Informação chegada ao De Rerum Natura.
Conferência na próxima terça-feira, dia 4 de Abril, às 14h00, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Anfiteatro III) com o título The Rise and Defamation of Ancient Greek Democracy and the Election of Mr. Trump.
O conferencista -Robert Wallace - é professor na Northwestern University.
O estilo da intervenção está pensado para um público lato, portanto perfeitamente adaptável ao universo de alunos dos vários ciclos.
sexta-feira, 31 de março de 2017
Vigésimo Oitavo
Informação chegada ao De Rerum Natura
A Cooperativa Bonifrates, com o seu projeto Júnior, estreia Vigésimo Oitavo, com guião e direção de João Paulo Janicas, no dia 8 de abril, às 19h00, no Colégio de S. Bento (Anfiteatro 3) da Universidade de Coimbra.
Vigésimo Oitavo é um projeto performativo da Bonifrates Júnior, integrado na XIX Semana Cultural da Universidade de Coimbra.
O título alude ao artigo sobre a educação da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Esta performance, composta por cenas ao vivo e cenas filmadas, questiona a possibilidade de, no mundo atual, formar indivíduos conscientes e livres, face do abismo entre aqueles que acedem à educação e aqueles que crescem diminuídos pelas grilhetas do obscurantismo, da pobreza ou da tirania.
O projeto foi construído com os jovens atores a partir de material informal, jornalístico, literário e fílmico, com referências a personagens de obras de Soeiro Pereira Gomes, Marjane Satrapi, Zlata Filipovic, J.K. Rolling, Malala Yousafzai, Peter Weir, J.D. Salinger e Nick Hornby, entre outros.
Performances parciais/filmagens 5 [QUA], 6 [QUI], 7 [SEX] de ABRIL | Espaços exteriores da Universidade de Coimbra
Performance final 8 [SÁB] de ABRIL | Colégio de S. Bento (Anf. 3) | 19h00
ENTRADA GRATUITA mas sujeita a reserva dada a lotação limitada da sala.
A reserva de bilhetes pode ser efetuada através do emailbonifratesbilheteira@gmail.com ou pelo telefone 916 615 388.
O espetáculo tem a duração aproximada de 60 minutos (sem intervalo).
Os bilhetes das reservas devem ser levantados até meia hora antes do espetáculo.
Visite-nos em www.bonifrates.com
A Cooperativa Bonifrates, com o seu projeto Júnior, estreia Vigésimo Oitavo, com guião e direção de João Paulo Janicas, no dia 8 de abril, às 19h00, no Colégio de S. Bento (Anfiteatro 3) da Universidade de Coimbra.
Vigésimo Oitavo é um projeto performativo da Bonifrates Júnior, integrado na XIX Semana Cultural da Universidade de Coimbra.
O título alude ao artigo sobre a educação da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Esta performance, composta por cenas ao vivo e cenas filmadas, questiona a possibilidade de, no mundo atual, formar indivíduos conscientes e livres, face do abismo entre aqueles que acedem à educação e aqueles que crescem diminuídos pelas grilhetas do obscurantismo, da pobreza ou da tirania.
O projeto foi construído com os jovens atores a partir de material informal, jornalístico, literário e fílmico, com referências a personagens de obras de Soeiro Pereira Gomes, Marjane Satrapi, Zlata Filipovic, J.K. Rolling, Malala Yousafzai, Peter Weir, J.D. Salinger e Nick Hornby, entre outros.
Performances parciais/filmagens 5 [QUA], 6 [QUI], 7 [SEX] de ABRIL | Espaços exteriores da Universidade de Coimbra
Performance final 8 [SÁB] de ABRIL | Colégio de S. Bento (Anf. 3) | 19h00
ENTRADA GRATUITA mas sujeita a reserva dada a lotação limitada da sala.
A reserva de bilhetes pode ser efetuada através do emailbonifratesbilheteira@gmail.com ou pelo telefone 916 615 388.
O espetáculo tem a duração aproximada de 60 minutos (sem intervalo).
Os bilhetes das reservas devem ser levantados até meia hora antes do espetáculo.
Visite-nos em www.bonifrates.com
quinta-feira, 30 de março de 2017
Terceira lei da Termodinâmica
Prestei declarações ao Observador há dias sobre este assunto. Ver aqui. O assunto tem algumas subtilezas pelo que a peça jornalística teria lucrado com uma revisão científica. Assim, por exemplo:
- a temperatura só pode ser vista como o grau de agitação molecular no modelo dos gases perfeitos. De resto, a termodinâmica abstrai completamente da constituição dos sistemas.
- a 1.ª lei não está bem exposta. Diz que se um sistema estiver isolado termicamente, medimos toda a variação de energia interna ocorrida através de trabalho. Se não estiver isolado há fluxos de calor com o exterior, e nesse caso a variação da energia interna pode ser tanto por trabalho como por calor. Assim, a energia pode transferir-se mas nunca se cria nem destrói.
- Na 2.ª lei, a entropia não pode nunca diminuir nos sistemas isolados termicamente. Isto é a entropia pode ser criada espontaneamente e é criada nos processos irreversíveis nas condições. A definição de pequena variação de entropia como pequeno fluxo de calor sobre temperatura absoluta (em kelvin, com minúscula) pessupõe que processo é reversível.
- A 3.ª lei tem várias versões. Uma é que a entropia de um sistema (substância pura) é nula no zero absoluto. As partículas têm "agitação", embora mínima" e a essa temperatura. Existe um estado de ordem mínima, mas não se conhece nenhum estado de desordem máxima (seria eventualmente uma quarta lei). Há vários processos de arrefecer um sistema por etapas sucessivas, mas não se tira "metade do calor", pois nenhum sistema possui calor.
- a temperatura só pode ser vista como o grau de agitação molecular no modelo dos gases perfeitos. De resto, a termodinâmica abstrai completamente da constituição dos sistemas.
- a 1.ª lei não está bem exposta. Diz que se um sistema estiver isolado termicamente, medimos toda a variação de energia interna ocorrida através de trabalho. Se não estiver isolado há fluxos de calor com o exterior, e nesse caso a variação da energia interna pode ser tanto por trabalho como por calor. Assim, a energia pode transferir-se mas nunca se cria nem destrói.
- Na 2.ª lei, a entropia não pode nunca diminuir nos sistemas isolados termicamente. Isto é a entropia pode ser criada espontaneamente e é criada nos processos irreversíveis nas condições. A definição de pequena variação de entropia como pequeno fluxo de calor sobre temperatura absoluta (em kelvin, com minúscula) pessupõe que processo é reversível.
- A 3.ª lei tem várias versões. Uma é que a entropia de um sistema (substância pura) é nula no zero absoluto. As partículas têm "agitação", embora mínima" e a essa temperatura. Existe um estado de ordem mínima, mas não se conhece nenhum estado de desordem máxima (seria eventualmente uma quarta lei). Há vários processos de arrefecer um sistema por etapas sucessivas, mas não se tira "metade do calor", pois nenhum sistema possui calor.
O TAMANHO DE UM MILHÃO
Novo post de Galopim de Carvalho:
Foram e ainda são muitas as vezes, onde quer que seja convidado
a falar de Geologia, que me deparo com a perplexidade dos presentes face à
enormidade do tempo geológico, em que os milhões de anos são tratados com a
mesma ligeireza com que falamos de anos das nossas vidas ou de séculos na
história da humanidade.
Simbolizado, entre os estudiosos das Ciências da Terra, pela
sigla Ma, o milhão de anos é convencionalmente aceite como unidade de tempo.
Nada menos do que dez mil séculos, onde cabe mil
cento e quarenta vezes a História de Portugal, um milhão de anos é uma eternidade
no horizonte temporal das nossas vidas, mas uma ínfima migalha no tempo da
Terra, actualmente estimado em 4540 Ma.
A maioria das pessoas nunca mentalizou a ideia de milhão e é por
isso que nas conversas faladas, envolvendo quantidades nessa ordem de grandeza,
tenho preocupação de lhes dar uma ideia da enormidade desta cifra.
