segunda-feira, 7 de julho de 2008

Em defesa dos exames nacionais


Em defesa dos exames nacionais é o título de um artigo de opinião de Carlos Corrêa publicado no Ciência Hoje. No artigo, o professor jubilado de Química refere que «Se se deseja aumentar o sucesso escolar, e não o “sucesso escolar estatístico”, os alunos e professores devem saber que o exame se destina a avaliar o que os alunos aprenderam (que tem de resultar, em especial, do seu esforço) e o que os professores ensinaram».

Olhando, por exemplo, para o exame nacional de Física e Química A, vemos que, aparentemente, foi o «sucesso escolar estatístico» que presidiu à sua elaboração. Como refere a Sociedade Portuguesa de Química, no que à Química diz respeito o exame é caracterizado pela «Ausência de questões de facto selectivas (todas as perguntas se ficam por questões elementares». As perguntas «exigem apenas que o aluno saiba ler (nem precisa sequer de ter grandes competências a nível da interpretação) um texto (caso da questão 1.2) ou os eixos de um gráfico (caso da questão 2.2.1)». Para além disso, apresenta «um formulário de eficácia muito duvidosa sobretudo porque pode levar o aluno a classificar de fórmula algo que é um conceito».

Este exame não corresponde assim ao que que se espera em particular dos exames do 12º ano, de que depende o acesso ao Ensino Superior e têm consequentemente uma função social muito importante. De facto, estes exames deveriam ser também uma aferição do conhecimento adquirido pelos alunos que permitisse validar a sua aptidão para o ingresso na Universidade e, pelo menos este ano, isso não aconteceu.

Mas aparentemente o ME não considera ser esse um objectivo dos exames, pelo menos é o que se depreende desta entrevista da ministra a José Rodrigues dos Santos, que no referente à SPM assentou no que o Carlos já comentou. Mais concretamente, na afirmação produzida nos segundos finais do minuto 4, a ministra destaca como muito positivo o «treino» dos alunos na resolução de provas: «Treinando os alunos para o exame. É muito importante treinar os alunos para o exame».

Fico horrorizada com esta assumpção cândida e pública do que parece ser o objectivo do ensino no secundário para o ME: treinar os alunos para terem bons resultados nos exames, transformando-os em «máquinas» de decorar resoluções de exercícios sem perceberem minimamente os conteúdos subjacentes, conteúdos que já de si deixam muito a desejar.

Treinar os alunos para exames é mau, porque dá a ideia de que o importante não é desenvolver capacidades cognitivas mas sim mecanizar resoluções sem pensar muito sobre elas. É especialmente mau porque os alunos são «formatados» nestas resoluções sem desenvolverem pensamento autónomo e crítico. Aliás, o longo artigo de opinião de Maria Filomena Mónica no Público de sexta-feira sobre os exames de Português, «Os testes de Português podiam ser substituídos por uns papeluchos como os do Totobola», ressalta bem este facto - para além de revelar a «mente totalitária» que condiciona os alunos para um pensamento único que já apontei em relação à abordagem CTSA (Construção Total de uma Sociedade de Analfabetos) na Química do ensino básico. Maria Filomena Mónica escreveu:

«A coroar o disparate, o ministério optou por elaborar exames cujo objectivo é escamotear o facto de estarmos a formar uma geração incapaz de pensar, de falar e de escrever».

Este parágrafo é notório para todos os que como eu leccionam o 1º ano e que o constatam na «pele», não só no Técnico mas em outras escolas e Universidades. Para muitos alunos do primeiro ano, estudar é sinónimo de decorar acefalamente o que quer que seja, mesmo o que não é passível de «empinanço». Assim, quando confrontados com o que o Desidério chama perguntas com elevado grau de discriminação cognitiva e eu perguntas de algibeira, em que a arte de bem decorar e o automatismo na resolução de exercícios não servem para nada, os resultados são desastrosos.

Até agora, com muito trabalho, nosso e especialmente dos alunos, era possível remediar os estragos do eduquês, isto é, era possível pôr a pensar não todos mas muitos dos que ingressavam na Universidade. Mas essa proporção de sucesso começa a inverter e, se os exames deste ano são indicativos das (in)capacidades cognitivas que se privilegiam no secundário, será muito complicado a breve trecho formar profissionais competentes nas áreas respectivas se algo não for feito para pôr cobro a esta situação. O Carlos terminou o post «Surpresa: os alunos já são bons a Matemática» esperando que a democracia resista ao escamotear da verdade sobre o ensino. Eu espero que Portugal resista...

2 comentários:

Anónimo disse...

Vai resistir oh, que remédio. Mas em relação a esta e a outras gerações, já não há nada a fazer.


Rui.

Armando Quintas disse...

A estratégia montada é clara, destruir os exames, para abrir finalmente as portas de par em par das universidades, tornando-as mediocres, asfixiando-as economicamente e por fim extinguindo o ensino público, no futuro o pouco ensino que existirá será apenas privado.
Caminhamos para uma sociedade totalitária, que se não for socrates, será outro, o ditadorzeco de serviço.
O ensino está como está porque há claramente da parte de alguem que a sociedade ainda não percebeu bem quem seja, o desejo de isto acontecer.
Estes fenómenos estão a ser provocados, são propositados.
A degradação do ensino é feita como politica de estado, para cujos fins, ainda desconhecemos..

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...