quinta-feira, 31 de maio de 2007

Argumentos cogentes

No postArgumentos Sólidos” foi apresentada a distinção entre argumentos válidos e argumentos sólidos: um argumento sólido é um argumento válido com premissas verdadeiras. No fim do post, apresentava-se um argumento obviamente mau, mas sólido:

Sócrates não era engenheiro.
Logo, Sócrates não era engenheiro.

Isto mostra que não basta um argumento ser válido e ter premissas verdadeiras para ser bom. Uma terceira condição para que um argumento seja bom é ter premissas mais plausíveis do que a conclusão. É isso precisamente que não acontece nos argumentos circulares.

O que é ser mais ou menos plausível? É o que um agente encara como mais ou menos provável, em função do seu estado cognitivo — isto é, em função das suas restantes crenças. Trata-se de uma noção epistémica, ao passo que a verdade é uma noção metafísica: a plausibilidade é relativa aos agentes, mas a verdade não. É verdade que a Terra se move ou não, independentemente do que as pessoas pensam sobre isso; mas um agente pode estar num estado cognitivo que não lhe permita saber que a Terra se move, e que lhe dê até boas razões para pensar que não se move.

Argumentar sem atender ao estado cognitivo das pessoas com quem argumentamos é perder tempo. Pois se não partirmos de premissas que tais pessoas considerem plausíveis, e mais plausíveis do que as conclusões a que desejamos chegar, os argumentos não persuadem — pois essas pessoas irão sempre rejeitar as premissas. Assim, argumentar é partir do que as pessoas consideram plausível e concluir validamente o que elas não aceitavam antes da nossa argumentação. Imaginemos duas pessoas a discutir a questão de saber se ter fé em Deus é racional na ausência de provas da existência de Deus. Para que esta discussão seja profícua é necessário que os argumentos usados por qualquer das partes se baseiem exclusivamente no que a outra parte considera plausível. Dito de forma mais clara: se eu sou crente e quero argumentar, perante um ateu, que a fé é racional na ausência de provas, só posso usar premissas que o ateu com quem estou a discutir considere plausíveis.



Concluindo, estas são as três condições necessárias da boa argumentação: usar argumentos válidos, usar premissas verdadeiras e usar premissas mais plausíveis do que a conclusão. Chama-se “argumentos cogentes” aos que reúnem as três condições. Resta saber se estas três condições são suficientes, além de necessárias.


CEM MIL VISITANTES

Muito rapidamente - mais rapidamente do que pensávamos- o blog "De Rerum Natura" atingiu o número impressionante de cem mil visitantes!

Um meio interactivo como este é não apenas da equipa dos seus autores mas também, e em larga medida, dos seus visitantes. Muito obrigado a todos. Prometemos continuar, procurando fazer mais e melhor. E esperamos merecer mais, muito mais visitas...

Portador da luz: o fim da alquimia

A luminescência, emissão de luz por um organismo vivo, material ou por uma reacção química, preencheu o léxico do imaginário mitológico desde os primórdios da História. Um pouco por todo o mundo, da Europa à China, encontram-se testemunhos escritos que confirmam o fascínio exercido por fenómenos luminosos, fogos que ardem sem calor ou a «luz fria» primeiro descrita por Aristóteles.

A «luminescência» foi cunhada por E. Wiedemann em 1888 para distinguir a luz fria da incandescência - termo proposto em 1794 por J. Hutton para descrever a emissão de luz por um corpo aquecido a temperatura elevada. Num artigo clássico no Ann. Physik & Chemie (1888, 34, 446), Wiedemann propôs que «uma substância luminescente» seria uma que «se torna luminosa pela acção de um agente externo que não envolve um aumento apropriado de temperatura». Wiedemann distinguiu seis tipos de luminescência e acrescentou um prefixo ao termo que inventou para as distinguir: fotoluminescência, causada pela absorção de luz; electroluminescência, produzida em gases por uma descarga eléctrica, termoluminescência, produzida por um aquecimento suave; triboluminescência, resultado de fricção; cristaloluminescência, que acontece durante a cristalização e «Das bei chemischen Processen auftretende Leuchten würde Chemiluminescenz genannt»- ou seja, «a emissão de luz associada a processos químicos seria denominada quimiluminescência».

Embora a luminescência fosse desde sempre conhecida e observada pelo homem, a investigação do fenómeno iniciou-se em 1603 quando o sapateiro/alquimista amador Vincenzo Cascariolo observou a emissão de uma luz persistente azul-púrpura queimando um minério a que chamou lápis solaris (pedra solar) que ficou conhecido como pedra de Bolonha (barite, essencialmente sulfato de bário, BaSO4, com alguns dopantes). Cascariolo pensou ter descoberto a famosa pedra filosofal, que supostamente transformaria metal em ouro, mas na realidade apenas sintetizou sulfureto de bário, BaS, o primeiro material fosforescente* de síntese de que há registo histórico.

O fósforo, o elemento mais antigo para que podemos nomear o seu descobridor, foi igualmente sintetizado numa tentativa de obtenção da pedra filosofal. Em 1 de Junho de 1669 o alemão Henning Brand, apelidado O Último dos Alquimistas, descobriu que a destilação com areia de urina devidamente apodrecida dava origem a uma pasta branca com propriedades peculiares, uma das quais ser pirofórica - arder espontaneamente em contacto com o ar. A substância foi chamada fósforo pelo alquimista (Phosphorus, o 'portador da luz') por brilhar no escuro. Brand escreveu sobre a sua descoberta ao matemático e filósofo Gottfried Wilhelm Leibnitz, que a relatou no livro de 1710 Historia inventionis phosphori.

Brand e posteriormente Johannes Daniel Krafft, utilizaram o fósforo como atracção nas cortes europeias e fizeram dinheiro exibindo o portador da luz. Eventualmente o segredo da produção de fósforo acabou por ser conhecido e primeiro Johann Kunckel von Löwenstern na Suécia e depois Robert Boyle conseguiram reproduzir o feito. A fragrante tarefa de «destilar» urina integrou a manufactura de fósforo durante mais de 100 anos, mais concretamente até 1775 quando C.W. Scheele mostrou que era possível obter fósforo (branco, uma das formas alotrópicas deste elemento que se converte por aquecimento em fósforo vermelho e negro) a partir da calcinação de ossos.

A descoberta do fósforo marca igualmente o «fim» da alquimia e o estabelecimento da química. De facto, o século XVIII foi o século de Lavoisier, considerado o pai da Química moderna, em que a nova ciência se tentou demarcar do que era considerado charlatanice pura e dura, que teria impedido o progresso da verdadeira ciência. O exemplo de Brand e Kraft, apenas interessados no dinheiro que a descoberta do fósforo lhes proporcionou, era utilizado como demonstrando a «imoralidade» da alquimia. O primeiro dicionário moderno de Química, de Pierre Macquer, foi publicado em 1766 e proclamava a «química racional», «livre do jargão obscuro dos alquimistas»:

«We have now the advantage of seeing the best days of Chemistry…the profound skill and ardour of modern Chemists, whom we do not attempt to praise, because they are above our eulogiums seem altogether to promise the greatest and most brilliant success. We have seen Chemistry drawing its origin from necessity and receiving a slow and obscure encrease from avarice [dos alquimistas, claro]. To true philosophy it was reserved to bring it to perfection.»

*Fotoluminescência, a emissão de luz de comprimento de onda maior que o absorvido, na realidade designa dois fenómenos diferentes, a fosforescência e a fluorescência. Este último fenómeno foi nomeado por George Gabriel Stokes em 1852 na revista Philosophical Transactions of the Royal Society, após ter observado que a fluorite, fluoreto de cálcio, CaF2, emitia luz visível - violeta- quando iluminada com radiação ultravioleta.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

NEFELIBATAS

Há sociedades para tudo e até uma sociedade para apreciadores das nuvens (“The Cloud Appreciation Society”; no seu sítio na Web encontra-se, por exemplo, uma galeria de fotografias de nuvens submetidas pelos sócios). É seu fundador o nefelibata britânico Gavin Pretor-Pinney, que pretende enfrentar o “blue-sky thinking”. O livro “The Cloudspotter’s Guide” (Sceptre, 2007), escrito por ele, é uma publicação oficial daquela sociedade. Foi um “best-seller” do jornal “Sunday Times” e é decerto um dos melhores guias para quem queira andar nas nuvens!

O MÁGICO HOUDINI


Houdini (nome artístico de Ehrich Weiss, nascido em Budapeste, Hungria em 1874 e falecido em Detroit, EUA, em 1926) foi um dos maiores mágicos de todos os tempos. Especializou-se em libertar-se de algemas e em aguentar-se dentro de água. Fazia até as duas coisas ao mesmo tempo: libertar-se de algemas dentro de água. Morreu devido a um soco de um espectador, um boxeur amador, que o golpeou subitamente no abdómen nos bastidores de uma das suas sessões.

Ao contrário do que é costume entre os mágicos e ilusionistas, Houdini revelou muitos dos seus truques em vários livros de que foi autor. Eram conhecimentos de ciência, em particular de física, que lhe permitiam criar a ilusão. O mágico envolveu-se em polémicas públicas com espiritualistas e charlatões, o mais famoso dos quais foi o escritor Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. Fez parte de um comité da revista Scientific American que ofereceu um prémio, nunca concedido, a quem conseguisse provar poderes sobrenaturais. Foi por isso o antecessor de mágicos como James Randi que, juntamente com cientistas, têm modernamente desmascarado todo o tipo de intrujões.

ECSITE - UM EXCITANTE ENCONTRO


Informação recebida do "Ciência Viva":

Pavilhão do Conhecimento - Ciência Viva | 29 de Maio de 2007

Lisboa recebe ECSITE, a maior conferência europeia de Museus e Centros de Ciência

Cerca de 900 participantes de centros de ciência europeus e do resto do mundo vão estar em Portugal a partir da próxima quinta-feira, dia 31, e até dia 2 de Junho, para a 18.ª edição do ECSITE - European Collaborative for Science, Industry and Technology Exhibitions.