Para, numa balança de precisão, equilibrarmos um grama de peso,
temos de lá colocar 62 grãos de arroz. Uma regra de três simples diz-nos
imediatamente que cem grãos pesam 1,61 g, que mil grãos pesam à volta de 1,6 kg
e que um milhão deles perfaz cerca de 16 kg.
Dito de outra maneira, precisaríamos de 16 sacos como os que se vendem no mercado, para guardar 1 000 000 de gãos desse arroz e ainda ficam de fora 100 g deste cereal.
Dito de outra maneira, precisaríamos de 16 sacos como os que se vendem no mercado, para guardar 1 000 000 de gãos desse arroz e ainda ficam de fora 100 g deste cereal.
Um outro caminho que nos conduz à referida ideia, é a de darmos
uma badalada por segundo no sino de uma qualquer igreja. Então, para
completarmos 1 000 000 de badaladas, teríamos de estar permanentemente activos,
durante 11 dias, 13 horas, 46 minutos e 40 segundos, sem comer, nem dormir, nem
descansar.
Nota: se me enganei nas contas, que alguém faça o favor de as
corrigir.
Galopim de Carvalho
segunda-feira, 27 de março de 2017
Mais duas traduções da Classica Digitalia
Os Classica Digitalia têm o gosto de anunciar duas novas publicações, com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra e Annablume (São Paulo).
Todos os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital.
Série “Autores Gregos e Latinos" [Textos]
- Carlos de Jesus: Antologia Grega. A Musa dos Rapazes (livro XII). Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
[O Livro XII da Antologia Grega contempla cerca de 260 epigramas unidos pela temática homoerótica que desenvolvem. À parte um conjunto escasso de componentes dedicados ao amor heterossexual, erroneamente introduzidos pelos copistas na coleção e que aqui são também traduzidos, versam sobre o modelo da relação amorosa entre um homem adulto (o assim designado erastes, o “amante” ) e um adolescente (o eromenos). A Musa dos rapazes tem, como contraponto imediato, o livro V da Antologia, coletânea mais extensa de epigramas sobre o amor heterossexual. Uma leitura de ambos permite no entanto, em primeira instância, detetar um grupo de tópicos e imagens que se repetem, prova em si de que ambos celebram uma mesma realidade – as benesses (mais bem escassas) e as agruras do amor.]
- Carlos de Jesus: Antologia Grega. Apêndice de Planudes (livro XVI). Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
[A Antologia de Planudes, conservada no autógrafo Marcianus gr. 481 do século XIV, foi durante os séculos XVI-XVIII a única recensão do epigrama grego conhecida e divulgada e exerceu, por isso mesmo, uma influência notável na poesia e na cultura moderna em geral. Texto pedagógico nuclear para alunos renascentistas de grego e latim, com frequência constituía o seu primeiro contacto com a literatura grega. Poetas e escritores de todos os tempos dela se serviram. Erasmo, que copia e comenta nos Adagia cerca de cinquenta componentes, mas também os Emblemmata de Alciato, pela primeira vez publicados em 1492, que ilustram, traduzem para latim e comentam um muito maior número de epigramas. O presente volume oferece em tradução os epigramas transmitidos por Planudes que estão ausentes do Palatinus, nas edições modernas publicados como Livro XVI da Antologia Grega. A grande maioria destes textos (356 de um total de 392) provém do capítulo IV do Marcianus, recolha de epigramas descritivos ou ecfrásticos.]
Todos os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital.
Série “Autores Gregos e Latinos" [Textos]
- Carlos de Jesus: Antologia Grega. A Musa dos Rapazes (livro XII). Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
[O Livro XII da Antologia Grega contempla cerca de 260 epigramas unidos pela temática homoerótica que desenvolvem. À parte um conjunto escasso de componentes dedicados ao amor heterossexual, erroneamente introduzidos pelos copistas na coleção e que aqui são também traduzidos, versam sobre o modelo da relação amorosa entre um homem adulto (o assim designado erastes, o “amante” ) e um adolescente (o eromenos). A Musa dos rapazes tem, como contraponto imediato, o livro V da Antologia, coletânea mais extensa de epigramas sobre o amor heterossexual. Uma leitura de ambos permite no entanto, em primeira instância, detetar um grupo de tópicos e imagens que se repetem, prova em si de que ambos celebram uma mesma realidade – as benesses (mais bem escassas) e as agruras do amor.]
- Carlos de Jesus: Antologia Grega. Apêndice de Planudes (livro XVI). Tradução do grego, introdução e comentário (Coimbra e São Paulo, IUC e Annablume, 2017).
[A Antologia de Planudes, conservada no autógrafo Marcianus gr. 481 do século XIV, foi durante os séculos XVI-XVIII a única recensão do epigrama grego conhecida e divulgada e exerceu, por isso mesmo, uma influência notável na poesia e na cultura moderna em geral. Texto pedagógico nuclear para alunos renascentistas de grego e latim, com frequência constituía o seu primeiro contacto com a literatura grega. Poetas e escritores de todos os tempos dela se serviram. Erasmo, que copia e comenta nos Adagia cerca de cinquenta componentes, mas também os Emblemmata de Alciato, pela primeira vez publicados em 1492, que ilustram, traduzem para latim e comentam um muito maior número de epigramas. O presente volume oferece em tradução os epigramas transmitidos por Planudes que estão ausentes do Palatinus, nas edições modernas publicados como Livro XVI da Antologia Grega. A grande maioria destes textos (356 de um total de 392) provém do capítulo IV do Marcianus, recolha de epigramas descritivos ou ecfrásticos.]
No Rescaldo dos 25 anos da Criação da FCDEF da Universidade de Coimbra
Meu artigo de opinião publicado in "Diário as Beiras" (21/03/2017):
“Eu sou eu e as minhas circunstâncias”
(Ortega y Gasset).
"No dia 19 do passado mês de Fevereiro do ano em curso, com pompa e circunstância, como sói dizer-se, foi comemorado um quarto de século sobre a criação da oitava e última faculdade da Universidade de Coimbra, a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, mercê de um entrosamento de vontades de que é da mais elementar justiça destacar o papel desempenhado por figuras destacadas desta Academia, nomeadamente Rui Alarcão (seu Reitor), António Poiares Baptista e António Pinho de Brojo (seus vice-Reitores), Manuel Viegas de Abreu (Director da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação) e Adriano de Sousa (professor da Faculdade de Farmácia).
De realçar, a notável conferência proferida por José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, intitulada: “Importância do Ensino Superior Universitário na preparação dos atletas de alta competição”.
Circunstâncias da minha vida proporcionaram que eu tivesse sido nomeado, por concurso público, docente de Recuperação e Terapia pelo Movimento do então criado Instituto Superior de Educação Física da Universidade do Porto (1975) e décadas volvidas docente convidado de Condição Física da actual Faculdade de Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra.
Acerca desta efeméride recorda-se a acção desenvolvida por um grupo de professores de Educação Física desta cidade em defesa da necessidade e urgência da criação desta faculdade. Assim, com o título “Professores querem Faculdade”, era publicada a seguinte notícia de que respigo: “Um grupo de licenciados em Educação Física defendeu, sexta-feira passada, em conferência de imprensa, a urgente criação da Faculdade de Educação Física na Universidade de Coimbra.
A mesa que presidiu ao encontro com os jornalistas era formada pelos professores Adelino Canelo, Luís Pires, Câmara Pestana, Rui Baptista , Vitor Azinhaga e António Portas. Rui Baptista, a quem coube o papel de porta-voz do grupo, historiou as tentativas já efectuadas quanto à criação da faculdade, aludindo à primeira comissão que foi nomeada,’ algum tempo antes de 25 de Abril’, para estudar o assunto. Novo grupo seria nomeado ‘logo após a revolução’, seguindo-se um outro ‘há algum, tempo’.
