sábado, 31 de janeiro de 2009

De volta a 1981...

Darwin na Nature


Amanhã a BBC estreia um especial da Nature Video protagonizado por David Attenborough, que discute os mais recentes desenvolvimentos científicos que não só confirmam a teoria proposta há 150 anos por Darwin como ditaram a sua própria evolução.
British broadcaster Sir David Attenborough presents his views on Charles Darwin, natural selection, and how the Bible has put the natural world in peril in an exclusive interview for Nature Video.

To celebrate Darwin's bicentenary Nature is also providing selected content FREE online, including continuously updated news, research and analysis on Darwin's life, his science and his legacy.

O FÍSICO DE OBAMA


Minha crónica no "Sol" de hoje (na imagem Steven Chu):

Jorge de Sena, no conto “O Físico Prodigioso”, incluiu os versos: “Dona Urraca tem um físico / que cura toda a maleita”. Pois o novo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tem um físico, nomeado Secretário de Estado da Energia, de quem se espera que ajude a curar algumas das maleitas do mundo.

Chama-se Steven Chu, é filho de emigrantes chineses e tem no seu currículo o Prémio Nobel da Física em 1987, pelos seus trabalhos sobre o arrefecimento de átomos com a ajuda de luz laser. É a primeira vez que um Prémio Nobel toma posse como membro do governo americano.Antes disso dirigiu um grande laboratório de estado, o Lawrence Berkeley, e era professor na Universidade de Califórnia, Berkeley.

As maleitas do mundo que Chu vai tratar têm a ver com as carências de energia e com os efeitos nefastos dos combustíveis fósseis. Espera-se que ele rompa com a excessíva dependência do petróleo dos Estados Unidos (“Estamos viciados em petróleo”, reconheceu um dia, batendo com a mão no peito, George W. Bush). O físico tem defendido o recurso a energias alternativas, como a energia solar e os biocombustíveis, mas, como sabe que estas formas de energia não podem nos tempos mais próximos satisfazer as enormes necessidades mundiais, advoga a continuação do recurso ao carvão e ao nuclear. O nuclear tem, em relação ao carvão, a vantagem de não contribuir para o efeito estufa, um efeito que Chu está empenhado em combater. O próprio Obama já tem feito declarações nesse sentido: os Estados Unidos vão juntar os seus esforços aos dos muitos países que procuram a redução de gases de efeito estufa.

Decerto que a presença de um cientista no governo americano não se notará apenas na área da energia. No tempo de Bush, era notória, por exemplo, a influência de grupos de criacionistas, que não aceitam a ideia da evolução. Proliferaram abaixo-assinados contra o ensino da teoria de Darwin. Pois Steven Chu tem o seu nome incluído no Projecto Steven, uma iniciativa de cientistas com o nome de Steven em defesa desse ensino. Já são cerca de mil...

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Da pluralidade dos mundos


Podemos avistar na nossa galáxia aproximadamente o mesmo número de estrelas que segundos existem em 3 mil anos. Cada estrela poderá ter na sua órbita meia dúzia de planetas ou mais. E há cerca de 100 biliões de galáxias. 

Há quem se assuste com estes números, nomeadamente por pensar que nos tiram importância. Mas Nagel argumentou em 1971, no célebre artigo "The Absurd", que o tamanho não pode estar relacionado com a importância ou o sentido da nossa vida: teria a nossa vida mais sentido ou importância se fôssemos tão grandes que tivéssemos os pés na nossa galáxia e o pescoço noutra? 

Cosmos, de Carl Sagan mostrou pela primeira vez a muitos milhões de pessoas em todo o mundo a nossa dimensão cósmica. Ao melhor comentário sobre este tema, temos para oferecer um exemplar do livro de Sagan. O passatempo é feito em colaboração com o Sorumbático e termina no dia 4 de Fevereiro, às 23:50. 

O "erro" de Darwin


Já saiu o número de Fevereiro da vrevista "National Geographic Portugal", dedicada a Darwin. O artigo "O 'erro' de Darwin" de Luís Tirapicos contém um depoimento de Carlos Fiolhais. O artigo começa assim:

"Fatigado por quase cinco anos de viagem, Darwin passou seis dias nos Açores em 1836, nada encontrando “que merecesse ser visto”. A omissão de Darwin foi lamentável, mas a ciência portuguesa pagou-lhe na mesma moeda e demorou alguns anos a interessar-se pela sua obra.

Ilha de Santiago, colónia portuguesa de Cabo Verde. Inverno de 1832. Na costa, a maré baixa deixou algumas poças onde um jovem britânico de 23 anos caminha. Divertido com a rapidez dos polvos, o naturalista Charles Darwin recolhe dados escrupulosamente. Como escreveu mais tarde, “estes polvos apresentavam o seu poder tipo-camaleão durante o acto de nadar e quando permaneciam no fundo. Diverti-me imenso pelas várias artes para escapar à detecção usadas por um indivíduo, que parecia perfeitamente ciente de que o observava. Permanecendo imóvel por algum tempo, avançava vagarosamente uma ou duas polegadas, como um gato que persegue um rato; por vezes, alterava a sua cor: então prosseguiu até atingir uma região mais profunda, e precipitou--se, deixando um rasto de tinta para esconder o buraco para onde se arrastara.” O HMS Beagle, com Darwin a bordo, partira de Devonport a 27 de Dezembro de 1831, ancorando na actual Cidade da Praia a 16 de Janeiro. O objectivo da viagem era concluir o levantamento topográfico da Patagónia e da Terra do Fogo, bem como realizar medições cronométricas em torno do globo. A circum-navegação duraria quase cinco anos. "

Leia a reportagem completa na revista.

Humor: Guia prático da ciência moderna

Eis um "Guia Prático da Ciência Moderna" que tem circulado pela Internet:

Lei da Distinção das Ciências:
1. Se mexer, pertence à BIOLOGIA;
2. Se cheirar mal, pertence à QUÍMICA;
3. Se não funcionar, pertence à FÍSICA;
4. Se ninguém entende, pertence à MATEMÁTICA;
5. Se não faz sentido, pertence à ECONOMIA ou à PSICOLOGIA;
6. Se mexer, cheirar mal, não funcionar, ninguém entender e não fizer sentido é INFORMÁTICA.

Lei da Procura Indirecta:
1. O modo mais rápido de se encontrar uma coisa é procurar outra;
2. Encontramos sempre o que não estamos a procurar.

Lei do Telefone
1. Quando te ligam:
- se tens caneta, não tens papel;
- se tens papel, não tens caneta;
- se tens papel e caneta ninguém te liga;
2. Quando ligas para um número errado, esse número nunca está ocupado.

Parágrafo único: Todo o corpo mergulhado numa banheira ou que se encontre debaixo de um chuveiro faz tocar o telefone.

Lei das Unidades de Medida:
Se estiver escrito 'Tamanho Único' é porque não serve a ninguém, muito menos a ti.

Lei da Gravidade:
Se conseguires manter a frieza quando todos à tua volta estão a perder a cabeça, provavelmente é porque não estás a perceber a gravidade da situação.

Lei dos Cursos, Provas e Afins:
80% da prova final será baseada na única aula a que não foste e no único livro que não leste.

Lei da Queda Livre:
1. Qualquer esforço para se agarrar um objecto em queda provoca mais destruição do que se o deixássemos cair naturalmente;
2. A probabilidade de o pão cair com o lado da manteiga virado para baixo é proporcional ao valor da carpete.

Lei das Filas e dos Engarrafamentos:
A fila do lado anda sempre mais rápido.

Parágrafo único: Não adianta mudar de fila. A outra é sempre mais rápida

Lei da Relatividade Documentada:

Nada é tão fácil quanto parece, nem tão difícil quanto a explicação do manual de instruções.

Lei da Vida:
1. Uma pessoa saudável é aquela que não foi suficientemente examinada;
2. Tudo o que é bom na vida é ilegal, imoral ou engorda.

Lei da Atracção de Partículas:
Toda a partícula que voa encontra sempre um olho aberto.

Desemprego ZERO!


Crónica habitual de domingo de J. Norberto Pires no Jornal de Notícias (25 de Janeiro 2009):

Segundo as previsões do Banco de Portugal, o país entrou em recessão no final de 2008, terá uma taxa de crescimento negativa em 2009, e verá a economia estagnada em 2010. Sobre emprego o banco prevê um aumento de desemprego a variar entre 0,7% e 1%, chegando ao valor de 500 mil desempregados. A população activa em Portugal ronda os 5,6 milhões pessoas, pelo que aquele valor de desempregados se aproxima muito de 9% da população activa. Considerando ainda que todos os anos as nossas universidades e politécnicos colocam no mercado cerca de 40 mil pessoas com formação superior, é fácil de perceber a dimensão do problema quando a economia “promete” não crescer nos próximos dois anos. Isso significa que o número de empregos gerados não será sequer suficiente para contrabalançar os que forem sendo perdidos, muito menos para acomodar aqueles que entram no mercado de trabalho.