A conferência deste ano é co-organizada pelo Pavilhão do Conhecimento - Ciência Viva e decorrerá no Centro de Congressos de Lisboa, em Belém.

O ECSITE é uma organização sem fins lucrativos que representa os centros de ciência e tecnologia de toda a Europa e que tem como principal objectivo unir esforços entre instituições na divulgação científica e tecnológica.

Na edição deste ano actualizar-se-á a discussão sobre quais as melhores práticas para envolver os cidadãos com a ciência e a sua divulgação, aproximar os centros de ciência das escolas, captar novos públicos e promover a interacção entre a comunidade científica e a sociedade civil.

O programa de trabalho dividir-se-á por sete salas onde vão decorrer, em simultâneo, conferências, sessões de trabalho, workshops e apresentações de projectos europeus, num total de 280 palestrantes.

A par do programa de conferências, haverá ainda tempo para um diversificado programa social, que inclui um jantar de gala à volta da cozinha molecular, servido pelo chefe Luís Baena no espaço do Convento do Beato, e uma Farewell Party, no típico bairro de Alfama.

O Pavilhão do Conhecimento, como anfitrião, oferecerá uma noite especial ("Nocturno") aos participantes da conferência, que inclui um jantar servido nas áreas expositivas.

Programa completo em www.ecsite-conference.net

terça-feira, 29 de maio de 2007

A INCONTORNÁVEL COMPETÊNCIA

Em 2004 publiquei na Gazeta de Física (Número de Julho-Setembro) um pequeno artigo onde me limitei a anotar algumas dúvidas que a noção de “competência” na educação básica me tinha suscitado. Nesta semana voltei a pensar no assunto e percebi que as minhas dúvidas persistem…

Na passada segunda-feira, dia 25 de Maio, assisti à primeira conferência de um ciclo que o Conselho Pedagógico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra leva a cabo entre 2006 e 2008. Essa conferência teve o sugestivo título: “A doença do optimismo” e o convidado foi o neurocirurgião João Lobo Antunes, que se debruçou essencialmente sobre a educação no presente, não deixando de estabelecer pontes com o passado e o futuro.
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Quando se faz esse exercício, é quase inevitável referir-se uma noção que perpassa, na actualidade, por todos os níveis e âmbitos de ensino, desde a educação de infância até à universitária: é a noção de competência. Sobre ela, o conferencista disse, sem rodeios: “trata-se de uma das maiores maldições da pedagogia moderna”. E, de seguida, leu o enunciado de algumas competências constantes em curricula de Medicina, acentuando, nomeadamente, a sua incompreensibilidade e vacuidade.

Situando-me profissionalmente na área da pedagogia, podia ter ficado um bocado ofendida com essas palavras, pois, na verdade, elas não foram meigas. Mas não fiquei, por uma razão: estão de acordo com o que conclui, depois de ter lido e relido muito daquilo que se tem escrito sobre o assunto, tanto em documentos curriculares como em textos académicos.

Reconheço que a frase acima reproduzida pode desencadear vários e extensos debates, incluindo aquele em que a preocupação central é distinguir diversas acepções da noção, estando eu pronta para reconhecer que há acepções muito interessantes. Contudo, aquela que se tornou “vigente” não me parece interessante… nem deixa de parecer… pois, a verdade é que nunca a compreendi.
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Entendo que quando uma noção considerada central no sistema educativo não se percebe clara e inequivocamente à primeira leitura, quando desencadeia tantas e tão acesas discussões acerca do seu sentido, torna-se, de facto, “uma maldição”. Neste passo da conferência, lembrei-me que há uns anos atrás, depois de ter analisado o Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais, escrevi um texto onde anotava os pontos de dúvida mais superficiais que noção me suscitava. Reproduzo, de seguida, uma boa parte desse texto, que reflecte a minha incapacidade para os resolver.

Explica-se na nota de apresentação do dito documento que ele “constitui uma referência central para o desenvolvimento do currículo”, evidenciando-se como “um instrumento essencial no processo de inovação” em curso e, em consequência, um guia orientador “para o trabalho de formulação e desenvolvimento dos projectos curriculares da escola e de turma”, a partir do ano lectivo de 2001/2002. Esta (boa) intenção do documento fica, no entanto, seriamente comprometida logo nos quatro parágrafos da página 9, onde consta a definição de competência. Passo a explicar, partindo da sua reprodução, por passos:

“O documento que agora se publica apresenta o conjunto de competências consideradas essenciais no âmbito do currículo nacional. Inclui as competências de carácter geral, a desenvolver ao longo do ensino básico, assim como as competências específicas que dizem respeito a cada uma das áreas disciplinares e disciplinas, no conjunto dos três ciclos e de cada um deles. Além disso, explicita ainda os tipos de experiências de aprendizagem que devem ser proporcionadas a todos os alunos.”

Sob o ponto de vista científico, o texto começa bem, pois este parágrafo apresenta, breve e claramente, o objectivo concreto do documento, dando a entender que irá enunciar, de seguida, da mesma maneira, a noção de competência.

“O termo competência pode assumir diferentes significados, pelo que importa deixar claro em que sentido é usado no presente documento. Adopta-se aqui uma noção ampla de competência, que integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como saber em acção ou em uso. Deste modo não se trata de adicionar a um conjunto de conhecimentos um certo número de capacidades e atitudes, mas sim promover o desenvolvimento integrado de capacidades e atitudes que viabilizam a utilização dos conhecimentos em situações diversas, mais familiares ou menos familiares dos alunos.”

A frase inicial está correcta porque, de facto, o termo competência, possui vários significados, não sendo desejável fazer qualquer proposta pedagógica sem se proceder à sua explicitação rigorosa. No entanto, logo a seguir, avançam-se três outras noções que se prestam a vários entendimentos: conhecimentos, capacidades e atitudes. A primeira, talvez a mais consensual, não se afigura nada clara no referido documento, pois confunde-se com competência e atitude: na página 10 afirma-se “a própria designação de competências essenciais procura salientar os saberes [conhecimentos] que se consideram fundamentais para todos os cidadãos, na nossa sociedade actual, tanto ao nível geral como das diversas áreas do currículo. Em particular, em cada uma das disciplinas, trata-se de identificar os saberes que permitam aos alunos desenvolver uma compreensão da natureza e dos processos dessa disciplina, assim como uma atitude positiva face à actividade intelectual e ao trabalho prático que lhe são inerentes”. Por seu lado, a noção de capacidade é omitida nesta explicação e a noção de atitude, talvez a mais polémica das três, não é, surpreendentemente, esclarecida. Esta mesma consideração se pode fazer em relação à expressão saber em acção ou em uso, visto existirem diversas expressões na terminologia das ciências da educação que com ela se podem confundir (por exemplo, knowing-in-action). Aliás, a frase final ainda atrapalha mais o sentido do parágrafo, se não, atente-se às duas ideias seguintes, primeiro de maneira isolada e depois, de maneira coordenada: (1.ª ideia) “não se trata de adicionar a um conjunto de conhecimentos um certo número de capacidades e atitudes”; (2.ª ideia) “mas sim promover o desenvolvimento integrado de capacidades e atitudes que viabilizam a utilização dos conhecimentos em situações diversas, mais familiares ou menos familiares dos alunos”.

“Neste sentido, a noção de competência aproxima-se do conceito de literacia. A cultura geral que todos devem desenvolver como consequência da sua passagem pela educação básica, pressupõe a aquisição de um certo número de conhecimentos e a apropriação de um conjunto de processos fundamentais mas não se identifica com o conhecimento memorizado de termos, de factos e procedimentos básicos, desprovido de elementos de compreensão, interpretação e resolução de problemas A aquisição progressiva de conhecimentos é relevante se for integrada num conjunto mais amplo de aprendizagens e enquadrada por uma perspectiva que coloca no primeiro plano o desenvolvimento de capacidades de pensamento e de atitudes favoráveis à aprendizagem.”

Este esclarecimento introduz mais um conceito (literacia) sem qualquer preocupação de definição. Além disso, deveremos depreender que a educação básica deve centrar-se na aquisição de conhecimentos de cultura geral? Se assim é, estamos perante um entendimento muito pobre de educação básica. Educação que, a seguir, se diz proporcionar a “apropriação de um conjunto de processos fundamentais”, não se explicando também o que são processos fundamentais. Acresce dizer que a educação escolar não deve procurar apenas desenvolver a memorização, deve também procurar desenvolver a compreensão, a aplicação, a avaliação, a criatividade, a resolução de problemas…Mas não podemos deixar de assinalar que a memorização é uma capacidade tão nobre e essencial na aprendizagem quanto as demais.

“Com o significado que aqui lhe é atribuído, a competência não está ligada ao treino para, num dado momento, produzir respostas ou executar tarefas previamente determinadas. A competência diz respeito ao processo de activar recursos (conhecimentos, capacidades, estratégias). Em diversos tipos de situações, nomeadamente, situações problemáticas. Por isso, não se pode falar de competência sem lhe associar o desenvolvimento de algum grau de autonomia em relação ao uso do saber.”

Quatro dúvidas/reparos a este extracto. Primeiro: a educação escolar deve dispensar o treino, quer dizer, a repetição? Acontece que muitas aprendizagens (como ler e escrever ) não dispensam o treino! Segundo: a produção de respostas ou execução de tarefas previamente determinadas não terá sentido? Assim sendo, e por exemplo, as provas de avaliação formativa ou sumativa só podem ser um paradoxo, uma vez que servem exactamente para que os alunos produzam respostas ou executem tarefas previamente determinadas. Terceiro: a competência é um saber em acção ou em uso, como antes se afirmou (sugerindo esta expressão que a competência é manifestável) ou é um processo de activação de recursos (sugerindo esta expressão que a competência não é manifestável). Quarto: Neste passo, competência significa conhecimentos, capacidades, estratégias. De onde surgiu, entretanto, a noção de estratégia? Por fim, a autonomia que se pretende que os alunos adquiram será só em relação ao uso do saber ou também em relação ao uso de capacidades, de atitudes, de processos fundamentais e de estratégias?