O trabalho de qualquer deles, no entanto, não teve quaisquer resultados práticos, ‘menos por culpa dos seus membros, mais por responsabilidade de quem quis o ensino universitário de Educação Física em horizontes bem distantes de terras transmontanas’. Entretanto, ‘um novo grupo de trabalho’ (mais um…) terminou há poucos meses a sua actividade. Dele faziam parte dois doutorados em Educação Física, Jorge Olímpio Bento (Universidade do Porto) e Jorge Crespo (Universidade Técnica de Lisboa), que entregaram um plano de licenciatura ao reitor da Universidade de Coimbra, Rui Alarcão.
Até ao momento, também com resultados práticos nulos. Estamos em Novembro, a uns tantos meses da abertura do ano lectivo de 90/91, e ainda não se encontra publicado o Decreto-Lei que a deve instituir”, acrescentou Rui Baptista. (…) Realce para a presença, na conferência de imprensa, do catedrático Teixeira Dias, candidato a reitor, que na recente apresentação do seu “programa de acção, destacou a necessidade de criar rapidamente a Faculdade de Educação Física de Coimbra” (“Jornal de Coimbra”, 08/11/1989).
Embora, como sentenciou Gregório Marañon, a história só julgue os resultados e não os propósitos, não resisto, todavia, em justificar este meu artigo com os propósitos que nortearam a conferência de imprensa supracitada deste grupo de professores de Educação Física das margens do Mondego."
PORQUE HÁ ALGO EM VEZ DE NADA
Meu artigo na última As Letras entre as Artes:
O título de cima é
o subtítulo de um livro que acaba de ser publicado na Gradiva, na sua colecção
“Ciência Aberta”, da autoria do astrofísico norte americano Lawrence M. Krauss.
O título do livro é “Um Universo vindo do nada”. O original saiu em 2012 na Atria
Books, uma chancela da Simon Schuster, e, nos cinco anos que mediaram até à
edição em Portugal, a obra desencadeou várias polémicas. A tese principal do
autor é que a cosmologia moderna permite responder a uma velha questão
filosófica, uma questão que começou a ser pensada por Parménides, no século V
a.C. e que chegou até aos nossos dias,
passando por Leucipo, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel, Sartre e Heidegger,
entre outros grandes pensadores. A questão, uma das questões mais difíceis que
a metafisica trata, consiste primeiro em saber o que é o nada e depois em saber
se do nada se pode passar ao ser, uma vez que os dois parecem ser opostos. O
pré-socrático Parménides achava que o nada não podia existir, ao passo que
atomista Leucipo aceitava o vazio, no qual se movimentam os átomos (o seu
seguidor Demócrito disse “Tudo e átomos e espaço vazio”). Para Aristóteles não
existia o nada, mas sim o espaço como contentor do ser. Descartes, um não atomista,
voltou a Parménides, negando a noção de vazio. Para Hegel, um dialéctico, “o
absoluto é puro ser”, mas, contrastando essa tese com a contrária, “o absoluto
é nada”, chegou à síntese: “o absoluto é transformação”. Para Kant a existência
do nada era uma falsa questão. Para Sartre (autor de O Ser e o Nada), “o nada persegue o ser”, o que significa que o ser
precede o nada. Finalmente, para Heidegger (autor de O Ser e o Tempo): “A ciência nada quer saber do nada”.
Ora a ciência moderna quer
saber do nada. Ela fala do nada, identificando-o com o vazio ou vácuo. Para Krauss,
o Universo terá surgido de uma flutuação espontânea do vazio primordial, uma
espécie de pequena bolha que se alargou irreversivelmente. Perante a avalanche
de questões que teve de enfrentar Krauss apercebeu-se, se é que o não sabia já,
que o nada da filosofia era diverso do vazio da física. De facto, ao longo da
história da ciência, muitos conceitos que eram apenas metafísicos passaram a
ser físicos (por exemplo, o conceito de átomo). De acordo com o astrofísico, o
Universo teve uma criação espontânea ou natural, sendo por isso Deus
prescindível. Não admira por isso que o livro tenha suscitado tantos debates por
esse mundo fora. A agravar o caso estava o facto de o biólogo Richard Dawkins,
autor de O Relojoeiro Cego e de A Desilusão de Deus ter escrito um
posfácio para o livro de Krauss comparando-o à Origem das Espécies de Darwin, uma comparação que o próprio autor
considerou exagerada. Recorde-se que Dawkins tem sido um paladino do chamado
moderno ateísmo, um ateísmo pretensamente baseado na ciência.
Krauss tenta enquadrar a sua discussão, afirmando no prefácio à nova
edição:
“Quando perguntamos ‘Porque há algo em vez de nada?’,
queremos de facto dizer ’Como é que há algo em vez de nada?’ Isto traz nos à
segunda confusão gerada pela minha escolha de palavras. Existem muitos
«milagres» aparentes da Natureza que parecem tão assustadores que muitos
desistiram de tentar encontrar uma explicação para o modo como surgimos e, em
vez disso, atribuem a responsabilidade a Deus. Mas o que realmente me interessa
e que a ciência pode realmente abordar é a questão de saber como é que todas as
«coisas» do Universo puderam vir de nenhuma «coisa», e como, se se preferir, a
ausência de forma gerou forma. É isso que me parece tão espantoso e contra
intuitivo. Parece violar tudo o que sabemos sobre o mundo — em particular o
facto de a energia, nas suas várias formas, incluindo massa, ser conservada. O
senso comum sugere que «nada», no sentido de ausência de «algo», deveria ter
zero de energia total. Por conseguinte, de onde vieram os 400 mil milhões ou
mais de galáxias que compõem o Universo observável?"
A resposta, dada no corpo do livro, é que o vácuo de onde o
Universo veio tem energia. O vazio absoluto dos antigos atomistas foi
substituído na ciência moderna por um vácuo quântico, um estado que que
pode ter as tais flutuações espontâneas de energia. Respondeu aos filósofos e
teólogos no prefácio da edição original ao sustentar que a ideia vaga de vazio
tinha de ser substituída pelo vazio da física:
“Da mesma forma, alguns filósofos e muitos teólogos
definem e redefinem «nada» como não sendo qualquer uma das versões do nada que
os cientistas descrevem actualmente. Mas, na minha opinião, é aí que reside a ruína intelectual
de muita da teologia e de alguma da filosofia moderna. Pois ‘nada’ é
seguramente tão físico como ‘algo’, especialmente se for definido como a
‘ausência de algo’. Cabe nos então compreender, de forma precisa, a natureza
física de ambas as quantidades. E sem ciência qualquer definição não passa de
meras palavras. Há um século, se alguém descrevesse ‘nada’ como o espaço vazio,
sem qualquer entidade material real, talvez não enfrentasse grande oposição.
Mas os resultados do século passado ensinaram nos que o espaço vazio está, na
verdade, longe do nada intacto que supusemos antes de percebermos melhor como a
Natureza funciona. Agora, os críticos religiosos dizem me que eu não me posso
referir ao espaço vazio como «nada», mas antes como um ‘vácuo quântico’, para
distingui-lo do «nada» idealizado dos filósofos ou teólogos."
Um livro muito estimulante para ficar a conhecer
quais são os actuais limites da física. Onde é que ela acaba e
começa a filosofia? E onde é que a filosofia acaba para dar lugar a teologia?
- Lawrence M. Krauss, “Um Universo Vindo do
Nada”, Lisboa: Gradiva, 2017.
sábado, 25 de março de 2017
A nova hipótese de classificação dos Dinosauria
Imagem
retirada do Blog da Nature Ecology & Evolution.
Um artigo publicado na Nature propõe uma nova organização dos Dinossauros, sugerindo pronunciadas reorganizações destes icónicos répteis.
O Termo Dinossauro (etimologia:
lagarto + terrível) é cunhado em 1842 por Richard Owen, um naturalista
Britânico e fundador do Museu de História Natural de Londres. Com o passar dos
anos e como resultado da descoberta de uma grande diversidade anatómica dos
fósseis, Harry Govier Seeley sugere a divisão dos Dinossauros em “Ornithischia”
e “Saurischia”. Esta organização, baseada em características anatómicas dos
ossos da anca, agrupa os dinossauros de acordo com ancas mais reptílicas (Saurischia)
ou ancas mais aviformes (Ornithischia; ver figura acima).
