terça-feira, 23 de novembro de 2010
Ciência e Técnica: a todo o vapor
Crónica elaborada para a Associação Viver a Ciência, no âmbito da Semana Nacional da Ciência e da Tecnologia.
Observar, Interagir e modificar o ambiente envolvente para melhor sobreviver e resistir às fúrias dos elementos, é uma constante, essência própria da vida.
A complexidade, progressivamente crescente, da organização dos seres vivos, no seu diálogo íntimo com o Universo, apresenta hoje sistemas biológicos com linguagens e arquitecturas diversas.
A evolução dotou o cérebro com estruturas funcionais, cuja base é comum a muitos animais, e permitiu aos nossos antepassados longínquos utilizar e manipular objectos, para facilitar o garante da sobrevivência.
Milhões de anos passaram entre esse momento mágico, revoada de espanto numa sinapse recompensadora, em que um ramo vegetal na mão de um hominídeo, descreveu um arco e facilitou a obtenção de alimento, e este premir o polegar oponível num botão para controlar, à distância, um tecnológico braço robótico, mais ou menos antropomórfico, para reparar uma antena na Estação Espacial Internacional a cerca de 350 km da superfície da Terra, e à velocidade média de 27 000 km/h.
Nessa janela de tempo, o homem inventou a roda e as velas dos moinhos, construiu caravelas, aviões e foguetões, inventou bolhas de vidro contendo vácuo e iluminou as noites com tungsténio incandescente, descobriu como transformar materiais e inventou o transístor, descobriu a intimidade atómica e inventou a internet. Continuamos a utilizar o olhar, outros sentires e as mãos, mas somos substancialmente diferentes.
A observação atenta de como as coisas acontecem na natureza, integrada cerebralmente por sucessivas gerações de homens e mulheres, forjou a cultura humana com o conhecimento necessário para realizar obras úteis, a todos.
A ciência permite o conhecimento, explica o espanto, dissolve a aparência das coisas e desvenda os fundamentos dos fenómenos que nos intrigam.
A aplicação do conhecimento científico em coisas concretas e definidas permite a técnica. Por sua vez, a tecnologia explica e compreende os fenómenos técnicos. Com as ferramentas e o conhecimento a jusante da técnica, o Homem descobre novos mundos para explorar, e alimenta a ciência a montante.
De facto, assistimos ao longo da história da humanidade a um diálogo incessante entre ciência e técnica, entre técnica e ciência. Por vezes em monólogos aparentes, antecâmaras de rupturas de paradigmas, por vezes indistinguíveis num esforço conjunto para resolver problemas concretos.
Por exemplo, a técnica de saber fazer pão, a partir de um conhecimento empírico, explicada progressivamente pela ciência de saber como as leveduras, seres vivos unicelulares e microscópicos, transformam os açúcares da farinha dos cereais.
Por exemplo, a descoberta do efeito fotoeléctrico por Hertz, explicado mais tarde por Einstein, e a sua tecnológica aplicação posterior em materiais semicondutores emissores de luz, fototransístores, LEDs, utilizados nos monitores modernos e que permitem ver a ilusão tridimensional.
Se a água líquida é uma constante da vida, o conhecimento de como domesticar o vapor de água, para dele retirar trabalho útil, mudou radicalmente a sociedade e vida humanas.
A máquina a vapor, engenho técnico, galvanizou e permitiu a revolução industrial, em meados do séc. XVIII. Entre suor e copos de água, a relação entre as pessoas mudou e uma nova forma de organização social emergiu, com a ciência e a técnica como denominadores comuns, imprescindíveis.
De facto, hoje vivemos numa sociedade baseada na tecnologia e na ciência. Mais do que nunca, impõe-se a aprendizagem e a divulgação dos conhecimentos que nos permitem entender e descodificar como é que a ciência nos ajuda a tornar seres mais humanos, mais íntegros e verdadeiros, como é que podemos usufruir das potencialidades tecnológicas para melhorar a nossa qualidade de vida.
Ciência e técnica celebram-se e vivem-se hoje em simultâneo. São a realização maior da capacidade neuronal em percepcionar o mundo envolvente e integrar as diversas observações sentidas numa solução.
E não esqueçamos que a consciência emocional modelou esta empresa científico-tecnológica desde o primeiro instante. A humanidade é científica e tecnológica desde o primeiro espanto, que é observar o mundo e tentar perceber um porquê, um como e o que é. E é com emoção que recebemos a compreensão do que não conseguíamos explicar antes.
E se antes um relâmpago nos inundava de receio e iluminava a galeria das divindades primevas, hoje o maravilhamento da compreensão do seu fenómeno é sossegado por um pára-raios concreto, ainda que instalado na torre sinaleira de um templo qualquer.
António Piedade, Coimbra, 23 de Novembro de 2010
sábado, 7 de agosto de 2010
Estória muito interessante
Vale a pena ler este texto do DN, sobre uma estória bonita e sobre o facto de ser possível em Portugal.