Alguns dos mentores da noção em causa (v.g. Perrenoud, 1999, 2001; Abrantes, 2002; Roldão, 2002) e o próprio Ministério da Educação, têm reconhecido que ela levanta algumas das questões que apontei: “as competências são objectivos?”; “as competências são capacidades?”; “as competências substituem os conteúdos”?; “como se ensina por competências?”; “como se avaliam as competências?”; etc. Infelizmente, os esclarecimentos não têm sido inequívocos.

Posto isto, e retomando o mote da conferência, é fundamental não ficar por análises algo desconstruccionistas como esta que aqui deixei; é fundamental ir mais além e procurar um sentido correcto, claro e rigoroso para uma noção que, mais dia menos dia, terá de ser repensada.
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Referências bibliográficas:
- Abrantes, P. (2001). À conversa com... Paulo Abrantes (entrevista de José Carlos Abrantes), Noesis, n.º 58, 15-22.
- Abrantes, P. (2001). Reorganização curricular do ensino básico: os princípios e o processo, Noesis, n.º 58, 24-26.
- Decreto-Lei n.º6/2001 de 18 de Janeiro, Diário da República — I série A — n.º 15.
- Departamento da Educação Básica (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais. Lisboa: Ministério da Educação.
- Perrenoud, Ph. (1999). Construir competências é virar as costas aos saberes? Pátio. Revista Pedagógica, n.º 11, 15-19.
- Perrenoud, Ph. (2001). Porquê construir competências a partir da escola?. Lisboa: Asa.
- Roldão, M. C. (2001) De que falamos quando falamos de competências?. Noesis, n.º 58, 59-62.

MAGOS E SÁBIOS


Outra crónica minha saída no "Sol", esta no dia dos Reis deste ano. Chegados a meio do ano já dá para ver que metade das previsões dos magos já falharam... Na foto, quadro de Giotto da Visita dos Reis Magos, onde a representação da estrela de Belém está inspirada num cometa (provavelmente o cometa Halley, que o pintor viu em 1301).

No dia 17 de Dezembro de 1603, o astrónomo alemão Johannes Kepler, ao observar com uma luneta, do castelo de Praga, a sobreposição de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, propôs que essa era a “estrela de Belém” de que falava a Bíblia. O descobridor das leis dos movimentos planetários, feitas as contas, descobriu que um encontro desse género teria ocorrido no ano 7 a.C. E notou que o famoso judeu português Isaac Abravanel, negociante, tesoureiro de D. Afonso V e comentador bíblico, tinha interpretado o fenómeno astrologicamente: Júpiter significava príncipe, Saturno a Palestina e Peixes o final dos tempos, pelo que o “príncipe do final dos tempos tinha nascido na Palestina”.

Segundo os Evangelhos, os Reis Magos teriam vindo atrás dessa “estrela”, isto é, desses dois planetas, os maiores do sistema solar. Mas quem eram esses reis? Pouco se sabe. Nem sequer há a certeza que fossem três. A não ser apenas uma lenda, não seriam reis, mas sim magos, isto é, astrólogos, que procuravam a referida conjunção, bem nítida na Palestina. Deviam vir da região do Tigre e o Eufrates (onde hoje é o Iraque; Tikrit, a terra natal de Sadam Hussein é junto ao Tigre) onde tinha nascido a astrologia, que no tempo de Cristo se confundia inteiramente com a astronomia. Eram magos e sábios.

No tempo de Kepler vivia-se ainda a transição entre a astrologia e a astronomia. Com efeito, foi com as observações celestes e com a matemática que a astronomia ganhou foros de ciência. O sábio foi, porém, obrigado a ser mago para sobreviver: fazia horóscopos que lhe encomendavam. Chegou a afirmar que Deus tinha dado um sustento a cada criatura e aos astrónomos tinha dado a astrologia. Mas as coisas mudaram: hoje em dia, um sábio não é um mago!

No início de cada ano, por altura do Dia de Reis, não faltam as previsões astrológicas para o ano todo. Os seus autores são, evidentemente, magos e não sábios. Estão mais na tradição de Abravanel do que na de Kepler. E ganham mais dinheiro como magos do que ganhariam como sábios, se algum dia o conseguissem ser.

O MISTÉRIO DOS AZULEJOS


Minha crónica na última edição do semanário "Sol":


A gravura do livro antigo mostra um grupo de náufragos que chegam, exaustos, a uma praia. Ao encontrarem algumas figuras geométricas traçadas na areia exclamam: “Tenhamos esperança, aqui há humanos...

O livro é uma edição ilustrada de “Os Elementos” de Euclides. Está patente numa exposição da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, juntamente com várias outras obras valiosas que ilustram a evolução, ao longo dos séculos, da arte tipográfica associada a várias edições dessa obra fundadora da geometria, que o sábio grego nos legou três séculos antes de Cristo. Foram os árabes da Península Ibérica que salvaram a obra do esquecimento, trazendo-a, em sucessivos manuscritos, até aos finais da Idade Média, o tempo dos incunábulos.

Mas, apesar do seu evidente interesse, o ponto alto da exposição não são os livros, mas uma colecção de azulejos. A exposição intitula-se “Azulejos que ensinam”. Acontece que, das pranchas matemáticas de uma das edições do século XVII (mais exactamente, de 1654) de “Os Elementos”, devida ao jesuíta belga André Tacquet, foram feitas cópias para azulejo – essa bela arte tradicional portuguesa. Há um mistério nestes azulejos, que pertencem na sua maioria ao Museu Nacional de Machado de Castro (há alguns no Museu Nacional do Azulejo e outros em mãos de particulares): ninguém sabe ao certo nem de quando são nem de onde vieram! Provavelmente serviram para ensinar os estudantes do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, antes da expulsão dos jesuítas em 1759. A permanente visão dos azulejos nas paredes da sala de aula ou nos claustros tornava mais acessível aos estudantes a geometria euclidiana.

Mas os azulejos que se conhecem e estão na sua maioria expostos são cerca de vinte: faltam muitos para completar as centenas de figuras do livro. Em exposição simultânea no Museu da Ciência, há alguns azulejos parecidos, contendo motivos de astronomia e hidráulica, que não são daquele livro. Haverá mais “azulejos que ensinam”? Pede-se ajuda ao leitor – e visitante - para ajudar a desvendar o mistério dos azulejos...

Confrontos filosóficos

Monty Python Live At Hollywood Bowl (1982). Este outro sketch sobre Miguel Ângelo e a última ceia é igualmente hilariante.

O CODEX ARQUIMEDES


Já neste blog se falou do livro "Codex Arquimedes". Aqui vai mais uma referência, transcrevendo a minha penúltima crónica do "Sol":

Já alguém, numa bela metáfora, disse que Deus conhece o futuro mas, para conhecer o passado, criou os historiadores. E os historiadores fazem, por vezes, descobertas fascinantes. É o caso da descoberta em 1906 em Constantinopla de um manuscrito do grande sábio grego Arquimedes, o “Palimpsesto de Arquimedes” (um palimpsesto é uma obra escrita por cima de outra).

Um livro sobre essa descoberta e tão fascinante como ela acaba de ser lançado em Portugal ao mesmo tempo que em vários outros países. Intitula-se precisamente “O Codex Arquimedes” (Edições 70) e são seus autores dois norte-americanos: o historiador de ciência Reviel Netz e o conservador de manuscritos e livros raros William Noel, director de um projecto de investigação sobre o manuscrito.

É dos livros mais surpreendentes que tenho lido. Nao é ficção, embora por vezes pareça! Conta, de uma forma arrebatadora, como o Codex foi adquirido em leilão por dois milhões de dólares há oito anos por um anónimo, que logo o cedeu para estudo. No século X, um escriba, tão anónimo como o recente comprador, tinha copiado do grego um conjunto de obras de Arquimedes que, dois séculos depois, foram rasuradas por um monge para dar lugar a um livro de orações. As mais modernas tecnologias permitiram, nos últimos anos, reconstituir originais únicos, que estavam semi-ocultos, de “Dos Corpos Flutuantes”, “Do método relativo aos teoremas mecânicos» e “Stomachion”. O primeiro é o tratado que contém a famosa lei de Arquimedes, o segundo antecipa em certos aspectos o cálculo diferencial que Newton e Leibniz descobriram muito mais tarde e o terceiro, que contém um intrigante “puzzle”, coloca questões de um ramo de matemática conhecido por combinatória.

Os autores deste “thriller” histórico-científico não têm dúvidas: “Arquimedes é o maior cientista de todos os tempos”. Quase dois mil anos antes da Revolução Científica, ele conseguiu aliar a experimentação à matemática. E propor inúmeras aplicações técnicas. O leitor deste “Codex Arquimedes” também vai, como ele, dizer “Eureka!”...

TRANSNATURA


No Jardim Botânico de Coimbra, está a decorrer o projecto de projecção / discussão de filmes em vídeo

"Transnatura
" - Projecto Videolab,

organizado por Paulo Amaral (que já foi chamado de "jardineiro-filósofo").

Para conhecer o programa, que decorre junto à grande árvore estranguladora (ver figura), ver http://projectovideolab.blogspot.com/ .

Diálogos sobre Física Quântica


Informação recebida do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa

Lançamento do livro da Esfera do Caos

"Diálogos sobre Física Quântica. Dos Paradoxos à Não-Linearidade"

de José R. Croca (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa)

e Rui N. Moreira (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa)

29 de Maio de 2007 (3.ª feira), 18H00

Reitoria da Universidade de Lisboa, Sala de Conferências


Prof.ª Olga Pombo (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa) e Cátedra "A Razão" da Universidade de Lisboa (Prof. Viriato Soromenho Marques).