A nova proposta de organização
taxonómica (a topologia da árvore filogenética), sugere uma pronunciada reorganização de
muitos grupos, mesmo ao nível de famílias e subfamílias. Outro destaque é a sugestão
que o grupo tenha surgido no Hemisfério Norte, em contraste com o que se achava
até então.
Hiperligações:
https://www.sciencedaily.com/releases/2017/03/170322143202.htm
https://natureecoevocommunity.nature.com/users/34893-matthew-baron/posts/15516-redefining-dinosaur-how-we-arrived-at-a-radically-new-evolutionary-hypothesis-for-the-world-s-most-famous-prehistoric-creatures
http://go.nature.com/2o7Rr6B
quinta-feira, 23 de março de 2017
Algumas novidades de Março da Gradiva
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Prefácio de Lawrence Krauss ao seu livro "Um Universo vindo do nada"
Acaba de sair na Gradiva um livro que tem gerado polémica em todo o mundo. "Um Universo vindo do nada" do astrofísico Lawrence Krauss. Transcrevo o início do prefácio original escrito pelo próprio autor (o posfácio é de Richar Dawkins):
A bem da transparência, e logo no início, devo admitir que não defendo a ideia de que a criação implica um criador, ideia que está na base de todas as religiões do mundo. Todos os dias surgem, subitamente, objectos belos e miraculosos, de flocos de neve numa manhã fria de Inverno a arco‑íris depois da chuva num final de tarde de Verão. No entanto, ninguém, a não ser os fundamentalistas mais acérrimos, sugeriria que cada um destes objectos é criado amorosa e meticulosamente e, mais importante, com um certo propósito, por uma inteligência divina. De facto, muitos leigos, assim como cientistas, troçam da nossa capacidade de explicar flocos de neve e arco‑íris com leis da física simples e elegantes.
É claro que podemos perguntar, e muitos fazem‑no, «De onde vêm as leis da física?», e, de forma mais sugestiva, «Quem criou estas leis?» Mesmo quando conseguimos responder a esta primeira questão, normalmente perguntam‑nos a seguir, «Mas donde é que isso veio?» ou «Quem é que criou isso?» e assim por diante.
Em última análise, muitas pessoas razoáveis são atraídas para a Causa Primeira, como diriam Platão, São Tomás de Aquino ou a Igreja Católica Romana dos dias de hoje, e assim supor algum ser divino: um criador de tudo o que existe e de tudo o que virá a existir, alguém ou algo eterno e omnipresente.
No entanto, a declaração de uma Causa Primeira ainda deixa a questão seguinte em aberto: «Quem criou o criador?» Afinal, qual é a diferença entre argumentar a favor de um criador eterno e a favor de um Universo eterno sem criador?
Estes argumentos lembram‑me sempre a famosa história de um especialista que dava uma aula sobre
as origens do Universo (por vezes identificado como Bertrand Russell, outras vezes como William James), e foi desafiado por uma mulher que acreditava que o mundo está assente numa tartaruga gigante que, por sua vez, é suportada por outra, e assim sucessivamente... «até ao fim!» Uma regressão infinita de uma qualquer força criativa que se gera a si própria, mesmo uma força imaginada maior do que tartarugas, não nos aproxima do que quer que seja que gere o Universo. No entanto, esta metáfora da regressão infinita poderá estar mais próxima do processo real pelo qual o Universo foi criado do que a explicação de um único criador.
Definir a questão argumentando que a última responsabilidade é de Deus poderá parecer que evita o
problema da regressão infinita, mas, aqui, invoco o meu mantra: o Universo é como é, quer gostemos ou não. A existência ou inexistência de um criador não depende dos nossos desejos. Um mundo sem Deus ou propósito pode parecer duro ou inútil, mas não é, por si só, condição necessária para que Deus exista.
Do mesmo modo, as nossas mentes poderão não ser capazes de compreender facilmente infinitos (embora a matemática, um produto das nossas mentes, lide facilmente com eles), mas não nos dizem que eles não existem. O nosso universo poderia ser infinito em espaço e em tempo. Ou, como Richard Feynman disse uma vez, as leis da física poderiam ser uma cebola com camadas infinitas, com novas leis à medida que exploramos novas escalas. Simplesmente não sabemos!
Durante mais de dois mil anos, a questão «Porque existe algo em vez de nada?» tem sido apresentada como um desafio à proposição de que o nosso Universo — que contém um vasto complexo de estrelas, galáxias, seres humanos e sabe‑se lá que mais — poderá ter surgido sem um desígnio, uma intenção ou um propósito. Embora normalmente esta questão seja de teor filosófico ou religioso, é, primeiro e principalmente, uma questão sobre o mundo natural, e, logo, o local adequado para a tentar resolver é, em primeira instância e principalmente, a ciência.
O objectivo deste livro é simples. Quero mostrar como a ciência moderna, nas suas diversas vertentes, pode abordar e aborda a questão de saber porque há algo em vez de nada: as respostas que se têm obtido — desde observações experimentais assombrosamente belas a teorias que subjazem a boa parte da física moderna — sugerem que o facto de algo surgir do nada não é um problema. Com efeito, algo vindo do nada deve ter sido condição necessária para que o Universo surgisse. Adicionalmente, tudo indica que foi assim que o nosso Universo poderá ter surgido.
Sublinho aqui a palavra poderá, porque é possível que nunca venhamos a ter informações empíricas suficientes para resolver esta questão definitivamente. Mas o facto de um universo vindo do nada ser sequer plausível é certamente significativo, pelo menos para mim.
Antes de prosseguir, quero dedicar algumas palavras à noção de «nada» — um tema a que regressarei adiante com mais profundidade, pois aprendi que, quando se discute esta questão em fóruns públicos, nada perturba mais os filósofos e teólogos que discordam de mim do que a noção de que eu, como cientista, não compreendo verdadeiramente [o] «nada.» (Estou tentado a contrapor aqui que os teólogos são especialistas em nada.)
O «nada», insistem, não é nenhuma das coisas que eu discuto. Nada é «não‑ser», num qualquer sentido vago e mal definido. Isto lembra‑me os meus próprios esforços para definir «design inteligente», quando comecei a ter debates com criacionistas, expressão que, ficou claro,
não possui uma definição distinta, excepto para dizer o que não é. «Design inteligente» é simplesmente uma expressão que «põe tudo no mesmo saco», usado para contrapor à evolução. Da mesma forma, alguns filósofos e muitos teólogos definem e redefinem «nada» como não sendo qualquer uma das versões do nada que os cientistas descrevem actualmente.
Mas, na minha opinião, é aí que reside a ruína intelectual de muita da teologia e de alguma da filosofia moderna. Pois «nada» é seguramente tão físico como «algo», especialmente se for definido como a «ausência de algo». Cabe‑nos então compreender, de forma precisa, a natureza física de ambas as quantidades. E sem ciência qualquer definição não passa de meras palavras.
Há um século, se alguém descrevesse «nada» como o espaço vazio, sem qualquer entidade material real, talvez não enfrentasse grande oposição. Mas os resultados do século passado ensinaram‑nos que o espaço vazio está, na verdade, longe do nada intacto que supusemos antes de percebermos melhor como a Natureza funciona. Agora, os críticos religiosos dizem‑me que eu não me posso referir ao espaço vazio como «nada», mas antes como um «vácuo quântico», para distingui‑lo do «nada» idealizado dos filósofos ou teólogos.
Assim seja. Mas, e se estivermos dispostos a descrever o «nada» como a ausência do próprio espaço e do próprio tempo? Será suficiente? Mais uma vez, suspeito que já tenha sido... há algum tempo. Mas, como irei explicar, descobrimos que o espaço e o tempo podem, eles próprios, surgir espontaneamente, pelo que agora dizem‑nos que mesmo este «nada» não é realmente o nada que nos interessa. E dizem‑nos que a fuga do nada «real» requer o divino, sendo assim definido por decreto como «aquilo a partir do qual apenas Deus pode criar algo».
