segunda-feira, 31 de julho de 2023

PALAVRAS DE QUE GOSTO E PALAVRAS DE QUE NÃO GOSTO: INQUÉRITO DA REVISTA «LER»

 PALAVRAS DE QUE GOSTO

«Cientista». Eu sou um. Palavra  que  só surgiu no século  XIX pois só então surgiu a necessidade de designar um novo ofício.

«Curiosidade». O que move os cientistas. Para Einstein era «apaixonada»

«Descoberta» -Palavra que surgiu pela primeira vez  numa língua nacional em Portugal no tempo dos Descobrimentos. As coisas já lá estavam, mas foram reveladas.

«Deslumbrante». Gosto de ser deslumbrado, seja por uma paisagem, por um fenómeno ou  por uma pessoa.

«Nefelibatas». Os habitantes das nuvens. No tempo de Aristófanes eram os sofistas.

«Verdade». Uma palavra cada vez mais em perigo que importa preservar custe o que custar.

 

PALAVRAS DE QUE NÃO GOSTO

 

«Ao nível de». Usada a torto e  direito, bastante mais a torto do que a direito

«Bué». Nunca uso, dizem-me que significa «muito«; se assim é, porque não dizem «muito»? E qual é o novo termo para «pouco»?

«Cena». Normalmente é «ganda»!  O verbo que liga com cena é «assistir»

«Em termos de». Demasiado usado como tradução à letra do inglês. A mais engraçada que ouvi foi quando perguntei por uma estrada e me disseram que, «na rotunda, em termos de direita, é a ultima»  (sic)

«Tipo». Usada por toda a malta, tal como «cena», ou ainda «fixe» e «prontos»

«Woke». Já entrou no português o termo inglês que designa uma tendência horripilante de censura vocabular e não só. 

CONCERTO AO LUAR EM PENEDONO

 Texto da minha apresentação ontem em Penedono de um concerto da Orquestra Clássica do Centro, com a soprano Regina Freire:

Muito boa noite. Sejam muito bem-vindos a este concerto ao luar, da Orquestra Clássica do Centro, neste fantástico Largo do Castelo em Penedono. Muito obrigado à Câmara Municipal de Penedono pela magnífica hospitalidade.


Começo por explicar por que razão este concerto ao luar é muito oportuno: hoje é dia de lua cheia. Mais do que isso, é noite de superlua, quando a Lua nos aparece ligeiramente maior, em virtude de estar um pouco mais próximo da Terra na sua órbita elíptica. Não é um fenómeno raro, em cada 12 ou 13 luas cheias que há no ano, três ou quatro serão superluas. Mais raro é uma luz azul, que vai acontecer no final deste mês de Agosto, por ser a segunda lua cheia do mesmo mês.


Sobre Penedono, basta olhar para o altaneiro castelo para percebermos que é um lugar histórico. Erguendo-se a 900 metros de altitude aqui, bem no interior de Portugal, foi fundado ainda o país não existia no ano de 900. A estrutura medieval constitui uma mistura de fortificação defensiva e de residência senhorial. A atual configuração do castelo remonta aos fins do século XIV, quando D. Fernando incluiu a povoação no termo de Trancoso. Foi aqui que nasceu nessa época Álvaro Gonçalves Coutinho (1383-1445), o célebre Magriço, eternizado por Luís de Camões n’Os Lusíadas, no semilendário episódio dos Doze de Inglaterra (que em 1966 haveria de dar o nome à selecção nacional de futebol que participou Mundial de Inglaterra).   Sob o reinado de D. Manuel I, a vila recebeu o Foral Novo (1512), o que atesta a sua importância à época. Foram realizadas, neste tempo, novas obras no castelo, para o que terá contribuído a influência do 4.º conde de Marialva, vedor das obras reais na Beira. Foram várias as posteriores vicissitudes do castelo na idade moderna. O castelo foi visitado por Alexandre Herculano em 1812, que o descreveu, à época, como já em ruínas. O castelo de Penedono está classificado como Monumento Nacional desde 1910. Hoje está bem restaurado graças à intervenção da Câmara Municipal.