Não sei o que pensam quando ouvem ou lêem estas coisas, mas eu confesso que estou farto de as ouvir ano após ano e que me soam a desculpa de quem não tem o país e as pessoas em primeiro lugar. Ouvi no domingo passado uma entrevista do Prof. Campos e Cunha ao Rádio Clube Português e ao Correio da Manhã, onde se dizia que o “sistema odeia pessoas sérias e integras”, o que adiciona à minha percepção de que vivemos muito de imagens e reféns de interesses que nada têm de colectivo ou façam parte de um projecto global de país.

Como cidadão, exijo uma política integrada para o emprego onde se coloque o que for necessário dos nossos recursos financeiros. Não votarei em mais nenhum partido que não apresente um plano para o emprego, sustentável, que eu reconheça como válido e eficaz. O desemprego é um problema de todos e não só de quem está desempregado, e tem de ser entendido assim pela comunidade. Não consigo perceber por que se aplicam milhares de milhões de euros dos nossos recursos para salvar bancos que viviam do risco, e que portanto sabiam o que lhes podia acontecer, e não os usar prioritariamente para promover o emprego qualificado e a formação dos desempregados de longa-duração. É inaceitável.

Só os 1,3 mil milhões de euros usados pelo estado no BPN, mais os 700 milhões de euros no BPP, dariam para uma política integrada de promoção de emprego qualificado nas pequenas e médias empresas (PME) portuguesas. Bastava que esse dinheiro fosse usado para baixar os impostos, dentro de certos limites, às empresas que oferecessem a licenciados e doutorados contratos de média/longa duração, por exemplo, no valor equivalente aos encargos com esses novos colaboradores. Isso permitiria aumentar a oferta para os mais novos, numa fase crucial da sua vida, mas também contribuir para a revolução necessária nas PME com um efeito muito significativo na sua competitividade.

Os parques de ciência e tecnologia são outra solução para o emprego, pois colocam o foco no conhecimento e na sua capacidade de gerar valor. O Coimbra Inovação Parque, por exemplo, vai custar nas duas fases, que incluem 100 hectares para mais de 60 empresas, cerca de 20 milhões de euros. Somente 10% do dinheiro usado no BPN e BPP daria para construir e financiar o funcionamento de dez parques de ciência e tecnologia deste tipo pelo país fora, com efeitos a médio e longo prazo na nossa capacidade de inovar e reinventar o futuro, no emprego e na competitividade global do pais.

Um plano para o emprego implica uma aposta decisiva e continuada na capacidade dos portugueses. É nisso que deve ser aplicado o investimento público.

J. Norberto Pires

"Sócrates e a Rua": Clara Ferreira Alves, aqui.
"Do BPN ao BPP": Saldanha Sanches, aqui.
"O BPN ou os parvos somos nós": Nicolau Santos, aqui.
"Capitalismo, Dinheiro e Ética", Miguel Sousa Tavares, aqui.
"CGD não consegue empréstimo apesar de aval do estado", Expresso, aqui.
"Brincar com o fogo na banca", Nicolau Santos, aqui.
"A CGD precisa de si", Expresso, aqui.

Ainda o exame de ingresso na carreira docente


Novo post de Rui Baptista:
[Todos os ministros] “são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o estadista” (Eça de Queiroz, “O Distrito de Évora”, 1867).
Os comentários feitos ao meu post O exame de ingresso na carreira docente (28/01/2009) suscitaram-me a necessidade em complementar o que aí escrevi.

Começo por chamar a atenção para o facto de, na vigência da actual governação, existirem dois ministérios a tutelar a Educação, sendo atribuído ao Ministério da Educação (ME) competências sobre o ensino não superior (educações infantil, básica e secundária) e dependendo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) os ensino universitário e politécnico.

Ou seja, o ME recebe os professores que lhe são fornecidos pelo MCTES. Daqui se deduz que a responsabilidade da formação dos professores (saídos do ensino quer universitário ou politécnico, quer público ou privado) pertence, por inteiro, a esta última entidade. E, pelo andar da carruagem, nem sempre a “matéria cinzenta” saída do ensino superior é da melhor cepa por a sua massificação ter contribuído para que “uma esmagadora maioria dos alunos não tenha capacidade para perceberem o que lhe dizem sendo completamente analfabetos em questões culturais” (José Miguel Júdice, Diário de Coimbra, 1.Dez.2004). Haja em vista os casos da Universidade Independente e da Universidade Moderna, encerradas por falta de qualidade.

Mas não nos atenhamos, unicamente, à formação ministrada por estabelecimentos privados. Vejamos, por exemplo, a formação ministrada pelos ensinos universitário e politécnico públicos e, neste particular, a respectiva exigência na formação dos professores do 2.º ciclo do ensino básico (antigo ensino preparatório) para a disciplina de Matemática. Reportando-me a época anterior ao Processo de Bolonha, aos licenciados universitários, para o ensino desta matéria no 2.º ciclo do ensino básico era exigido um currículo destinado exclusivamente ao ensino desta disciplina. Em contrapartida, nas escolas superiores de educação essa formação era feita unicamente no 4.º ano de estudos (licenciatura), sendo os três primeiros anos (bacharelato) destinados à formação de professores generalistas do 1.º ciclo do ensino básico (antiga instrução primária)

Desta forma, não posso deixar de concordar com o exame de acesso à docência dos ensinos básico e secundário pela anarquia a que se tem assistido na formação destes agentes de ensino e para a qual muito tem contribuído a mãozinha de sindicatos de professores ao serviço das suas clientelas. Por seu lado, ao longo dos últimos decénios, na tentativa de endireitar a sombra torta de uma vara, ou de tapar buracos num lado para abrir crateras noutro, as diferentes tutelas ministeriais da Educação publicam hoje e revogam amanhã leis feitas em cima do joelho e a seu bel-prazer com o tempo a passar e a justiça a tardar na verdadeira selva em que se transformou o sistema educativo que enclausura em grades de iniquidade os professores com maior preparação académica, abrindo a jaula da ignorância para que – na feliz imagem camiliana – “as feras façam das garras o seu argumento”. O mesmo tem sucedido na aprovação dos programas das diversas disciplinas. Logo, em ambos os casos, sem o respaldo de uma política educativa digna de crédito e, muito menos, de aplauso por a legorreia publicada andar, muitas vezes, a reboque de ruidosas contestações sindicais.

A insólita situação do magistério da Matemática para o 2.º ciclo do básico, encontra guarida, igualmente, no ensino do Português que estava, até então, a cargo exclusivo de licenciados universitários. Pelo ridículo da situação, e com o devido cuidado por desconhecer o seu autor e a data, não resisto em transcrever este suculento naco de prosa que recebi:
“Como se avalia este professor, ouvido há tempo numa livraria?:
- Bom dia, queria a ‘ Aparição’ do Fernando Pessoa.
- Desculpe do Vergílio Ferreira.
- Francamente, quer-me ensinar a mim que dou aulas de português há 15 anos? Há pessoas que não deviam estar em certos lugares. (Caricato??? Mas verdadeiro. É piada ainda hoje nessa livraria)
(...) Conversa entre mim e a colega que dá a cadeira de Português:
- Não li os ‘ Contos Exemplares’ nem vou ler. Eles (alunos) que leiam. Já comprei um estudo de obra para lhes dar aquilo.
- E como vais dar se nunca leste nem analisaste?- Da mesma forma que dei o ‘Felizmente há luar’, pelos resumos. (Sem comentários) ”.
Por o exame para ingresso na carreira docente do ensino superior incidir no domínio da língua portuguesa e dos conhecimentos da área a leccionar – ninguém pode ensinar o que não sabe ou sabe mal - espero que dele resulte a necessária justiça para os candidatos e a consequente melhoria do sistema educativo. Ainda que, por esse facto, fique mais pobre o anedotário nacional.

Rui Baptista

Cunha & Cunha Ltda.


O post do Carlos levantou uma objecção interessante de um leitor: que dizer das cartas académicas de recomendação, que até são mais comuns nos países desenvolvidos do que em Portugal? Não será afinal universal a corrupção da cunha, sendo pacóvio pensar que só em Portugal essa prática é estatisticamente elevada?