A apresentação do livro fica a cargo do Prof. Fernando Fernandes (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e do Prof. Eduardo Chitas (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)

Organização:

Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa
http://cfcul.fc.ul.pt

segunda-feira, 28 de maio de 2007

COIMBRA E A GÉNESE DA CIÊNCIA MODERNA 4


Continuação da série de escritos, em colaboração com Décio Martins Ruivo, sobre história da ciência em Portugal. Desta vez o tema é: "A reforma pombalina do estudo das ciências". Na foto, uma das peças do Gabinete de Física Experimental criado pela reforma pombalina.

Na segunda metade do século XVIII teve lugar em Portugal uma acesa polémica entre Oratorianos e Jesuítas, os primeiros chamados modernos e os segundos antigos. As escolas dos Oratorianos foram pioneiras no ensino e prática da ciência e filosofia modernas. No entanto, tal como os Jesuítas, os membros da Congregação do Oratório viriam a ser perseguidos no período de grandes atribulações políticas que começou no fim da década de 1750. Um longo processo de dificuldades, iniciado em 1760, culminou passados oito anos com a extinção da Casa das Necessidades. O processo de opressão da actividade dos Oratorianos coincidiu com o lento e infausto processo de criação do Colégio dos Nobres, destinado a aristocratas, pelo Marquês de Pombal.

As influências no sentido da laicização do ensino e da sociedade em geral, começaram a sentir-se de forma mais pronunciada em 1760 com a publicação das Cartas sobre a educação da mocidade, de Ribeiro Sanches. Nesta obra, são valorizadas as excelências do método experimental e as virtudes da Matemática como elemento indispensável ao exercício do rigor e do raciocínio lógico. Duas consequências, uma imediata e outra posterior, foram a criação do Colégio dos Nobres em Lisboa e a Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra, ambas baseados em modelos educativos inspirados na física de Newton e na filosofia do inglês John Locke.

A acção de D. Francisco de Lemos, bispo co-adjutor de Coimbra, foi decisiva para essa mudança ocorrida em Coimbra. Este clérigo, que havia frequentado Direito Canónico na Universidade de Coimbra, foi nomeado em 1770 Reitor e passados dois anos Reitor Reformador da Universidade de Coimbra. Ao longo da reforma da academia, dirigiu os novos estabelecimentos até 1777. Mais tarde havia de voltar a ser reitor e de participar no processo da pré-independência do Brasil, de onde era natural. Na Relação Geral do Estado da Universidade Lemos expressou a necessidade de um curso onde a Filosofia fosse abordada de forma moderna. A Universidade deveria acompanhar a ciência internacional e ser ela própria um meio para o desenvolvimento cultural e científico.

Para os promotores da reforma, uma acção eficaz que retirasse o ensino das ciências da situação em que se encontrava só poderia concretizar-se pela criação de novas escolas, em conformidade com as correntes pedagógicas que se iam espalhando na Europa. A nova universidade deveria participar na vida social e económica, para além de alargar os horizontes culturais. Segundo o Reitor-Reformador, a reorganização do estudo das ciências deveria contribuir para um melhor conhecimento das riquezas naturais, trazendo para a indústria e para o comércio novos recursos.

Um dos grandes responsáveis da organização do ensino das ciências exactas e naturais da reforma pombalina foi José Monteiro da Rocha. Foi por intervenção do Reitor-Reformador que o Marquês de Pombal teve conhecimento do seu mérito científico. Tendo o chamado a Lisboa, encarregou o da redacção dos novos Estatutos da Universidade na parte das ciências matemáticas e naturais. O percurso de Monteiro da Rocha permanece incerto nalguns aspectos. Presumivelmente terá sido levado para o Brasil ainda jovem, onde ingressou na Companhia de Jesus em 1752. Aí terá feito os seus estudos no Colégio dos Jesuítas da Baía. Depois da extinção desta Ordem, continuou durante algum tempo no Brasil, tendo sido encarregado da educação dos filhos do governador da Província. Em 1760 foi ordenado padre secular na Baía. Contudo, persiste a dúvida se terá antes entrado nos Jesuítas ainda em Portugal e ido para a Baía só depois da extinção da ordem. O certo é que, depois do seu regresso a Portugal, se instalou em Coimbra. Frequentou aí a Universidade entre 1766 e 1770, formando-se em Cânones.

Ainda no Brasil, por ocasião da passagem do cometa Halley, em 1759, Monteiro da Rocha redigiu em Salvador, na Baía, um manuscrito sobre cometas, que concluiu em Março de 1760, quando tinha apenas 25 anos de idade. Neste documento, intitulado Sistema físico-matemático dos cometas, Rocha analisava a natureza física dos cometas e o modo de calcular as suas efemérides. Por razões que se desconhecem, o manuscrito de Monteiro da Rocha manteve-se inédito na Biblioteca Pública de Évora, até que o investigador brasileiro Carlos Ziller Camenietzki o encontrou e publicou em 2000. Por decreto de 1772 Monteiro da Rocha foi nomeado professor da nova Faculdade de Matemática para a cadeira de Ciências Físico Matemáticas. Um dos mais importantes projectos em que se empenhou foi o da criação do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra. A construção do edifício do Observatório previsto nos estatutos pombalinos passou por várias vicissitudes. Inicialmente foi delineado um majestoso edifício, cujo projecto foi abandonado em Setembro de 1775, provavelmente, devido ao seu exagerado custo. Foi só em 1790 que começou a ser erigido um edifício mais modesto no Pátio da Universidade. Este projecto apenas ficou concluído em 1799, tendo durado até meio do século XX quando a Alta coimbrã foi completamente transformada. A partir desta data, Monteiro da Rocha encarregou-se de o equipar com alguns instrumentos vindos do Colégio dos Nobres de Lisboa e outros encomendados a João Jacinto de Magalhães em Londres.

Em 1783 Monteiro da Rocha foi nomeado lente de Astronomia, tendo sido jubilado em 1795. Nesse mesmo ano foi nomeado director perpétuo da Faculdade e do Observatório Astronómico. Foi, sobretudo, como director do Observatório Astronómico que José Monteiro da Rocha se notabilizou. Foi ele que mais trabalhou nas famosas Efemérides astronómicas para o real observatório da cidade de Coimbra, relativas ao ano de 1804, cujo primeiro volume saiu em 1802. Quando se fundou a Academia Real das Ciências de Lisboa, José Monteiro da Rocha foi nomeado seu sócio fundador, juntamente com vários eminentes homens de ciência do seu tempo.

Para além da intervenção no ensino da Matemática, tornava se imperiosa uma grande renovação na área da Filosofia Natural. O ensino das ciências no Colégio dos Nobres de Lisboa não tinha conseguido atingir os objectivos pretendidos. A instalação de um Gabinete de Física Experimental nesse Colégio revelou-se infrutífera, apesar da contratação de um notável professor italiano, Giovanni Dalla Bella, de Pádua. Verificado esse falhanço, o seu equipamento foi transferido em 1773 para o Gabinete de Física Experimental de Coimbra. Dalla Bella mudou-se também para Coimbra. Em 1772 tinha sido criada a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra para substituir o Colégio das Artes. A instalação do Gabinete de Física de Coimbra, caracterizado pela riqueza dos seus instrumentos (dizia-se que era maior que o da Universidade de Pádua!), foi uma das obras mais relevantes da Reforma Pombalina.

O programa de estudos da cadeira de Física Experimental que, com a Reforma, começou a ser leccionada em Coimbra estava a par do que era então ensinado nas melhores escolas europeias. O Physices Elementa, em três volumes, de 1789/1790, de Dalla Bella, foi a primeira obra, no âmbito da Física Experimental, a resultar da Reforma Pombalina da Universidade, e nela era patente a actualização científica.

O ensino prático da Filosofia Experimental foi considerado uma necessidade maior. Nos Estatutos da Universidade, de 1772, lê se: ...os estudantes não somente devem ver executar as experiências, com que se demonstram as verdades até ao presente, conhecidas na mesma Física, mas também adquirir o hábito de as fazer com sagacidade e destreza, que se requer nos Exploradores da Natureza. O Gabinete de Física devia mostrar a Física Experimental, a sua origem, os seus progressos e os seus objectivos. Pretendia se que os estudantes não se limitassem a ver as experiências, mas que também fossem habituados a resolver problemas concretos que envolvessem experiências.

O Gabinete de Física foi equipado com seis centenas de máquinas. Cada uma delas tinha uma concepção que a tornava adequada a um dos capítulos do programa descrito no curso redigido por Dalla Bella. O Gabinete de Física de Coimbra, mostra bem a profunda influência que as ideias e os instrumentos provenientes de outros lados da Europa tiveram em Portugal no século das luzes. Os visitantes do Museu da Física da Universidade de Coimbra podem hoje verificar a riqueza do seu acervo.

As recém criadas Faculdades de Filosofia e de Matemática foram concebidas como unidades complementares do ensino das ciências. Os assuntos científicos eram apresentados nas duas escolas com bom suporte experimental. O próprio Marquês de Pombal se deslocou a Coimbra para supervisionar o início da reforma com novos edifícios e equipamentos, para além dos novos professores.

O corpo docente da Faculdade de Filosofia era formado por António Soares Barbosa, que leccionava a cadeira de Lógica, Metafísica e Ética, o já referido Giovanni Dalla Bella, que ensinava Física Experimental, e outro italiano, Domenico Vandelli, que ensinava Química e História Natural. Por seu lado, na Faculdade de Matemática, além de Monteiro da Rocha, que ensinava as ciências físico-matemáticas, os professores eram Miguel Franzini, que regia a cadeira de Álgebra, e Miguel António Cieira, que leccionava Astronomia. O Marquês de Pombal nomeou também José Anastácio da Cunha lente da Faculdade de Matemática, para ensinar Geometria.