Confesso que nunca tinha vindo a Penedono. E estou encantado com o sítio. De facto, já tinha ouvido maravilhas, pois a minha sogra nasceu aqui um pouco incidentalmente porque o pai era funcionário das finanças que tinha de peregrinar por terras da Beira Alta em tarefas de inspecção. Ela haveria de crescer em Viseu, de se formar em Farmácia na Universidade do  Porto e de ensinar na Universidade de Coimbra. Portanto, Penedono tem outras filhos ilustres para além do Magriço…


Vamos hoje ouvir vários trechos de ópera.  A ópera é um género musical que nasceu no século XVI quando um grupo de músicos florentinos tentavam recriar o teatro grego. Entre os membros da Camerata Florentina que fez as primeiras representações operáticas, estava Vincenzo Galilei, o pai do físico Galileu Galilei, que tocava alaúde na corte dos Medici em Florença. Portanto, a ópera data do tempo da criação da ciência moderna. No início do século XVII, mais precisamente em 1609, Galileu, o filho, foi o primeiro a observar o céu com o auxílio do telescópio. Foi ele que viu pela primeira vez montes e vales na Lua. Assim como aqui na Terra há montes e vales – na região de Penedono abundam - também os há na Lua. E eles desenhou-os com habilidade artística. A arte e a ciência têm seguido ao longo da história caminhos paralelos, mas cruzam-se de vez em quando. Por exemplo, cruzam-se nas muitas vezes em que a arte, seja pintura, seja literatura, representou o nosso único satélite natural.


 A lua inspira-nos. É propícia ao amor. A lua cheia ilumina a noite, dando-lhe um encanto particular. E dizem que é propicia também à loucura. Lunático significa não apenas extravagante, mas também maluco. Alguns dos temas que vamos escutar hoje têm a ver com o amor,  um fenómeno físico-químico no nosso cérebro e no nosso corpo, e também um sentimento misterioso que as artes tentam descrever. A ciência do amor é difícil de efectuar e de transmitir. Sabemos que, na química amorosa, para além das hormonas sexuais existem as substâncias do amor romântico, que desempenham um papel essencial no processo da paixão. Uma molécula importante é a serotonina, que está associada à primeira fase do amor romântico, em particular à tendência para fantasiar. Mas uma música que descreve um sentimento de amor é algo que entra em nós facilmente porque o nosso cérebro é extraordinariamente permeável à música. Todos nós humano gostamos de música. E gostamos ainda mais da grande música como aquela que vamos ouvir esta noite.


O amor é um tema recorrente em óperas e, para favorecer ou fenecer a química do amor no cérebro, existem várias poções, desde a que aparece no Elixir do Amor do italiano Gaetano Donizetti, que é uma bebida preparada por um impostor simpático, até ao veneno de Romeu e Julieta de Charles Gounod, de qual hoje vamos ouvir um trecho.


 Perante vós está a Orquestra Clássica do Centro, que desde há anos, sob a notável direcção de Emília Cabral Martins, tem protagonizado a grande música em Coimbra. Hoje vamos desfrutar neste magnífico cenário, do som dessa Orquestra, que aliás já actuou em Penedono, dirigida pelo maestro Sérgio Alapont. O nosso querido maestro, nascido em Valência, Espanha,  estudou direcção de orquestra em Péscara, Itália, e em Nova Iorque, Estados Unidos, recebeu o prémio de melhor maestro do GBOSCAR, Itália, em 2016, e ganhou a 2.ª edição do Prémio de maestros de Granada. Já dirigiu algumas das mais famosas orquestras do mundo, nalguns dos melhores palcos do globo. Tem estado nos últimos anos à frente da Orquestra Clássica do Centro. E Penedono está hoje no centro.