:-)
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Transição para a civilização do tipo I

O físico norte-americano Michio Kaku (na figura, a cumprimentar o robô) termina assim o seu livro "Mundos Paralelos" (Bizâncio, 2006) advogando a transição para uma civilização verdadeiramente planetária, uma civilização que usa toda a energia que recebe da sua estrela (a nossa civilização ainda é de tipo 0,7):
"Na peça de Anton Chekhov "As Três Irmãs", no acto II, o Coronel Vershimin proclama: "Dentro de um século ou dois, ou dentro de um milénio, as pessoas viverão de uma maneira diferente e mais feliz. Não estaremos lá para ver, mas é para isso que vivemos e trabalhamos. É para isso que sofremos. É para isso que estamos a contribuir. É essa a finalidade da nossa existência. A única felicidade que podemos conhecer é saber que estamos a trabalhar para esse objectivo."Michio Kaku
Pessoalmente, longe de me sentir deprimido pela imensidão do Universo, estou impressionado com a existência de mundos inteiramente novos a seguir ao nosso. Vivemos numa época em que estamos a começar a exploração do Cosmos com sondas e telescópios espaciais, com teorias e equações.
Também me sinto privilegiado por viver num tempo em que o nosso mundo está a dar passos tão heróicos. Estamos vivos para presenciar o que talvez venha a ser a maior transição da história da humanidade: a transição para uma civilização de tipo I, talvez a a mais significativa, mas também a mais perigosas transição da história da humanidade.
Outrora, os nossos antepassados viveram num mundo cruel e hostil. durante a maior parte da história, as pessoas tinham uma vida curta, uma vida selvagem, e a esperança média de vida era de cerca de 20 anos. Viviam à mercê do destino, do terror constante das doenças. o exame dos ossos dos nossos antepassados revela que estão incrivelmente gastos, o que testemunha as cargas que transportavam diariamente; também exibem marcas indiciadoras de doenças e de acidentes horríveis. Mesmo no século passado, os nossos avós viviam sem os benefícios das medidas sanitárias modernas, dos antibióticos, dos aviões a jacto, dos computadores e das outras maravilhas da electrónica.
Os nossos netos, contudo, viverão na alvorada da primeira civilização planetária da Terras. Se nós não permitirmos que o nosso instinto brutal para a autodestruição nos consuma, os nosso netos poderão viver numa idade em que a miséria, a fome e a doença deixarão de ameaçar o nosso destino. Pela primeira vez na história, temos ao nosso dispor os meios para destruir toda a vida na Terra ou para transformar o planeta num paraíso.
Quando era criança, muitas vezes perguntava como seria a vida num futuro longínquo. Hoje acredito que, se pudesse escolher viver noutra era qualquer da humanidade, escolheria esta. Vivemos hoje o tempo mais excitante da história do homem, o ponto culminante de algumas das maiores descobertas cósmicas e avanços tecnológicos de todos os tempos. Estamos a fazer a transição histórica de observadores passivos da dança da Natureza para nos transformarmos em coreógrafos dessa dança, com a capacidade de manipular a vida, a matéria e a inteligência. Contudo, a esse tremendo poder acresce a grande responsabilidade de garantirmos que o fruto dos nossos esforços será usado sensatamente e para benefício de toda a humanidade.
A geração actual é talvez a geração mais importante da humanidade. Ao contrário das gerações anteriores, temos nas nossas mãos o destino da nossa espécie: ou nos elevamos cumprindo o nosso destino como uma civilização de tipo I ou caímos no abismo do caos, da poluição e da guerra. As decisões que tomarmos irão repercurtir-se no presente século. O modo como resolvermos as guerras globais, a proliferação de armas nucleares e a guerra sectária e étnica erguerão ou deitará por terra as bases de uma civilização do tipo I. Talvez a finalidade e o sentido da actual geração sejam garantir a suavidade da transição para uma civilização do tipo I.
A escolha é nossa. Este é o legado da geração actual. Este é o nosso destino."
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Bem-vindos
Bem-vindos ao terceiro milénio. Bem-vindos ao mundo da informação instantânea, democrática e gratuita, onde cada pessoa pode dizer a todos o que pensa e o que sabe. Bem-vindos ao mundo da Internet, dos blogs, do email, da wikipedia, do google, dos downloads, da interactividade global.
A tecnologia que permite contactos fáceis e instantâneos também nos torna vulneráveis. Neste mundo, não há privacidade para além da que existe face a face, corpo a corpo. Mesmo assim é preciso saber se não está por perto uma câmara vigilante ou um telemóvel indiscreto. Neste mundo transparente, não são já possíveis os golpes palacianos e apropriações indevidas. Mais cedo do que tarde, tudo será descoberto.
Neste mundo, qualquer pessoa pode manipular os outros. Mas as manipulações anulam-se umas às outras, fazendo por vezes ricochete sobre quem usa a informação de modo instrumental. Destes cruzamentos, talvez possa emergir a influência de quem não quer, de facto, manipular.
Bem-vindos ao mundo iconoclasta onde os mitos se destroem. As personagens públicas apresentam-se agora como pessoas, com as suas imperfeições e méritos, às vezes com fascinantes idiossincrasias. É assim que se expõem em programas de humor, revistas cor-de-rosa, vídeos do YouTube, biografias autorizadas ou maledicentes. Tão imperfeitos e fascinantes como todos nós, mas com capacidades que podemos avaliar, senão mesmo admirar.
Bem-vindos, mas não se enganem. A porta por onde entraram já está fechada, e é neste novo mundo que temos de viver.
J. L. Pio Abreu
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
O Terramoto e o tsunami de 1755

O Terramoto de 1 de Novembro de 1755 atingiu violentamente o país, destruiu o centro da cidade de Lisboa e abanou as consciências e o pensamento de inúmeros intelectuais europeus. Figuras com Kant ou Voltaire escreveram importantes reflexões sobre a génese de fenómenos naturais de tão grande escala e sobre as leis que governam a natureza. O que muitos não saberão é que ao terramoto seguiu-se um violento tsunami, ou maremoto, cuja dimensão e impacto é actualmente alvo de estudo por investigadores portugueses.