A construção do imponente edifício do Laboratório Químico, hoje sede do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, foi uma das mais emblemáticas medidas da reforma universitária de 1772. Pombal tinha já antes planos claros para o Laboratório de Química, que foram trazidos de Viena de Áustria, a seu pedido, por Joseph Francisco Leal. Enquanto decorriam as obras no edifício, Vandelli ensinava em instalações provisórias do extinto Colégio das Artes. Vandelli terá chegado a Portugal em 1764, com destino ao Colégio dos Nobres de Lisboa. Mas, tal como Dalla Bella, o professor italiano transferiu-se para Universidade de Coimbra em 1772.

Para além do Laboratório Químico Vandelli esteve também ligado à elaboração de um plano de construção do Jardim Botânico, bem como ao acompanhamento da construção e instalação do Museu de História Natural. A criação em Coimbra de um jardim botânico era um anseio antigo. Já em 1731 tinha sido elaborado um projecto por Jacob de Castro Sarmento, baseado no pequeno Jardim do Chelsea Physic Garden, em Londres, que era um jardim para espécies farmacêuticas. O novo plano do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra foi delineado por Vandelli e Dalla Bella, ampliando o projecto anterior. Contudo, por o considerar extravagante e demasiado dispendioso, este plano não foi bem acolhido por Pombal. Assim, só em 1774 tiveram início as obras, junto à Universidade, segundo um plano mais modesto. E foi só a partir de 1791 que o professor de Botânica e Agricultura Félix Avelar Brotero assumiu a direcção do Jardim, providenciando a aquisição de mais terreno de uma quinta próxima. O visitante que hoje entra no Jardim encontra logo – e a justo título – à entrada uma estátua de Brotero.

Para além da sua actividade docente Vandelli também esteve envolvido num projecto industrial bem sucedido na cidade de Coimbra. Em 1780 instalou num edifício vago, pertença da Universidade, uma fábrica de porcelana da qual veio a ser director e que ficou conhecida como Louça de Vandelles. A fábrica rapidamente se tornou uma das melhores da região pelo que, em 1787, foi concedido pela coroa a Vandelli o privilégio exclusivo da venda desta loiça. Nesse mesmo ano, o italiano foi encarregado de superintender os trabalhos para a instalação do Jardim Botânico do Palácio Real da Ajuda. Apesar dos diversos cargos para os quais viria a ser nomeado e da sua prolongada ausência de Coimbra, Vandelli manteve os lugares de Director do Laboratório de Química da Universidade bem como o de membro da Congregação de Professores da Faculdade de Filosofia.

Com o progressivo afastamento das actividades docentes de Vandelli, a continuidade do ensino da Química e História Natural ficou assegurada pelos lentes substitutos e demonstradores, dos quais Vicente Coelho de Seabra foi um dos que mais se destacou. Natural do Brasil, Vicente Coelho Seabra licenciou-se em Medicina na Universidade de Coimbra, em 1791, depois de ter sido brilhante estudante da Faculdade de Filosofia (a galeria dos notáveis oriundos do Brasil no século XVIII, além do químico Seabra, do Reitor-Reformador Lemos e do mineralogista Andrada e Silva, incluiu ainda Bartolomeu de Gusmão, o famoso construtor e demonstrador da Passarola no tempo do Rei D. João V). No mesmo ano em que concluiu os seus estudos médicos foi nomeado demonstrador da cadeira de Química e Metalurgia. Em 1788/1789, com apenas 24 anos e quando ainda era estudante de Medicina, Seabra publicou o livro Elementos de Química. Seabra dividiu o seu compêndio em duas partes: a primeira publicada um ano antes do francês Antoine Lavoisier dar à estampa o seu famosíssimo Tratado Elementar de Química (1789) e a segunda editada um ano após a publicação deste famoso tratado. É extraordinário que Seabra tenha antecipado as principais ideias da Química de Lavoisier, em oposição às anteriores ideias do flogisto, mas infelizmente faleceu pouco antes de fazer 40 anos, sem ter tido tempo de prosseguir a sua obra!

MUDANÇAS NO ENSINO SUPERIOR

Sobre as recentes propostas de mudança no enquadramento legal no ensino superior, ver o seguinte artigo de João Vasconcelos Costa, conhecido especialista de políticas do ensino superior

A PROPOSTA DE LEI DO REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
(crítica)

No seu sítio http://jvcosta.planetaclix.pt/ pode fazer-se o "download" de um "e-book" recente do autor sobre o ensino superior.

O SOL DO PINTOR


Informação recebida do Departamento de Física da Universidade de Coimbra


Para quem ainda não viu terá agora mais uma oportunidade para ver a exposição "O Sol do Pintor. Olhares Transversais", no Museu de Física da Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal (em frente ao Museu de Ciência da Universidade de Coimbra), organizada em colaboração com o Museu Nacional de Machado de Castro

A exposição que estava programada até 21 de Abril foi agora prolongada até 30 de Setembro. As razões que levaram ao prolongamento da exposição devem-se ao interesse manifestado pelo público, traduzido no elevado número de visitantes e nos vários pedidos feitos.

Ainda em Maio e durante o mes de Junho irá decorrer uma mostra de filmes.

Mostra de filmes (entrada livre)

29 Maio | 5, 19 e 21 Junho 2007
21h30 min | Museu de Física da Universidade de Coimbra


Cinema, arte do tempo. Pintura, arte do espaço. No centro disso, há a imagem. O olhar do pintor. O olhar do cineasta. Entre os dois poderíamos situar o olhar do cientista e a tecnologia óptica. O filme como metáfora, alusão, reflexão ou simplesmente… como arte. Da imagem e do tempo.

Com a mostra de filmes "Olhares Transversais" pretende-se desfrutar do mistério da deriva, do enigma do movimento livre entre a ciência e a arte. Para que continue a inventar-se uma cultura que nenhum domínio limitado possa restringir.

29 de Maio Rapariga com brinco de pérola [ Grã-Bretanha/Luxemburgo, 2003, 95' ]

Realização: Peter Webber. Intérpretes: Colin Firth, Scarlett Johansson, Tom Wilkinson


05 de Junho David Hockney: Secret Knowledge [Grã Bretanha, 2002, 72', BBC Omnibus, Prémio de Melhor Ensaio Emile-Nelligan Foundation, 21ª edição FIFA - INTERNATIONAL DU FILM SUR L'ART ]

Realização: Randall Wright. Participação: David Hockney

Apresentação por Pedro Redol, Director do Museu Nacional Machado de Castro


19 de Junho O Sol do Marmeleiro [Espanha, 1990, 139']

Realização: Victor Erice. Intérpretes: António Lopez, Maria Moreno


21 de Junho Palettes [França, 26' + 26']

Realização: Alain Jaubert

Apresentação por Alexandre Ramires , investigador da História da Fotografia


SOBRE O FILME "RAPARIGA COM BRINCO DE PÉROLA"

O que há por detrás de um quadro? O pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675) pintou mais de três dezenas de quadros. Um desses quadros, datado de 1665, tem o título de “Rapariga com Brinco de Pérola”, e retrata uma jovem mulher. É um dos quadros mais famosos e belos do pintor e é, também, das suas obras mais misteriosas por se desconhecer a mulher retratada no quadro. Partindo dessa dúvida, Tracy Chevalier ficciona em livro e Peter Webber adapta ao cinema, que essa mulher seria uma das criadas do pintor.

Numa história romanceada, a crise criativa de Vermeer (Colin Firth) é superada pelo aparecimento de uma musa na pele de uma pobre empregada, Griet (Scarlett Johansson). Em Griet, Vermeer encontra a receptividade da ignorância curiosa. A sua inocência e o seu intuitivo entendimento da pintura seduzem Vermeer e impulsionam o seu trabalho, que revela, através dela, passo a passo, o processo de criação e execução até à obra final.

A fotografia do português Eduardo Serra, num domínio completo de cor e luz, é ela própria pintura. A luz estudada, a textura das imagens reporta às pinceladas suaves das tintas espessas que Griet ajuda Vermeer a preparar no seu atelier, reconstituindo assim toda uma época através do uso da fotografia.

DA SEMENTE AO FRUTO


Inaugura na segunda-feira, dia 28 de Maio, no Museu Botânico da Universidade de Coimbra
uma exposição sobre ciência botânica para os mais novos (crianças em idade pré-escolar)
intitulada "Da semente ao fruto" e subintitulada "À descoberta do mundo das plantas". Ma mesma ocasião será também lançado um livro associado ao projecto (apoiado pelo programa Ciência Viva), especialmente destinado aos profissionais de educação infantil.

Contacto:
Catarina Schreck Reis
Centro de Ecologia Funcional
Departamento de Botanica - Universidade de Coimbra
Calçada Martim de Freitas - 3000-456 COIMBRA - Portugal
Telf: 351 239 855 210 Fax: 351 239 855 211
http://www.uc.pt/ecology/assets/pages/pessoais/schreck.htm

EM DEFESA DA HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS E DA TECNOLOGIA


Post convidado de Elvira Callapez, química e historiadora da ciência, actualmente na Universidade de Berkeley, California, EUA. Na figura, o pioneiro da história da ciência George Sarton.

“Science without its history is like a man without a memory” [1]. É assim que Russel, um conceituado historiador da química, comenta, no seu artigo “Whigs and Professionals”, o distanciamento dos cientistas relativamente à história das suas ciências.

Na mesma linha de pensamento, George Sarton (1885-1956), um dos mais proeminentes historiadores das ciências e fundador da prestigiada revista ISIS (criada em 1912), no início dos anos 50 do século XX, perguntava por que é que a história da ciência era tão negligenciada. Vai ainda mais longe,afirmando que as pessoas que não têm conhecimento sobre ciência ou apenas a conhecem superficialmente têm medo dela e por isso estão pouco inclinadas para a leitura da sua história [2].Uma das suas grandes preocupações foi estabelecer a história da ciência como uma disciplina académica legítima e autónoma. Muito lutou para a profissionalização deste ramo de conhecimento. Terá sido feita justiça a Sarton?