1)      Vamos começar com a abertura de uma obra de um génio da música, apesar de ter vivido muito pouco tempo: o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (Salzburg 1756 – Viena 1791),  Le nozze di Figaro , em português As bodas de Fígaro, é uma ópera-bufa em quatro atos composta por Mozart, sobre um libreto de Lorenzo da Ponte, com base na peça homónima do escritor francês Pierre-Augustin de Beaumarchais (Le Mariage de Figaro). Composta entre 1785 e 1786, estreou em Viena, em 1 de Maio de 1786. Mozart terá começado a ter problemas de reputação com esta ópera, que satirizava a vida de alguns nobres. Mozart compôs várias obras e não falta quem diga que esta é a melhor de todas: mas destaco também o Don Giovanni, o Cosi fan tutte e a Flauta Mágica, todas posteriores as Bodas de Fígaro. A acção das Bodas de Fógaro decorre em Sevilha, no Castelo do Conde de Almaviva, no século XVIII. Fígaro e Susana, servos do conde, vão-se casar. Mas o conde assedia a casta Susana. E mais não conto… Só digo que, depois de algumas confusões o Conde arrepende-se, a condessa perdoa-lhe e tudo acaba numa alegre festa. Vamos ouvir a abertura das Bodas de Fígaro. 


2)    O segundo autor de ópera convocado é o italiano Gioachino Rossini (Pésaro 1792- Paris 1868, o autor de 39 óperas, entre as quais o Barbeiro de Sevilha, a mais famosa. Vamos ouvir de Rossini a abertura de La scala di seta, em português A escada de seda. É uma farsa cómica em apenas um acto, com o libreto de Giuseppe Foppa. A sua estreia ocorreu no Teatro San Moisè, de Veneza, no dia 9 de Maio de 1812. Nesta farsa, conta-se o pedido de casamento que Dormont fez à sua pupila Giulia. Mas tinha-se casado secretamente com Dorville, a quem obrigava a subir todas as noites ao seu quarto por uma escada de seda. Felizmente, a prima de Giulia e um ajudante conseguem "embrulhar" as coisas de modo acaba tudo bem.


3)      Outro gigante da ópera, o italiano Giacomo Puccini (Lucca 1858- Bruxelas 1924). Morreu por complicações surgidas no tratamento por radioterapia de um cancro na garganta. É o autor de Manon Lescaut, Tosca, Madame Butterfly,  Turandot e La Boheme. Vamos ouvir uma ária de La Bohème: "Quando m'en vo". La Bohème é uma ópera em quatro atos   com libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, baseado no romance de Henri Murger, Scènes de la vie de bohème. Estreou no Teatro Regio de Turim em 1 de Fevereiro de 1896, sob a regência do grande maestro italiano Arturo Toscanini. "Quando me'n vo'", também conhecida como "valsa de Musetta", é uma área para soprano do 2.º acto. É cantada por Musetta, na presença dos seus amigos boémios, esperando chamar a atenção do seu ex-namorado Marcello. A cena tem lugar no Café Momus. Pouco depois dos seus amigos se sentarem para uma bebida, Musetta aparece. Ela chega à boca de cena para cantar uma ária em que se auto-promove muito bem. Canta para a audiência do café e também para a audiência do concerto hoje aqui. Traduzi o início de “Quando m'en vo”: “ Quando eu caminho sozinha na rua, as pessoas param e olham para mim, e contemplam a minha beleza, da cabeça  aos pés.” No papel de Musetta está hoje connosco Regina Freire, soprano natural do Porto. Completou os estudos com distinção na Guildhall School of Music and Drama em Londres Já obteve alguns prémios em concursos nacionais e internacionais.  Apesar de ser bastante jovem, Regina já teve a oportunidade de ser solista no Reino Unido, França, Noruega, Grécia e Portugal, de trabalhar com orquestras como orquestras famosas como a London Symphony Orchestra, dirigida Sir Simon Rattle.