Para responder a isto é preciso compreender o que é realmente a cunha. A recomendação baseada na avaliação e conhecimento pessoal não é por si corrupta nem uma cunha; o que é corrupto e uma cunha é a avaliação e conhecimento pessoal favorecer um candidato pior; presumivelmente, foi o que terá acontecido a Eça de Queirós. Se eu estou perante dois candidatos a uma dada função — assistente de lógica, por exemplo — e não conheço qualquer um deles; se ambos têm aproximadamente a mesma prestação da prova que lhes faço; mas se um deles tem uma carta de recomendação de alguém em cujo juízo académico confio, vou favorecer essa pessoa. Nada há de corrupto nisto: é antes uma forma perfeitamente justificada de escolher. Mas seria corrupto escolher um candidato objectivamente pior, só por ser sobrinho de um amigo meu: pois neste caso nem sequer é academicamente relevante o grau de parentesco nem estou a ter em consideração o meu amigo por força da minha confiança no seu juízo académico, mas apenas por ser meu amigo.

Espero que estas distinções sejam esclarecedoras.

Ilustração: Lichtzauber, de Emil Nolde (1867-1956)

NO PAÍS DA CUNHA


Minha crónica no "Público" de hoje (na foto, o jovem Eça de Queirós):

Quem se pode gabar, em Portugal, de nunca ter metido ou recebido uma cunha? Júlio Monteiro, tio do ex-ministro do Ambiente e actual primeiro-ministro José Sócrates, decerto que não. Ele achou a coisa mais natural do mundo meter uma cunha para que um seu amigo inglês chegasse à fala com o seu sobrinho. “Disse ao Charles para ligar para o Ministério do Ambiente e dizer que ia da parte do ministro José Sócrates", afirmou o tio referindo-se ao empresário Charles Smith. Só não achou natural que o amigo não lhe tivesse agradecido o favor: “Depois até fiquei chateado, porque usou o meu nome e nem obrigado me disse.”

Enquanto a investigação judicial prossegue a ocasião é boa para trazer à baila essa verdadeira instituição nacional – a cunha. Vivemos no país da cunha. Nenhum de nós está ao abrigo dela. Uns mais e outros menos, todos convivemos diariamente com pedidos, empenhos, influências. Governantes, familiares de governantes, amigos destes, amigos de amigos destes, funcionários menores, familiares de funcionários menores, amigos destes, amigos de amigos destes. Apesar de, como português, me ter há muito habituado ao fenómeno, fico sempre impressionado com a naturalidade com que se mete e se recebe uma cunha. Quem fica mal visto nunca é quem a mete, mas sim quem a recusa.

Nos negócios, a proliferação da cunha tem o nome algo eufemístico de “informalidade”, para a qual há até um medidor, o chamado “Índice da Percepção da Corrupção” da Transparency International: Portugal, que ocupa o 32.º lugar no “ranking” mundial de 2008 liderado pela Dinamarca, não tem feito grandes progressos. Se o tivesse feito, ter-se-iam talvez evitado as habilidades de alguns bancos e a nossa economia estaria bem melhor.

Por vezes a cunha toma o nome mais carinhoso de “jeitinho”. Usa-se também a expressão, igualmente afectuosa, de “mexer os cordelinhos”. Pede-se a alguém, familiar, amigo ou simples conhecido, um “jeitinho” ou para “mexer os cordelinhos”. E com o “inho”, tão típico da língua portuguesa, fica a cunha bastante subtil, desculpável e praticamente irrecusável. Esse intercâmbio social está profundamente arreigado, fazendo parte da nossa identidade. Somos peritos na troca de favores. E já não nos chega ser habilidosos, exportámos a habilidade. Em 1808, quando a corte atravessou o Atlântico, levámos o “jeitinho” para o Brasil, onde floresceu a olhos vistos. O “jeitinho” brasileiro não é mais do que a cunha portuguesa transportada para os trópicos.

Em 1870, em plena monarquia constitucional, Eça de Queiroz, candidato ao lugar de cônsul na Baía, Brasil, foi vítima de uma cunha. Não lhe bastou ter ganho o concurso para o qual se preparou com afinco já que o lugar acabou por ser dado a outro concorrente, um tal Manuel Saldanha da Gama, que beneficiou do “factor cunha”. Valha-nos que este insucesso redundou em inspiração literária, pois Eça, desempregado, começou com o seu amigo Ramalho Ortigão a escrever ”As Farpas”. Numa delas, em 1871, referindo-se ao seu caso, “farpeou” assim:
“Querido leitor: Nunca penses servir o teu país com a tua inteligência, e para isso em estudar, em trabalhar, em pensar! Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! E, sobretudo, nunca faças um concurso; ou quando o fizeres, em lugar de pôr no papel que está diante de ti o resultado de um ano de trabalho, de estudo, escreve simplesmente: sou influente no círculo tal e não me façam repetir duas vezes!”
E esta eloquente citação está longe de ser a única referência à cunha na literatura portuguesa. Vale a pena acrescentar uma outra, que foi publicada em 1933, no primeiro dos longos anos do Estado Novo, por Almada Negreiros, no “Diário de Lisboa”:
“Há um Portugal profissionalista, civil e insubornável! Há, sim senhores! Mas entretanto... Entretanto, a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos.”
Mudam-se os tempos, mas não se mudam os maus costumes. Eça e Almada retrataram o país das cunhas e, ai de nós, continuamos parecidos com o retrato.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

HUMOR ANTROPOLÓGICO

Em 30 de Setembro de 1880, quando as ideias da evolução humana eram discutidas em Portugal, o caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro desenhava no jornal "António Maria" (cópia aqui da Hemeroteca Municipal de Lisboa que tem esse jornal digitalizado) um cientista que apresenta num congresso de antropologia que então se realizou uma mulher com cabeça muito pequena. Legenda (clicar para ver melhor):

"O professor Virchow hesitou em considerar como absolutamente provada a existencia do nosso homem terciario. Não hesitou porém em affirmar que o nosso caso de microcephalia é o primeiro do mundo. Os demais provos do globo podem levar-nos a palma n' outras coisas; em ter cabeças com menos cerebro, não."

MAIL-ART - A (R)EVOLUÇÂO DE DARWIN


Informação recebida do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra:

A Mail-Art ou, em português, Arte Postal é uma forma de arte que se iniciou em meados do século passado na "Correspondance Art School" de Nova Iorque e teve grande expressão nos anos 70 e 80.

Tem como veículo de transmissão os serviços postais e, por isso, postais, envelopes, selos ou carimbos postais são alguns dos suportes em que é possível a expressão desta arte. Os artistas de Mail-Art utilizam principalmente técnicas como colagens, fotos, escrita, pintura ou arte digital. A única limitação real à utilização de diferentes técnicas e suportes é a possibilidade de envio dos trabalhos pelos serviços postais.

No âmbito das comemorações do bicentenário do aniversário do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos do aniversário da publicação da sua obra mais importante – “A origem das espécies”, o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, lança o desafio aos artistas de Mail-Art de todo o mundo, no sentido de nos enviarem trabalhos inspirados na figura de Darwin ou na teoria da origem e evolução das espécies. Darwin foi um cientista e pensador que marcou profundamente as ciências naturais e a nossa perspectiva sobre a história da Humanidade. Esta iniciativa pretende ser mais uma maneira de assinalar e celebrar a vida e obra deste grande cientista.

Os trabalhos enviados vão sendo publicados na página do Museu e uma selecção será exposta no Museu durante o ano de 2009. Para mais informações ver o regulamento.

Para saber mais sobre Mail-art:
http://www.oktiva.net/oktiva.net/1321/nota/16532
http://www.clubotaku.org/mailart/html_pt/about_pt.htm
http://www.mail-art.de/

As fadas gostam da cor verde...

A fantasia humana tem gerado inúmeras e admiráveis criaturas: belas, horríveis, malignas, perspicazes, ternas, caprichosas, vingativas, alegres, vaidosas, justas, paradoxais…

Jorge Luís Borges, numa viagem pela escrita que tem sobrevivido aos tempos, revela algumas das que emergiram nas mitologias e nas religiões em vários cantos do mundo, entre helénicos, judeus, persas, egípcios, chineses, nórdicos, europeus ocidentais, africanos, árabes, americanos do norte e do sul, esquimós…

O resultado é O Livro dos Seres Imaginários, que, com a colaboração de Margarita Guerrero, foi terminado em 1967.