Porquê estudar história das ciências? Jane Maienschein, no seu artigo, “Why Study History for Science?” [3] , diz com propriedade que se deve estudar história da ciência porque a história mostra a força e o entusiasmo da ciência e porque a perspectiva histórica pode ajudar a perceber a diferença de resultados produzidos pelas várias ciências, sejam eles bons ou maus [4]. À semelhança do que acontece quando se estuda a evolução histórica dos ecossistemas ou o processo histórico do desenvolvimento individual através dos tempos, também os cientistas deveriam ter conhecimento da natureza histórica das ciências. Aliar a boa prática de uma ciência a uma boa perspectiva histórica decerto permitirá aos cientistas avaliar melhor o seu próprio trabalho assim como o dos outros. A ciência não tem um método estático, imutável ao longo do tempo, mas, pelo contrário, é um processo dinâmico que se constrói sobre sucessos e fracassos. A ciência beneficia desses sucessos e fracassos na medida em que pode usufruir dos bons resultados e evitar os erros antes cometidos.

Apesar de se assistir ao entusiasmo e reconhecimento da importância pedagógica e humanista do ensino da história das ciências, ainda perduram resistências por parte de alguns agentes educativos. Não é raro sentir a indiferença de certos professores de ciências face ao ensino da história das ciências, e em particular da sua ciência, argumentando que, num mundo de tão rápidas descobertas científicas e tecnológicas, quase não têm tempo para absorverem os novos conhecimentos. Dizem, por isso, que a história das ciências pouca ou nenhuma relevância tem para aquilo que os alunos têm de aprender na actualidade. Esta atitude desvaloriza, à partida, o valor da história das ciências como uma importante fonte de informações e materiais para o ensino da ciência [5]. A mesma resistência se verifica nos departamentos de história sendo, por isso, cada vez mais importante que se estabeleça e desenvolva uma cooperação entre as ciências e as humanidades. As duas áreas de saber ganham uma com a outra. O cientista, seja químico, físico, biólogo, médico, sabe da sua área técnica de especialização, mas não está familiarizado com as fontes e os métodos históricos. O mesmo acontece com o historiador que, ao pretender analisar assuntos científicos, não possui alguns requisitos para a compreensão das matérias técnicas [6]. Os departamentos de ciências e os de história lucrariam mutuamente se abrissem as portas aos historiadores da ciência e se se considerassem aliados, com objectivos comuns no sentido do desenvolvimento cultural dos países.

O nosso país deve muito às universidades que lançaram os programas de pós-graduação em história e filosofia das ciências (mestrados e doutoramentos), como seja a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e, mais recentemente, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, para referir apenas os que melhor conheço. De acordo com George Basalla, um reputado historiador da tecnologia, os programas de pós-graduação têm uma responsabilidade especial nesta área porque treinam uma nova geração de historiadores da ciência que provavelmente encontrarão mais empregos como professores do que como investigadores em institutos especializados. Afigura-se necessário estimular uma discussão frutuosa deste assunto para moldar o futuro da história das ciências [7].

Penso que se torna premente, na actualidade, uma licenciatura em história das ciências e da tecnologia nas universidades científico-técnicas e de humanidades, perante a deficiente cultura científica e humana a que se assiste, fruto de profundas mudanças na sociedade. O país teria também bastante a ganhar se criasse esta área de conhecimento nos curricula das escolas básicas e secundárias. De acordo com Basalla, a aposta no ensino da história das ciências favorece os estudantes que não estão particularmente interessado nem só em história nem só em ciências [8].

Para concluir tomaria as palavras de George Sarton, o qual defende a humanização da ciência no sentido de mostrar as suas estreitas relações com as outras actividades humanas, a sua ligação com a nossa própria natureza. Humanizar a ciência não implica diminuir o seu valor nem a sua importância, mas, pelo contrário, torna-a mais significativa, mais impressionante, mais bondosa e mais amável. “History is but a method - not an aim” [9].


NOTA:

Neste apontamento optei por não discutir alguns conceitos que envolvem o debate filosófico e histórico em redor da história da ciência e da tecnologia tais como: ciência versus tecnologia, anacronismo versus diacronismo, internalismo versus externalismo e "whiggish" versus "priggisgh". Quando me refiro ao ensino da ciência, claro que não excluo o ensino da tecnologia. Gostaria ainda de convidar os leitores para a leitura de um artigo publicado na "Science" em 1974 por Stephen Brush sob o título “Should the History of Science be Rated X?”, Science, Vol. 183, No. 4130, March 1974, pp. 1164-1172. E, para os engenheiros que gostam de humanidades, recomendo a obra: Samuel C. Florman, "The Existential Pleasures of Engineering", St. Martin’s Press, New York, 1976.

REFERÊNCIAS:

[1] Colin Russel, “Whigs and professionals”, Nature, Vol. 308, 26 April 1984, p. 778

[2] George Sarton, The Life of Science – Essays in the History of Civilization, Indiana University Press, 1960, p. 29.

[3] Tradicionalmente, são cinco os argumentos clássicos que justificam o estudo da história das ciências: 1 - auto aperfeiçoamento: a história ilumina a ciência e torna-nos melhor; 2- eficiência: evita repetir erros do passado, aprende-se com os erros; 3 - perspectiva: permite fazer claramente avaliações e portanto torna a ciência melhor; 4 - imaginação: oferece um maior leque de ideias; 5 - educação: promove a literacia científica e a compreensão pública da ciência. Ver Jane Maienschein, “Why Study History for Science?”, Biology and Philosophy, Vol. 15, 2000, p. 340.

[4] Ibidem.

[5] Leopold E. Klopfer, “The Teaching of Science and the History of Science?”, Journal of Research in Science Teaching, Vol. 6, 1969, p. 87.

[6] Richard H. Shryock, “The Need for Studies in the History of American Science”, Isis, Vol. 35, No. 1 (Winter) 1944, p. 10

[7] George Basalla, “Fiftieth Anniversary Celebration of the Society – Observations on the Present Status of History of Science in the United States”, Isis, Vol. 66, Dec. 1975, p. 470.

[8] Ibidem.

[9] George Sarton, op. cit., p. 58.

domingo, 27 de maio de 2007

A fada dos dentes

Há cerca de vinte anos James Randi publicou a primeira versão do livro «Faith Healers» em que desmascarava uma série de curandeiros da fé, charlatães sem escrúpulos que se aproveitam da ingenuidade e superstição de muitos. Entre eles encontrava-se um dentista pela fé, que fazia uns biscates como alquimista, de seu nome reverendo Steve Jones.

Alguns crentes não acreditaram num céptico profissional e vinte anos depois continuam as sessões de «curas» milagrosas do reverendo que se especializou na vertente fada dos dentes alquimista e que continua uma receita de sucesso de algumas igrejas ditas carismáticas. O ex-libris desta receita milagrosa, que aparentemente se iniciou na Argentina, é a transmutação de amálgamas (ligas de mercúrio) de prata em ... prata ou ouro decoradas com crucifixos sortidos. Na realidade, as cruzes e brilho dourado de amálgamas enegrecidas são facilmente explicáveis sem necessidade de recorrer a milagres ou a intervenções divinas. A forma cruciforme é normal nas obturações em molares e pré-molares humanos dada a morfologia destes. Apontando uma lanterna para a boca do crédulo que se submeteu a uma intervenção «milagrosa», a luz é reflectida pela prata das obturações, com reflexão do que parece uma cruz de ouro se a lanterna utilizada emitir no amarelo!

Os crentes engolem sem quaisquer espinhas a fraude porque, como relembra o reverendo Jones, «Curar dentes é hilariante mas transformar água em vinho é hilariante e cuspir em terra e pô-la nos olhos de um homem é hilariante», numa alusão a relatos de dois dos milagres que abundam na Bíblia. De facto, numa religião assente em «milagres» sortidos, as vozes cépticas não são bem-vindas e muitas vezes as explicações racionais de fenómenos naturais são vistas como ataques à religião. Como aconteceu há 501 anos na Igreja de S. Domingos em Lisboa quando um cristão-novo se atreveu a explicar racionalmente outra simples reflexão de luz * ...

O charlatão insiste não ser ele o operador das «curas», afirmando que apenas é um intermediário do Deus que disse ser tudo possível. Por isso não «cobra» dinheiro pelas «curas», apenas faz circular envelopes para donativos que os seus assistentes recolhem no intervalo das vendas de CDs e das demais bugigangas que acompanham qualquer bom vendedor de banha da cobra.

Não sei porquê, talvez porque toda a história me fez lembrar a «Vida de Brian» e o single «Always Look on the Bright Side of Life», a parte em que Jones diz «Já vi algumas coisas que fariam a ciência perceber que há um criador. Especialmente quando se vê dentes crescer em câmara lenta e endireitarem-se» recordou-me o sketch «Conrad Poohs and His Dancing Teeth» do Monty Python's Flying Circus...


*«Contam os testemunhos que tudo terá começado na Baixa, no dia 19 de Abril de 1506, um domingo, na Igreja de São Domingos, quando alguém gritou ter visto o rosto do Cristo crucificado iluminar-se inexplicavelmente no altar. Em redor, gente que rezava pelo fim da seca prolongada que grassava pelo país clamou que era milagre. Entre eles, um judeu convertido à força terá tentado explicar que a luz que emanava do crucifixo era apenas um reflexo de um raio de sol que entrava por uma fresta. Terão sido as suas últimas palavras. Arrastado para a rua, o marrano e um irmão seu foram espancados até à morte. Os seus corpos mutilados foram arrastados para o Rossio e queimados em frente dos Estaus – onde décadas depois foi instalada a Inquisição. Eles eram apenas os primeiros de entre mais de 4 mil mortos – anussim, judeus portugueses, homens, mulheres e crianças, assassinados em três dias sangrentos.

