quinta-feira, 31 de julho de 2008
O ovo e a serpente
A edição de hoje da Nature inclui um artigo fantástico sobre a evolução dos dentes das serpentes, «Evolutionary origin and development of snake fangs», que PZ Myers analisa magistralmente no blog Pharyngula. Vale a pena ler o post e os comentários, especialmente os (muitos) esclarecimentos a dúvidas de alguns leitores prestados por um dos autores, o Venom Doc Bryan Grieg Fry.
Com ou sem profanações de hóstias, este post é um bom exemplo da razão porque PZ Myers continua de longe o meu blogger de ciência favorito:
«I keep saying this to everyone: if you want to understand the origin of novel morphological features in multicellular organisms, you have to look at their development. Everything is the way it is because of how it got that way, as D'Arcy Thompson said, so comprehending the ontogeny of form is absolutely critical to understanding what processes were sculpted by evolution. Now here's a lovely piece of work that uses snake embryology to come to some interesting conclusions about how venomous fangs evolved.»
Química revela quadro perdido de van Gogh
Terça-feira foi publicado online na revista Analytical Chemistry um artigo muito interessante intitulado «Visualization of a Lost Painting by Vincent van Gogh Using Synchrotron Radiation Based X-ray Fluorescence Elemental Mapping».
No artigo, uma equipa multidisciplinar envolvendo a Universidade Técnica de Delft, a Universidade de Antuérpia, o museu Kröller-Müller, o Centro de Investigação e Restauração dos Museus Franceses e dois aceleradores de partículas, o DESY em Hamburgo e o ESRF — Instalação Europeia de Radiação Sincrotrónica - em Grenoble, revelou o rosto de uma camponesa que durante 121 anos permaneceu escondido sob um «Pedaço de relva».
Van Gogh reciclava as suas telas pintando sobre elas obras diferentes - os especialistas consideram que até um terço das primeiras obras do artista ocultam outras composições. Investigações preliminares tinham revelado que esse era o caso do quadro «Patch of Grass», pintado em Paris em 1887 e exposto no museu Kröller-Müller, na cidade holandesa de Otterlo. As técnicas convencionais de raios-X utilizadas neste tipo de análise apenas permitiam ver sob as camadas de pintura mais superficiais vagos traços de uma cabeça, que se pensa poder fazer de uma série pintada por Van Gogh entre 1884-85, durante a estadia na aldeia holandesa de Nuenen em que pintou «Os comedores de batatas», completado em 1885 e considerado o seu primeiro grande trabalho.
Os cientistas resolveram então examinar pela primeira vez um quadro com radiação sincrotrão. Em Hamburgo, o quadro foi analisado por fluorescência de raios-X, técnica que permitiu revelar os pigmentos utilizados nas várias camadas de tinta e criar um modelo a três dimensões do esboço.
As camadas superficiais mostraram ser constituidas principalmente por tintas incorporando sais de zinco, bário e enxofre depositadas sobre uma camada uniforme de um sal de chumbo, que foi usado como um primário que escondeu a pintura anterior e preparou a tela para uma nova. Para esboçar a cabeça da camponesa, van Gogh utilizou cinabre, o sulfureto de mercúrio utilizado durante milénios como o pigmento vermelho de eleição. Para iluminar determinadas zonas da face, van Gogh reorreu ao amarelo de Nápoles ou amarelo de antimónio, Pb(SbO3)2/Pb3(Sb3O4)2, misturado com branco de zinco. A fluorescência do antimónio e do mercúrio permitiu recriar a cores e com uma precisão sem precedentes um esboço escondido.
Esta primeira reconstrução permitirá aos historiadores da arte entender melhor a evolução do pintor. A nova técnica de análise química abre o caminho para que o mesmo seja possível em relação a muitos outros artistas que ocultaram obras ao voltar a pintar sobre elas.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
Einstein e Picasso
O aparecimento da arte moderna é praticamente contemporâneo do aparecimento da teoria da relatividade. Atendendo a essa contemporaneidade (e não só...) alguns historiadores de ciência encontram paralelismos entre a teoria da relatividade restrita de Albert Einstein (1879-1955), que considera o tempo e o espaço ligados entre si e com medidas dependentes do observador, e o cubismo, movimento artístico que convencionalmente se inicia com “Les Demoiselles d’Avignon”, de Pablo Picasso (1881-1973), o quadro de 1907 patente no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque. É decerto possível encontrar convergências entre a relatividade e o cubismo. Ambos convergem no sentido em que vieram alterar radicalmente os conceitos estabelecidos nos respectivos domínios. Mas a convergência entre eles não se encontra apenas na transgressão das fronteiras estabelecidas. Arte e ciência, apesar de serem actividades humanas bem diferentes (a primeira associada ao subjectivo e a segunda ao objectivo), têm mais em comum do que normalmente se pensa: o processo de descoberta científico é normalmente favorecido quando ele se orienta por critérios de natureza estética. Pode dizer-se que “se é bonito, então deve ser verdadeiro” .
Vale a pena aprofundar o paralelismo entre a relatividade e o cubismo como um exemplo do paralelismo entre os processos criativos na ciência e na arte. Einstein e Picasso nunca se encontraram pessoalmente apesar de terem aparecido juntos na peça de teatro “Picasso e Einstein”, do norte-americano Steve Martin, que foi representada no Teatro da Trindade em Lisboa em 2005, quando se comemorou o centenário da teoria da relatividade restrita e de outos trabalhos de Einstein. O que têm em comum Einstein e Picasso, para além de terem sido contemporâneos e de serem os dois grandes génios?
Como via Einstein o mundo? Através de imagens. Einstein via o mundo físico com os olhos da sua mente antes de formalizar essa visão através de fórmulas matemáticas e de palavras. As imagens mentais precediam, segundo o próprio declarou, outras imagens. O jovem Einstein procurou responder à questão “como é o mundo visto por uma pessoa sobre um raio de luz?”, ou, uma vez que o próprio Einstein propôs no mesmo ano de 1905, que a luz é formada por um conjunto de grãos, os fotões, “como é o mundo visto por uma pessoa que acompanha um fotão?” Esta pergunta relaciona-se com outras, como por exemplo: “Se não se pode ir instantaneamente de um sítio a outro mas apenas, e na melhor das hipóteses, à velocidade da luz, o que significa dizer que dois eventos em sítios diferentes são simultâneos?” Einstein procurou responder a esta e a outras questões do mesmo género realizando experiências mentais (em alemão, “Gedankenexperimente”), isto é, experiências impossíveis de realizar na prática mas que se podem realizar mentalmente e cujo resultado deve ser unicamente determinado por um conjunto de axiomas de partida (os axiomas de Einstein eram apenas dois: “Todos os observadores devem reconhecer as mesmas leis da física” e “A velocidade da luz é constante”) e pela lógica matemática. Foi assim que nasceu a teoria da relatividade restrita, que veio resolver as contradições existentes entre mecânica e o electromagnetismo, duas teorias físicas que só aparentemente estavam bem estabelecidas. Einstein, para reter a teoria electromagnética dos britânicos Michael Faraday e James Clerk Maxwell, teve de rever a mecânica de Galileu e Newton. Foi a unidade das leis da física para todos os observadores – o hoje consagrado princípio da relatividade (na forma "As leis da física, incuindo tanto as do electromagnetismo como as da mecânica, são as mesmas para todos os observadores") – que esteve na base da revolução einsteiniana. Na ciência como na arte um princípio de concordância, ou, se se quiser, de harmonia é, muitas vezes, a mola impulsionadora. Se é bonito...