Estes e outros assuntos, em torno do Terramoto de 1755, serão apresentados e debatidos amanhã, dia 31, em um colóquio no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, a partir das 15:30h.
Programa:
domingo, 21 de setembro de 2008
Tempo de decisão

O livro contou com a colaboração de notáveis de várias áreas, mas importa referir as contribuições de Carl Sagan e Stephen Jay Gould. Há mais de um quarto de século, os dois grandes divulgadores de ciência manifestaram a sua preocupação com o ataque à ciência efectuado pelos criacionistas, então disfarçando religião com a capa de criacionismo científico.
Sagan escreveu então:
One trend is illustrated by the recent request by the Reagan administration in the United States to cut essentially to zero all of the budget of the National Science Foundation devoted to science education, particularly in keeping science teachers up-to-date. That is clearly eating the seed-corn. The budgetary savings are trivial, the potential damage enormous. (...)As mesmas preocupações são reiteradas por Gould que iniciou a sua contribuição recordando o Monkey Trial:
In many such areas, but especially in the last, you can find today a kind of resurgent know-nothingism, a reactionary response to the findings of human beings objectively addressing the world around them. There is something called "scientific creationism" which claims that the school system should teach the supposed evidence in favor of the cosmology in the first chapter of Genesis on an equal level with the evolutionary findings that Charles Darwin initiated. I believe that this is exceptionally dangerous.
Kirtley Mather, who died last year at age 89, was a pillar of both science and the Christian religion in America and one of my dearest friends. The difference of half a century in our ages evaporated before our common interests. The most curious thing we shared was a battle we each fought at the same age. For Kirtley had gone to Tennessee with Clarence Darrow to testify for evolution at the Scopes trial of 1925. When I think that we are enmeshed again in the same struggle for one of the best documented, most compelling and exciting concepts in all of science, I don't know whether to laugh or cry. (...)Mas quiçá a contribuição mais enfática tenha sido a de Isaac Asimov, que retomou o aviso que lançara nas páginas da New York Times Magazine em 14 de Junho de 1981 «The 'Threat' of Creationism,» recolhido posteriormente no «Science and Creationism» editado por Ashley Montagu em 1984 (pp. 182-193). Vale a pena ler na íntegra este artigo presciente com quase 30 anos. Retiro apenas alguns excertos:
The rise of creationism is politics, pure and simple; it represents one issue (and by no means the major concern) of the resurgent evangelical right. Arguments that seemed kooky just a decade ago have reentered the mainstream.
Creationism Is Not Science
The basic attack of the creationists falls apart on two general counts before we even reach the supposed factual details of their complaints against evolution. First, they play upon a vernacular misunderstanding of the word "theory" to convey the false impression that we evolutionists are covering up the rotten core of our edifice. Second, they misuse a popular philosophy of science to argue that they are behaving scientifically in attacking evolution. Yet the same philosophy demonstrates that their own belief is not science, and that "scientific creationism" is therefore meaningless and self-contradictory, a superb example of what Orwell called "newspeak."
Even though schools are now allowed to teach evolution, teachers are beginning to be apologetic about it, knowing full well their jobs are at the mercy of school boards upon which creationists are a stronger and stronger influence. (...)Os nossos leitores habituais confirmaram certamente esta última frase de Asimov no nosso espaço de debate, isto é, os criacionistas nacionais que o invadem debitam ad nauseam os mesmos disparates não importa quantas vezes se lhes prove que são disparates. Glenn Morton, um ex-criacionista da terra jovem (YEC), recorreu à sua experiência pessoal para explicar a imunização à razão dos criacionistas. Mas o demónio de Morton não explica completamente a postura autista dos criacionistas.
In the creationist churches, however, the congregation is required to believe. Impressionable youngsters, taught that they will go to hell if they listen to the evolutionary doctrine, are not likely to listen in comfort or to believe if they do. Therefore, creationists, who control the church and the society they live in and to face the public-school as the only place where evolution is even briefly mentioned in a possible favorable way, find they cannot stand even so minuscule a competition and demand "equal time."
Do you suppose their devotion to "fairness" is such that they will give equal time to evolution in their churches?
Second, the real danger is the manner in which creationists want threir "equal time." In the scientific world, there is free and open competition of ideas, and even a scientist whose suggestions are not accepted is nevertheless free to continue to argue his case. In this free and open competition of ideas, creationism has clearly lost. It has been losing, in fact, since the time of Copernicus four and a half centuries ago. But creationism, placing myth above reason, refused to accept the decision and are now calling on the government to force their views on the schools in lieu of the free expression of ideas. Teachers must be forced to present creationism as though it had equal intellectual respectability with evolutionary doctrine.
What a precedent this sets.
If the government can mobilize its policemen and its prisons to make certain that teachers give creationism equal time, they can next use force to make sure that teachers declare creationism the victor so that evolution will be evicted from the classroom altogether. We will have established ground work, in other words, for legally enforced ignorance and for totalitarian thought control. And what if the creationists win? They might, you know, for there are millions who, faced with a choice between science and their interpretation of the Bible, will choose the Bible and reject science, regardless of the evidence.
