitos evitaram a questão por todo o tipo de razões erradas. O que ainda nos faz mais devedores da contribuição dado por Bernard Lewis. Ninguém como ele identificou melhor a linguagem e as motivações dos protagonistas, o que fez dele uma das vozes mais credíveis e objectivas na análise da relação histórica entre o Médio Oriente e a Europa.

Nova edição com prefácio de Bruno Cardoso Reis (historiador)

Já disponível: "Tenho os Olhos a Florir", de Marta Pais Oliveira. De €14,90 por €13,41.

O céu desta história está pintado por um bando voador que nem sempre se deixa apanhar - ou domesticar. Mas um dia alguém exige que se capture um pequenino e raro manual de instruções de como fazer um herbário. Aí começa uma grande confusão. Como se resiste a uma imaginação encolhida? Como se ergue um olhar curioso que sabe que conhecer é cuidar, e cuidar é amar?
 

«Este é um daqueles livros que voam e, mais importante, cumprem a promessa do seu título: fazer os olhos florir.»

AFONSO CRUZ

O conservadorismo no Estado Novo como entrave ao progresso da ciência

Conservadorismo, subfinanciamento e opressão a investigadores entre principais causas da estagnação da Ciência durante o regime. Investimento científico nas colónias usado em prol da consolidação do império em África, explica investigador da NOVA-FCSH. 

 - Por Joana Almeida, Guilherme Borges e Ana Cardoso 

Artigo do jornal A CABRA, da Associação Académica de Coimbra, comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, para o qual prestei declarações:

Durante a Ditadura, o clima de opressão e instabilidade que se vivia era universal em todas as áreas da sociedade, pelo que a Ciência não era exceção. Este foi um período marcado pelo princípio manifestado por António de Oliveira Salazar, que assentava na ideologia estabelecida: “estamos orgulhosamente sós”. A expressão foi usada em 1965 num discurso sobre a Guerra Colonial e a situação geopolítica do país, mas também pode ser aplicada ao contexto do progresso científico no Estado Novo. 

Por todo o mundo assistia-se a uma grande evolução científica, em que países competiam pelo desenvolvimento e conquista de novas tecnologias, explica Carlos Fiolhais, físico e antigo professor da Universidade de Coimbra (UC). Por outro lado, Portugal não acompanhou este avanço e abraçou um conservadorismo que pretendia manter uma economia "ligada à terra”, destaca. 

O cientista explica que não foi uma época “amiga da Ciência nem dos cientistas” no país. “O mundo sabia que a Ciência era poderosa, mas o Estado português não percebeu isso, estava isolado devido à Guerra Colonial”, esclarece. Carlos Fiolhais refere ainda que, apesar de se ensinar e praticar Ciência, o investimento sempre foi insuficiente quando comparado com as demais nações da Europa. As entidades responsáveis pela política científica - a Junta de Educação Nacional, que depois passa a Instituto para a Alta Cultura - atribuíam um “apoio muito tímido” ao desenvolvimento científico, o que causou um “subfinanciamento crónico” no setor, reflete Tiago Brandão, investigador integrado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA FCSH). Carlos Fiolhais acrescenta que, em 1964, a estimativa de investimento na Ciência e tecnologia abrangeu apenas 0,1% do PIB português. 

Por outro lado, começaram a surgir os primeiros apoios de privados, em especial vindos do estrangeiro, como aconteceu com a Fundação Calouste Gulbenkian, em 1956, refere o investigador da NOVA FCSH. “Este instituto foi como um oásis onde foi possível proteger algumas individualidades que não comungavam da ideologia do regime”, expõe. As contribuições dos privados, promovidas por meio de bolsas, permitiram combater o baixo financiamento do Governo, levando à criação de «ilhas de progresso e de abertura», conclui.

A maior parte do avanço científico que existiu durante este período nasceu com a finalidade de ser aplicado nas colónias, em particular através de investigações para melhor rentabilizar os seus recursos naturais, como explica Carlos Fiolhais. Segundo Tiago Brandão, a ocupação efetiva dos territórios em África “sempre foi muito difícil”. Assim, na década de 1930 surge “uma retórica da ocupação científica do Ultramar", utilizando a “Ciência como parte do projeto político de controlo das colónias”, explicita. Destaca ainda a geologia, por exemplo, que foi usada para “conhecer os recursos naturais e desenvolver a indústria extrativista”. 

Contudo, quando foi descoberto petróleo em Angola, Salazar teria ficado “assustado”, considera Carlos Fiolhais. Este acontecimento era sinónimo de progresso e transformações sociais, o oposto dos ideais defendidos pelo regime, elucida o físico. O Estado Novo encarava a modernização como “perigosa”, pois a industrialização “levaria ao aparecimento dos operários, o que resultaria em movimentos sindicais, que culminariam no comunismo, o grande inimigo do regime”, argumenta o antigo professor da UC. 

Com o objetivo de aumentar a sua popularidade, a Ditadura usou como propaganda a revista mensal “Portugal Colonial". Isabel Duarte, docente na Universidade do Porto, foi uma das autoras do artigo “Discurso científico e ideologia na revista do Estado Novo, Portugal Colonial”. Na publicação dissertou sobre o uso da Ciência para fins propagandísticos, especialmente no contexto colonial do regime salazarista. De acordo com a autora, um dos objetivos dos textos era “pôr o conhecimento especializado ao serviço do império colonial”. 

A revista continha artigos sobre agricultura, economia, comércio e indústria, assim como textos “claramente ideológicos”, ressalta a professora. A “Portugal Colonial” era a favor da Ditadura e “muito elogiosa”, utilizando a Ciência “ao serviço da construção da ideologia do Estado Novo e para legitimar o regime”, refere. Isabel Duarte assevera o contraste com a atualidade: “ao contrário do que acontece hoje na Ciência, a revista era expressa com superlativos e muita adjetivação”. Assim, existia uma “presença ostensiva por parte dos seus autores, que se aproximava mais de um discurso de manifesto do que científico”, adiciona. 