4)      De novo  Rossini, o autor de Il barbiere di Siviglia, uma ópera de que já falei.-Vamos ouvir a abertura  do Barbeiro de Sevilha. É uma ópera-bufa do italiano Gioachino Rossini (1792 - 1838), que foi um fracasso na sua estreia em 1816 em Roma, mas que depois conheceu um retumbante êxito. O Barbeiro de Sevilha também parte de uma obra do francês Beaumarchais tal como As Bodas de Fígaro. Faz parte de uma trilogia, a «trilogia de Fígaro» desse escritor, da qual uma parte foi aproveitada por Mozart nas Bodas de Fígaro, 30 anos antes. Também aparece o Conde de Almaviva. Acontece que o argumento começa com uma serenata do Conde de Almaviva a Rosina, uma jovem tutorada por um médico charlatão, o Dr. Bartolo, um velho que quer casar com ela. Estão reunidos os ingredientes para uma tempestade sentimental. Bem, há uma tempestade real descrita musicalmente na ópera, uma ligação curiosa entre música e meteorologia. Mas hoje o tempo está bom, não haverá tempestades.

5)      Chegou a altura do que é talvez o maior de todos os compositores de ópera o italiano Giuseppe Verdi (Roncoli  - Parma 1813 – Milão 1901). Os apreciadores de Wagner que me desculpem…  Vamos ouvir o Prelúdio do 1.º acto de La Traviata, de Verdi.  Esta ópera do genial Verdi, em três actos, estreada em 1853 em Veneza, baseia-se no romance Dama das Camélias, de Alexandre Dumas. La Traviata, a mulher caída, é Violeta, que se apaixona sem revelar que está gravemente enferma. No final, Violeta morre, vítima de tuberculose, nos braços do seu amado, Alfredo. A tuberculose é uma epidemia que dizimou muita gente no século XIX, incluindo numerosos escritores (entre nós Júlio Dinis, António Nobre, Cesário Verde, etc.) e músicos (Frédéric Chopin e Niccoló Paganini), e também no século XX (entre os escritores estrangeiros, Franz Kafka, D. H. Lawrence, George Orwell). Mas a morte de Violeta é só no fim da ópera, vamos só ouvir o prelúdio. Só uma nota sobre a morte do próprio Verdi, de derrame cerebral: as suas exéquias foram impressionantes, com mais de 200.000 pessoas a cantar “Va Pensiero” ou “Coro dos Escravos Judeus”, uma área da ópera Nabucco, tocada por uma grande orquestra dirigida por Arturo Toscanini.

6)      E chegou a vez de um compositor francês Charles Gounod (Paris, 1818 – sant – Cloud 1893,, vamos ouvir da ópera  Roméo et Juliette, Romeu e Julieta, a ária “Je veux vivre" (“Quero Viver”).  Romeu e Julieta é uma ópera em 5 actos de Gounod com libreto de Jules Barbier e Michel Carré. Gounod foi um compositor francês famoso sobretudo por suas óperas e música religiosa. A inspiração de Romeu e Julieta foi evidentemente a peça de William Shakespeare do final do século XVI, uma das suas primeiras tragédias. Nela entra a a paixão de dois jovens de Verona e, como bem sabem, há poções e mortes. A ópera estreou no Théâtre Lyrique de Paris, a 27 de Abril de 1867. Esta ópera é notável pela série de quatro duetos dos personagens principais.  “Je veux vivre” é uma área cantada no 1.º acto por Julieta: Quando outros lhe falam do casamento, ele conta que gostaria de viver dentro do seu sonho onde seria eternamente Primavera. Canta, em tradução portuguesa: “Quero viver / Neste sonho que me embriaga / Ainda neste dia, / Doce chama / Guardo-te na alma / Como um tesouro!” Esta canção em forma de valsa para  voz de soprano é interpretada por Castafiore no filme de desenhos animados de 2011 de Steven Spielberg Les aventures de Tintin: Le secret de la Licorne. A cantar a área do Romeu e Julieta estará Regina Freire,