No Frontal Lobe foi há uns dias referenciado um estudo muito interessante dos cientistas políticos Brendan Nyhan e Jason Reifler. Este estudo, que confirmava outros anteriores sobre dissonância cognitiva e política, indica que é contraproducente tentar confrontar com a verdade pessoas com bias político. Por exemplo, após ouvirem as justificações da administração Bush sobre a existência de armas de destruição massiva no Iraque pré 2003, a percentagem de conservadores que acreditava nas alegações republicanas foi maior (64%) no grupo confrontado com o pormenorizado relatório Duelfer que concluía o contrário que no grupo de controle (34%).
Pessoalmente considero que podemos extrapolar que o mesmo se passa com os criacionistas e zelotas religiosos em geral. Os fundamentalistas religiosos são completamente imunes à razão e à verdade e como os dislates que debitam com regularidade no nosso espaço de debate confirmam, a confrontação com os factos ainda os entrincheira mais no seu mundo de fantasia e mentiras. Por isso, não vale a pena sequer tentar argumentar racionalmente com criacionistas pelo que não vejo nenhuma bondade nestes pseudo-debates. Mas uma vez que aparentemente estão na «moda» em Portugal, acho que podem ser aproveitados como sessões de esclarecimento para o público em geral enfatizando as diferenças entre ciência e fé, explicando o que é o método científico e porque razão a comunidade científica sem excepção considera que os dislates que certamente o criacionista em questão debitou abundantemente só têm lugar na Terra do Nunca.
No entanto, a melhor forma de prevenir este perigoso anacronismo é investir em educação de ciência de forma a que estas patetices não consigam criar raízes nas mentes dos nossos jovens. O desinvestimento em educação científica referido por Sagan preparou o terreno para as investidas criacionistas. Não o façamos também em Portugal: Gould referia na sua contribuição que, há 25 anos, os criacionistas embora vocais eram uma clara minoria nos EUA. Hoje em dia são a maioria da população ...
sábado, 20 de setembro de 2008
O tempo da Razão
A mensagem deste vídeo promocional do Center for Inquiry (CFI) em que figuram Steven Pinker, Daniel Dennett, Susan Jacoby, Ann Druyan, Laurence M. Krauss, Damon Linker, E.O. Wilson, Jennifer Michael Hecht, Richard Dawkins, e Paul Kurtz, é muito simples: promover o uso da razão em todas áreas do pensamento humano.
Citando o CFI:
The methods and values of scientific thinking have expanded our knowledge about life and our place in the universe. This modern knowledge—based on experience and evidence—has brought enormous benefit to humanity, yet many people still choose to rely on ancient texts and beliefs to guide their lives and their nations.O CFI indica ainda a urgência do seu trabalho numa altura em que a hostilidade à ciência e ao secularismo é notória um pouco por todo o mundo, como denota, por exemplo, o aumento da ameaça criacionista em todo o mundo civilizado.
The Center for Inquiry exists to change this situation. We are here to promote the scientific outlook, to expand the methods and values of science into all areas of human endeavor.
We invite you to learn more about the ways we are using education, outreach, and activism to advance reason and human values around the world. Then, if these values are as important to you as they are to us, we ask you to join CFI.
Let your voice be heard. With your help, we can ensure that our time—your time—will be a time of science and reason.
Esta ameaça criacionista que muitos tentam minimizar é real e não está restrita aos Estados Unidos, como indica a recente demissão de Michael Reiss da direcção do Departamento de Educação da Royal Society.
Não é apenas o criacionismo cristão que toma fôlego, como a censura na Turquia da página de Richard Dawkins confirma. De facto, um tribunal turco deu recentemente razão à queixa do autor do Tijolo Criacionista de que o britânico o teria «insultado» quando analisou o livro. A crítica de Dawkins de que estava «at loss to reconcile the expensive and glossy production values of this book with the breathtaking inanity of the content» foi considerada pelo 2ª tribunal da paz de Istambul uma «violação» da personalidade de Adnan Oktar (que penso estar ainda na prisão devido ao escândalo sexual que abalou a Turquia há quase 10 anos, foi arquivado e recuperado apenas este ano).
Esta censura criacionista ao ciberespaço não é inédita: a seita que desde 1998 ataca e ameaça académicos turcos que ensinam evolucionismo nas suas aulas, conseguiu bloquear o Wordpress e o Google Groups na Turquia, para além de ter censurado uma série de sites de notícias deste país.
Mas quiçá o mais perturbador está a acontecer nos Estados Unidos em que foi nomeada para vice-presidente na candidatura republicana uma criacionista da Terra jovem (daqueles que acreditam que a Terra tem 6000 anos) que vê a guerra do Iraque como uma cruzada religiosa. A mensagem do CFI é de facto urgente num mundo que estes exemplos (e há muitos outros...) confirmam estar a abdicar da razão não apenas na condução das vidas privadas dos cidadãos mas especialmente na condução de nações ...
terça-feira, 25 de março de 2008
O renascimento do anti-intelectualismo - II
Amanda Gefter, a editora de opinião da New Scientist que referi a propósito do prémio Templeton 2008, assistiu igualmente a uma sessão de Expelled. A sua apreciação do filme é breve (tão breve quanto o «sumo» do filme, aparentemente pouco mais de um longo reductio ad Hitlerum). Mais interessante e longa é a sua apreciação do que se passou durante a parte de perguntas&respostas em que um dos espectadores que se atreveu a fazer perguntas incómodas ia sendo expulso da sala.