Nele, Borges relembra entidades tão antigas, que não é possível deslindar as origens, mas também evoca algumas recentes, ainda ligadas aos seus criadores (Franz Kafka, Edgar Allan Poe, por exemplo). Umas são-nos mais estranhas e outras mais familiares, mas, mesmo estas podem ter facetas que poucos conhecem: é o caso das Fadas. Escreveu o autor:

O seu nome vincula-se à palavra latina fatum («fado», «destino»). Intervém magicamente nos sucessos dos homens. Diz-se que as Fadas são as mais numerosas, as mais belas e as mais memoráveis das divindades menores. Não estão limitadas a uma única região ou só a uma época. Os antigos Gregos, os Esquimós e os Peles-Vermelhas narram histórias de heróis que conseguiram gozar do amor destas fantásticas criaturas. Tais aventuras são perigosas: a Fada, uma vez satisfeita a sua paixão, pode causar a morte aos seus amantes.
Na Irlanda e na Escócia atribuem-lhe moradas subterrâneas, onde se juntam aos filhos e aos homens que costumam sequestrar. As pessoas acreditam que possuíam as pontes de flechas neolíticas que exumam nos campos e as dotam de infalíveis virtudes medicinais.
As Fadas gostam da cor verde, do canto e da música. Em finais do século XVII, um eclesiástico escocês, o reverendo Kirk, de Alberboyle, compilou um tratado intitulado A secreta República dos Elfos, das Fadas e dos Faunos. Em 1815, Sir Walter Scott mandou imprimir essa obra manuscrita. Do senhor Kirk diz-se que as Fadas o arrebataram porque tinha revelado os seus mistérios (…).”


Estas Fadas pouco têm a ver com as criaturas doces e maravilhosas do mesmo nome que habitam os livros que as nossas crianças lêem e que passam para o seu imaginário. Pois é, as criaturas mudam em função da vontade dos humanos e em tempos mais recentes, os humanos preferem as Fadas etéreas, intrinsecamente puras, que, na sua generosidade, acompanham e amparam os bons e desprotegidos nos seus desejos e dificuldades.

Não, nem a Fada Azul de Carlo Collodi nem a Fada Oriana de Sofia de Melo Breyner Anderson são dadas a volúpias, a arrebatar alguém para as profundezas e, muito menos, a matar...

Livro: Jorge Luís Borges (em colaboração com Margarita Guerrero) (2005). O Livro dos Seres Imaginários. Lisboa: Teorema.

Conformidade ou conformismo?

Na década de 50, Solomon Asch do Swarthmore College na Pensilvânia publicou uma série de artigos que realçavam o poder da conformidade na determinação de comportamentos individuais em grupos, algo que ficou conhecido como o «Paradigma de Asch». Asch mostrou que muitos tendem a mudar de opinião em relação a factos objectivos - nas suas experiências, as dimensões de uma linha desenhada num papel - para se conformarem às opiniões do grupo, mesmo quando este está obviamente errado.

Nas experiências de Asch participavam um «sujeito ingénuo» e um grupo previamente instruído para responder erradamente às questões colocadas. Após várias experiências, Asch chegou à conclusão de que, se isoladamente interrogados, os «sujeitos ingénuos» responderam correctamente 99% das vezes. No entanto, quando em grupo e respondendo depois dos restantes, 37% dos ingénuos seguiram a opinião errada dos outros membros do grupo. Asch comentou a propósito que: «Este resultado levanta questões sobre o modo como somos educados e sobre os valores que guiam a nossa conduta».

Desde então, vários investigadores têm sugerido que a conformidade ajuda as pessoas a ganhar aceitação social e a sentir confiança em que as suas percepções ou opiniões estão correctas. De facto, outras experiências têm indicado que levantar uma voz discordante causa ansiedade e confusão.

Um artigo recente na Neuron, sugere um papel para o nosso «brain's reinforcement learning system» na determinação do comportamento de rebanho. No artigo «Reinforcement Learning Signal Predicts Social Conformity», Vasily Klucharev, um neurocientista social da Radboud University na Holanda, confirma estudos prévios que indicavam que determinadas zonas do cérebro, áreas que se pensa fazerem parte do nosso sistema de aprendizagem, se activam quando as pessoas fazem previsões erradas em jogos e despoletam uma alteração de estratégia. Klucharev e colegas mostraram que as mesmas áreas são activadas quando a escolha de um indivíduo não se conforma à opinião do grupo.

Vale a pena ler o que o Mundo da Ciência tem a dizer sobre o trabalho de Klucharev:
Although a grammatically chal­lenged ad­vert­ise­ment ex­horts us to “think dif­fer­ent,” most of us tend to look to group op­in­ion to guide our own ideas and act­ions. This tend­ency is called con­form­ity. Now, sci­en­tists say they have found the brain ac­ti­vity un­der­ly­ing this sort of herd men­tal­ity.

“We of­ten au­to­mat­ic­ally ad­just our opin­ion in line with the ma­jor­ity opin­ion,” ob­served Va­sily Klu­char­ev of the F.C. Don­ders Cen­ter for Cog­ni­tive Neu­roimag­ing in The Neth­er­lands, lead au­thor of the study pub­lished in the Jan. 15 is­sue of the re­search jour­nal Neu­ron.

Klucharev and col­leagues scanned brain ac­ti­vity in peo­ple whose in­i­tial judg­ments of the attrac­tiveness of faces were open to in­flu­ence by group opin­ion. They ex­am­ined two brain ar­eas called the the ros­tral cin­gu­late zone and the nu­cle­us ac­cum­bens. The first is thought to play a role in mon­i­tor­ing be­hav­ior­al out­co­mes, the sec­ond in the an­ti­cipa­t­ion and pro­cess­ing of re­wards and in so­cial learn­ing.

The study au­thors found that a con­flict with the group opin­ion led sub­jects to change their own rat­ing of a face. The con­flict al­so elicited a re­sponse in the brain si­m­i­lar to one found in pre­vi­ous stud­ies, and known as “pre­dic­tion er­ror” sig­nal. It comes from a dif­fer­ence be­tween ex­pected and ob­tained out­co­mes and is thought to point an or­gan­ism to a need for a be­hav­ior­al change.

Fur­ther, the mag­ni­tude of the in­di­vid­ual con­flict-related sig­nal in the nu­cle­us ac­cum­bens cor­re­lat­ed with dif­fer­ences in con­forming be­hav­ior, the group found. The re­search­ers em­ployed the widely used brain-scanning tech­nique func­tion­al mag­net­ic res­o­nance im­ag­ing.

“Our re­sults al­so show that so­cial con­form­ity is based on mech­a­nisms that comply with re­in­force­ment learn­ing,” Klu­char­ev said. Conformity “is re­in­forced by the neu­ral error-mon­i­tor­ing ac­ti­vity which sig­nals what is prob­ab­ly the most fun­da­men­tal so­cial mis­take—that of be­ing too dif­fer­ent from oth­ers.”

Astrónomos amadores e profissionais unem esforços


Informação recebida do Ano Internacional da Astronomia (na foto, o Comissário Nacional João Fernandes):

— 300 iniciativas estão já agendadas em todo o País. Funchal vai ter desfile de Carnaval temático

O Ano Internacional de Astronomia (AIA2009) começa oficialmente em Portugal no próximo Sábado, mas o envolvimento já é forte. De Norte a Sul do país, na Madeira e nos Açores, está tudo a posto para transformar 2009 num ano inesquecível. No total, estão actualmente agendadas 300 iniciativas, um número que, segundo os responsáveis da Comissão Nacional do AIA2009, vai chegar às mil até ao final do ano. Duas centenas e meia de instituições já se associaram às diferentes actividades, entre escolas, autarquias e centros de ciência.

"O Ano Internacional de Astronomia é para nós o culminar de dois anos e meio de trabalho", sublinha Miguel Avillez, presidente da Sociedade de Portuguesa de Astronomia, que está na base do plano nacional do AIA. Além das actividades globais que vão também ter lugar no território nacional, como as "100 Horas de Astronomia" em Abril, ou a exposição "Da Terra ao Universo", cujos cartazes com imagens astronómicas já podem ser vistos em espaços públicos em Tavira e brevemente no Porto, Viana do Castelo e Coimbra, a comissão científica do Ano Internacional apadrinha uma dezena de projectos.

A "Noite da Astronomia", marcada a 15 de Julho, promete ser o grande evento do ano, com iniciativas em todos os distritos de Portugal. Mas não só. O "E agora sou Galileu" vai recriar ao longo do Ano e em todo o país as observações de uma das figuras que revolucionaram a ciência. O desafio de "Astronomia Artística" desenvolvido na Madeira por Fernanda Freitas visa, por exemplo, promover o diálogo entre a ciência e as artes. "O céu é o mesmo para todos", refere João Fernandes, Presidente da Comissão Nacional AIA2009, justificando a transversalidade das actividades que existem a nível mundial e nacional.