Mas saberia Picasso, o jovem nascido em Málaga, Espanha, que foi em 1895 estudar para Barcelona, alguma coisa acerca das imaginações do jovem Einstein nascido em Ulm, na Alemanha, e que foi em 1896 estudar para a Escola Politécnica de Zurique, na Suíça? Decerto que não directamente, mas talvez sim indirectamente através dos escritos do francês Henri Poincaré (1854-1912), um dos maiores matemáticos do século XX, que teria sido autor, ou pelo menos co-autor, da teoria da relatividade se tivesse sido mais ousado (embora não tão claro e completo como o artigo seminal de Einstein sobre a relatividade, um artigo de Poincaré sobre a dinâmica dos electrões precedeu, na sua versão abreviada, o artigo de Einstein por escassos três meses; porém, a versão longa, que não cita Einstein tal como Einstein não cita Poincaré, só apareceu cerca de um ano depois). Segundo o historiador de ciência norte-americano Arthur Miller, Poincaré seria a chave para compreender a eventual ligação entre Picasso e Einstein, entre a relatividade e o cubismo. No seu livro “Einstein, Picasso: Space, Time and the Beauty That Causes Havoc”, esse autor defendeu que os trabalhos de Poincaré, que já continham algumas reflexões sobre o conceito de simultaneidade e que já reconhecia a relevância das geometrias não euclidianas para descrever o mundo físico, terão estado na origem da primeira obra cubista. Foi um amigo de Picasso, o actuário francês Maurice Princet (1875-1973), que tinha bons conhecimentos de matemática, quem teria providenciado essa ligação. Um livrinho francês de divulgação do conceito da quarta dimensão (o tempo), já presente aliás no livro “Ciência e Hipótese” de Poincaré, saído em 1902, teria sido útil. A acreditar nesta tese, as ideias científicas sobre o espaço-tempo tiveram uma influência não desprezável sobre a criação de Picasso.
Contudo não se sabe ao certo se foi assim e provavelmente nunca o saberemos. Curioso é que “Les Demoiselles d´Avignon”, uma obra de arte fragmentada na qual parecem coexistir vários pontos de vista (o quadro, inspirado também por arte ou fotografia de mulheres africanas, representa cinco prostitutas não de Avinhão, mas da rua de Barcelona que tem o nome dessa cidade francesa) tenha aparecido dois escassos anos depois do artigo de Einstein que permite relacionar os pontos de vista de vários observadores físicos. Pode-se aqui com propriedade falar de “Zeitgeist”, o espírito do tempo. Ao contrário do que fantasia a referida peça teatral, os jovens Picasso e Einstein não se encontraram em 1904 ou noutro ano qualquer no café “Le Lapin Agile”, em Montmartre (Einstein visitou Paris em 1913 e 1922, mas não consta que tenha encontrado Picasso). Dizer se houve ou não uma interacção forte à distância entre Einstein e Picasso, através das interpostas pessoas de Poincaré e Princet, é por isso especulação. A criação artística tem os seus mistérios, que serão porventura ainda maiores do que os mistérios, já de si grandes, da criação científica...
O centenário do hélio líquido -I
O Museu Boerhaave em Leiden celebra com a exibição especial Jacht op het absolute nulpunt o centenário da liquefacção do hélio, cuja história foi resumida num artigo muito interessante no número de Março da Physics Today. O director do museu e curador da exposição, Dirk van Delft, explicita no artigo «Little Cup of Helium, Big Science» que o dia 10 de Julho de 1908, em que Heike Kamerlingh Onnes conseguiu produzir 60 ml de hélio líquido a uma temperatura de 4.2 Kelvin ou −269°C, marca o princípio da «Big Science» em física. Vale a pena ler o artigo do historiador de ciência, disponível em formato pdf aqui ou aqui para quem não tenha acesso à Physics Today.
O trabalho de Kamerlingh Onnes, que lhe mereceu o Nobel da Física em 1913, era baseado no trabalho de dois compatriotas igualmente galardoados com o Nobel da Física, J.D. van der Waals e H.A. Lorentz. Em particular, Onnes estava interessado em testar as teorias de Johannes Diderik van der Waals acerca da equação de estado de gases reais. Kamerlingh Onnes conseguiu assim «bater» (Sir) James Dewar que o ultrapassara na liquefacção do hidrogénio (20.3 K) em 1898 (e inventou no processo o que actualmente chamamos de Dewars ou termos). Com a liquefacção do hélio e a capacidade de liderança de Onnes, o laboratório de física de Leiden passou a ser «o local mais frio da Terra» e tornou-se o polo internacional da física de baixas temperaturas.
A razão porque Dirk van Delft considera que a Big Science em Física nasceu há 100 anos em Leiden pode ser melhor entendida se pensarmos que três anos depois de liquefazer o hélio pela primeira vez, Onnes descobriu que a resistividade eléctrica do mercúrio diminuia para zero quando o metal era arrefecido em hélio líquido, ou seja, a sua condutividade eléctrica tornava-se infinita a esta temperatura. Estava descoberta a supercondutividade!
Mas as surpresas reservadas pelo hélio líquido não se esgotam na supercondutividade. O Carlos já nos falou de Lev Landau a propósito doutro centenário, o do nascimento deste físico brilhante. Landau ganhou o Prémio Nobel da Física de 1962 pelos seus trabalhos sobre o hélio a baixas temperaturas, galardão igualmente conferido em 1978 a Pyotr Kapitsa. Kapitsa descobriu em 1938 que a viscosidade do 4He líquido cai abruptamente (108 vezes) a uma temperatura de 2.17 K, ou seja, descobriu que o isótopo mais abundante do hélio é um superfluido abaixo desta temperatura (ponto λ).
A superfluidez, a capacidade de um líquido fluir sem qualquer resistência que pode ser apreciada no vídeo, foi elegantemente explicada por Landau em 1941. O 4He comporta-se como uma espécie de condensado de Bose-Einstein (BEC), embora as suas propriedades não possam ser descritas quantitativamente pela teoria de Bose-Einstein uma vez que no estado líquido existem interacções entre as espécies, nomeadamente as forças intermoleculares conhecidas como forças de van der Waals, nomeadas em honra do cientista cujo trabalho motivou a primeira liquefacção do hélio.
A existência deste novo estado da matéria foi prevista por Einstein que extrapolou para átomos a estatística de Satyendra Nath Bose inicialmente proposta para fotões. Mas nem Einstein estava muito certo sobre os BECs como confirma uma carta que endereçou em 1924 a Ehrenfest:
«A partir de uma certa temperatura, as moléculas 'condensam' sem forças atractivas, isto é, acumulam-se a velocidades nulas. A teoria é atraente, mas haverá nela alguma coisa de verdade?»
A 5 de Junho de 1995, Eric Cornell, Carl Wieman e colaboradores dissiparam as dúvidas suscitadas por Einstein criando o primeiro condensado de Bose-Einstein. Este condensado de rubídio-87 foi conseguido por recurso a uma técnica que valeu aos seus inventores, Steven Chu, Claude Cohen-Tannoudji e William D. Phillips, o Nobel da Física em 1997. Quatro meses depois, Wolfgang Ketterle no MIT criou um condensado de outro metal alcalino, desta vez sódio-23. Cornell, Wieman e Ketterle foram recipientes do Nobel da Física em 2001 pela sua descoberta.
Mas o hélio líquido continuou a surpreender e 19 anos depois do Nobel de Kapitsa, o prémio foi novamente atribuído à descoberta da superfluidez do hélio, agora do isótopo 3He descoberta em 1972 por David M. Lee, Douglas D. Osheroff e Robert C. Richardson.
Enquanto o 4He é um bosão (segue a estatística de Bose-Einstein), o 3He é um fermião (segue a estatística de Fermi-Dirac) e assim não devia exibir superfluidez. Mas os bosões podem de facto condensar devido ao que justifica a supercondutividade descoberta por Kamerlingh Onnes. A supercondutividade é explicada pela teoria BCS, desenvolvida por John Bardeen, Leon Cooper e Robert Schrieffer (e lhs valeu o Nobel da Física em 1972). Basicamente a teoria diz-nos que embora os electrões sejam fermiões, em metais sobrearrefecidos combinam-se em pares de Cooper que por sua vez se comportam como bosões.
Em 1965, Anthony J. Leggett formulou uma teoria sobre a fase superfluida de fermiões, nomeadamente 3He, na revista Physical Review. Sete anos depois, meras semanas após a descoberta de Lee, Osheroff e Richardson, Leggett interpretou os novos dados na Physical Review Letters em que identifica o estado visto pelos seus colegas (que lhe deram previamente uma cópia do artigo). A explicação valeu-lhe o Nobel da Física em 2003, distinção que partilhou com Alexei A. Abrikosov e Vitaly L. Ginzburg por «contribuições pioneiras para a teoria de supercondutores e superfluidos».