No artigo em que retomei o tema anti-intelectualismo, transcrevi uma sinopse do último livro de Susan Jacoby, que aponta o que acontece quando este se traduz na arena política. De facto, é quase impossível dissociar o anti-intelectualismo da sua consequência política, o populismo. É fácil reconhecer o populismo no discurso político pela substituição de ideologias, significados, razões e outras coisas racionais a que o Iluminismo nos habituou por apelos aos sentimentos e emoções - algo mais «democrático» e, simultaneamente, mais difícil de questionar.
Normalmente não refiro a Wikipedia mas em relação ao tema em apreço tem uma descrição de que gosto pela sua simplicidade e completude: «O anti-intelectualismo descreve um sentimento de hostilidade ou desconfiança em relação a intelectuais ou aos seus objectos de investigação. Os anti-intelectuais apresentam-se como os paladinos das pessoas comuns e do igualitarismo contra o elitismo, especialmente o elitismo académico. Estes críticos argumentam que as pessoas com maior grau de instrução constituem um grupo social isolado que tende a dominar o discurso político e o ensino superior (a academia)».O anti-intelectualismo não é um fenómeno novo, na realidade aparece periodicamente em todas as sociedades, normalmente associado a períodos conturbados na história, como ilustrado pela foto à esquerda, tirada em Berlim num dos períodos mais negros da história da Humanidade. Há mais exemplos que permitem constatar que os pontos altos do anti-intelectualismo correspondem normalmente a regimes totalitários ou pelo menos autoritários.
Por exemplo, na China, os intelectuais foram activamente perseguidos durante a Revolução Cultural. As universidades permaneceram fechadas por praticamente dez anos. Também o Khmer Rouge de Pol Pot considerava os intelectuais o expoente do mal e devotou-se à tarefa de assassinar todos os intelectuais cambojanos. De igual forma, a União Soviética promoveu a classe trabalhadora em relação aos inúteis intelectuais e, especialmente sob Estaline, devotou-se a perseguir e a enviar para Gulags sortidos todos os intelectuais que lucubravam sobre temas capitalistas, decadentes, burgueses ou mesmo fascistas como a genética, anátema na URSS até 1964.
Nos Estados Unidos, a história do anti-intelectualismo está bem documentada pelo historiador Richard Hofstadter no seu livro de 1963 Anti-Intellectualism in American Life. Hofstadter, perturbado pelo desprezo por intelectuais da era McCarthy, investigou as raízes históricas de uma onda que varria na altura (como agora) o país da costa leste à costa oeste. Hofstadter descobriu que «o nosso anti-intelectualismo é, de facto, anterior à nossa identidade nacional», citando, entre outros, o puritano John Cotton. Este escreveu em 1642, «The more learned and witty you bee, the more fit to act for Satan will you bee» (Quanto mais instruído e inteligente fores mais apto a agir por Satanás serás).
Hofstadter cita ainda Baynard R. Hall, que indiciou em 1843 o que Jacoby afirma em 2008 em relação aos políticos: «Nós sempre preferimos um homem mau (politicamente) e ignorante a um talentoso e por isso as tentativas de atacar o carácter moral de um candidato inteligente; infelizmente esperteza e maldade estão acopladas aos olhos do povo assim como incompetência e bondade».
No entanto, de acordo com o historiador Lawrence W. Levine, o analfabeto Jim Bridger, um dos mais famosos batedores do Velho Oeste, recitava longas passagens de Shakespeare, que decorara contratando alguém para lhe ler as obras. Alexis de Tocqueville depois de uma viagem pela América no início da década de 1830 disse mesmo: «Não há praticamente nenhuma cabana de pioneiros que não contenha alguns volumes de Shakespeare».
Isto é, tal como na URSS comunista parece que os americanos sempre prezaram os «intelectuais de pé descalço», isto é, gente do povo sem educação formal, mas apresentavam uma hostilidade não disfarçada em relação às suas elites intelectuais.
No seu livro, Hofstadter descreve os três pilares do anti-intelectualismo: a religião, empresas muito dirigidas a aspectos práticos e um estilo político que hoje designamos por populismo. Explica ainda como a II Guerra Mundial e a guerra fria que se seguiu mudou o estilo de vida americano, nomeadamente deu origem a um reconhecimento dos «crânios» nacionais. Mas esse reconhecimento e admiração de intelectuais restringia-se (e restringe-se) àqueles que se mantêm no «seu lugar», isto é, que se devotam nos seus laboratórios a melhorar a vida do cidadão comum com avanços na medicina, na informática e tecnologia, etc. e não «interferem» activamente na vida pública.
Isto é, se olharmos para a História, constatamos que a nossa cultura ocidental apoia investigação sistemática e disciplinada melhor que qualquer outra na história, mas mesmo assim há uma enorme hostilidade em relação aos intelectuais que a ela se dedicam por parte de pessoas que sentem que os seus valores e/ou crenças são ameaçados, consideram-na um desperdício de tempo e dinheiro que poderiam ser melhor utilizados para outros objectivos ou simplesmente se ressentem do estatuto dos intelectuais.
Um exemplo recente deste anti-intelectualismo no discurso político, neste caso de John McCain, o candidato republicano à presidência norte-americana, é analisado por Sean Carrol do departamento de Física do Caltech. No Cosmic Variance, Carrol explica como se enquadra em termos de anti-intelectualismo quer os arroubos populistas de indignação de McCain contra o desperdício de dinheiros públicos em ciência quer o eco que o criacionismo encontra em muitos norte-americanos.