7)      A próxima peça é o Intermezzo da Cavalleria Rusticana, do italiano Pietro Mascagni (Livorno 1863 – Roma 1945), A Cavalleria Rusticana (em português “Cavalheirismo, ou nobreza, rústica”) é uma ópera num só acto com libreto extraído de uma novela de Giovanni Verga, que foi estreada em 1890 em Roma. Mascagni, um adepto de Mussolini, morreu pobre logo após a libertação da Itália, há cerca de 75 anos. Apesar de ter estado pouca gente nessa estreia tornou-se um sucesso imediato. Dividida em duas partes, separadas pelo intermezzo que vamos escutar, a Cavalleria Rusticana é uma das primeiras composições do realismo operático italiano. Trata-se de uma história de amor, ciúme e morte que termina num duelo. Esta composição tem sido usada como banda sonora de séries e filmes. Uma nota curiosa: O êxito de Mascagni deve-se à sua esposa, que enviou a ópera sem ele saber para um concurso musical, no qual obteve o primeiro lugar. Atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher…

8)      E, quase a finalizar,  um trecho de uma opereta Giuditta “Meine Lippen sie küssen so heiß,” “Os meus lábios beijam ardentemente”, do compositor austro-húngaro Franz Lehár (1870 - 1948), o autor da Viúva Alegre.  Lehár nasceu num sítio da actual Eslováquia e morreu num sítio da actual Áustria. Vamos ouvir uma ária para soprano de uma comédia musical em cinco cenas de Lehar, que foi o seu último trabalho de comédia. Surge quase no final: “Os meus lábios beijam ardentemente” canta Giuditta, a heroína da peça com o mesmo título estreada em 1934. Giuditta abandonou o seu marido fugindo com Octavio, um oficial do exército, para o Norte da África. Devido à sua profissão, teve Octavio  teve de deixar a sua amada, que se torna dançarina de um clube nocturno. Virá a descobri-la após ter deixado a sua unidade. Giuditta tinha alcançado sucesso na sua nova profissão, mas a auto-estima de Octavio fica arrasada... Ela canta: “Os meus lábios beijam tão ardentemente./ Os meus braços são tão macios e brancos./ Nas estrelas está escrito:/ Deves-me beijar, deves-me amar!” Isto claro não é astronomia, mas sim astrologia. Dá muito jeito para namoros… Connosco de novo estará Regina Freire. 

9)     Blue Moon dos compositors norte-americanos Richard Rodgers (1902-1979) e Lorenz Hart (1895-1943).  O encore, um tema de música americana fora do universo da ópera, fala da Lua Azul. Escrita em 1934, “Blue Moon” é uma canção clássica do século XX. Foi cantada por grandes artistas como Billie Holiday, Elvis Presley, Bob Dylan e Cliff Richard. Hoje, será Regina Freire. Na cultura popular, essa canção já apareceu em filmes musicais como Grease e Blue Moon. É o hino do Manchester City, campeão inglês e europeu, onde jogam os portugueses Ruben Dias e Bernardo Silva. A versão que vamos escutar é um arranjo para orquestra de Pedro Carvalho, concertino da Orquestra Clássica do Centro. A Lua Azul, como já disse, é um acontecimento astronómico relativamente raro: a lua não fica azul, mas chama-se assim à segunda lua cheia que acontece num mês. A última Lua Azul foi a 31 de Outubro de 2020 e a próxima será a 30 de Agosto de 2023, precisamente daqui a um mês. Foi um prazer a Vossa companhia. E muito boa noite, para todos! Vai ser,  sob a égide da lua cheia.

O INVESTIGADOR COMO "RECURSO" PARA A INVESTIGAÇÃO

A União Europeia acaba de publicar um documento com o título ResearchComp: Quadro Europeu de Competências para Investigadores. Trata-se de uma "ferramenta para avaliar e desenvolver as competências transferíveis dos investigadores e promover o desenvolvimento de carreiras". 

Limito-me a transcrever, abaixo, o que li na apresentação. Confesso não ter explorado as áreas de competência, as competências, os resultados de aprendizagem por níveis de proficiência... Tudo muito arrumado, estandardizado, previsto e, evidentemente, avaliável! Um perfil de investigador ou um perfil para delinear perfis! Vi, com algum espanto que "os investigadores são um recurso fundamental para a investigação", tal como os professores são um recurso fundamental para a educação. Um recurso, sublinho! Tirará o leitor as conclusões...