Em resumo, há 100 anos que o hélio nos surpreende e há quem considere que nos pode surpreender ainda mais num futuro próximo, como iremos ver no próximo post.
terça-feira, 29 de julho de 2008
Grutas e nascentes no Verão
Informação recebida da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (na figura grutas de Mira de Aire):
Com o apoio do Programa Ciência Viva do Ministério da Ciência e Tecnologia a SPE organiza oito visitas geológicas a regiões cársicas:
- Grutas e nascentes do vale em canhão do Rio da Ota e de Alenquer;
- Grutas da Praia da Adraga e Pedra d?Alvidrar, com a serra de Sintra à vista;
- Passeio pela serra de Montejunto entre o Vale das Rosas e o anfiteatro de Pragança;
- Grutas e Nascentes de Porto de Mós;
- Do canhão da Caranguejeira, pelo menino do Lapedo, às fontes do rio Lis e ao Buraco Roto;
- Da Arriba Fóssil da Serra dos Candeeiros às Grutas e Nascentes de Chiqueda;
- As grutas que escondem as águas subterrâneas da Serra da Arrábida;
- As nascentes dos rios Almonda e Alviela e a água que forma as grutas e os tufos calcários;
Consulte mais pormenores em www.spe.pt .
Livros de Julho da Gradiva
Informação recebida da Gradiva:
AS GRANDES INICIATIVAS DA FUNDAÇÃO GULBENKIAN
As intervenções e o debate imperdíveis sobre um tema maior do nosso tempo.
OUTROS TÍTULOS DA COLECÇÃO
Que Valores para Este Tempo?
Terrorismo e Relações Internacionais
COLECÇÂO CIÊNCIA ABERTA
Keith Devlin, "Os Problemas do Milénio"
Os sete problemas que definem a situação da matemática contemporânea. Para matemáticos, físicos, engenheiros e todos os curiosos interessados na matemática. Este livro transforma cada problema numa revelação fascinante das questões mais complexas deste campo do saber.
«Ciência Aberta», n.º 173
COLECÇÂO FILOSOFIA ABERTA
Alexander George (org.), "Que Diria Sócrates?"
Filosofia viva! Filósofos do mundialmente famoso sítio da net AskPhilosophers respondem a perguntas sobre o amor, o nada e tudo o resto. Para todos, e em especial para os professores de Filosofia, que nele encontrarão um manancial de exemplos de muitos dos problemas filosóficos discutidos nas suas aulas.
«Filosofia Aberta», n.º 18
O MELHOR LIVRO PARA AS SUAS FÉRIAS
Michael Collins
Almas Perdidas
Muito especial: uma grande obra literária que é também um grande romance policial. Do mesmo autor da Gradiva de Os Profanadores e Os Guardiões da Verdade.
«Gradiva», n.º 124
Passatempo com prémio
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Números redondos
Os temas mais tratados têm sido:
- Livros 245
- Ciência (em geral) 236
- Divulgação da ciência 223
- Ensino 186
- História da ciência 133
- Química 121
- Política 113
- Biologia 98
- Religião 98
- Filosofia 96
- Tecnologia 95
- Criacionismo 77
- Etc. (incluindo arte, alimentação, dança, desporto, humor,...)
Estes temas e ainda mais vão continuar aqui a ser tratados!
Aquecimento global
Dos 13 episódios da série Cosmos, o episódio 4, Céu e Inferno, é certamente um dos mais marcantes. Com todo o carisma que o caracterizava, neste episódio Carl Sagan conta-nos como os monges de Cantuária foram testemunhas em 18 de Junho de 1178 de um impacto lunar que alguns cientistas pensam ser o responsável pela cratera Giordano Bruno. Uns séculos mais tarde, em 30 de Junho de 1908, uma explosão abalou a Sibéria, projectando árvores a milhares de quilómetros de distância e produzindo um estrondo que se ouviu em todo o mundo. O incidente deu origem a uma série de especulações, algumas completamente disparatadas como a que pretende que uma nave espacial extraterrestre teria sofrido um acidente nuclear. Carl Sagan examina os testemunhos e conclui que a Terra foi atingida por um pequeno cometa embora alguns investigadores, por exemplo William Napier e Victor Clube, pensem que ambos os fenómenos referidos por Sagan se devem à chuva de meteoritos Beta Taurid uma vez que coincidiram com o pico do fenómeno.
Voltando ao episódio Céu e Inferno, Sagan parte destas catástrofes naturais como ponto de partida para uma viagem até Vénus, explicando que não há evidências que confirmem a hipótese de Immanuel Velikovsky de que Vénus teria sido um cometa gigante. A atmosfera «infernal» de Vénus, com temperaturas dantescas devido ao efeito de estufa, foi utilizada por Sagan para alertar que o destino de Vénus pode ser um alerta para o nosso mundo. Sagan lança, em 1980, um aviso para a necessidade de medidas de protecção do nosso frágil planeta azul.
As alterações climáticas devidas a efeito antropogénico sobre que nos avisava há quase três décadas Carl Sagan estão certamente na ordem do dia mas as «paixões» que geram são por vezes contraproducentes para a necessária consciencialização de um problema muito complexo. O espaço de comentários do De Rerum Natura, muitas vezes inflamado pelo aquecimento global, não é excepção e, como sempre, embora as opiniões se possam dividir sobre a análise dos factos, não há melhor forma de abordar a questão que discuti-la com base nos dados disponíveis.
A Royal Society da Nova Zelândia emitiu recentemente um relatório sobre alterações climáticas, preparado por um painel de peritos em climatologia, que pretende exactamente elucidar a opinião pública esclarecendo as confusões que rodeiam o tema tornando «absolutamente claro quais são as evidências que indicam alterações climáticas e quais as causas antropogénicas (de origem humana) para essas alterações».
O relatório é melhor entendido se lhe juntarmos o gráfico reproduzido acima que discrimina as emissões de gases de efeito de estufa na Nova Zelândia em 2004. O relatório especifica ainda que «As concentrações atmosféricas de CO2, metano e óxido nitroso aumentaram 35%, 150% e 18% respectivamente desde 1750, aproximadamente».
De facto, parece que as atenções se centram apenas no CO2 e se esquecem os outros gases de efeito de estufa (GEEs).Assim, fala-se muito em CO2 e efeito de estufa sem se entender bem que quando se fala em equivalentes de CO2 isso não significa que o dióxido de carbono seja o único gás responsável pelas alterações climáticas. Na realidade, o gás mais importante, responsável por entre 36 a 66% do efeito de estufa, é o vapor de água. Mas muitos outros gases contribuem para reter a radiação infravermelha emitida pela Terra bastando para isso que as suas vibrações sejam activas no IV.
O potencial de aquecimento global - Global warming potential (GWP)- de um GEE é uma medida relativa que compara o gás em questão com a mesma quantidade de dióxido de carbono (cujo potencial é definido como 1). O potencial de aquecimento global tem em conta não só a «eficácia» na absorção de radiação IV de um determinado GEE como o seu tempo de vida na atmosfera. Assim, para efeitos de comparação é necessário indicar qual o intervalo de tempo em questão caso contrário a comparação não faz sentido. Por exemplo, o metano tem um tempo de vida de 12 anos (degradando-se em CO2 e água) pelo que apresenta um GWP a 25 anos de 72, valor que diminui para 25 se o período considerado for um século, o intervalo de tempo normalmente associado aos GWPs. Na tabela seguinte são indicados os gases listados actualmente pelo IPCC como os principais GEEs (embora pareça provável que a lista esteja incompleta...).
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De acordo com um relatório da FAO de finais de 2006, as emissões provenientes da pecuária geram cerca de 18% mais efeito de estufa que o sector dos transportes, produzindo, na altura, cerca de 65% do N2O e 37% do metano antropogénicos. O N2O é o gás hilariante na base do aviso de Paul Crutzen sobre a possibilidade de os biocombustíveis poderem agravar o efeito de estufa já que o óxido nitroso é formado na degradação bacteriana dos nitratos utilizados como fertilizantes.
Como as Nações Unidas avisaram na altura, é necessário repensar a pecuária (e quiçá o nosso consumo de carne...). De facto, o relatório da FAO indica que cerca de 30% do solo terrestre é usado como pastagem permanente e cerca de 33% das terras aráveis são utilizadas na produção de rações animais. De igual forma, a transformação de florestas em pastagens é uma das principais causas da deflorestação, especialmente na América Latina onde 70% de floresta amazónica foi transformada em pastagens. Por exemplo, cerca de 75% das emissões brasileiras de CO2 são provenientes das queimadas na Amazónia, realizadas principalmente para expandir a fronteira da pecuária (e em menor escala da cultura de soja). Como refere o relatório «O reino do Gado» publicado em Janeiro deste ano pela ONG Friends of the Earth (Amigos da Terra) :
«Quaisquer sejam os fatores de transformação e deslocamento das atividades agrícolas, a mudança no uso do solo na Amazônia é protagonizada pela pecuária. É na pata do boi que repercutem investimentos e alterações no consumo de alimentos ou de energia. (...) O Brasil ainda subestima as dimensões e as dinâmicas deste fenômeno».