De facto, numa altura em que o custo da guerra no Iraque, que McCain considera necessitar mais empenho (isto é, mais dinheiro), ultrapassa os 500 mil milhões de dólares, é completamente rídiculo vir falar no «desperdício» de 3 milhões dos dólares, gastos por «perdulários» cientistas do U.S. Geological Survey que tentam evitar a extinção do urso grizzly. A não ser, claro, que os entendidos de marketing da sua campanha tenham decidido que esse é um ponto que lhe angariará uns votos não despiciendos Novembro próximo.
John McCain apela ao anti-intelectualismo do cidadão comum não só no referido discurso como num anúncio muito difundido- pela passagem do qual nas televisões norte-americanas a campanha de McCain pagou provavelmente uma quantia comparável ao que o trabalho tão ofensivo custou.
O anti-intelectualismo, uma forma de demissão da cidadania, é ainda indissociável da nuvem poluente de irracionalidade que tem sido alvo de inúmeros posts no De Rerum Natura. Para que as velas de Sagan possam surtir efeito, é necessário olhar para as marés da História e perceber em que assenta o anti-intelectualismo da era moderna.
Os pilares do anti-intelectualismo identificados há mais de 30 anos por Hofstadter permanecem hoje em dia, mas acresce nos últimos tempos um privilegiar de actividades intelectuais normalmente orientadas para resultados práticos e imediatos - no caso da ciência, a «ciência dirigida a necessidades específicas» de que falava Lederberg. Outra contribuição importante foi abordada no post «Evolução e pós-modernismo», e tem a ver com a acção perniciosa de grupos de pressão pós-modernos que Diane Ravitch tão bem descreveu no livro «The Language Police».
Há uns meses, o filósofo Eduardo Subirats dizia a um jornalista do Estado de São Paulo:
«O que distingue intelectualmente uma elite não é o poder político ou institucional da classe que seja. O poder institucional define a burocracia, o intelectual orgânico ou a estrela literária.
O que distingue uma elite intelectual em um sentido estrito não é o poder político, mas a capacidade de desenvolver uma crítica, de criar uma forma de ver, de pensar e de ser, reside na força reformadora e transformadora das linguagens e a consciência de uma sociedade.
Nesse sentido, hoje vivemos em uma era anti-elitista, um anti-elitismo que se crê democrático, mas na realidade recolhe o pior da herança anti-intelectual dos velhos fascismos. Vivemos em uma era na qual o papel educador e orientador dessas elites intelectuais tem sido tomado e monopolizado pelo burocrata acadêmico, pela estrela da mídia, pelo agente editorial, pelo administrador político.»
Acho que não conseguiria resumir melhor o tema!
sexta-feira, 21 de março de 2008
O renascimento do anti-intelectualismo - I
Começa hoje em Minneapolis, no Minnesota, a American Atheist Conference 2008 em que Richard Dawkins será um dos oradores. PZ Myers, o biólogo que mantém o meu blog de ciência favorito, o Pharyngula, convidou Dawkins para assistirem ontem à noite a uma premiére do zénite da desonestidade intelectual dos criacionistas, o filme Expelled.
Myers, a família, Richard Dawkins e os membros da Dawkins Foundation estavam na fila para o teatro quando Myers foi reconhecido e ... foi expulso, isto é, foi impedido sob ordens explícitas dos produtores de assistir ao filme. A ironia máxima é que embora tenham expulsado PZ Myers, um dos cientistas americanos mais vocais a denunciar as imbecilidades criacionistas, Dawkins assistiu ao filme para o qual foi ludibriado a colaborar (assim como PZ Myers).
Acho divertidissimo que aqueles que investiram milhões de dólares para denunciar a «expulsão» de Deus e de todos os «esforçados» criacionistas das aulas de biologia em escolas públicas se achem no direito a expulsar de um teatro um dos «actores» que enganaram descaradamente para figurar no filme. Mas claro, este tipo de comportamento é completamente coerente com a linha de acção criacionista assim como o que se seguiu: como pensam que todos se comportam como eles, vandalizando e agredindo os que não seguem as suas crenças, devotaram-se a deturpar o que na realidade se passou, presenciado e testemunhado por outra blogger norte-americana, a autora da foto que ilustra o post.
Um jornalista do Orlando Sentinel que viu o filme faz uma análise do mesmo que recomendo vivamente. Alguns excertos do artido explicam porquê:
«He uses "straw man" tactics to attack, mainly The Origin of the Species, as Darwin wrote it in 1859. That's like a music critic reviewing "the latest" by only referring to Edison's wax cylinders. He sets up false theses that "the other side" must hold (classic Limbaugh, putting lies in the other fellow's mouth, then calling him a liar) and knocks those straw men down. Citing scientific research as recent as 1953, he can't understand why no peer-reviewed scientist thinks his "fairytale" version of the emergence of life is worth his or her time. No, not having a definitive answer about the moment life began...YET...is damning enough for Ben.
Most despicably, Stein, a Jew, invokes the Holocaust, making the Hitler-was-a-Darwinist argument, this AFTER he's used the Holocaust denier's favorite trick, probabilities, "math," to show how remote the chances are that life was created by natural, not supernatural processes.(...)
Animation, similar to that used in Columbine, makes its mock points about how science comes to conclusions and how the culture is structured to accept them. Snippets of The Wizard of Oz, Inherit the Wind and other films (if this polished, credited, scored film is indeed "unfinished," it may be from unresolved rights-clearance issues) to make his points funny. Not really. The Stalin and Soviet and Nazi clips are used in a not-quite-subliminal seduction way to demonize the people who might hold a contrary view.