Incitada por frades dominicanos, a multidão que entretanto se aglomerara decide partir em direcção da Judiaria, gritando 'morte aos judeus' e 'morram os hereges'.» Nuno Guerreiro in Rua da Judiaria.

O RESPEITINHO É MUITO BONITO

Minha crónica do "Público" de sexta-feira:

Houve quem ficasse admirado com a votação que Salazar obteve num recente programa televisivo. Foi uma maioria silenciosa, uma maioria que não se sabia bem onde estava. A Senhora Dona Margarida Moreira acaba de tornar público o seu voto. E ela está, ai de nós, à frente da Direcção Regional da Educação do Norte.

Era uma portuguesa anónima, justa e merecidamente anónima. Mas hoje sabemos que existe porque levantou um processo disciplinar a um professor destacado naquela Direcção que teria dito em privado uma frase jocosa relativa à licenciatura do primeiro ministro. A Directora, ou melhor a Excelentíssima Senhora Directora (não vá ela levantar outro processo), parece saída de um Portugal que julgávamos passado: o país das paredes com ouvidos, do respeitinho é muito bonito e daquilo que Alexandre O’Neill chamou o “modo funcionário de viver”.

Julgava que a liberdade de expressão era um direito adquirido, mas agora já não estou tão certo disso. A tradição dos caciques locais agradarem aos chefes ainda é o que é. Não tenho quaisquer dúvidas que o governo eleito da nação respeita os valores básicos da democracia, a começar com certeza pelo primeiro ministro. Mas já não estou tão certo que todos os nomeados pelo governo tenham a mesma atitude. Nomeadamente, a avaliar pela amostra, os directores regionais. Mesmo dando de barato que não tenha sido uma graçola mas um insulto (e quem é que vai dizer onde acaba uma e começa outro?), não lembraria a ninguém que se use a máquina do Estado para desagravar o putativo insultado. É que não foi em público, mas entre as quatro paredes de um gabinete.

Como se trata de educação, atrevo-me a pensar que este caso pode ser pedagógico: agora que se volta a falar de regionalização, e da possibilidade de um novo referendo, eu acho que não convém regionalizar à pressa quando o que está regionalizado já funciona dessa maneira tão funcionária. Não tenho nada contra as competências regionais, mas temo só de pensar na proliferação de incompetências que uma regionalização mal feita pode causar. Se, quando ainda não há regiões, tem sido um fartar vilanagem, pergunto-me como será quando as houver. As clientelas partidárias, que se têm alimentado de lugares do Estado, estão sedentas de mais... Atrevo-me até a ser mais radical: se, de hoje para amanhã, se extinguissem as Direcções Regionais, da Educação e do resto (por mim, podem também acabar com os Governos Civis, um resquício do tempo em que não havia comunicações rápidas), o país ficaria seguramente melhor. Além de que seria bastante mais barato.

O facto de ser uma Directora Regional do Ministério da Educação a mostrar serviço de uma maneira tão zelosa indica também, em particular, a necessidade de aliviar a máquina burocrática daquele Ministério. Uma parte dela serve para fazer escutas internas? Registar denúncias? E levantar processos (“procedimentos”, conforme eufemisticamente lhe chamou um Secretário de Estado, a sacudir a água do capote)? Não têm mesmo mais nada que fazer? A educação nacional, com o funcionamento que está à vista, continua doente. Está refém não só de alguns pedagogos, mas também de alguns funcionários. Não basta fechar escolas, é preciso também fechar repartições.

Muitas piadas têm corrido à custa da Universidade Independente e, se o Ministério da Educação as quer proibir, vai ter muito com que se entreter. E, sobretudo, não será um acto inteligente. A falta de sentido de humor é, em geral, uma manifestação de burrice. Eu, como muita gente, sentia-me feliz por a televisão pública transmitir programas humorísticos que faziam referência à licenciatura do primeiro ministro. Mas a Excelentíssima Senhora Directora deu-me sérios motivos para inquietação ao vir lembrar que o respeitinho é muito bonito. Eu tenho muito respeito pelo respeito, mas nenhum pelo respeitinho. Receio agora que os “Gatos Fedorentos” levem com outro processo em cima (já têm um do Pinto da Costa). A sorte deles é não estarem dependentes de nenhuma Direcção Regional da Televisão do Norte.

sábado, 26 de maio de 2007

Como sabemos que sabemos?

Quem viu os filmes Matrix pode ter pensado para consigo: como é que eu sei que não vivemos num mundo de fantasia, como o que é retratado neste filme? Como podemos justificar a nossa crença de que não vivemos na Matrix? Imaginemos que a Paula é um cérebro numa cuba, num laboratório muito sofisticado, e não uma pessoa como nós pensamos que somos. Poderia ela descobrir que é apenas um cérebro numa cuba?

Se as coisas nesse laboratório forem bem feitas, será exactamente como na Matrix. As nossas percepções do mundo exterior chegam ao cérebro através das suas conexões nervosas. Por isso, basta ligar um computador muito sofisticado a essas conexões e produzir exactamente os mesmos impulsos que seriam produzidos se a Paula tivesse um corpo e vivesse no nosso mundo. A Paula vai pensar que está uma árvore à sua frente, quando na realidade à sua frente está apenas uma prateleira do laboratório; vai pensar que está a ver um automóvel, quando na realidade nem sequer tem olhos para ver seja o que for; vai pensar que está a mexer no seu nariz, quando na realidade não tem nariz, nem mãos, nem corpo. Mas como está ligada ao computador tem exactamente as mesmas sensações que teria se estivesse realmente a fazer essas coisas. No filme Matrix as pessoas têm corpos, mas poderiam ser apenas cérebros numa cuba.

Geralmente, pensamos que temos boas justificações para acreditar que sabemos qual é a composição da água, ou a distância da Terra à Lua. Observamos, medimos, raciocinamos, voltamos a medir e testamos. Que outra maneira temos de justificar a nossa crença de que sabemos realmente essas coisas? Mas se o nosso pretenso conhecimento dessas coisas depende dos dados dos sentidos, temos de mostrar que não vivemos num mundo como o da Matrix; temos de mostrar que não somos cérebros numa cuba. Será possível justificar a nossa crença de que não somos cérebros numa cuba?

Este é um exemplo de um problema da epistemologia porque diz respeito ao nosso conhecimento das coisas e à justificação das nossas crenças. Evidentemente, há muitíssimos mais problemas tratados nesta disciplina. Mas fica este cheirinho.

Vale a pena ler

«Buckminster Fuller, An Anthology for a New Millennium» é, em minha opinião, um livro que vale mesmo a pena ler. Para um químico, o nome de Fuller evoca os fullerenos, a nova classe de compostos que a IUPAC consagrou com o nome proposto por Harry Kroto para o C60 - e foi galardoado com o Nobel pela sua descoberta da Bucky ball ou futeboleno. Tive o prazer de conhecer e conversar com o Harry em finais da década de oitenta, pouco depois da descoberta do C60. Harry confessou a sua admiração pelo génio do século XX, e não só pelo facto de a geometria da biosfera que Fuller desenhou para o Pavilhão norte-mericano da Exposição Mundial de 1967 (na Ile Sainte-Helene em Montreal) o ter inspirado na proposta da estrutura do C60.

As razões do Harry podem ser apreciadas nesta obra, editada por Thomas Zung, aluno de Buckminster Fuller. O livro consiste numa antologia que reúne capítulos seleccionados das vinte principais obras de Richard Buckminster Fuller, o inventor, matemático, ecologista, humanista e arquitecto considerado por muitos o Leonardo da Vinci do século XX. A introdução a cada capítulo é redigida por pensadores notáveis como Steve Forbes, Ed Applewhite, Arthur C. Clarke e o próprio Harry Kroto. Diria que depois de ler excertos de obras como «Utopia» ou «Oblivion» e «Epic Poem on the History of Industrialization» o leitor inundará as editoras nacionais de pedidos de tradução para português das obras deste visionário para muitos desconhecido. Recomendo igualmente o livro «Critical Path» que discute as questões energéticas que hoje enchem as agendas internacionais e no qual Fuller mostra a insustentabilidade de um padrão de vida dependente do petróleo.

Bucky Fuller é provavelmente mais conhecido pelas suas invenções arquitectónicas futuristas, como a cúpula geodésica, desenhada de acordo com uma «geometria energético-sinergética» que reflecte a sua visão única da ciência e tecnologia na construção de um futuro melhor. Foi aliás Fuller quem cunhou o termo sinergia - do grego synergía, sýn, em conjunto e érgon, trabalho - que permeou quer o léxico do quotidiano quer da ciência, da química à teoria de sistemas. Sinergia significa simplesmente que é necessário ter uma visão holística de muitos sistemas, em que há cooperação de vários factores que se reforçam fazendo com que o todo seja maior que a soma das partes.

Fuller cunhou ainda o termo «Tensegrity», tensegridade ou integridade tensional, que rapidamente extravasou para os domínios das estruturas biológicas. Nas palavras do próprio Fuller «Os grandes sistemas estruturais do Universo são formados por ilhas de compressão inseridas num todo contínuo de tensão. Tensegridade deriva de ' estruturação de integridades tênseis'. Todas as cúpulas geodésicas são estruturas de tensegridade, tanto fazendo que as ilhas diferenciadas de compressão, isoladas do todo tensional, sejam visíveis ou não. As esferas geodésicas de tensegridade fazem o que fazem porque têm as propriedades das estruturas hidráulicas ou pneumáticas insufladas.»