Tem sido sugerido por vários indivíduos com quem tenho debatido a questão que, se existe o «potencial» para criar algo, então não se trata de um estado de verdadeiro nada. E ter leis da Natureza que dão esse potencial afasta‑nos com toda a certeza do verdadeiro domínio do não‑ser. Mas depois, se argumento que talvez as próprias leis tenham também surgido espontaneamente, como poderá ter sido o caso, então isso não é suficiente, porque qualquer que seja o sistema em que as leis tenham surgido não se trata de um verdadeiro nada.
Tartarugas por aí abaixo? Não creio. Mas as tartarugas são apelativas porque a ciência está a mudar drasticamente as regras do jogo, deixando algumas pessoas desconfortáveis. É claro que essa é uma das finalidades da ciência (ou «filosofia natural», no tempo de Sócrates). O desconforto significa que estamos no limiar de novas descobertas. E certamente que invocar «Deus» para evitar a pergunta «como» é simplesmente preguiça intelectual. Afinal, se não existisse potencial para criar, Deus não poderia ter criado nada. Seria malabarismo semântico afirmar que a potencial regressão infinita é evitada porque Deus existe fora da Natureza e, portanto, o próprio «potencial» para a existência não é uma parte do nada a partir do qual surgiu a existência.
O meu verdadeiro objectivo aqui é demonstrar que a ciência tem, de facto, alterado o panorama, substituindo estes debates abstractos e inúteis sobre a natureza do nada por esforços úteis e operacionais para descrever o modo como o nosso Universo poderia realmente ter surgido. Vou explicar também as possíveis implicações desta origem no nosso presente e futuro.
Isto reflecte um facto muito importante. A religião e a teologia têm sido, no mínimo, irrelevantes, quando se trata de compreender o modo como o nosso Universo evolui. Geralmente, tendem a turvar as águas, por exemplo, focando‑se em questões como o nada sem dar uma definição do termo baseada em provas empíricas. Embora ainda não compreendamos inteiramente a origem do nosso Universo, nada leva a esperar que as coisas mudem neste aspecto. Adicionalmente, espero
que o mesmo se aplique, em última análise, à nossa compreensão de áreas que a religião considera como seu território exclusivo, como a moral humana.
A ciência tem sido eficaz em promover a nossa compreensão da Natureza porque o ethos científico se baseia em três princípios‑chave: (1) seguir as provas onde quer que estas levem; (2) se dispomos de uma teoria, temos de estar dispostos tanto a tentar provar que está errada como que está certa; (3) o derradeiro árbitro da verdade é a experimentação, não o conforto que retiramos das nossas crenças a priori, nem a beleza ou elegância que atribuímos aos nossos modelos teóricos.
Os resultados das experiências que descrevo aqui não são só oportunos, são também inesperados. A tapeçaria que a ciência tece ao descrever a evolução do nosso Universo é consideravelmente mais rica e fascinante do que quaisquer imagens reveladoras ou histórias imaginativas que os seres humanos tenham inventado. A Natureza apresenta surpresas que ultrapassam consideravelmente as suposições criadas pela imaginação humana.
Ao longo das últimas duas décadas, uma excitante sucessão de avanços na cosmologia, teoria das partículas e gravitação mudou completamente a forma como vemos o Universo, com implicações surpreendentes e profundas na nossa compreensão das suas origens, bem como do seu futuro. Portanto, nada poderia ser mais interessante como tema de escrita, passe o trocadilho.
A verdadeira inspiração para este livro não vem tanto de um desejo de dissipar mitos ou atacar crenças, mas do meu desejo de celebrar o conhecimento e o Universo absolutamente surpreendente e fascinante que o nosso se revelou ser.
A nossa busca leva‑nos a fazer uma visita‑relâmpago aos confins do Universo em expansão, desde os primeiros momentos do Big Bang até ao futuro distante, e inclui talvez a mais surpreendente descoberta em física do século passado.
Com efeito, a motivação imediata para escrever este livro agora é uma profunda descoberta sobre o Universo que tem impulsionado a minha própria investigação científica nas últimas três décadas e que resultou na conclusão surpreendente de que a maior parte da energia do Universo reside numa qualquer forma misteriosa, ainda inexplicável, que permeia todo o espaço vazio. Não é um eufemismo dizer que esta descoberta mudou o panorama da cosmologia moderna.
Por um lado, esta descoberta promoveu um apoio admirável e novo à ideia de que o nosso Universo
surgiu precisamente do nada. Incitou‑nos, igualmente, a repensar uma série de hipóteses sobre os processos que poderiam reger a sua evolução e, em última análise, a questionar se as próprias leis da Natureza são verdadeiramente fundamentais. Por sua vez, tudo isto tende a tornar a questão de saber «porque há algo em vez de nada» menos impressionante, se não mesmo completamente simples, como espero que seja a minha descrição.
(...)
LAWRENCE M. KRAUS
Prefácio a "O Abandono de Deus", de Tomás Halík e Anselm Gruen
Meu Prefácio a O Abandono de Deus, que acaba de sair nas Edições Paulinas:
Embora não seja entendido
em teologia, considero o padre checo Tomás Halík um dos maiores teólogos
contemporâneos. Pelo menos é o autor que, na minha modesta opinião, mostra maior capacidade para se dirigir,
usando uma linguagem compreensível, a uma audiência vasta e variada, incluindo tanto
crentes como não crentes. Nascido no pós
guerra, em 1948, no seio de uma família checa sem prática religiosa, no tempo
em que o ateísmo era “religião oficial” na Checoslováquia, ele próprio tem a
experiência da transição de não crente a crente católico. Para isso
contribuíram leituras do escritor inglês, também ele convertido ao catolicismo,
G. K. Chesterton. O que o atraiu no catolicismo, confessa Halík, foi ela ser a “religião
do paradoxo”, tal como transparece em autores como Santo Agostinho (um outro
convertido), Blaise Pascal, Soren Kierkgaard, G. K. Chesterton ou Graham Greene.
Halík foi ordenado padre clandestinamente na Igreja Subterrânea do Leste europeu,
mas hoje, após a queda do muro de Berlim, é professor de Sociologia e de
Teologia na Universidade Charles em Praga, para além de capelão universitário. Recebeu
vários prémios e distinções, como recentemente o grau de doutor honoris causa na Universidade de Oxford,
no Reino Unido, juntamente com, entre outros, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar
e o economista americano Paul Krugman.
Chesterton escreveu sobre
a conversão: “Esta é uma das mais comuns
e enganadoras ilusões acerca do que acontece a um convertido. De modo
atabalhoado, as pessoas confundem o testemunho normal dos convertidos acerca
de terem encontrado a paz moral com a ideia de terem atingido o repouso mental,
no sentido em que o repouso tem de inacção... Porém, tornar-se católico não é
deixar de pensar, mas antes aprender a pensar.” Pode dizer-se que
a teologia de Halík é um bom exemplo do pensamento activo, ao contrário de
muita teologia que parece pensamento passivo (cito de novo Chesterton, “a teologia não passa do pensamento aplicado
à religião”). Pensar, a respeito da crença em Deus ou da sua falta, não
pode deixar de ser um processo multifacetado e de enorme complexidade, onde o
paradoxo acaba por ser uma solução inescapável. Neste livro, na senda de outros
seus livros publicados com merecido êxito em português (Paciência com Deus, A Noite do Confessor, O meu Deus é um Deus ferido
e Quero que Tu sejas!, todos eles
editados entre nós pela Editora Paulinas), Halík fala da falta de crença – o
ateísmo, ao qual podemos associar o agnosticismo - de um modo paradoxal.
Trata-se de um pensamento que provoca, que nos faz pensar: para ele, a crença
enriquece-se com a descrença, assim como a descrença se enriquece com a crença.
Para ele, uma pessoa poderá ser, em graus variáveis de indivíduo para indivíduo
e no mesmo indivíduo com o decurso do tempo, simultaneamente crente e descrente.