Mas as boas ideias não acabam com o empenho da Comissão. Um desfile de Carnaval, no Funchal, dedicado à Astronomia, um encontro de Astronomia com Gastronomia (Exploratório de Coimbra), um acampamento com as estrelas (Centro de Multimeios - Espinho), Astrofestas (Braga, Constância), etc. A lista já é longa, mas o objectivo é sempre o mesmo, convidar pequenos e graúdos a olhar por uma luneta e a descobrir o Universo.

"Os astrónomos portugueses têm uma responsabilidade acrescida, frisa Pedro Russo, coordenador internacional do Ano Internacional de Astronomia, "porque existe mais apetência pela ciência astronómica por parte do jovens portugueses do que em média no resto do mundo". O comissário global do AIA mostrou-se bastante satisfeito com o programa português apresentado este fim-de-semana no Centro Multimeios de Espinho, programa que qualificou de "realista".

Pedro Russo não é ó único a representar Portugal no estrangeiro. Projectos nacionais já se exportaram para os quatro cantos do mundo, como aconteceu com o projecto "Alvorada AIA2009", encabeçado por Ricardo Cardoso Reis do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, que promoveu dia 1 de Janeiro observações solares em Portugal, mas também no Nepal, no Iraque e na Indonésia, ou com o "Descobre o teu Céu!", concurso lançado nos cinco continentes pelos Museus da Ciência das Universidades de Lisboa e Coimbra.

"Esperamos deixar frutos"
, conclui João Fernandes. Para todas as pessoas que procuram dar a conhecer o que se faz em Astronomia no país, o objectivo é o mesmo: que todas as iniciativas criadas e desenvolvidas no âmbito do Ano Internacional de Astronomia possam ter continuidade depois de Dezembro 2009.

HUMOR - BUSH E OBAMA


From Bush with Love from Spam Cartoon on Vimeo.

"Spamcartoon" de João Fazenda, João Paulo Cotrim, Ana Nunes e José Condeixa

HUMOR - O DOUTOR TRADICIONAL

DARWIN EM AVEIRO


Informação recebida da Universidade de Aveiro - Fábrica Ciência Viva(clicar para ver melhor)

DARWIN NO PORTO



Informação recebida da Universidade do Porto (clicar opara ver melhor)

"DARWIN 200" EM MATOSINHOS

Informação recebicda da Setepés (clicar na figura para ver melhor).

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O exame de ingresso na carreira docente


O nosso habitual colaborador na área da Educação Rui Baptista debruça-se sobre o anunciado exame para professores:

“Nem tratante se pode ser sem alguma instrução ou tirocínio”. (Ramalho Ortigão)

Numa altura em que os candidatos à docência excedem em muito a procura do mercado, uma notícia da Lusa (24/01/2009) diz-nos que “a Fenprof rejeitou hoje que os professores sejam obrigados a realizar um exame de ingresso na carreira” por considerar este exame “injusto e sem sentido”. Em contrapartida, Jorge Pedreira, secretário de estado adjunto da Educação, vê nesta medida a garantia de que a formação ministrada aos que se desejam candidatar à docência se rodeie de“padrões de qualidade exigível” que se não verificam em estabelecimentos de ensino superior privados em que “existem ‘indícios’ de facilitismo e eventual inflação nas notas”. A título de exemplo, referenciou a Escola Superior de Educação Jean Piaget e o Instituto Superior de Ciências Educativas responsáveis, segundo ele, pela formação de “um terço de todos os professores admitidos no sistema nos últimos dez anos.”

Pressagia-se, assim e novamente, num horizonte plúmbeo de nuvens de discórdia de natureza política, um outro braço-de-ferro entre o Ministério da Educação e a Fenprof, um sindicato que está, sintomaticamente, a braços com a demissão de quatro dirigentes seus do Partido Comunista por esta força partidária “se imiscuir na vida interna da estrutura sindical” (Sol, 24/01/2008).

Mas esta discussão sobre o exame de acesso à docência vem de longe e não se circunscreve às escolas mencionadas. Anos atrás, escrevi em artigo de opinião num jornal de que era colaborador: “O Estado com um orçamento insuficiente para satisfazer a massa estudantil que procura as universidades estatais viu-se obrigado a delegar parte dessa incumbência em instituições privadas que, tendo em vista o lucro fácil, não se preocupam com o ensino que ministram” (Correio da Manhã, 05/05/92). Mais tarde, foi levantada a questão numa Assembleia Magna da Universidade de Coimbra, noticiada no Público (01.11.96):

“Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais que os do Politécnico. ’Setenta por cento marxista’, Cristina, originária de Bragança, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu anteontem à noite ao palanque da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra(...)”.

Para o leitor menos versado nos meandros dos concursos para professores do 2.º ciclo do ensino básico (a então secretária de estado da Educação e da Inovação, Ana Benavente, deu o ar de virtuosa a uma medida, de duvidosa moral, que até pretendia tornar extensiva ao 3.º ciclo do ensino básico), referia-se esta aluna universitária ao facto de a estes concursos se habilitarem simultaneamente licenciados por universidades e politécnicos com real vantagem para estes por serem portadores de uma nota de acesso ao 12.º ano mais baixa, terem um curso de menor duração e de menor exigência curricular e que, além do mais, com classificação final média mais elevada. Um licenciado pelo ensino politécnico público ou privado com classificação final de curso apenas com um valor a mais do que um licenciado universitário passa à sua frente.

Em finais de 2007 veio a lume uma notícia nos jornais com o título: “A vice-reitora da Universidade de Coimbra defende exame para acesso à docência”. Fcou-se saber que Cristina Robalo Cordeiro, face ao ante-projecto de decreto-lei sobre o regime jurídico da habilitação profissional para a docência, subscreveu um parecer em defesa da realização de um exame nacional de acesso à docência do ensino básico e secundário, com base nos seguintes pressupostos: 1) qualidade de ensino e equidade de acesso à profissão docente; 2) exigência acrescida para uma competitividade a nível europeu; 3) o reconhecimento d facto de que nenhuma pedagogia consegue que um professor ensine aquilo que não sabe.

Não posso deixar de estranhar que, em vésperas da discussão do exame de ingresso na carreira docente, Mário Nogueira, secretário geral da Fenprof e porta-voz da Plataforma Sindical dos Professores, entre nestas negociações numa atitude que eu quase diria de pé em riste “garantindo que a Fenprof o não vai aceitar”. Há todo o interesse em se saber a posição dos outros sindicatos sobre a avaliação dos candidatos à docência no domínio da língua portuguesa e dos conhecimentos científicos da área a leccionar. Por exemplo, o que pensa o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, que “nasceu para defender os interesses específicos dos professores licenciados por universidades”?

Seja como for, a proposta merece ser discutida numa mesa de negociações pelas partes envolvidas que, tomando para si princípios defendidos por Cesar Cantu, “não mudem de sentimentos conforme as ocasiões e não namorem a popularidade, renegando a própria consciência”. Só desta forma sairá reforçada uma educação ao serviço da sociedade portuguesa que não tenha, como escreveu Eça, “como única direcção a conveniência”. Seja esta de natureza profissional ou política!

"Formar Leitores para Ler o Mundo" - Síntese

Para os nossos leitores que não puderam estar presentes no Congresso Internacional de Promoção da Leitura, organizado pela Casa da Leitura/Fundação Calouste Gulbenkian e que decorreu nos dias 22 e 23 deste mês de Janeiro, aqui deixamos uma síntese do mesmo realizada por Rui Marques Veloso, que teve a amabilidade de, recentemente, nos dar uma entrevista a propósito deste evento.

O congresso Formar Leitores para Ler o Mundo teve a presença de cerca de setecentos participantes. Uma adesão tão elevada para um acontecimento desta natureza encontra justificação no leque de convidados para realizar as conferências e na temática escolhida; nunca será demasiada a reflexão sobre a formação de leitores, nem excessivos os contributos que a investigação universitária nos tem trazido.

Os quatro painéis ofereceram uma visão polifacetada da leitura, com particular incidência na sua valência literária. No primeiro, a conferência de abertura pertenceu a Peter Hunt, da Universidade de Cardiff, que focalizou o novo paradigma de leitura que hoje se vive, marcado pela tendência para textos muito simples de molde a que os leitores não tenham de pensar muito; questionou os ganhos daqui decorrentes, já que o espaço para a imaginação se reduz drasticamente. Nas conferências seguintes, foi sublinhada a importância dos paratextos e dos elementos peritextuais nas inferências produzidas pelas crianças (Lawrence Sipe/Universidade da Pensilvânia), a literacia visual e o peso da leitura literária (Maria Nikolajeva/Universidade de Estocolmo), a ficção cruzada (crossover fiction) e a criação de leitores, ou seja, em que medida a ficcção para crianças cativa igualmente os adultos (Sandra Lee Beckett/Univ. de Brock - Canadá).