Fuller inventou diversos objectos e edifícios ecológicos, auto-sustentáveis e de baixo custo, e trabalhou conceitos como «mais por menos» - mais quantidade e qualidade por menor custo, esforço, tempo, e, principalmente menor impacto ambiental-, «dymaxion» (dinâmica + maximização), e design 4D ( o design de um edifício deve incluir a coordenada tempo, o edifício deve ser pensado para durar). Infelizmente a maioria dos projectos auto-sustentáveis de Fuller nunca chegou a ser produzida em larga escala. Talvez seja altura de recuperar algumas das ideias deste homem que foi apelidado «planet's friendly genius» (o génio amigo do planeta)!

VALE A PENA (RE)LER

Título: Admirável Mundo Novo
Autor: Aldous Huxley
Edições: Livros do Brasil
Público/Colecção Mil Folhas

Em 1932, Huxley publicou um livro visionário. Nele descreveu, com grande minúcia, uma sociedade ideal onde, para se manter a coesão entre os indivíduos, se recorria à engenharia genética e à educação.

Sobre a educação, há nesta obra passagens magníficas que, bem vistas as coisas, em 2007, nos parecem reais e, até, razoáveis. Deixo aqui uma delas (páginas 229 a 230), o leitor poderá descobrir outras…

“– Mas porque está ele proibido? – perguntou… emocionado por se encontrar em frente de um homem que tinha lido Shakespeare, esquecera-se momentaneamente de todas as outras coisas.
– Porque é velho, eis a razão principal. Aqui não temos o culto das coisas velhas.
– Mesmo que sejam belas?
– Sobretudo quando são belas. A beleza atrai, e não queremos que as pessoas sejam atraídas pelas coisas antigas. Queremos que amem as coisas novas.
– Mas as novas são tão estúpidas, tão horrorosas! (…) Bodes e macacos! – Só repetindo as palavras de Othello pôde manifestar convenientemente o seu desprezo e o seu ódio (…) – Porque não lhes dás a ler o Othello?
– Já lhe disse: é velho. E, por outro lado, eles não compreenderiam (…).
– Pois bem! Então (…) qualquer coisa nova semelhante ao Othello que eles sejam capazes de compreender.
– Aí está o que todos nós há muito tempo desejamos escrever (…).
– E é o que você nunca escreverá (…) porque se a obra se parecesse realmente com o Othello ninguém estaria em condições de a compreender. E, se fosse coisa nova, não se podia parecer nada com o Othello.
– Porque não?
– Porque o nosso mundo não é o mesmo que o de Othello (…), não se podem fazer tragédias sem instabilidade social. O mundo é estável agora. As pessoas são felizes, conseguem o que querem e nunca querem aquilo que não podem obter (…). Sentem-se bem, estão em segurança (…), vivem numa serena ignorância da paixão e da velhice (…).
A liberdade! – pôs-se a rir – O senhor espera que (…) saibam o que é a liberdade!?
– Apesar de tudo, [Othello] é belo (…).
– Não há dúvida (…) mas esse é o preço que temos de pagar pela estabilidade. É preciso escolher entre a felicidade e o que outrora se chamava a grande arte. Nós sacrificámos a grande arte. Temos em seu lugar os filmes perceptíveis (…).”

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Vale a pena ler

Título: Defending Science — Within Reason: Between Scientism and Cynicism
Autora: Susan Haack
Editor: Prometheus Books, 2003, 411 pp.

Haverá algo de comum à física, biologia e química, que a distinga da matemática, da história ou da filosofia? O partidário do cientismo declara que há algo de especial, sendo estas ciências as únicas verdadeiramente "científicas" — o resto é colecção de selos. Os pós-modernistas concordam, mas acham que o que realmente importa são as colecções de selos — ou seja, a ciência comprometida socialmente, a ciência como ideologia, a ciência como distorção dos factos para melhor servir ideais políticos. Entre os dois extremos, levantam-se vozes de sensatez, que defendem a racionalidade da ciência, mas uma versão alargada da racionalidade. É o caso de Susan Haack, uma das mais prestigiadas filósofas da lógica e epistemólogas contemporâneas. Este livro mereceu já os elogios de Jacques Barzun (autor de Da Alvorada à Decadência, Gradiva) e de Gerald Holton (autor de A Cultura Científica e os seus Inimigos, Gradiva), declarando-se Steven Weinberg, tantas vezes também ele muito próximo do cientismo serôdio, um leitor fiel de Haack.

O FIM DO MUNDO ESTÁ PRÓXIMO?


Já há muito tempo que não via um título tão bom como este. Os títulos servem para despertar o apetite para a leitura e este dá-nos vontade de devorar o conteúdo... De resto, já tínhamos saudades dos livros do Jorge Buescu. Tínha-nos dado dois, “O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias”, em 2001, e “Da Falsificação de Euros aos Pequenos Mundos”, em 2003, ambos tal como o mais recente na Gradiva, mas já se tinham passado quatro anos desde o último. Não há duas sem três... E temos de novo Jorge Buescu no seu melhor, com um título ainda melhor que os anteriores. E com a mão mais apurada pelo treino da escrita. “O Fim do Mundo está próximo?” já saiu do prelo, sendo apresentado na próxima quarta-feira, 30 de Maio, pelas 18h30 na FNAC do Colombo em Lisboa.

Não, não é só da melhor divulgação da matemática que se faz em Portugal, é da melhor que se faz no mundo. O Jorge ainda vai ser traduzido! Eu tive o grato privilégio de ler o novo livro em provas e sei do que estou a falar. Buescu alia ao evidente conhecimento pormenorizado dos assuntos sobre os quais escreve uma não menos evidente paixão da escrita. A pena flui-lhe fácil, com as analogias e metáforas a jorrarem dela para nosso deleite. O mais intrincado dos assuntos matemáticos torna-se fácil para nós se passar pela pena dele.

Eu já sei o que alguns vão dizer nas caixas de comentários ou noutro lado. Que este blog é um grupo de amigos, que dizem bem uns dos outros. Pois é verdade. Somos. E dizemos. Não faria, de resto, sentido que um grupo de inimigos se juntasse para dizerem mal uns dos outros. Pela minha parte, sou um admirador da escrita do Jorge e bem gostaria, nos meus melhores momentos, de me aproximar do seu estilo inconfundível. É sempre um prazer lê-lo, porque nos seus textos a inteligência surge aliada à arte da escrita... Faz da melhor divulgação científica em língua portuguesa!

Além disso o meu percurso na divulgação científica começou com ele. Eu posso contar aqui uma pequena história que já contei noutro lado. Apesar de ser mais jovem do que eu, o Jorge é o responsável pela minha entrada no mundo da divulgação científica. Pois foi ele, no início dos anos 80, como estudante activo na Associação Juvenil de Ciência (associação da qual hoje tenho o gosto de ser sócio honorário), o primeiro a convidar-me a dar uma palestra de divulgação para estudantes. A lição foi no Porto, num Encontro Juvenil de Ciência, versou a termodinâmica (na altura dava aulas dessa cadeira para um anfiteatro cheio na Universidade de Coimbra), e o “puto” da primeira fila, com as duas orelhas em pé, era o Jorge. Passados mais de 20 anos, aconteceu que o Reitor da minha Universidade me pediu para receber o Prof. Dr. Jorge Buescu como orador convidado no ciclo “Despertar para a Ciência”. E eu então, depois de lhe oferecer um bom almoço (onde, como sempre, nos divertimos imenso a falar deste mundo e do outro!), fiz o que ele tinha feito anos antes. Isto é, fui o “puto” da primeira fila, com as orelhas levantadas, a ouvir o que ele dizia... Foi a minha “vingança”!

Neste blog, as intervenções do Jorge têm sido poucas, mas muito boas. E, lá por ele ser meu amigo, isso não me impede que discorde, em parte, das posições que ele tomou sobre o aquecimento global. Não é que eu seja especialista do assunto (ele será mais do que eu, fiquei muito admirado com a quantidade de coisas que ele estudou...), mas a mim parece-me que existe actualmente um consenso na comunidade científica especializada nestas questões (e consenso não significa de forma nenhuma unanimidade), consenso esse que chega até mim através das “reviews”, notícias e editoriais da “Science” e da “Nature”. Não acredito, por exemplo, que os cientistas que estudam o clima cometam erros triviais de confundir correlação com causalidade.

O tempo é um bem muito escasso, pois se o não fosse já há muito teria escrito sobre esse tão interessante assunto da controvérsia científica. Conto fazê-lo ainda. Mas poderei adiantar já o que penso dos anónimos que povoam a blogosfera com tentativas idiotas e sempre vãs de assassinato de carácter. Quase nunca têm razão, mas mesmo que a tivessem, perdiam-na ao usar maneiras soezes e expressões grosseiras. Quando não respeitam as pessoas. Quando não aceitam diferenças de opinião. Quando não sabem sequer trocar argumentos, mas querem impor os seus de uma forma violenta.

Eu posso não concordar com o Jorge na questão das alterações climáticas, mas estou, inspirado em Voltaire, disposto a lutar para que quem de mim discorde possa exprimir com correcção os seus pontos de vista. Pugno pela liberdade de pensamento e de expressão. Eu quero que o Jorge exprima livremente as suas posições, da maneira correcta que é seu timbre, neste blog ou em qualquer lugar, porque a ciência vive da discussão e da crítica. E a controvérsia é salutar: estou disposto a ouvir com atenção quem o contrarie de um modo educado, de um modo que esteja à altura do seu antagonista intelectual. A ciência assenta no reconhecimento dos erros e só podemos apurar o erro se ele nos for apontado... Devemos agradecer a quem nos chama a atenção para eventuais erros e procurar verificar se, de facto, não estamos errados. A cultura científica, para a qual o último livro do Jorge contribui e para a qual este blog quer contribuir, deve transmitir essa “natureza viva” da ciência.

Viva o último livro do Jorge! Espero bem que o fim do mundo não esteja próximo para haver mais livros dele...

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...