Mais recentemente, as declarações de Nicolas Fabres, assessor de agroecologia da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), parecem indicar que pelo menos do Brasil os problemas foram identificados e que se tenta trabalhar uma solução, nomeadamente no que à desertificação diz respeito. De facto, um uso inadequado das pastagens acelerou em muitos locais, não apenas no Brasil, os processos de desertificação.
Mas não é apenas a produção de carne para alimentação que tem um impacto ambiental muito grande, a agricultura é responsável por emissões não despiciendas não só de N2O como de metano, sendo a cultura de arroz uma das principais fontes antropogénicas de metano. Actualmente são libertados entre 300 a 400 mil milhões de toneladas de metano com origem antropogénica que correspondem a uma contribuição para o aquecimento global equivalente a cerca de 1/3 da correspondente ao CO2. Entre 50 a 100 mil milhões de toneladas têm origem no cultivo de arroz.
De acordo com o Center for International Earth Science Information Network (CIESIN), em 2020 serão necessários mais 350 milhões de toneladas de arroz anualmente para alimentar uma população crescente, ou seja, ver-se-à um aumento de mais de 50% da produção actual e, consequentemente, um aumento equivalente nas emissões de metano.
Há cerca de 4 anos, o paleoclimatólogo David Beerling indicou que as temperaturas muito elevadas durante o Eocénico, altura em que o Árctico exibia um clima subtropical, muito parecido com o nosso, tinham pouco a ver com os níveis de CO2 da época, próximos dos actuais. De acordo com o cientista, os culpados pelo aquecimento global de há cinquenta milhões de anos foram o metano, o ozono e o N2O.
Como referiu o autor, «Por isso, mesmo que controlemos o problema do dióxido de carbono, podemos continuar em apuros graças a estes gases, que têm recebido muito menos atenção de políticos e activistas [e eu acrescento da opinião pública]. Essa é a verdadeira lição deste estudo».
No entanto, parece que a lição não foi bem entendida e Beerling repete o aviso no seu livro de 2007, «The Emerald Planet», um aviso que pode vir a demonstrar-se tão presciente como o de Sagan há quasi 30 anos:
«Nós estamos obcecados justamente com o dióxido de carbono mas claramente arriscamos neglicenciar outros perigos».
O Eduquês visto por Nuno Crato
O matemático e presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática Nuno Crato (NC) deu uma longa e muito interessante entrevista ao "Jornal de Negócios" (JN) de 25 de Julho passado intitulada "Caso dos exames de matemática foi gravíssimo". Transcrevo um pequeno extracto que retrata o nosso sistema educativo dominado desde há anos pelo chamado "eduquês":
"JN - É um atestado de menoridade ou de falta de confiança em quem gere as escolas?
NC - Felizmente tenho bastante liberdade porque estou no ensino superior. Se estivesse no ensino secundário sentir-me-ia bastante diminuído pela falta de liberdade. Acho que as pessoas sempre pensaram que o Ministério devia definir o programa, o horário... Nem sequer se questionam. O nosso país é muito dependente do Estado. Não é nada de inovador o que estou a dizer. Mas as pessoas, quando pensam em qualquer coisa, dizem logo: "devia legislar-se sobre isto ou sobre aquilo". Instalou-se uma simbiose - entre técnicos superiores do Ministério da Educação e departamentos da educação das universidades e escolas superiores de educação de pessoas que têm "a verdade". Têm a verdade que aprenderam há 30 ou 40 anos, aquilo a que chamo a pedagogia romântica e construtivista, uma sobrevalorização do Piaget, dos aspectos lúdicos e um menosprezo pela avaliação dos estudantes... Essa ideologia instalou-se e não há debate. Esta opinião, que é quase monolítica em Portugal, e que tenta dominar a educação a partir da 5 de Outubro, não existe nos EUA. Aquele livro que escrevi sobre o eduquês teve aquele impacto porque dentro do meio educativo muita gente não ousa discordar. Muita gente falou comigo e disse-mo, que pensava assim mas nunca tinha tido a coragem de escrever. Diziam-me "sabe, isto aqui é muito complicado", outra frase típica portuguesa. Agora, porque foi esta a ideologia que dominou e não outra?... Não sei explicar.
JN- Qual é o papel do professor no quadro dessa ideologia, que é uma ideologia "anti-racionalista"...
NC- Estou completamente de acordo com isso. Muita gente olha para esta ideologia romântica e construtivista como sendo uma ideologia de esquerda. Acho que não é, é uma ideologia transversal e existem exemplos de nichos de direita ou pessoas que foram levadas pela direita para o governo que fazem exactamente a mesma coisa.
JN- O Prof. Roberto Carneiro, por exemplo?
NC- Por exemplo. Há uma grande confluência entre o pensamento de Roberto Carneiro e pensamento de Ana Benavente, que vêm de quadros partidários completamente diferentes. Não pensemos que isto é a direita contra a esquerda. É um determinado pensamento pedagógico, que na minha opinião está completamente ultrapassado, que sempre foi irracionalista e que foi abarcado por muita gente por causa deste país pequenino em que é bom dar-mo-nos todos bem em em que começa toda a gente a pensar mais ou menos da mesma maneira quando surgem estas ideias. E os que estão contra são ostracizados.
JN- E como é que se sente o professor?
NC- O professor sente-se mal. A maioria dos professores, com quem eu tenho falado sobre isto, diz-me que se sentiu, durante muito tempo, oprimido. Porque lhe diziam para fazer uma série de coisas que ele não percebia nem achava realista fazer. E que agora está a perceber que não fazem mesmo sentido.
JN- Quer dar um exemplo?
NC- Por exemplo, diziam-lhe que se os alunos não gostavam de Matemática a culpa era dele porque não a tornava motivante. E o professor sentia-se mal. O problema é muito mais complexa do que torná-la motivante, isso só por si não resolve o problema. Mas, na realidade, acho que esta ideologia nunca foi aplicada na sala de aula. Ela faz o professor sentir-se mal, muitos professores tentam aplicá-la mas nunca foi realmente aplicada. Mas isso não interessa, porque conseguiu desorganizar o ensino. Porque conseguiu retirar objectivos de exigência ao ensino, introduzir nos programas uma série de erros pedagógicos graves, acabar com os exames, com a avaliação. E conseguiu desorganizar a actividade dos professores.
JN- Isto não faz com que estejamos a entrar na sociedade do conhecimento às arrecuas?
NC- Penso que sim. Estamos a entrar no século XXI em marcha atrás. (...) O quadro recente dos exames fáceis de Matemática enquadra-se nisto. Daqui a dez anos somos capazes de olhar para o que se passou nos exames este ano e pensar que foi das coisas mais negativas que aconteceu na educação nas últimas décadas. O que aconteceu este ano nos exames é potencialmente uma das coisas mais negativas na educação em décadas."
Vale a pena ler o resto...
Os 100 maiores intelectuais
- Noam Chomsky, EUA, linguista e activista político
- Richard Dawkins, Reino Unido, biólogo
- Jared Diamond, EUA, biólogo
- Howard Gardner, EUA, psicólogo
- Neil Gerschenfeld, EUA, físico e cientista de computadores
- Daniel Kahneman, Israel e EUA, psicólogo
- Bjorn Lomborg, Dinamarca, estatístico e cientista do ambiente
- James Lovelock, Reino Unido, cientista do ambiente
- Steven Pinker, Canadá e EUA, linguista
- V. S. Ramachandran, Índia, neurocientista
- Lee Smolin, EUA, físico
- Harold Varmus, EUA, médico e cientista
- J. Craig Venter, EUA, biólogo e empreendedor
- E. O. Wilson, EUA, biólogo
E, já agora, a lista de filósofos da lista:
- Kwame Anthony Appiah, Gana e EUA
- Daniel Dennett, EUA
- Alain Finkielkraut, França
- Juergen Habermas, Alemanha
- Martha Nussbaum, EUA
- Tarik Ramadan, Suíça
- Fernando Savater, Espanha
- Peter Singer, Austrália
- Charles Taylor, Canadá
- Slavoj Zisek, Eslovénia.