O segundo painel abriu com a conferência de Teresa Colomer, da Universidade Autónoma de Barcelona, onde foi acentuado o facto de a educação literária não constituir um luxo, antes um caminho incontornável para a pertença a uma comunidade cultural e para o acesso ao imaginário colectivo. Em seguida, intervieram Pedro Cerrillo (Universidade de Castela-Mancha), que valorizou a mediação leitora na aquisição da capacidade de leitura dos cidadãos, e Michel Fayol (Université Blaise-Pascal), que analisou a actividade de compreensão da leitura realizada pela criança. Pep Duran (livreiro e narrador em Barcelona) ofereceu-nos uma performance em que acentuou o poder dos contos na articulação das componentes cognitiva, emotiva e instintiva para a construção da nossa identidade.

O terceiro painel – Projectos de Promoção de Leitura – teve, na conferência de abertura, António Nóvoa, Reitor da Universidade Clássica de Lisboa, que abordou a evolução da formação de leitores nos sistemas de ensino, e, nas conferências seguintes, António Prole (Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas), que falou da concepção e desenvolvimento do projecto Casa da Leitura, Dolores López-Casero (Fundação German Sanchez Ruiperez), que relatou os resultados de um estudo, levado a cabo pela Fundação que representa, sobre as pré-leituras na alfabetização emergente das crianças, e Galeno Amorim (Observatório do Livro e da Leitura – Brasil) que relatou experiências muito diversas, levadas a cabo no seu país, para formar leitores, especialmente em zonas rurais desfavorecidas.

O último painel consistiu numa conversa, moderada pelo jornalista António José Teixeira, sobre a leitura como experiência de vida – três reflexões protagonizadas por José Barata-Moura (Universidade Clássica de Lisboa), Fernando Savater (Universidade Complutense de Madrid) e Eduardo Marçal Grilo (Fundação Calouste Gulbenkian). A leitura arrasta o compreender e o transformar, gerando uma constelação de saberes, o que a torna uma plataforma de intervenção no mundo (J.B-M.); a leitura é um acto de liberdade que possibilita saltar as fronteiras do tempo e do espaço (E.M.G.); a leitura é uma droga que nos possui e que nos abre caminhos – uma paixão que se contagia (F.S.). Num tom informal, foram feitas afirmações que nos questionam e nos responsabilizam como cidadãos, pois a promoção da leitura não se resolve com imperativos, mas faz-se com a educação dos sentidos.

A sessão de encerramento foi marcada pela intervenção de Isabel Alçada, comissária do Plano Nacional de Leitura, que focou os avanços trazidos pelo Plano na promoção da leitura em Portugal, particularmente nas camadas mais jovens.

Rui Marques Veloso

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Newton e a filosofia

A ideia de que é possível evitar a filosofia é uma ilusão comum. A única coisa que se pode fazer é pressupor teses filosóficas sem grande consciência disso. Isto não significa, contudo, que a filosofia tenha qualquer tipo de prioridade sobre a ciência; significa apenas que os pressupostos filosóficos são ubíquos e que cientistas e filósofos devem prestar atenção aos trabalhos que uns e outros desenvolvem, pois os dois domínios não são estanques. Os cientistas desenvolvem competências e conhecimentos próprios, tal como os filósofos, e é tão palerma fazer especulações científicas ingénuas quanto filosóficas (isto é, desconhecendo a bibliografia especializada).

Newton foi um dos responsáveis pela ciência tal como hoje a concebemos. Os seus pressupostos filosóficos, contudo, têm sido cuidadosamente estudados pelos especialistas em história da filosofia e da ciência. Andrew Janiak, em Newton as Philosopher (Cambridge University Press, 2008), discute as ideias filosóficas de Newton, e Richard Arthur recenseia o livro na NDPR.

300 ANOS DA PASSAROLA


2009 é o ano Galileu (400 anos das primeiras observações telescópicas) e é também o ano Darwin (200 anos do nascimento e 150 anos da sua obra maior). Mas é também o ano Gusmão, pois se assinalam os 300 anos da famosa experiência feita em 8 de Agosto de 1709 na Casa da Índia em Lisboa pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão, estudante de cânones em Coimbra na altura com apenas 24 anos, da primeira ascensão de um objecto mais pesado do que o ar- o objecto que ficou conhecido por "Passarola".

AINDA "EDDINGTON E EINSTEIN"



Segundo informa um leitor, o filme "Eddington e Einstein" transmitido no ano passado na BBC2 está no You Tube. Eis imagens que se referem à ilha do Príncipe (o famoso eclipse do Sol foi quase há 90 anos, a 29 de Maio de 1919).

Darwin fracassou?

Markus Becker é o autor de um artigo na revista alemã DER SPIEGEL com o título acima. Transcrevemos, na tradução portuguesa publicada no Brasil, dados estatísticos sobre a crença religiosa eem vários países (clicar para ver melhor o gráfico sobre a prevalência da crença religiosa nos EUA). Para ler o artigo todo, em português, clicar aqui.
"Segundo uma pesquisa concluída pela Comissão Europeia no início de 2005, 52% dos cidadãos da União Europeia acreditam em Deus. Cerca de um entre quatro europeus declarou que apesar de não acreditar em um Deus pessoal, ele acredita em "um tipo de espírito ou força vital". E apenas 18% disseram não acreditar. A Alemanha ficou situada no bloco intermediário dos países pesquisados, com 47% dos entrevistados declarando uma crença em Deus. Segundo o estudo de 2005, 25% dos alemães disseram acreditar em um poder superior que não Deus, enquanto outros 25% não acreditavam em nenhum dos dois.

Em uma comparação internacional, esses números ainda colocam a Alemanha e a UE entre as regiões mais seculares do mundo. Nos Estados Unidos, a Organização Gallup realiza pesquisas que perguntam às pessoas sobre Deus e ciência. Segundo o mais recente resultado, apenas 14% acreditam que o Homo sapiens chegou ao mundo em conseqüência exclusiva da evolução. Segundo 36% das pessoas, a evolução ocorreu, mas guiada por Deus. O maior grupo, envolvendo 44%, acredita que o próprio Todo-Poderoso criou o homem em sua forma atual - e que isso ocorreu há não mais que 10 mil anos.

Mesmo no país de origem de Darwin, o Reino Unido, a maioria dos cidadãos não mais adere à teoria da evolução, como mostrou uma pesquisa de 2006. Apenas 48% dos britânicos alegam acreditar nela. Mais de 40% gostariam de ver a história bíblica da criação lecionada nas escolas públicas - e não apenas nas aulas de religião, mas também nas de biologia. Um entre quatro professores do ensino público concorda."

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O dever de formar com ou contra a sociedade?

Sétima sessão do ciclo O dever de educar, no próximo dia 27 de Janeiro, pelas 18h15, na Livraria Minerva Coimbra.

No presente, aceita-se como verdadeira a ideia de que a educação escolar deve seguir os desígnios da sociedade circundante, os seus anseios e necessidades e acompanhar a sua evolução. Desta maneira, alega-se, preparam-se-ão os mais jovens para essa mesma sociedade. Poderá ter esta ideia discussão?

É convidado Carlos de Sousa Reis, professor do Instituto Politécnico da Guarda, investigador na área da filosofia da educação, que conhece como poucos os valores que norteiam (parte d)a nossa sociedade, uma vez que se tem dedicado à sua identificação e análise. De entre os trabalhos de referência que publicou sobre o assunto, fazemos referência ao seguinte: O Valor (Des)educativo da Publicidade.

Local: Livraria Minerva (Rua de Macau, n.º 52 - Bairro Norton de Matos), em Coimbra

Próxima sessão: 10 de Fevereiro.

As sessões deste ciclo são quinzenais e estão abertas ao público.

HUMOR CIENTÍFICO - "STUPID DESIGN"


O habitual humor científico de David Marçal no "Inimigo Público" (na imagem design "estúpido" de t-shirt):

"Stupid design" é a nova corrente para explicar o mundo e a biodiversidade

Certas características do universo e do mundo vivo são melhor explicadas por uma causa estúpida, e não por um mecanismo indirecto como a selecção natural. O mundo é tão estúpido que tem que ter havido um Supremo Imbecil a desenhar as formas de vida e o mundo, é o que acreditam os adeptos do desenho estúpido. O Inimigo Público apresenta alguns exemplos que demonstram a existência do Supremo Imbecil:

- Os mamilos dos machos têm uma função ornamental. O Supremo Imbecil acha que os mamilos são uma espécie de galos de Barcelos para pôr em cima da televisão.