But all the creative editing in the world only appears to let Stein hold his own with noted British scientist and atheist Richard Dawkins, whose words can be twisted to suggest that "aliens" seeded life on Earth, or at least that's more likely than anything in the Bible being literally true about creation. That's still a more rational explanation than any Stein, being a veteran Republican persuader/operator, offers. Does he really believe the blather he tosses out here? Introducing the movie at the church screening I attended, he had to trot out some nonsense about living in Malibu but not among "the stars. The REAL stars are fighting and dying for our freedom in Iraq and Afghanistan."
Ok. Know your audience, if you're a speech-writer (He used to work in the Nixon White House). Pander, baby, pander.»
O «Know your audience» do jornalista é a constatação de um facto: o apelo ao anti-intelectualismo por parte dos criadores de Expelled, patente na descrição do filme por parte dos que tiveram o desprazer de o visualizar, encontra eco em muitos e não apenas nos Estados Unidos.
Este apelo, implícito ou explícito, é cada vez mais recorrente um pouco por todo o mundo, curiosamente misturado com apelos à autoridade quando dá jeito, isto é, para «provar» que determinada opinião é válida, cita-se os especialistas/intelectuais apropriados. Quando os não há, recorre-se à máxima «Também tenho direito à minha opinião» ou acusa-se o interlocutor de elitista, de há uns anos para cá um piores insultos no léxico de vários países.
De facto, elitista ou de elite tornou-se um insulto em tempos recentes, nomeadamente em termos de educação. Vale a pena ler o artigo The Dumbing Of America, de Susan Jacoby, em que a directora do The Center for Inquiry- New York (formado para promover o uso da razão) explica como uma venenosa mistura de antirracionalismo e ignorância ultrapassa as previsões mais apocalípticas sobre o futuro da cultura dos EUA. E explica também como «É quase impossível falar sobre de que forma a ignorância da população contribui para graves problemas nacionais sem ser rotulada de 'elitista', um dos mais poderosos pejorativos».
O ressurgimento dos movimentos criacionistas - com argumentos tão obstinadamente infantis e cretinos que exasperam o mais paciente cientista - não pode ser visto isoladamente mas deve ser entendido num contexto mais alargado, que já abordei no post «Polícia da Palavra» que terminei:
«Cada vez que ligo a televisão, as telenovelas, concursos imbecis e imbecilizantes, big-brothers e quejandos, Maya's e demais vendedores de banha da cobra, fazem-me pensar na sociedade retratada em Fahrenheit 451. A diferença essencial é que não é necessário queimar livros, estes colectam pó nas prateleiras das livrarias, com excepções que são muitas vezes instrumentos que cumprem a mesma função dos «bombeiros» do mundo de Bradbury: a construção de um mundo «ideal» onde ser acéfalo e ignorante constitui a mais prezada virtude...»
No livro Susan Jacoby argumenta que:
«Ao longo da nossa cultura, o desdém pela lógica e pela evidência foi alimentado pelos infotainment media da televisão à Web; fundamentalismo religioso anti-racional e agressivo; educação pública de baixa qualidade; a politização dos próprios intelectuais; e - acima de tudo - um público preguiçoso e crédulo cada vez desinteressado ou incapaz de distinguir entre facto e opinião.
Finalmente, a autora argumenta que o governo anti-racional não é o produto de uma conspiração maquievélica de 'Washington' mas é o resultado inevitável de 'uma crise profunda de memória e conhecimento' que deixou muitos cidadãos comuns e os seus representantes eleitos sem as ferramentas intelectuais necessárias para boas e sólidas decisões públicas. A questão que se deve pôr não éporque razão os políticos mentem ao público mas porque razão o público é tão receptivo e passivo quando ouve as mentiras».
Uns meses depois do «Polícia da Palavra», a expulsão de PZ Myers do cinema fez-me pensar que este é um tema que importa retomar. Porque o que Susan Jacoby escreveu no seu último livro não se restringe aos Estados Unidos...
sábado, 26 de janeiro de 2008
Estudante de jornalismo condenado à morte por download de material «blasfemo»

O jovem, que escreve para o jornal Jahan-e Naw (Novo Mundo), foi condenado pelo «Conselho dos Eruditos Religiosos» da província de Balkh, pelo «crime» de imprimir um artigo (da Internet) que apontava alguns versos do Corão particularmente nocivos para os direitos das mulheres. Ficou bem estabelecido que Kambakhsh não é o autor do artigo que conclui que Maomé ignorava os direitos das mulheres.
O Instituto para o Jornalismo na Guerra e na Paz (IWPR), um grupo não governamental que ajuda a treinar jornalistas em locais problemáticos, acusou as autoridades de condenarem Kambakhsh como forma de retaliação sobre o seu irmão, que denunciou em publicações do IWPR abusos cometidos por pessoas influentes em Balkh e outras províncias no norte do Afeganistão.
Em 2005, Ali Mohaqiq Nasab, um intelectual islâmico progressista, foi condenado a dois anos anos de prisão igualmente pelo crime de blasfémia. Alguns clérigos locais acusavam Nasab de ter publicado na revista de que era editor dois artigos anti-islâmicos e insultuosos. Os blasfemos, anti-islâmicos e insultuosos artigos em questão questionavam o castigo atribuído a mulheres adúlteras, 100 chicotadas, e a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas.