Este primeiro quadro de competências alinhado com a Classificação Europeia de Competências, Competências e Profissões (ESCO), ajuda (1) os investigadores a avaliarem e desenvolverem as suas próprias competências transversais; (2) as instituições de ensino superior e os prestadores de formação a adaptarem a sua oferta aos investigadores; (3) os empregadores a estarem cientes do vasto conjunto de competências dos investigadores 

A "ferramenta" foi desenvolvida pela Comissão Europeia em estreita consulta com as partes interessadas concretizando o novo Espaço Europeu da Investigação. Teve por base a taxonomia de competências transversais para investigadores incluída na versão 2022 da classificação. 

"Os investigadores, acrescenta-se, são um recurso fundamental para a investigação e a inovação e para a sociedade em geral. É importante que estejam dotados das competências transferíveis necessárias para carreiras eficazes e bem sucedidas em todos os setores relevantes da sociedade."

"O ResarchComp estabelece uma linguagem comum e um entendimento comum das competências transversais dos investigadores e pode ser utilizado, numa base voluntária, por uma variedade de partes interessadas. Os investigadores podem identificar as competências que podem promover carreiras interoperáveis em setores socioeconómicos relevantes e poderão avaliar quais as que já dominam e com que nível de proficiência, e quais merecem esforços adicionais, com benefícios claros para a sua carreira e empregabilidade."

"O "ResearchComp tem 3 dimensões principais7 áreas de competência (capacidades cognitivas, fazer investigação, gerir a investigação, gerir ferramentas de investigação, causar impacto, trabalhar com outros, autogestão) 38 competências, 389 resultados de aprendizagem ao longo de 4 níveis de proficiência (fundacional, intermédio, avançado, perito)."

"Cada competência é definida por um descritor e é desenvolvida com resultados para cada um dos níveis de proficiência. Não é sugerido que os investigadores adquiram o mais alto nível de proficiência para todas as 38 competências ou tenham a mesma proficiência em todas as competências. No entanto, os investigadores devem desenvolver competências em todos os sete domínios. A progressão entre níveis para as várias competências pode ser o resultado de cursos de formação específicos, formação no local de trabalho, aprendizagem entre pares, coaching e mentoria."

UM RESUMO ANIMADO MUITO DESANIMADOR! ENTRE MUITOS, MUITÍSSIMOS!

O texto de Marco Mendes, acabado de publicar, levou-me a procurar na internet "resumos de..." Detive-me n` Os Maias". De entre uma infinidades deles, abri um "Resumo Animado", que tinha o aviso "não é objetivo deste vídeo substituir (de maneira alguma) a leitura da obra". Certo! Explicava-se, a par, que as fontes usadas foram (evidentemente) a obra e um resumo da obra de uma editora escolar (claro!)

Dos muitos comentários, retirei os seguintes:
De alunos: "Para todos os que têm avaliação amanhã e tão a ver isto de madrugada, não estão sozinhos" | omg ahaha tou a viver para o sarcasmo, eu tenho uma ficha de leitura amanhã e deixei tudo para a última e obrigada por não estares a fazer disto uma seca..damn preach | fodass amigo salvaste me a vida tenho apresentacao esta semana, nem sabia que era para ler o livro | tu falas-te muito depressa...

De professores (?!): "trabalho incrível!! Vou partilhar com os meus alunos e pedir que subscrevam o canal"; "Genial! Adorei e vou usar para introduzir a obra com os meus alunos"...

De alunos? Ou de professores (?!): "O livro é genuinamente bom leiam-no não se restrinjam a resumos"; "A bandeira portuguesa "republicana" está errada... (à data ainda se estava em monarquia)"...

Idem: "Podem fazer animações acerca de outras obras?"

Ah, sim... vale a pena ver pelo menos um ou dois minutos do dito resumo animado... A conclusão, garanto, não é animadora!