Não há nenhum cientista nem filósofo nem sequer qualquer outro intelectual português. De língua portuguesa há o sociólogo e político brasileiro Fernando Henrique Cardoso.
domingo, 27 de julho de 2008
Expresso, blog e filosofia
A marcha dos pinguins
A notícia surge pouco depois de um artigo de Dee Boersma ter feito a capa da edição de Julho/Agosto da revista BioScience. No artigo, a especialista em Biologia de Conservação da Universidade de Washington lança um alerta para o declínio das populações de pinguins. Estas estão a desaparecer mais rapidamente do que se podia prever, registando-se em muitas espécies um declínio na ordem dos 50 por cento nas últimas décadas.
Boersma conta como visitou Dumont d'Urville, a base francesa na Antárctica onde o filme «A marcha dos pinguins» foi filmado. Os pinguins imperador estudados no filme incubam os ovos no meio do inverno antárctico e os filhotes deixam o ninho no verão, em Dezembro, princípio de Janeiro. As alterações climáticas nesta zona do globo traduzem-se no facto de em finais de Setembro já não existir gelo numa altura em que as penas das crias ainda não desenvolveram a camada hidrofóbica que permite a sobrevivência da espécie nas águas geladas. Para além disso, nos últimos tempos o verão antárctico tem sido marcado por chuvas torrenciais que encharcam os filhotes. Como referiu este mês o National Geographic, as crias congelam durante a noite e muitos milhares estão a morrer.
Boersma estuda a maior colónia de procriação de pinguins-de-Magalhães em Punta Tombo, na costa atlântica da Argentina há cerca de 25 anos. Para além das alterações climáticas, a colónia é ameaçada por redes de pesca, turistas, e, principalmente, pela fome. As alterações nas correntes marinhas e a pesca desenfreada têm forçado os pinguins a deslocarem-se mais 60 km dos seus ninhos para encontrarem comida. Assim, de acordo com Boersma, a colónia, que tinha perto de 400 mil pares há pouco mais de vinte anos, está hoje reduzida a metade.
O padrão repete-se ou é ainda mais assustador noutros pontos do globo. Por exemplo, os pinguins da África do Sul, que utilizam dejectos de pássaros para fazerem os ninhos, diminuíram de 1.5 milhões de pares há um século para os actuais 63 mil pares devido à recolha do guano para fertilizante.
Nas Galápagos, onde existe a única espécie do hemisfério norte, um El Niño mais frequente está a empurrar a alimentação dos pinguins para longe da costa e a matar à fome a colónia. O número de pinguins decaiu para cerca de 2500, um quarto da população existente no arquipélago quando Boersma os estudou pela primeira vez na década de 70.
Muitas das espécies conhecidas de pinguins estão a ser afectadas, mais concretamente, de acordo com a União Internacional pela Conservação da Natureza, 12 espécies estão em algum tipo de perigo.
A organização lista três espécies como ameaçadas de extinção e sete como vulneráveis, o que significa que «enfrentam alto risco de extinção», e duas mais como «próximas da ameaça». Há apenas cerca de 15 anos, apenas entre cinco a sete espécies eram consideradas vulneráveis.
No artigo publicado este mês, Boersma alerta para o facto de os pinguins serem o proverbial canário na mina de carvão, isto é, podem servir de «sentinelas das mudanças radicais do planeta» e especialmente são sentinelas das «doenças» que afectam os nossos oceanos. A cientista considera que os 43 «pontos quentes» dos pinguins devem ser vigiados muito mais de perto já que as populações de pinguins permitem aferir a variabilidade e viabilidade dos ecossistemas oceânicos.
Boersma considera ainda que há uma necessidade urgente em determinar o impacto do crescente número de pessoas a viver em áreas costeiras nos habitats marinhos. De facto, a cientista considera que para além das alterações climáticas, a actividade humana está a hipotecar a sobrevivência dos pinguins devido a factores como a pesca comercial, os derrames de petróleo e o desenvolvimento desordenado das zonas costeiras. Isto é, «Este problema levanta uma questão, será que os humanos estão a fazer com que seja demasiado difícil que outras espécies coexistam?»
A cientista explica melhor o que pensa: «À medida que os peixes que os humanos tradicionalmente comem se tornam mais escassos, começamos a pescar o resto da cadeia alimentar e a competir mais directamente com organismos mais pequenos pela comida de que eles dependem», acrescentando que «Os pinguins são daquelas espécies que nos mostram que estamos a alterar profundamente o nosso mundo. O destino de todas as espécies é a extinção, mas há algumas espécies que se extinguem antes do tempo e estamos a encarar essa possibilidade com alguns pinguins».
Na opinião da cientista, o rápido aumento da população mundial, de 3 mil milhões de habitantes em 1960 para 6.7 mil milhões em 2005, com a perspectiva de um crescimento para 8 mil milhões em 2025 indica que:
«Nós esperámos muito tempo. É claro que os humanos mudaram a face da Terra e mudámos também a face dos oceanos mas não o podemos ver. Nós já esperámos demasiado tempo».
sábado, 26 de julho de 2008
A ORIGEM DA ESPÉCIE
Minha crónica no semanário "Sol" de hoje (a foto mostra o insecto encontrado):
sexta-feira, 25 de julho de 2008
O que é um comunicador de ciência?
Um comunicador científico é alguém que consegue fazer com que a ciência seja compreendida e apreciada por mais gente. Pode ser um cientista, que saiba de ciência e que não só goste de ciência como também goste que os outros gostem dela. Não quer a ciência apenas para si e para os que lhe estão mais próximos, mas também para os outros, para todos os outros. Quer que a ciência - o conhecimento do mundo e do homem - seja um bem comum e partilhado. Nem todos os cientistas têm que ser comunicadores de ciência, mas devem sê-lo aqueles que tenham gosto nisso e que o consigam fazer com gosto do público. Hoje em dia, essa actividade de comunicação é reconhecida como essencial para a ciência. A ciência para estar viva tem de estar viva no seio da sociedade.
Mas um comunicador de ciência não tem que ser um cientista. Pode também ser um jornalista ou um museólogo que saiba de comunicação e goste de comunicar ciência, servindo de intermediário entre os cientistas, os que fazem progredir a ciência, e os cidadãos, que são afinal os beneficiários últimos dela e que têm o pleno direito de saber os resultados da ciência assim como os métodos necessários para os alcançar. Sim, os métodos - onde entram à cabeça o rigor e o espírito crítico - são tão os mais importantes que os resultados pois estes são, pelo menos em parte, provisórios enquanto os métodos são, em grande medida, permanentes. São os métodos da ciência que permitem melhorar progressivamente os resultados. A ciência mais do que um conjunto de resultados é um conjunto de atitudes. A apropriação da ciência pela sociedade, incluindo tanto os resultados como as conclusões, é actualmente vista como essencial para a sociedade.
A boa colaboração entre cientistas e mediadores é fundamental para que o empreendimento de bem comunicar ciência tenha sucesso. Os cientistas podem aprender com os mediadores como se aproximar do público, tornando acessível o que parecia inacessível. E os mediadores podem aprender com os cientistas os conteúdos e as metodologias da ciência. O desenvolvimento da ciência e da sociedade depende da qualidade dessas relações.
Porque é hoje necessário, indispensável mesmo, comunicar ciência? Porque a ciência, embora haja muitas outras actividades humanas, é uma das actividades mais enriquecedoras do homem. É a ciência que nos permite compreender o mundo onde vivemos. É a ciência que nos proporciona resposta a grandes questões da humanidade como "Quem somos?", "De onde vimos?", "De que somos feitos?", "Onde estamos?", etc. Com as respostas ou o começo de respostas obtemos conforto intelectual. Por outro lado, de posse de algum conhecimento do mundo, podemos viver melhor nele. Ninguém poderia viver bem num mundo que não compreendesse minimamente. Sabendo como é o mundo e como somos nós nesse mundo podemos gozar de maior conforto material. Einstein tinha razão quando disse que a "ciência é a coisa mais preciosa que temos"...