Carlos Fiolhais aponta que as várias áreas científicas eram tratadas de formas diferentes nesta época. De acordo com o antigo docente, o regime usava a Ciência aplicada para fazer propaganda. “O Estado Novo, mais do que recorrer à Ciência como propaganda, usava obras e infraestrutura, como é o exemplo de alguns edifícios da UC, que imitam os da Itália fascista”, explica. A Ponte 25 de Abril chamava-se “Ponte Salazar” em homenagem ao ditador que a inaugurou, exemplifica. xxx Durante esta época, vários investigadores e professores foram alvo de perseguição pelo regime, outro obstáculo que impediu o desenvolvimento científico e tecnológico. Em 1947 foi redigido um decreto no qual o presidente do Conselho de Ministros ordenou a demissão de 21 professores da Universidade de Lisboa. Marieta da Silveira, assistente do professor Aurélio Marques da Silva, afastado da cátedra da Faculdade de Ciências de Lisboa, garante que os professores demitidos não tinham qualquer atividade política. “No Laboratório de Física só se falava de política esporadicamente, na hora do lanche, e só para comentar alguma notícia que saía nos jornais”, explica em entrevista ao Expresso. 

Carlos Fiolhais destaca que “muitas destas pessoas tiveram de se exilar, tendo só regressado a Portugal após o 25 de Abril”. A título de exemplo, apresentou o caso de Mário Silva, cientista português que, após ter sido depurado, para se conseguir sustentar, teve de vender equipamentos da Philips. Ainda assim, explica que as perseguições que existiram neste período “não eram científicas, mas políticas”.

Por sua vez, Tiago Brandão aponta que os cientistas foram oprimidos devido à sua “liberdade intelectual e liberdade de expressão”, que constituíam uma ameaça aos princípios ideológicos do regime salazarista. Por este motivo, de acordo com o investigador, Salazar censurou a introdução da Sociologia na Academia Portuguesa, o que “revela como as Ciências humanas e sociais apresentavam um perigo para o regime”. 

“A Ciência precisa tanto de liberdade como um cidadão necessita de pão para a boca: é preciso poder pensar e escrever livremente, passar fronteiras com papéis e com instrumentos”, argumenta Carlos Fiolhais. Desta forma, o físico assevera que a “área científica não tinha um cenário ideal para florescer no país”. Conclui ao sublinhar que o insuficiente desenvolvimento científico não se devia apenas à falta de

segunda-feira, 6 de maio de 2024

NOVOS CLÁSSICOS DIGITALIA

Os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar 2 novas publicações com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra. Os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital, em Acesso Aberto.

NOVIDADES EDITORIAIS

 

Série “Autores Gregos e Latinos” [textos]

 

Maria de Fátima Silva, Eurípides. Fragmentos. Vol. I. Tradução do grego, com estudo introdutório e comentário (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2024). 319 p.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2552-2

  

[Este volume apresenta uma primeira tradução comentada em língua portuguesa da produção de Eurípides chegada até nós em forma fragmentária. A consideração deste material não só amplia, de modo significativo, a produção conhecida do poeta, como permite uma interpretação mais sólida das peças conservadas, tida em conta a atividade global do autor. Neste, que é ainda o primeiro volume dada a grande quantidade de fragmentos conservados de Eurípides, estão incluídos – seguindo a ordem alfabética do grego – os títulos seguintes: Egeu, Éolo, Alexandre, Alcméon, Alcmena, Álope, Andrómeda, Antígona, Antíope, Arquelau, Auge, Autólico I e II, Belerofonte, Busíris, Dánae, Díctis.]


- Reina Marisol Troca Pereira: Álcifron, Epístolas - Inconfidências de um ilustre desconhecidoTradução do grego, com estudo introdutório e comentário (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2024). 239 p. 

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2550-8

  

[Disponibiliza-se a tradução de 123 ‘cartas’ em prosa ática atribuídas a Álcifron. De datação, naturalidade e atividade ignotas, o autor reparte por 4 grupos sociais — designadamente rústicos, pescadores, parasitas e cortesãs — a ficção epistolar conservada de modo disperso em múltiplos manuscritos, todos tardios, face à conceção. Numa linguagem elegante, expõem-se através de um rol de figurantes ora masculinos ora femininos, ora de nome reconhecido ora não afamados, sob pretenso laço intimista de estima, alvitres de cariz didático, enredando realidade e fantasia, motivos típicos de uma Segunda Sofística. Assim, um rol de elementos de tradição cultural helénica de índole religiosa, heortonímia, toponímia, costumes, vícios, virtudes, filosofia, afetos, comportamentos.]

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PAULO NUNO - Transdisciplinaridade

domingo, 5 de maio de 2024

FÁBULA BEM DISPOSTA

Se uma vez um rei bateu na mãe,
pra ficar com um terreno chamado,
depois, Portugal, que mal tem
que um russo teimoso tenha queimado

o terreno de um vizinho? Francamente!
O vizinho andou a provocar,
querendo ter uma vida diferente,
sem pedir para o russo autorizar!

Logo o russo, senhor do seu nariz,
o atacou com blindados, com mísseis,
com drones e tudo quanto quis,

porque estas coisas são muito fáceis
de obter, cortando na paparoca
e também na dispensável pipoca!
                                                                    Eugénio Lisboa

UMA MARATONA DE PESSOAS E LIVROS

 Meu artigo no último JL: O título acima é o subtítulo do belo livro Bibliotecas, que acaba de sair com a chancela da EntrefOlhOs (uma ed...