Embora a constituição afegã garanta a liberdade de expressão (e se afirme defensora dos direitos humanos), a lei da imprensa no Afeganistão, assinada pelo presidente Hamid Karzai em Março de 2004, proíbe conteúdos considerados insultuosos ao Islão. Quando a lei foi assinada, o governo afegão afirmou aos jornalistas que estes só poderiam ser detidos ao abrigo desta lei com a aprovação de uma comissão de 17 membros, que supostamente deveriam incluir representantes governamentais e jornalistas.
No caso de Ali Mohaqiq Nasab, esteve envolvido apenas o tribunal principal de Cabul e não houve qualquer comissão a apreciar o caso excepto o conselho dos clérigos islâmicos. Nas palavras do juíz presidente Ansarullah Malawizada, Nasab foi encarcerado porque «O Conselho dos Ulamas enviou-nos uma carta dizendo que ele devia ser punido e por isso foi condenado a dois anos de prisão».
No caso presente, o condenado não escreveu o artigo «ofensivo» pelo que de acordo com Abdullah Attaei, um perito em Sharia que estudou na universidade Al-Azhar no Cairo, uma das universidades mais antigas do mundo, o veredicto não está sequer de acordo com a lei islâmica.
O juiz principal do tribunal que condenou o jovem, afirmou à agência Reuters «De acordo com a lei islâmica, Sayed Perwiz é condenado à morte no primeiro tribunal.
No entanto, ele será submetido a mais três julgamentos que decidirão a pena final».
No entanto, considerando que o procurador da província de Balkh, Hafizullah Khaliqyar, avisou os jornalistas de que seriam presos se tentassem apoiar Kambakhsh ou manifestar-se contra a sentença, não tenho muitas dúvidas sobre o desfecho do caso se a comunidade internacional não se mobilizar. Os interessados podem encontrar informações sobre formas de o fazer no blog da iraniana Maryam Namazie e na página dos Jornalistas Sem Fronteiras.
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
“THE MEASURE OF A MAN”

Sidney Poitier, o jovem sedutor que eu conheci em Adivinhem quem vem para Jantar, esse belíssimo filme de Stanley Kramer, datado de 1967, publicou, aos oitenta anos, um livro de memórias, cujo título é The Measure of A Man: A Spiritual Autobiography (New York: Simon & Schuster, 2007)
Como não podia deixar de ser, aí conta como se tornou actor. É uma história magnífica em que a educação e a determinação de a conseguir ocupam o lugar central. Vale a pena pensar nela.
Sidney nasceu em 1924 em Miami e cresceu numa pequena aldeia das Bahamas, os seus pais eram agricultores e ele era o sétimo filho. Começou a trabalhar por volta dos doze ou treze anos para ajudar a família e passados uns três anos foi sozinho para a grande Nova Iorque. Depois de um ano no exército – para sobreviver ao duro Inverno da cidade, conseguiu alistar-se, usando o velho estratagema de declarar uma idade que ainda não tinha –, arranjou emprego a lavar pratos.
Um dia, teve conhecimento duma audição para actores de teatro e pensou que representar não deveria ser mais difícil do que o trabalho que fazia, e lá foi ao local indicado. Passaram-lhe o guião da peça para as mãos mas ele, que quase não sabia ler, só a custo soletrou as primeiras palavras. De imediato e com maus modos, o responsável pela selecção escorraçou-o.
Poitier refere que este acontecimento foi crucial na sua vida: contra todas as possibilidades, decidiu mesmo ser actor, percebendo, desde logo, que tinha de fazer qualquer coisa para isso. E o que fez? Juntou todo o dinheiro que pôde e comprou um rádio pequeno para ouvir e treinar a língua bem falada: escutava com particular atenção um certo locutor com pronúncia inglesa e repetia as suas palavras e frases. Um empregado judeu, muito mais velho, ao ver o seu interesse por aprender, ensinou-o a ler fluentemente e a escrever com correcção.
E foi assim que Sidney Poitier pôde começar a nascer para a arte de representar e para as aprendizagens que ela requer. Arte que assumiu com "dignidade, estilo e inteligência" e, por isso, lhe foi concedido um Óscar honorário, entre muitos outros prémios importantes que recebeu durante a sua carreira.
Poitier, pelo seu exemplo de vida, e neste livro, pela sua escrita, dá a entender que se considera, antes de mais, como um homem, ou, melhor, uma pessoa que, com toda a legitimidade, faz parte desse vasto grupo que é a humanidade, e isto sem renegar a pertença a outros grupos mais restritos com os quais também se identifica. Ou seja, dá a entender que, independentemente das características com que nascemos e do contexto em que nascemos, temos o direito fundamental de aprender. Dá a entender também que aquilo que aprendemos nos abre possibilidades de escolha, para sermos e fazermos aquilo que desejamos, ou seja, para sermos livres.
Para os leitores que desejarem aprofundar esta ideia, recomendo vivamente o livro do filósofo espanhol Fernando Savater, O valor de ensinar, que está publicado em Portugal pela editora Presença, em especial, o tópico Educar é universalizar (páginas, 102-116).
Imagens retiradas de:
http://www.lovefilm.com/lovefilm/images/products/4/6904-large.jpg
http://www.madisonpubliclibrary.org/madreads/wp-content/uploads/2007/03/sydney.gif
CENSURA E EDUCAÇÃO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL DURANTE AS DITADURAS DE FRANCO E DE SALAZAR
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