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Um cartunista criacionista
“Boneco rebelde” é o título de um personagem de banda desenhada de 1939, que saiu da pena de um autor português de 17 anos, Sérgio Luiz. Infelizmente este autor pouco tempo teve para mostrar o seu talento pois faleceu passados quatro anos com tuberculose. Em homenagem a ele, “Bonecos rebeldes” é o nome de uma recente editora de banda desenhada, de José Manuel Vilela, que está a publicar esplêndidas edições de clássicos da banda desenhada como o "Tarzan" e o "Príncipe Valente".
Pois foi a “Bonecos Rebeldes” que editou recentemente um moderno clássico da banda desenhada, a “Geração Lasca. 50 anos de tiras” do desenhador norte-americano Johnny Hart (1937-2007). O título original era “Growing old with B.C.”, do nome "B.C." (iniciais de "Before Christ") da série em inglês, que saiu pela primeira vez em 1958, fazendo portanto cinco décadas este ano. Trata-se de uma série de tiras passadas no tempo da pedra lascada (o título português dado pelo tradutor Jorge Lima é particularmente feliz). Nelas há todo um conjunto de personagens originais, embora inspirados em amigos do desenhador (que é também co-autor de “O Feiticeiro de Oz”, uma série medieval em parceria com Brant Parker), que vivem situações de um humor por vezes absurdo que me divertiram imenso nas páginas de “A Capital” quando em Portugal havia esse vespertino. Os bonecos de Hart conheceram um enorme êxito, tendo sido publicados em mais de 1300 jornais de todo o mundo. O autor faleceu subitamente com um ataque cardíaco, a trabalhar na sua mesa de trabalho, quando o original do álbum retrospectivo da sua obra, agora saído em português, estava em produção adiantada. Não admira, por isso, que a família o recorde com saudade em depoimentos publicados no livro. Um neto com jeito para o desenho continua hoje o seu trabalho.
Tal como nos “Flinstones”, que são de 1960, e que a televisão tornou famosos, os bonecos humanos de Hart convivem alegremente com os dinossauros. Quando o cartune “B.C.” surgiu estavam na moda as bandas desenhadas pré-históricas, uma moda que se prolongou com o êxito alcançado junto do grande público e que me levou, nos anos 70, a criar um boneco dinossáurico (“Plunk”) amigo dos humanos que saiu primeiro a “stencil” no jornal dos estudantes do liceu e depois a “offset” no jornal dos estudantes da Faculdade. Apesar de simpatizar com o humor de muitas das tiras pré-históricas de Hart (um humor com certas semelhanças com o dos “Peanuts”, que está a conhecer uma edição sistemática em português) não posso, porém, deixar sem crítica algumas das posições pessoais do autor. Acontece que, numa altura avançada da sua vida e parece que por influência de canais evangélicos por cabo, Johnny Hart se tornou um cristão fundamentalista, o que o levou a defender posições criacionistas. Portanto, a convivência de humanos com dinossauros poderia ser para o autor mais do que um simples recurso humorístico...
Claro que qualquer artista tem direito à sua vida privada e às suas opiniões privadas. Mas o pior é quando põe a sua arte ao serviço da sua ideologia, o que em geral redunda em prejuízo da sua arte: nalguns cartunes do “B.C.” Hart passou definitivamente as marcas quando resolveu afirmar a superioridade do cristianismo em relação ao judaísmo - desenhou um candelabro judaico a transformar-se numa cruz cristã - ou até ridicularizar o islamismo - numa tira a palavra “slam” aparece ao alto e um personagem entra numa casinha de banho identificada por um crescente e diz: “É do meu nariz ou cheira aqui mal?”). Os protestos foram tais que o “Los Angeles Times” se sentiu obrigado a mudar alguns cartunes de Hart para as páginas de religião. A controvérsia marcou os últimos anos da vida de Hard, que tentou sem grande sucesso justificar-se. É caso para dizer: No melhor pano cai a nódoa!
quarta-feira, 23 de julho de 2008
"THÍASOS" OU A EDUCAÇÃO CLÁSSICA
Thíasos é o nome de um grupo de teatro universitário vocacionado para a representação dos clássicos, que está sedeado no Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
No ano em que se comemoram quinze anos de vida do grupo, falei com um dos responsáveis pelo seu surgimento, Delfim Leão, que é também encenador e actor. Na presente entrevista fala-nos da origem e percurso deste grupo, do trabalho desenvolvido e das pessoas que o constituem.
P: Comecemos pelo princípio, pelo nome do vosso grupo, o que significa Thíasos?
R: É um termo grego, que designa um grupo de adoradores de Diónisos ou, se preferirmos, os "companheiros de Diónisos", geralmente Sátiros e Ménades, que o acompanham na suas deambulações míticas. Sendo Diónisos o deus do teatro, o Thíasos acaba por ser também a "companhia teatral" por excelência.
P: Como é que o vosso Thíasos surgiu? Penso saber que o Delfim, ainda estudante, teve responsabilidade na sua criação…
R: Alguma terei tido, de facto, se bem que, inicialmente, nem eu nem os meus colegas finalistas fizéssemos ideia de que poderíamos vir a criar um grupo de teatro. Estávamos nos inícios dos anos 90. O nosso curso era muito unido, a ponto de termos criado já um grupo de música (o Carpe Diem), que, durante vários anos, deu espectáculos em Grego e Latim um pouco por todo o país, e ainda um jornal trimestral (o Sic Itur). Para comemorar um trajecto formativo que a todos nos envolvera muitíssimo, resolvemos realizar, no último ano, um congresso sobre O Amor desde a Antiguidade Clássica. Tínhamos pouquíssimos meios, mas com a adesão franca dos docentes e de outros colegas, conseguimos reunir cerca de 600 participantes. Entre os trabalhos do congresso, havia um espectáculo musical pelo Carpe Diem e uma apresentação parcial da peça O soldado fanfarrão de Plauto. A encenação esteve a cargo do Dr. Carlos Alberto Louro Fonseca, um docente já falecido que nos marcou muito a todos e teve um papel determinante neste despertar para o teatro. Entre as pessoas envolvidas na experiência, estavam três colegas de curso, que viriam a reencontrar-se alguns anos depois, como Assistentes, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: eu próprio, o José Luís Brandão e a Luísa Ferreira. A partir de então, a pragmática teatral passou a fazer sempre parte da nossa existência profissional e lúdica. A agregação de outros colegas docentes e o apoio de todo o Instituto de Estudos Clássicos foram determinantes para que o Thíasos surgisse formalmente e se afirmasse, mas também é correcto distinguir o empenho entusiástico que o Doutor José Ribeiro Ferreira colocou nesse projecto e na criação do Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico, que acaba de cumprir, este ano, a décima edição.
P: Os actores são estudantes, professores e funcionários da Faculdade de Letras de Coimbra, mas também aceitam pessoas de fora. Os únicos critérios que impõem são o gosto pelo teatro e algum tempo livre. Têm tido muitos candidatos?
R: Temos tido os candidatos necessários para garantir a manutenção do projecto nos moldes em que foi criado. A ideia é juntar, precisamente, todas as forças da academia, sem distinção de estatuto, e o Thíasos sempre funcionou dessa forma. Geralmente, estão envolvidas nas produções cerca de trinta pessoas e todos os anos é necessário substituir elementos que, entretanto, iniciaram a actividade profissional. Os docentes e funcionários ajudam a dar estabilidade ao núcleo central do grupo, mas há também antigos alunos que colaboram com o Thíasos há quase dez anos, contribuindo grandemente para firmar a sua identidade.
P: O grupo não se limita a encenar e representar as peças, faz também traduções e adaptações, trata dos cenários e dos adereços, concebe e executa os trajes… Há uma razão pedagógica para que assuma tantas tarefas?
R: Há, essencialmente, duas razões, ambas com incidência pedagógica. Em primeiro lugar, parece-nos muito importante que os elementos conheçam todas as frentes do espectáculo e alguns percorreram mesmo toda a “escola” – desde apoiar a logística do espectáculo, até trabalhar como actor, bailarino e, em alguns casos, traduzir a partir do original uma peça e testar as próprias ideias na encenação. Por outro lado, desenvolver todo o trabalho permite não apenas integrar pessoas que não têm apetência pela representação, como ainda ajuda a poupar recursos e estimula, igualmente, a própria investigação. Uma das linhas de investigação do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos corresponde, precisamente, à pragmática teatral, ao esforço para estudar e compreender o teatro antigo enquanto fenómeno cultural e lúdico no seu próprio tempo.