Quer dizer não há crentes e não crentes, há simplesmente pessoas.
Anselm Gruen, por seu
lado, é um monge beneditino que se tornou um dos teólogos actuais mais
conhecidos em todo o mundo. Nascido em 1945 entrou aos 19 anos na abadia de Münsterschwarzach, perto de Wuerzburgo,
na Alemanha, onde ainda hoje reside. Ao contrário de Halík, a sua família era
religiosa, podendo ter sido influenciado por um tio padre e duas tias freiras,
todos eles beneditinos. Estudou Filosofia, Economia e Teologia, tendo obtido um
doutoramento nesta disciplina sob a orientação do famoso jesuíta alemão Karl
Rahner. Em numerosos livros, cursos e palestras ganhou fama de excelente
comunicador. Tem o dom da palavra! Um bom
indicador é o facto de dezenas dos seus livros estarem traduzidos em 35 línguas
por esse mundo fora. Em Portugal (na Editora Paulinas, saíram até agora duas
dezenas de obras, incluindo Deus, Quem és
Tu?, O Que Vem Depois da Morte?, Que Fiz eu para Merecer Isto? e O Livro das Respostas, o que não passa
de uma pequena fracção dos seus mais de trezentos livros). Mais do que um pregador católico, é um conselheiro espiritual que consegue
ultrapassar as fronteiras da sua religião. Talvez isso explique que, em certos
círculos católicos, as suas posições, designadas por “humanismo transcendental”,
sejam vistas com alguma desconfiança.
Winfried Norhoff, nascido em 1951, estudou Germânicas
e Teologia na Universidade de Tuebingen para se tornar jornalista especializado
em temas religiosos e depois editor e autor nestes temas. É dele o mérito de reunir
duas figuras tão notáveis da teologia contemporânea, cujos textos sobre o teísmo
e o ateísmo se intercalam aqui para
desembocarem num diálogo entre os dois.
Diga-se desde já que
existe um grande acordo entre os dois autores principais sobre a relevância e
significado do ateísmo no quadro de um catolicismo aberto à realidade de hoje
que os dois representam. Partindo de experiências pessoais bastante distintas,
ambos pugnam por uma abertura da Igreja aos descrentes, isto é, aos mais descrentes
do que aqueles que se reconhecem na Igreja. Os mais crentes e os mais descrentes
ganham em falarem entre si. O subtítulo esclarece quanto à intenção comum: “Quando
a crença e a descrença se abraçam.”
Hálik começa por analisar o que significa
ateísmo: a-teísmo = recusa do teísmo. Mas pergunta ele logo de início: que Deus
se está a recusar? Para o padre checo não há dúvida de que existem ideias de
Deus perfeitamente recusáveis e que algumas dessas ideias estão ainda hoje
presente no interior da Igreja. Para ele é Deus mistério, o que implica evidentemente
procura, pelo que as certezas acerca de Deus poderão ser obstáculos à
verdadeira religião. Halík não receia não só ler com atenção como tentar perceber
os maiores descrentes. Parte até do famoso texto do louco de A Gaia
Ciência de Friedrich Nietzsche, escrita entre 1881 e 1887, que anuncia de
um modo poético mas imperativo a “morte de Deus”:
“O louco saltou para o meio deles e trespassou-os
com o olhar. ‘Para onde foi Deus?’, exclamou, ‘é o que eu lhes vou dizer.
Matámo-lo – vocês e eu! Somos nós, nós todos, que somos os seus assassinos! Mas
como fizemos isso? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu uma esponja
para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos nós quando desprendemos a corrente
que ligava esta terra ao Sol? Para onde vai ela agora? Para onde vamos nós
próprios? Longe de todos os sóis? Não
estaremos incessantemente a cair? Para diante, para trás, para o lado, para
todos lados? Haverá ainda um acima, um abaixo? Não estaremos errando através de um vazio infinito? Não sentiremos
na face o sopro do vazio? Não fará mais frio? Não aparecem sempre noites, cada
vez mais noites? Não será preciso acender
os candeeiros logo de manhã? Não ouvimos ainda nada do barulho que fazem
os coveiros que enterram Deus?
Nietzsche retomou o tema da
morte de Deus em Assim falava Zaratustra e
em Anti-Cristo. Ao contrário do que é
vox populi no mundo cristão, para
Halík o filósofo alemão que declarou o óbito da divindade pode ser uma luz para os crentes em vez de ser um
porta-voz das trevas: “Quando Nietzsche surge como um crítico do cristianismo,
essa crítica pode ser muito útil aos cristãos; quando Nietzsche se revela um
inimigo do cristianismo, então os cristãos devem alegrar-se por terem um tal
inimigo, um inimigo que perturba e faz pensar”. Num discurso que proferiu em 2016 na Capela da
Universidade de Coimbra, Halik estabeleceu mesmo um paralelo entre Nietzsche e
a sua contemporânea Teresa de Lisieux, a freira carmelita francesa mais conhecida
entre nós por Santa Teresinha do Menino Jesus. Tanto Nietzsche, que morreu
louco tal e qual o seu personagem, como Santa Teresinha viraram as costas a um
tempo que, do ponto de vist5ra religioso, se caracterizou pela ênfase no pecado
e na piedade. E, lembrou Halík em Coimbra (relembrando-o neste livro), Santa
Teresinha passou no período final da sua vida, quando estava atormentada pela
tuberculose, pela dura experiência da “noite escura da alma” (a expressão é do
poeta carmelita espanhol S. João da Cruz), que consistiu em imaginar-se a
partilhar a mesa e o pão com os descrentes, ela própria descrente não em Deus
mas na vida eterna concedida por Deus. Houve, portanto, momentos de íntima solidariedade
da crente com os descrentes. Declarou a mística, pouco antes de morrer aos 24
anos: “O meu Céu é sorrir a esse Deus que eu
adoro, quando Ele se quer esconder para testar a minha fé". Para Halík o combate entre crença e descrença
“não é o combate entre duas equipas equipadas com camisolas de cores
diferentes, mas sim e frequentemente um diálogo ou um conflito dentro de um
coração ou espírito humano.” Isto
porque, diz ele, “o mundo e a vida
são ambivalentes e polifacetados”. Modernamente, é conhecido o caso de Madre
Teresa de Calcutá, a freira albanesa que fundou a Congregação das Missionárias
da Caridade, que, sabe-se hoje, foi assediada pela descrença ao longo de mais
de quatro décadas. Declarou ela:
"Onde está minha fé? Mesmo lá no fundo ... não
há nada, mas vazio e escuridão... Se há Deus, por favor perdoa-me. Quando tento
levantar os meus pensamentos para o Céu,
há um vazio tão convincente de que esses mesmos pensamentos regressam
como facas afiadas e ferem a minha alma."
Essas dúvidas não impediram, contudo, a sua subida aos altares…
Gruen parte não de Nietzsche mas do filósofo alemão igualmente oitocentista
Ludwig Feuerbach, para quem a ideia de Deus não passaria de uma “projecção
humana” (o médico austríaco Sigmund
Freud diria mais quando falou de uma “ilusão humana”). Mas concorda no
essencial com Halík, como se deprende da
sua afirmação: “Tenho que estar consciente de que no meu coração existem sempre
dois pólos: crença e descrença.” Para
ele, assim como para o seu mestre Rahner, as provas clássicas da existência de
Deus não poderão nunca convencer um ateu. Para Rahner, Deus é um “mistério indescritível
e incompreensível”. A crença é atingida por meio de uma experiência interior, não
do tipo lógico-racional, mas de um tipo assaz diferente ao qual a teologia
chama graça, um dom que pode ser inato
ou adquirido. Que Deus está para lá da razão ficou claro após Santo Agostinho
ter escrito: “Se compreendeis não é Deus”.
