Numa altura de diabolização de Carlos Queiroz, é sempre um prazer ver intelectuais dedicarem a sua atenção ao fenómeno desportivo não o tendo como coisa sem importância ou exageradamente valiosa no âmbito de uma extensa e multifacetada cultura.
Nesta perspectiva, reporto-me a uma das crónicas diárias de Miguel Esteves Cardoso, intitulada “Então tchau”, publicada hoje na última página do jornal desportivo O Jogo.
Pelo espírito de justiça, equilíbrio de raciocínio e forma desapaixonada como foi escrita, com a devida vénia e sem mais delongas transcrevo-a aqui:
“Chegou o dia.
A certa altura instala-se a cegueira.
Saímos bem. Era um bom plano. Portugal jogou para não levar golos.
Estamos tristes. Se calhar temos culpa por nunca termos acreditado o suficiente. Mas perdemos como senhores. Poderíamos ter ganho – ou empatado e ido a penáltis.
A Espanha ganhou com sorte, batota e a ajuda do árbitro, que até era argentino e porreiro e pouco susceptível às fitas. Mas o acto teatral e traiçoeiro de Capdevilla resumiu o jogo.
Portámo-nos bem. A Espanha fez tudo o que pôde – mas foi pouco. Portugal controlou o jogo na primeira parte e quase sempre na segunda. O nosso único defeito foi não estarmos preparados para sofrer um golo.
Tanto os jogadores como Carlos Queiroz estiveram muito, muito bem. A Espanha já não é a mesma Espanha: foi desvitalizada. Geralmente, quando Portugal perde culpamos os portugueses. Neste caso, não tiveram culpa nenhuma.
Então tchau mundial. Foi a Espanha que ficou malvista: Portugal foi sempre seguro, conjunto e propositado. Nunca se viu uma defesa tão bonita e contra-atacante como a nossa. Frustrámos a Espanha: Ganharam por um golo que na primeira parte poderíamos ter sido nós a marcar.
Estamos de parabéns. A Espanha, com a superioridade numérica e cronológica que tinha, tinha obrigação de ter ganho claramente. Não ganhou. Viu-se aflita.
Nesta altura do Mundial, quando Portugal é eliminado, é costume culpar o treinador e/ou os jogadores, Desta vez, porém, é diferente. Acho que conseguimos alcançar o mais que poderíamos, atendendo ao que tínhamos.
Portugal estava unido e era português e defendeu como nunca vi selecção nenhuma defender. Portugal foi sempre um país que jogou à defesa, com contra-ataque. Os espanhóis sempre quiseram atacar-nos e destruir-nos. Mas nunca conseguiram.
Como também ontem não conseguiram. Portugal perdeu por um só golo como poderia ter marcado um, dois ou três. Jogou sempre bem, como se fosse o dono do jogo. Os espanhóis entraram em pânico e ficaram nervosos. Mas nós não.
Foi a derrota mais bonita da história do nosso futebol. Não digo que soube bem – mas pelo menos não soube mal.
A Espanha ganhou, mas Portugal não perdeu por causa disso. Na próxima competição internacional, é Portugal – mais insubmisso, mais inteligente – que está à frente.
Tchau, Espanha. Obrigado pelos espasmos de dificuldade. Talvez para a próxima tenhamos medo de vós.
Mas pelo que se viu, parece que não.
Viva Portugal!”
Desce, assim, o pano sobre a participação de Portugal. Não faltarão as habituais carpideiras a anunciar as suas tácticas a posteriori que, em sua opinião chorosa, deveriam ter sido seguidas para levar de vencida e de rastos a Espanha. Entre elas, os chamados treinadores de bancada (e não só) com as suas manifestações esféricas de raciocínio quadrado, quiçá saudosistas do quadrado de Aljubarrota e de um passado de seis séculos e um quarto que destroçou o bem mais numeroso e poderoso exército castelhano.
Haja o sentido das proporções. Não se pretenda transformar uma derrota desportiva, ainda que a nível mundial, num assunto de estado. De um estado infantilizado ou, pelo contrário, perigosamente totalitário!