P: No que respeita à adaptação das peças, como espectadora tenho percebido que introduzem elementos contemporâneos, alguns deles populares, que obviamente não constam do original… Isso não incomoda os mais “puristas”?
R: O equilíbrio entre uma visão mais “arqueológica” do espectáculo ou uma abordagem mais livre e receptiva a fracturas é uma questão que se pondera sempre na altura de iniciar a dramaturgia e encenação. Cada produção é independente das restantes, mas a linha orientadora do Thíasos privilegia uma abordagem que procura aproximar-se do contexto de produção original. Ainda assim, há sempre um esforço de actualização, mais visível, de resto, na vertente “política” da comédia antiga. No entanto, também isso não deixa de estar de acordo com as características do teatro clássico, que não era um tipo de produção estática, dobrada à seriedade da palavra dita, mas antes um espectáculo em todas as frentes, com muita cor, canto e coreografias visualmente complexas. Não nos esqueçamos de que o termo theatron nos remete para a ideia de “ver” e que a orquestra (um ponto central na arquitectura do teatro antigo) ou o coro acentuam, na própria etimologia, a presença da música e da dança.
P: Ao longo de uma década e meia, quantas peças já representaram?
R: Cerca de dezena e meia. Geralmente, temos em cena duas ou três peças ao mesmo tempo, mas o usual é manter em cartaz a produção do ano anterior e conceber um espectáculo de raiz cada ano, que serve de ocasião, precisamente, para dar mais formação e integrar novos elementos no grupo.
P: Neste ano apresentaram as Vespas, numa tradução de Carlos Jesus, cujo enredo é actualíssimo. A ligação com o presente é um dos critérios de escolha das peças que levam à cena?
R: Não propriamente, nem isso é necessário. Por norma, o teatro clássico tende a ser intemporal e, por conseguinte, é sempre possível ao público fazer uma leitura da representação que, uma vez despida de alguns referentes de época mais datados, nos surpreenda pela evidente actualidade. Foi isso que permitiu aos autores clássicos continuarem a ser representados e apreciados ao longo de vinte e cinco séculos de existência.
P: Diria que a cultura clássica é sempre actual?
R: Sem dúvida. Constitui um património cultural que faz parte da nossa própria identidade e quem visita com frequência os autores antigos está constantemente a ser surpreendido pela sua espontânea modernidade. Os meios à disposição do ser humano conheceram grandes inovações, mas a humanidade em si continua basicamente a mesma e, pesem embora as inegáveis conquistas, em alguns aspectos até está pior. Mas o Mito das Cinco Idades de Hesíodo já dizia isso mesmo – há quase trinta séculos!
P: O grupo tem um autor preferido?
R: Não, pois já encenámos Ésquilo, Sófocles, Eurípides, Aristófanes e Plauto. Fizemos também algumas adaptações, como por exemplo da obra poética de Marcial, e já abordámos por duas vezes o grande clássico português – Gil Vicente. Todavia, entre os grandes autores dramáticos, ainda nos faltam Menandro, Terêncio e Séneca, de maneira que o Thíasos pode continuar a propor novos espectáculos durante várias dezenas de anos, sem nunca repetir nenhuma obra. Procuramos, sobretudo, intercalar, em termos de produções, a comédia com a tragédia, de forma a termos sempre em cena espectáculos com natureza bastante distinta.
P: Sendo muito débil a cultura clássica da nossa população e apostando o grupo na representação, não só em cidades onde há um público mais escolarizado, mas também em terras do interior, como têm sido recebidas as vossas peças?
R: Ao longo destes anos, as nossas produções já foram vistas por cerca de 25.000 espectadores. Se juntarmos as performances integradas no Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico, então o número mais do que duplica. Há, portanto, uma receptividade bastante boa e que aumenta de ano para ano, fidelizando público. Em média, cada performance tem cerca de 200 espectadores, o que é um número bastante elevado para teatro. Se atendermos a que, por norma, distribuímos também um livro-bilhete com o texto representado, dá para ter uma ideia do esforço formativo que o grupo tem vindo a desenvolver junto da população em geral.
P: Desde há muito que apostaram também nos palcos internacionais. Nesse contexto, como são recebidos?
R: Até agora, demos por várias vezes espectáculos em Espanha, França e Itália. É certo que a língua é uma barreira, mas o retorno do público tem-nos mostrado que, apostando num espectáculo bem ritmado e expressivo, o resultado pode ser muito bom.
P: Além do teatro, o grupo dedica-se também à poesia… Quando e porque é que a poesia surgiu no vosso projecto?
R: No mundo antigo, o teatro, a música, a dança e a poesia são expressões artísticas extremamente próximas e conviventes. Assim, a aposta em recitais surgiu como uma expansão natural das actividades do grupo, sendo que alguns elementos se dedicam, em particular, a essa vertente. Seria incorrecto não reconhecer, porém, que a motivação para os recitais tem partido muitas vezes do Doutor José Ribeiro Ferreira (ele próprio poeta e leitor entusiasta da poesia), em articulação com iniciativas várias, em especial as chamadas Terças-feiras de Minerva.
P: Como professor e investigador, como encara o Delfim a tendência para afastar a cultura clássica dos currículos escolares?
R: A obsessão por valorizar estatísticas que disfarcem o insucesso decorrente de más políticas educativas leva a que os programas se concentrem excessivamente na actualidade mais recente ou nas tecnologias de informação e comunicação. Desta forma, tudo o que remeta para um passado mais remoto ou pressuponha uma aprendizagem mais exigente (as línguas clássicas, tal como a literatura ou a própria matemática) tende a ser desvalorizado ou mesmo suprimido. É um erro enorme confundir sucesso com facilitação excessiva ou o acesso rápido à informação com superficialidade na aprendizagem. A antiguidade clássica, na vertente cultural e linguística, pode, a par de outras matérias, dar um auxílio precioso na criação de estruturas identitárias estáveis e no desenvolvimento de métodos de trabalho e de reflexão. Também é necessário adaptar metodologias, matérias e objectivos, mas essa é a resposta que os classicistas estão dispostos a dar à sociedade, desde que a sociedade não seja impedida de aceder a este tipo de conhecimento fundacional.
P: Partilha a opinião de George Steiner de que uma civilização sem os seus clássicos não tem futuro?
R: Uma civilização que não tenha consciência do seu passado, das suas raízes linguísticas, do seu património cultural, em suma da própria natureza matricial, não pode obviamente ter futuro, pois está condenada a andar numa constante deriva identitária. Já Homero nos dizia isso, ao fazer Telémaco sair de Ítaca, em busca do pai. Não bastaria ao jovem ser Telémaco, para se afirmar como pessoa: precisava de ser Telémaco – o filho de Ulisses.
terça-feira, 22 de julho de 2008
O lugar único
"Um velho amigo e poeta – Rui Caeiro - enviou-me mais um livrinho, daqueles que não andam aí, em resmas, pelos sucessos do mundo: Pranto por Vila Viçosa.
Rui Caeiro é um poeta e prosador de qualidade, apreciado por uns tantos amigos exigentes. Que toda a vida andou à volta de livros, mas que a partir da reforma começou a colaborar com um entusiasmo adolescente com Victor Silva Tavares, no &etc. Lírico moderado e ácido quanto baste, tem livros de pensamentos, subtis, profundos e desencantados, que nos deixam suspensos de certas ressonâncias, mas nada carteseano, todo intuitivo. Na poesia é dum seco lirismo, que se disfarça, mas de cuja secura não convence porque andam, nas suas poesias, objectos cortantes pelo meio de campos abertos e luminosos ou cheios de papoilas berrantes. Estão a ver o estilo? O livro dos afectos, Sobre a nossa morte, não muito obrigado, Baba de caracol, O toureiro de Deus, Olhar o nada, ver a Deus, O que é isto? , Mis amigos, Sobre Deus, sobre o magno problemas de deus, Gatos e homens, e outros.