Gruen cita o filósofo francês ateu de nossos dias André Comte-Sponville,
“o ateu pode renunciar a Deus, mas não à espiritualidade”, pelo que existe uma
espiritualidade sem Deus. O homem, para esse filósofo, é “finito, aberto ao infinito”, sendo a espiritualidade precisamente essa
abertura ao infinito. Faltará muito pouco ao ateu para chegar a Deus, parece
que apenas o nome de Deus. Claro que a questão não é assim tão simples, pois Deus
não é uma coisa, nem uma pessoa semelhante ao ser humano, apesar de, na Bíblia,
estar escrito que o homem foi feito “à imagem e semelhança de Deus”. Há várias
ideias de Deus para diferentes crentes. E algumas afastam-se bastante do ser humano.
Para Albert Einstein, o físico nascido na Alemanha que representa os mais altos
cumes do pensamento científico no século XX, não existia um Deus pessoal, capaz
de falar aos homens como podemos ler no Novo Testamento. O sábio, apesar de
descrente num Deus pessoal, era crente num Deus definido, à maneira do judeu
heterodoxo Bento Espinosa, como a harmonia universal, a beleza e simplicidade
das leis da física.
O Cristianismo é, para Halík, a religião dos paradoxos. Para Chesterton,
Jesus Cristo é o “melhor Deus para os ateus”, uma vez que, se estes tivessem de
escolher uma religião, deveriam preferir uma em que Deus, ainda que por um só momento,
se revelou ateu. O escritor refere-se ao
famoso momento quando Cristo exclama na cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?” Halík, no Abandono de Deus, cita o cardeal e
teólogo jesuíta checo Tomás Spidlík para chamar aos cristão ex-ateus: “Também
nós cristãos fomos ateus durante 400 anos”, frase que significa que os cristãos
primitivos eram considerados ateus por recusarem a religião romana. Na mesma
linha paradoxística, Halík cita ainda Ernst Bloch, o filósofo alemão, marxista e
ateu: “Só um ateu pode ser um bom
cristão, sendo não menos certo que só um cristão pode ser um bom ateu”. Está
aqui bem patente a união dos contrários. Vêm-me à mente as palavras, num
contexto completamente diferente (o da filosofia da física quântica, no quadro
da qual uma onda é uma partícula e uma partícula é uma onda), do físico
dinamarquês Niels Bohr: “o oposto de uma
grande verdade é outra grande verdade.”
Gruen conclui muito justamente que, para crentes e não crentes, existem
espaços de trabalho conjunto, espaços de convivialidade e construção de futuro:
a espiritualidade decerto, mas também a protecção do ambiente (em defesa da
casa comum que é o planeta), a construção da paz, a procura da justiça e a solidariedade
e, finalmente, o gosto pela cultura e pela beleza. Sobre a justiça e a solidariedade,
Gruen não tem dúvidas de que “na luta
contra o sofrimento, na luta por um mundo mais justo, os cristãos e os os ateus
podem actuar em conjunto”. Dá um belo
exemplo retirado do romance A Peste
do francês Albert Camus. O médico ateu, o Doutor Rieux, luta contra a peste
bubónica, ao lado do padre católico Paneloux. Quando uma criança acaba por morrer,
não resistindo à enfermidade, o padre diz que acaba de compreender o que é a
graça. Responde-lhe o médico:
“– É o que eu não
tenho, bem sei. Mas não quero discutir isso consigo. Trabalhamos juntos por
qualquer coisa que nos une para além das blasfémias e das orações. Só isso é
importante”.
O resto do diálogo não está neste livro. Mas
eu, motivado pela leitura de Abandono de
Deus, fui reler Camus. A história continua
assim:
“Paneloux sente-se junto
de Rieux. Parecia comovido.
– Sim - disse ele -, é verdade, também o senhor trabalha para a salvação do
homem.
Rieux tentou sorrir.
– A salvação do
homem é, para mim, uma palavra demasiado grande.. Não vou tão longe. É a sua saúde que me
interessa, é a sua saúde em primeiro lugar.
Paneloux hesitou.
– Doutor... – disse
ele.
Mas deteve-se. Também
sobre a sua fronte o suor começava a correr. Depois murmurou: «Adeus» e os seus
olhos brilhavam quando se levantou. Ia partir quando Rieux, que reflectia, se levantou
também e deu um passo para ele.
– Perdoe-me, mais
uma vez. Isto não voltará a repetir-se.
Paneloux estendeu a mão
e disse com tristeza:
– E, contudo, não o
convenci.
– Que importância
tem isso? - respondeu Rieux. - O que eu odeio é a morte e o mal, bem sabe.
E, quer queira, quer não, estamos juntos para os sofrer e combater. - Rieux segurava a mão de Paneloux. – Bem,
vê, disse, evitando fixá-lo -, nem mesmo Deus pode agora separar-nos.”
Sim, lido este estimulante livro, fácil será concluir que nem o próprio Deus
pode separar crentes e descrentes.
quarta-feira, 22 de março de 2017
PORQUE NOS HAVEMOS DE IMPORTAR COM A CIÊNCIA
No próximo dia 28 de Março, terça-feira, pelas 18h00, realiza-se no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra a palestra intitulada "Porque nos havemos de importar com a ciência".
A palestrante será Joana Lobo Antunes, destacada comunicadora de ciência e Investigadora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica - António Xavier.
RESUMO DA PALESTRA: "A ciência e tecnologia são das principais forças motrizes de uma economia moderna, são inúmeros os exemplos que nos rodeiam e que demonstram constantemente o quanto a nossa vida mudou graças ao conhecimento e à sua aplicação. Aumento da esperança média de vida, aumento da qualidade de vida, maiores níveis de conforto, maior interacção entre pessoas distantes, melhores acessos.
É fácil compreender o impacto daquilo que chega à sociedade em forma de produtos e serviços, no entanto a Ciência que está a ser produzida neste momento nos institutos de investigação e universidades demorará muito tempo a ser compreendida na sua plenitude.
Ao mesmo tempo, é essa ciência complexa, nova e inovadora que temos de conseguir fazer chegar às pessoas, para que por um lado saibam o que é produzido pelo investimento do dinheiro dos seus impostos e por outro continuemos a alimentar a cultura científica da população, e o prazer intelectual em compreender o conhecimento gerado com quem o faz.
O principal desafio para os comunicadores de ciência hoje em dia é conseguir traduzir este conhecimento, de forma tão estimulante quanto a paixão e empenho que os investigadores depositam nele. Para que as pessoas se importem de vez com a Ciência.
Esta palestra insere-se no ciclo "Ciência às Seis" coordenado por António Piedade.
ENTRADA LIVRE
Público-alvo: Público em Geral Link para o evento no facebook
segunda-feira, 20 de março de 2017
Os Jesuítas e a ciência
Meu artigo na última Gazeta de Física:
Os jesuítas, que protagonizaram, nos séculos XVI e XVII, o
primeiro processo de globalização, sempre se destacaram na educação e na
ciência. O padre alemão Cristophorus Clavius foi aluno do Colégio das Artes,
anexo à Universidade de Coimbra, antes de se tornar o maior astrónomo da época
entre Copérnico e Galileu. Entre outras obras, deixou-nos uma tradução latina
profusamente comentasda de “Os Elementos” de Euclides. O padre italiano Matteo
Ricci, um discípulo de Clavius que estudou português em Coimbra antes de partir
para a China, onde se notabilizou como
grande transmissor da ciência moderna: foi ele que traduziu para mandarim não
só “Os Elementos” mas também algumas obras matemáticas de Clavius. O padre português João Rodrigues escreveu do
Oriente aos seus superiores em Roma: “Mandem-nos livros de matemática em grande
quantidade.” E o padre português Cristóvão Ferreira, que é uma das figuras
historicamente verídicas do mais recente filme de Martin Scorsese “Silêncio”,
que descreve a sanguinária perseguição aos cristãos no Japão no século XVII,
tinha bons conhecimentos científicos, tendo escrito após a sua apostasia tratados
de astronomia e de medicina que descrevem a ciência ocidental.