- 95% do DNA humano não contém genes e está lá só para dar um ar complicado à coisa. O Supremo Imbecil não esteve para se chatear muito.

- A utilidade do cromossoma Y, exclusivamente masculino, é permitir aos homens terem pêlos nas orelhas. O Supremo Imbecil achou que dava para fazer penteados giros.

- Os dentes do cachalotes, o maior mamífero com dentes, não servem para nada. O Supremo Imbecil pensou que iriam ter utilidade em anúncios a lula gigante enlatada, com cachalotes a sorrir.

- A cauda do espermatozóide da mosca da fruta é vinte vezes maior do que o seu próprio corpo e mil vezes maior do que a de um espermatozóide humano. O Supremo Imbecil trocou.

- As orelhas humanas não mexem. Apesar de terem musculatura são completamente inúteis para afugentar Drosophila melanogaster (vulgo, moscas de Sarah Pallin).

- A maioria das machos das aves não têm pénis e a maneira de copular é esfregando as aberturas genitais uma na outra. O Supremo Imbecil fez os pássaros ao mesmo tempo que as lésbicas, e pelo meio recebeu um telefonema.

- Um electrão é simultaneamente uma onda e uma partícula. O Supremo Imbecil não se conseguiu decidir.

David Marçal

domingo, 25 de janeiro de 2009

ENTREVISTA AO "ENSINO MAGAZINE"

Ver aqui entrevista que dei ao jornalista Nuno Dias da Silva do jornal "Ensino Magazine". Coloco aqui a pergunta e a resposta que serviram de base ao título, "Ninguém manda na escola":

"EM- Fica-se com a ideia que a instituição escola está “sem rei nem roque”. Os professores perderam o poder que tinham e distanciaram-se do centro do sistema. Quem manda na escola?

CF- Boa pergunta, quem manda na escola? Acho que ninguém manda. Os professores não mandam, o governo não manda, as autarquias e as famílias também não. Julgo que era tempo de responder à questão. Poder-se-ia pensar – se no estado actual de confusão se pudesse pensar alguma coisa – que às escolas fosse dada suficiente autonomia para se organizarem da maneira que os professores (os professores são centrais na escola!), em colaboração com as autarquias, as famílias, etc.,
achassem melhor e que o governo se limitasse, em vez de querer ser o “rei” absoluto, que tudo estabelece e determina, a definir regras claras, incentivando as escolas mais bem organizadas e desincentivando as outras."

EDDINGTON E EINSTEIN



Imagens do filme "Eddington e Einstein", drama-documentário que passou na BBC 2 em Novembro passado. O filme relata a famosa expedição de Eddington à ilha do Príncipe, em 1919 (faz este ano 90 anos), que veio confirmar a teoria da relatividade de Einstein. Quando é que a televisão portuguesa passa o filme?

Uma curiosidade: a actriz inglesa Rebbeca Hall, que é a Vicky no recente filme de Woody Allen "Vicky, Cristina, Barcelona", faz o papel de da irmã e governanta do astrofísico Eddigton neste filme.

CIÊNCIA E RELIGIÃO


Como o tema da ciência e religião tem sido aqui muito discutido, transcrevemos a opinião de Frei Bento Domingues na última parte da sua crónica dominical no "Público". Sobre as convicções religiosas de Darwin o melhor é ver o seu depoimento na "Autobiografia" que se encontra aqui.

"(...) Não me parece que a ciência de R. Dawkins vá substituir a religião. Como dizia o poeta Eliot, "não há nada neste mundo ou no outro que possa ser substituto de outra coisa". Já referi a obra de resposta de Alister McGrath a Dawkins que termina com um convite: "Temos muito a ganhar com um debate comum, cordato e rigoroso. A questão acerca da existência de Deus - e como será Deus se existir - mantém ainda toda a sua importância intelectual e pessoal nesta época pós-Darwin. Encontramos mentes fechadas de ambos os lados da barricada. Os cientistas e os teólogos têm muito a aprender uns com os outros". Foi, aliás, nesse processo, que este biólogo passou de ateu a cristão, sentiu a necessidade de se doutorar em Teologia e, sem deixar a prática científica, tornou-se padre da Igreja anglicana.

Para superar este abismo entre as mentes fechadas, fundamentalistas, de ambos os lados, um outro biólogo, presidente da American Association for the Advancement of Science, Francisco J. Ayala (1), escreveu uma obra, mostrando que não há contradição necessária entre a ciência e as crenças religiosas. "A ciência procura descobrir e explicar os processos da natureza: o movimento dos planetas, a composição da matéria e do espaço, a origem e a função dos organismos. A religião trata do significado e propósito do universo e da vida, as relações apropriadas entre os humanos e o seu criador, os valores morais que inspiram e guiam a vida humana. A ciência não tem nada a dizer sobre essas matérias, nem é assunto da religião oferecer explicações científicas para os fenómenos naturais. (...) O Deus da revelação e da fé cristã é um Deus de amor, misericórdia e sabedoria". Como se dizia na antiga Missa, o Deus que alegra a minha juventude.

Ayala, no balanço final do seu percurso, verifica que "a evolução e a fé religiosa não são incompatíveis. Os crentes podem ver a presença de Deus no poder criativo do processo de selecção natural de Darwin". Era esta, aliás, a convicção do próprio Darwin."

(1) Francisco J. Ayala, Darwin y el Diseño Inteligente, Madrid, Alianza, 2008

Frei Bento Domingues

O QUE JORGE BUESCU SABE SOBRE AS MULHERES

Da revista "Pública" de hoje transcrevemos o texto da jornalista Ana Sousa Dias (na foto)) baseado numa conversa com o matemático Jorge Buescu sobre o que ele sabe sobre as mulheres:

Sei muito pouco sobre as mulheres, mas isso é um lugar-comum. Teoricamente, teria obrigação de saber mais porque cresci numa família de mulheres: a minha mãe e três irmãs mais velhas. O meu pai faleceu quando eu tinha seis anos, tenho umas memórias muito longínquas dele. Meio a brincar, digo que tive quatro mães.

Há uma questão de comunicação. Tendencialmente, os homens são animais do hemisfério esquerdo, ligado às questões da lógica, do espírito analítico, do raciocínio numérico, aritmético. O hemisfério direito está ligado a outras questões - à intuição, à comunicação não verbal, à linguagem dentro de contexto. Felizmente, todos temos hemisfério esquerdo e direito. Mas as mulheres são mais intuitivas, de decisão mais rápida e imediata, com uma comunicação não verbal dentro de contexto mais perceptível. Os homens precisam de mais tempo e mais dados para tomar decisões, são mais racionais, se as coisas não estão preto no branco não são capazes de se aventurar.

Na casa da minha mãe, às vezes parecia que elas estavam a falar entre si em código. Diziam uma coisa imprecisa, entendiam-se e eu ficava sempre de fora. Quando a minha mulher foi lá pela primeira vez, a minha mãe a certa altura disse-lhe - "Ó Catarina, passa aí o coiso dos coisos." Ela percebeu: era a base para pôr os tachos quentes. Eu vivia lá em casa e não sabia. E a ela bastou-lhe olhar para perceber o contexto. Ainda hoje falamos sobre isso. Isso faz parte da comunicação informal que funciona via hemisfério direito. Nós devemos ter umas ligações menos eficientes.

Acho que se aplica aqui o princípio de Pareto [Vilfredo Pareto, 1848-1923], estabelecido por um economista que viu que 80 por cento da riqueza em Itália era detida por 20 por cento das pessoas. A regra dos 80-20 funciona bem em muitos contextos. Por exemplo, 80 por cento do nosso trabalho é feito em 20 por cento do tempo. As mulheres funcionam assim: tomam decisões com 20 por cento dos dados e 80 por cento das vezes a decisão está certa. Os homens são mais analíticos, mais chatos, precisam de mais dados, correm o risco de paralisar por excesso de análise.

O maior prémio mundial da Matemática, a medalha Fields, nunca foi atribuído a uma mulher. É espantoso, porque as ciências duras - Física, Química, Biologia - precisam de material, de laboratórios, e há mulheres com Nobel nessas áreas. A Matemática é papel e lápis, pode ser feita em casa. Em Portugal, sempre houve muitas estudantes mas depois ficavam no ensino, não iam para a investigação. Talvez seja um fenómeno geracional. Isto tem raízes históricas, evidentemente.