Quis agora ajustar contas com a sua terra natal: Vila Viçosa. Daí este “pranto”. E a palavra, só por si, é de morrer, pela beleza naquele título, pela saudade que não se quer dizer, mas se diz ainda mais, Se tudo aquilo de que se fala está já morto, que mais há a fazer que prantear? O que se pode fazer em relação à terra natal, a partir de certa idade, sobretudo se a vemos de longe através das memórias? Com o tempo a gente tem que acertar contas, bem o percebo. E a realidade de uma povoação, a da nossa infância, que estava no centro do mundo, que era o próprio mundo e, nesse sentido, não podia ser mais bela nem mais perfeita nem estar melhor situada; e tanto que nos parecia até não poder ter sido feita de outra maneira, de tal modo as coisas estavam dispostas e colocadas e dependentes umas das outras.
Terras da nossa infância, onde há outras assim? Aldeias encastoadas nas serras de Portugal; vilas, umas mais airosas a brancas, adormecendo ao sol do Sul, outras mais toscas a desembaraçar-se a custo dos cabeços; bairros, largos das cidades, onde crescemos, ficam, para o resto da vida, como os lugares que não podiam ser de outro modo. Os lugares únicos, os sítios insubstituíveis.
E onde as pessoas, aquelas pessoas que lá viviam, com as suas caras, os seus tiques, os modos como andavam e falavam, as suas demências, às vezes, estavam de tal modo ligadas às coisas que não eram possíveis noutros lugares. E se acaso, por uma estranha ocorrência, um dia as víamos noutro sítio, ou desempenhando funções diferentes, não as reconhecíamos, ou sentíamos que havia ali um profundo engano. E que era preciso emendar rapidamente, pois as próprias pessoas pareciam outras, embora na mesma pele, eram e não eram e isso não soava bem.
Enfim, já se sabia, fomos feitos também à imagem dos sítios, (casas, ruas, largos, sons de sinos, jogos, gritos e correrias) e que dessa ligação profunda não nos podemos libertar porque seria ficarmos sem rosto, sem alma e sem organização mental."
LIVROS DE VERÃO
Num prospecto, da Bertrand, intitulado "Viagens de Verão!" e subintitulado "... deixe-se levar por um livro..." é em vão que procuro, nas suas 24 páginas, por um livro de ciência para ler no Verão. Eu só queria um, mas para quem fez a selecção é pedir demais. O mais parecido que encontro é "A Verdade sobre os Alimentos" (de Jill Fullerton-Smith, Presença; guião de uma série da BBC sobre nutrição) e "Ghostwalk- Na pista de Newton" (de Rebecca Stott, Difel; ficção baseada na vida de Newton). Mas, se em vez de ciência, eu quiser pseudo-ciência e outros delírios, então a escolha é vasta: Deepak Chopra pontifica com "A Sabedoria do Mago" (Pergaminho) e "O Livro dos Segredos" (Estrela Polar), mas há também "O Poder Curativo da Água", de Maratu Emoto (Estrela Polar), "A Sabedoria de Oprah", de Lisa Ashton (Ésquilo) e "Mais Luz" de Alexandra Solnado (Pergaminho). Este último, com o o subtítulo "Pergunte. O Céu Responde", é particularmente delirante pois, segundo o prospecto, para "encontrar a resposta a uma questão que o assole, basta retirar dois símbolos do conjunto de caracteres aramaicos que acompanha este livro. Consoante o desenho traçado por estes símbolos, irá receber uma mensagem de Jesus acerca da questão colocada".
Não é este, porém, o livro que mais me surpreendeu. Este galardão é ganho pela obra "Goodlife! The Discount Book" (Livros do Brasil), assim mesmo com o título em inglês e tudo. Contém "ofertas especiais de grandes marcas" e promete "mais de 11 000 euros de descontos por apenas 25". Suponho que as páginas são para rasgar. Isso sim é que é literatura de férias!
Abelhas e conservação da Natureza
Os Estados Unidos, mais especificamente a Califórnia, são responsáveis por cerca de 80% da produção mundial de amêndoas. As amendoeiras são totalmente dependentes das abelhas para polinização e o sucesso da colheita do ano passado foi em grande parte assegurado por milhões de abelhas importadas. De facto, as abelhas são responsáveis por cerca de 30% dos alimentos produzidos nos Estados Unidos mas nos últimos anos os apicultores americanos têm tido dificuldade em encher de colmeias os camiões com que percorrem o país. Assim, esta e outras culturas estão em risco se não se travar o desaparecimento em massa de abelhas.
Até há uns anos, a varroose era o principal problema da apicultura ocidental, nomeadamente da norte-americana. A parasitose provocada pelo ácaro Varroa destructor, detectada em 1987 nos Estados Unidos, era só por si um problema preocupante para a sobrevivência das colmeias mas recentemente a esta adicionou-se uma doença misteriosa baptizada Colony Collapse Disorder, CCD, que tem devastado as abelhas nos Estados Unidos. Em 2007, alguns apicultores perderam 90% das colmeias embora a média nacional tivesse sido de 31%. Entre Setembro de 2007 e Março de 2008, desapareceram 36% das abelhas.
O desaparecimento das abelhas tem sido alvo de investigação intensiva por parte da comunidade científica. Em Setembro de 2007, a revista Science publicou um artigo de um consórcio de cientistas norte-americanos, com a entomóloga Diana Cox-Foster como primeira autora, que apontou como principal suspeito da CCD o IAPV (Israeli acute paralysis virus), um virus descoberto em Israel em 2004.
Os pesquisadores recorreram à sequenciação genética dos microrganismos encontrados nos intestinos de abelhas recolhidas em colmeias afectadas e colmeias «sãs» durante um período de três anos. O IAPV foi o único microrganismo presente em quase todas as amostras extraídas de colmeias afectadas.
Ian Lipkin, director do centro de infecção e imunologia da Universidade Colúmbia explicou na altura que este vírus «poderia ser a causa potencial» da mortandade mas ressalvou que poderiam existir outros factores associados e que «A nossa próxima etapa consiste em determinar se este vírus é a única causa do fenómeno de despovoamento em massa das colmeias». De facto, como revelou Jeffery Pettis, entomologista do ministério americano da Agricultura e outro dos autores do estudo na Science, «esta pesquisa revela uma boa pista , mas é pouco provável que o IAPV seja a única causa».
Uma das indicações de que outros factores estão em jogo provém das abelhas importadas da Austrália desde 2004 que mostraram terem sido infectadas pelo IAPV mas não desenvolviam o CCD. O facto de as abelhas australianas não serem infectadas pelo ácaro Varroa parece indicar que os pesticidas utilizados para controlar a varroose podem ter um efeito sinérgico não despiciendo na CCD.
Esse possível efeito sinérgico é corroborado pela investigação que se seguiu e que consistiu na introdução do IAPV em colónias saudáveis (num ambiente controlado). Ao fim de um mês, as colónias infectadas tinham declinado acentuadamente e muitas tinham perdido as rainhas. Mas a equipa de Diana Cox-Foster indica que estes resultados não apontam inequivocamente para o IAPV como único culpado já que detectaram dezenas de pesticidas, muitos deles tóxicos para as abelhas, na análise do polén, cera, abelhas adultas e larvas das colónias afectadas.
A Xerces Society tem uma lista de insectos polinizadores em risco de extinção apenas nos Estados Unidos. Como referem, «Para muitos animais, incluindo a maioria dos pássaros e mamíferos, existe e é acessível a informação básica que permite a identificação de espécies que precisam de conservação. No entanto, para os insectos que fornecem o serviço vital de polinização essa informação está muitas vezes escondida em ficheiros científicos ou não existe de todo».
Esta falta de informação não se restringe aos insectos polinizadores, na realidade não há grande informação sobre invertebrados em risco, apesar de os invertebrados corresponderem a cerca de 94% das espécies animais que partilham connosco o planeta Terra.
De facto, tal como em relação aos batráquios, pouco ou nada se fala na extinção e declínio de invertebrados ou quando se fala é apenas para referir a necessidade da erradicação de espécies nocivas ao homem. Mas a sua abundância reflecte o enorme impacto ecológico destes organismos francamente pouco atraentes e «vendáveis» para o grande público. Como refere a Xerces, é necessário educar a opinião pública para o valor extraordinário dos invertebrados embora seja pouco provável que se desenvolvam afinidades por uma minhoca semelhantes às que os pandas, por exemplo, despertam. Urge no entanto que todos percebam que os problemas de conservação da vida animal não se restringem a baleias, pandas, linces e afins.
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
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Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
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Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
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Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...