Começa hoje a haver a percepção nítida da grave perda que
adveio para a educação e a ciência nacionais
da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759 e o fim da vasta rede
de colégios na metrópole e no ultramar. Mas, nos esforços de restauração da Ordem entre nós empreendidos pelo padre Carlos João
Rademaker, a fundação dos colégios de Campolide de São Fiel, respectivamente em
Lisboa (1858) e em Louriçal do Campo, Castelo Branco (1863), representou um forte
reinvestimento na educação e na ciência, como bem lembra neste número da
“Gazeta de Física” Francisco Romeiras. O
ensino experimental da física foi aí praticado graças à criação de
laboratórios, observatórios (um astronómico em Campolide e outro meteorológico
em São Fiel) e academias, para já não falar da realização expedições astronómicas
a território espanhol para observação de eclipses solares. O único Prémio Nobel
português em ciências, António Egas Moniz, estudou em São Fiel.
O nome de um físico do final do século XIX e início do
século XX que merece ser mais conhecido é o do padre António Oliveira Pinto,
que organizou o Instituto de Ciências Naturais do Colégio de Campolide e a
secção de Ciências da academia desse Colégio. Discípulo de Madame Curie, foi um
dos pioneiros em Portugal dos estudos da radioactividade, ao investigar a
radioactividade das águas minerais. Uma curiosíssima fotografia do arquivo da
Companhia de Jesus publicada no artigo de Contreiras mostra um grupo de
estudantes jesuítas que parecem tocar
instrumentos de Física como se fossem instrumentos de música, uma “orquestra de
física”, portanto, no Colégio de São Francisco, em Setúbal, no ano lectivo de
1892-1893. Um dos noviços, o do
telescópio, é precisamente Oliveira Pinto.
O interesse dos jesuítas pela astronomia continua nos dias
de hoje. O Observatório do Vaticano, um
dos mais antigos do mundo pois foi fundado em 1572 pelo papa Gregório XIII (que
instaurou o calendário gregoriano, preparado por Clavius e ainda em vigor), é actualmente
dirigido por um jesuíta, o americano Guy Consolmagno. Consolmagno, o autor de
“A Mecânica de Deus” (Europa-América, 2009), recebeu em 2014 a medalha Carl
Sagan, da Sociedade Astronómica Americana, pelas suas extraordinárias actividades
de comunicação ao público em geral das
ciências planetárias. Quer dizer, os jesuítas, tal como noutros tempos,
continuam não só a praticar a ciência como a espalhar cultura científica.
"Parnasianismo pedagógico", que não é uma coisa nem outra
Com o argumento de que, com a entrada no século XXI, o mundo mudou radicalmente, muitos políticos, empresários, académicos, educadores/professores, parceiros educativos (não sei se por esta ordem) insistem na ideia de que os sistemas educativos têm de mudar, a escola tem de mudar, a sala de aula tem de mudar, os currículos têm de mudar, os recursos têm de mudar...
Aliam este argumento a outro igualmente falacioso: que as crianças e os jovens não são os mesmos dos século XX, são diferentes e, portanto, o ensino tem de mudar, a aprendizagem tem de mudar.
Essas mudanças são invariavelmente apresentadas como um dado adquirido, uma evidência, uma certeza suprema, uma inevitabilidade. Há, pois, que aceitá-las e sem questionar o que, de facto, se passa - se é que se passa alguma coisa - rumando num sentido - o problema é perceber exactamente qual é o sentido.
Mais: é preciso cumprir essas mudanças já; com toda a urgência. Não depois, mas agora, neste momento, na medida em que o seu ritmo é acelerado, é progressivamente mais acelerado, é alucinante.
Não exagerei um milímetro nesta descrição, usei (algumas das) palavras que, por dever de ofício, todos os dias tenho de ler, sou obrigada a ler, palavras que me deixam muito cansada; sendo mais sincera, direi que me deixam estafada!
Até porque são palavras que se associam a outras, que, pelo modo como são (mal) empregadas, se tornaram igualmente esgotantes: aprendizagem significativa, ensino activo, sociedade da informação, competências sociais, mercado de trabalho, emoções, afectos, literacia, criatividade, crítica, valores, cidadania, projecto, colaboração, capacidades, aptidões, educação integral, globalização, etc, etc. etc...
Combinam-se estas palavras de múltiplas maneiras, até à exaustão, não importando a ordem pela qual isso acontece.
Isto porque não interessa a sua origem e o seu sentido concreto, estão na rua e cada um usa-as como bem entende. Além disso, ninguém está empenhado em testar a (falta) de compreensão que o seu alinhamento possa revelar.
São palavras que soam bem a muitos ouvidos e isso basta para que muitas mãos componham algo que se pareça com frases, parágrafos, textos...
É uma espécie de "parnasianismo pedagógico", sem desmérito nem para o "parnasianismo", nem para a "pedagogia", que nada têm a ver com o fenómeno.
O que resulta é um discurso falacioso, que, pelos equívocos em que faz incorrer, impede qualquer entendimento entre as pessoas que se deveriam entender sobre o que é absolutamente crucial: a educação dos mais jovens, aqueles que estão na escola e que a escola tem o dever de ensinar.
Ainda que tal entendimento não seja conseguido, nas entrelinhas do discurso, quase de modo subliminar, passam ideias em tudo contrárias ao cumprimento desse dever.
Trata-se de um fenómeno antigo e sem fronteiras, reconheço, mas que tem ganho nos últimos meses, em Portugal, uma expressão revigorada, impondo-se despudoradamente e resistindo a qualquer tentativa de racionalidade.
Aliam este argumento a outro igualmente falacioso: que as crianças e os jovens não são os mesmos dos século XX, são diferentes e, portanto, o ensino tem de mudar, a aprendizagem tem de mudar.
Essas mudanças são invariavelmente apresentadas como um dado adquirido, uma evidência, uma certeza suprema, uma inevitabilidade. Há, pois, que aceitá-las e sem questionar o que, de facto, se passa - se é que se passa alguma coisa - rumando num sentido - o problema é perceber exactamente qual é o sentido.
Mais: é preciso cumprir essas mudanças já; com toda a urgência. Não depois, mas agora, neste momento, na medida em que o seu ritmo é acelerado, é progressivamente mais acelerado, é alucinante.
Não exagerei um milímetro nesta descrição, usei (algumas das) palavras que, por dever de ofício, todos os dias tenho de ler, sou obrigada a ler, palavras que me deixam muito cansada; sendo mais sincera, direi que me deixam estafada!
Até porque são palavras que se associam a outras, que, pelo modo como são (mal) empregadas, se tornaram igualmente esgotantes: aprendizagem significativa, ensino activo, sociedade da informação, competências sociais, mercado de trabalho, emoções, afectos, literacia, criatividade, crítica, valores, cidadania, projecto, colaboração, capacidades, aptidões, educação integral, globalização, etc, etc. etc...
Combinam-se estas palavras de múltiplas maneiras, até à exaustão, não importando a ordem pela qual isso acontece.
Isto porque não interessa a sua origem e o seu sentido concreto, estão na rua e cada um usa-as como bem entende. Além disso, ninguém está empenhado em testar a (falta) de compreensão que o seu alinhamento possa revelar.
São palavras que soam bem a muitos ouvidos e isso basta para que muitas mãos componham algo que se pareça com frases, parágrafos, textos...
É uma espécie de "parnasianismo pedagógico", sem desmérito nem para o "parnasianismo", nem para a "pedagogia", que nada têm a ver com o fenómeno.
O que resulta é um discurso falacioso, que, pelos equívocos em que faz incorrer, impede qualquer entendimento entre as pessoas que se deveriam entender sobre o que é absolutamente crucial: a educação dos mais jovens, aqueles que estão na escola e que a escola tem o dever de ensinar.
Ainda que tal entendimento não seja conseguido, nas entrelinhas do discurso, quase de modo subliminar, passam ideias em tudo contrárias ao cumprimento desse dever.
Trata-se de um fenómeno antigo e sem fronteiras, reconheço, mas que tem ganho nos últimos meses, em Portugal, uma expressão revigorada, impondo-se despudoradamente e resistindo a qualquer tentativa de racionalidade.
Este texto tem continuação
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