A francesa Sophie Germain [1776-1831] queria fazer Matemática mas não podia inscrever-se na École Polytechnique por ser mulher. Fez-se passar por um homem para ter acesso aos apontamentos, tomou um lugar de um aluno chamado Antoine-Auguste Le Blanc que deixou de ir às aulas. Estudava em casa, submetia os trabalhos resolvidos. O maior matemático da altura, Joseph Lagrange, chamou o Monsieur Le Blanc porque as soluções eram extraordinárias: apareceu-lhe à frente uma mulher. Ela fez contribuições importantes em Matemática mas, quando faleceu, o epitáfio identificava-a simplesmente como "rentière-annuitante", uma mulher que vivia de rendimentos.

A alemã Emmy Noether [1882-1935] foi uma matemática de primeira linha. Em 1915, David Hilbert, o mais destacado matemático de então, convidou-a para trabalhar com ele em Gottingen mas o departamento não aceitou, por ser uma mulher. Ficou quatro anos a dar aulas e a fazer investigação sem ser paga, até aceitarem contratá-la. O Hilbert perguntava, com muita graça: "Mas isto é um departamento de Matemática ou é um balneário?" Não foi há tanto tempo assim, foi há 90 anos!

A par do rigor lógico, a investigação matemática tem uma componente de intuição que é subvalorizada. São necessários os dois hemisférios: o direito para adivinhar os resultados e o esquerdo para prová-los. À partida, as mulheres não têm qualquer handicap para a profissão matemática.

Sou casado há mais de 18 anos e às vezes descobrimos coisas inesperadas um no outro. Temos interesses comuns, às vezes dizemos a mesma coisa ao mesmo tempo, sabemos que gostamos do mesmo tipo de filmes, exposições, literatura. Conhecemo-nos cada vez melhor. Não obstante, o universo feminino para mim é bestialmente misterioso. Quando vejo nas revistas femininas coisas como os jogos de sedução, parece-me a descrição da vida em Marte. Não me considero um nerd, mas penso - onde é que isto acontece?

Ana Sousa Dias (a partir de uma conversa com Jorge Buescu)

A EVOLUÇÃO DA BÍBLIA


Informação recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (clicar para fer a imagem do Livro do Génesis numa bíblia antiga):

Com abertura integrada na Semana Cultural da Universidade de Coimbra (o dia da Universidade é 1 de Março) a Biblioteca Geral está a organizar na Sala de São Pedro uma exposição intitulada "A Evolução da Bíblia", que visa mostrar todo o percurso percorrido por essa obra desde os manuscritos até ao livro impresso e, modernamente, o livro electrónico. Durante a referida Semana o Teatro da Raínha representará nessa mesma sala, que alberga a magnífica biblioteca antiga do Colégio de São Pedro, a peça de teatro "Uma Noite na Biblioteca" do filósofo francês Jean-Christophe Bailly.

A EDUCAÇÃO LUSA


Parte da intervenção do Prof. José Ferreira Gomes (ver página pessoal aqui, com muitos dos seus artigos sobre ensino superior) , da Universidade do Porto, na apresentação do livro de Carlos Fiolhais “Engenho Luso e Outras Crónicas” efectuada na passada quinta-feira na Quinta da Bonjóia, na cidade do Porto, por iniciativa do “Porto. Cidade de Ciência”:


A Educação merece um lugar destacado. É a secção mais longa deste livrinho o que só faz justiça á importância do tema e à sua centralidade nas preocupações do Carlos Fiolhais no seu livro “Engenho Luso e Outras Crónicas” (Gradiva, 2008). No seu primeiro número de 2009, o editor da Science comunica aos leitores que a sua prestigiadíssima e mais que centenária revista decidiu alterar a sua política editorial para reconhecer que devemos olhar para a Educação com os olhos críticos da Ciência. Glosando o título do seu editorial, o objectivo é fazer da Educação uma Ciência, Making a Science of Education! Ao fim de 128 anos a Science reconhece que pode haver uma Ciência da Educação. Reconhece que a Associação Americana para o Avanço da Ciência deve promover não só a educação científica mas também a Ciência da Educação, no singular!

Chegados a este ponto nos Estado Unidos, é legítimo perguntar quanto tempo mais teremos de esperar para que a educação seja também estudada em Portugal como uma Ciência. Enquanto cronista, o seu papel não é o de fazer ciência nem sequer o de divulgar a ciência feita por outrem. As crónicas recolhidas nesta secção não caem nesta tentação. Seguem o caminho diferente de transmitir ao leitor uma visão crítica (e crítica com filtros do cientista) das estórias da educação em Portugal. A nossa infeliz posição nas comparações internacionais não nos permite tratar a nossa educação com maiúscula. Infelizmente, a nossa educação básica, secundária e superior é tratada pelos nossos governos (e por muitos dos seus “stakeholders”) mais como novela para ocupar o tempo nobre das televisões e as primeiras páginas dos jornais, para entreter os cidadãos, do que como um dos pilares para a construção de um melhor futuro colectivo. Os atrasos na educação dos portugueses são seculares, tanto assim que dificilmente poderemos encontrar as causas primeiras dos atrasos que nos afligem. Por pressão social primeiro, por desenho político depois, procuramos nos últimos anos queimar etapas que outros construíram longamente e chegar a uma educação universalizada que sirva o desenvolvimento pessoal dos cidadãos. A retórica defende e expande a escola pública mas a realidade torna-a socialmente marcada. Até meados do século XX, a escola pública era a primeira escolha das famílias e a escola privada sobrevivia na quase marginalidade mercê da inacessibilidade geográfica ou pelo menor mérito de alguns alunos. Hoje assistimos á fuga generalizada dos melhores. Não faço um discurso a favor da escola estatal. O que choca é que a escola estatal de que todos somos responsáveis se possa vir a transformar numa escola segregada ao invés do discurso oficial ou, porventura, em consequência dos exageros retóricos da escola inclusiva. Creio que é também este o terreno de luta do nosso cronista que aproveita os incidentes novelísticos do nosso dia-a-dia para lançar alguma luz sobre as nuvens que cobrem o “sistema”.

Para um homem que vive na Rua Larga, entre a sua Física e a sua Biblioteca (ainda aboletada na moradia que o Estado Novo lhe construiu por cima de uma história colegial que se pretendia esquecida), Coimbra tem uma presença regular mas não abusa do espaço que dá ao Superior. Para além da cultura pimba estudantil, preocupou-o o desemprego dos jovens licenciados que a actual “correcção”, para usarmos o eufemismo do economês, poderá vir a agravar. Mas não devemos tocar neste ponto sem reforçar a posição do cronista que isto não significa que tenhamos diplomados a mais mas tão somente que temos economia a menos. Não significa também que neste aumento dos números nos possamos esquecer da qualidade ou que não devamos reflectir se algum desemprego não será sinal da deficiente da formação que oferecemos aos nossos jovens.

O ponto comum a todas as reformas da Educação em curso entre nós é talvez a governação das instituições e merece alguma atenção. De facto, tem passado sem quase comentário o que se está a fazer nas nossas escolas. No Básico e Secundário, os riscos de partidarização do sistema são altíssimos com consequências que não precisarei de lembrar. Pior do que um sistema centrado na 5 de Outubro só poderá ser um sistema atomizado em mandarinetes partidários locais. Que não seja este o título de uma próxima crónica! No Superior, correm-se também riscos que estão ainda muito mal avaliados. O diabo está no detalhe! Não chega dar os nomes certos. Não havendo em Portugal qualquer tradição de intervenção cívica, seria de esperar que a introdução de conselhos gerais tivesse medidas de acompanhamento com uma intenção didáctica. Quais serão as consequências de configurar esses conselhos como miniparlamentos sem meios de controlo e supervisão efectiva sobre os executivos? Seria obrigatório bascularmos de um sistema multitudinário ineficaz para uma tirania grega cuja boa intenção inicial terminou na conotação que hoje lhe damos? Se repararmos nos efeitos públicos e notórios que estes erros têm nas organizações empresariais, os problemas não tardarão e darão boas estórias para o cronista num futuro não muito distante. Será para termos boas crónicas que nos dão más leis? Não seria mais fácil antecipar as dificuldades evitando os danos mais óbvios, embora relegasse o cronista para outros territórios?

José Ferreira Gomes

sábado, 24 de janeiro de 2009

A SOLIDÃO DOS NÚMEROS PRIMOS


Já está publicado em tradução portuguesa, na Bertrand Editora, "A Solidão dos Números Primos", o primeiro romance de um estudante italiano de Física de 26 anos, que ganhou no ano passado um dos mais importantes prémios literários de Itália e que já vendeu mais de um milhão de exemplares.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...