Guerra e Leitura (Paz quiçá)

Por Marco Mendes 
Imaginai-vos...
... numa grandiosa nação, na vanguarda do conhecimento e da inovação, com influência em inúmeros países em torno dela. Tendes, aparentemente, a melhor Educação, Saúde e Justiça. Sois conhecidos e venerados no mundo, por gentes que utilizam a vossa tecnologia, que lêem os vossos autores e filósofos. Viveis numa sociedade que aspira às estrelas e que na sua ambição faz por alcançá-las, ainda que chegue apenas a uma ínfima parte do Espaço. Uma nação com um passado recente atribulado, mas com um líder novo, que vos enche de esperança, ainda que o fedor a pólvora já se sinta… 
A história não é propriamente um mistério, alguns pensaram na Alemanha nas décadas de 30 e 40 do século passado, outros na Rússia atual, etc. A realidade é que nem importa assim tanto o nome da terra, até porque, mudando-se pormenores (um partido ao invés de líder, comércio pelo Espaço, etc.), aplica-se a uma grande parte das civilizações. O mistério reside em saber porque é que isto acontece? 

Talvez a responsabilidade seja da escola, o excesso das disciplinas “úteis” e a falta das Artes, da História, da Filosofia, ou os docentes que se coíbem de ensinar. Talvez a responsabilidade seja desses aparelhos que se designam por telemóveis e do acesso que dão a coisas como o “Tik-Tok”... Não sei se devemos ir por este caminho, de identificar e responsabilizar...

Penso ser preferível procurar um antídoto, algo que contrarie a tendência tão humana, de empenhar as vidas de avós, filhos e netos em belicismos incompreensíveis. Acuse-se aquele que me indicar um antídoto melhor do que a leitura. 

Será esta afirmação petulância de um leitor ainda iniciante mas insaciável? Talvez, mas pensai: se sombras e trevas, enviesamentos e mentiras, corrupções e disputas fazem parte dessa tendência, que nos é tão próxima, em que mais podemos confiar, senão no nosso pensar que a leitura ajuda a formar, no nosso espírito crítico que dela deriva, na nossa intuição que ela subtilmente organiza? 

Estudo Educação...
... mas não me iludo com as potencialidades que ela, só por si, possa ter a estes níveis, até porque a vemos depauperada do “inútil”, daquilo que nos transporta para mundos diferentes do nosso, que nos interrogam, que nos desafiam a compreender.
Focados que estamos em "preparar os jovens para o mercado de trabalho" para que consigam, dizemos muito otimistas, "bem-estar" na vida, deixamo-los andar pelo ensino básico e secundário longe dos livros. Saem muitos da escolaridade obrigatória sem alguma vez terem lido sequer uma obra, das obrigatórias, recomendadas ou nomeadas por acaso. Como fazem, então, testes e exames? Leem "excertos" que os manuais reproduzem, e "resumos", que os há de todos os modelos e para todos os gostos. É isto que lhes damos, mesmo sendo educadores encartados.

Enquanto acontece mais uma chacina por terras da velha União Soviética, leio Dostóiesvki, Cholokhov, Tólstoi… E não posso deixar de conjeturar que alguma diferença faria se os grandes atores da política mundial tivessem lido e... compreendido!

No trigésimo primeiro dia de julho 2023,
Marco Mendes

sábado, 29 de julho de 2023

DE ALUNO A ESTUDANTE

Jorge Larrosa, professor de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona, faz, com frequência, nos seus muitos livros, artigos e entrevistas, um exercício aparentemente simples: interroga o trivial tornando-o fundamental. Aponta para o que tende a não ser notado nem pensado, explora palavras e as suas ligações e retira implicações para o ensino. É que, na sua perspectiva (que é também a minha), a acção docente depende substancialmente da interpretação que dela se faz.

Detenho-me num exemplo simples: os professores, sobretudo de níveis mais avançados de escolaridade, devem preferir a palavra "aluno" ou a palavra "estudante"? São sinónimos, diríamos; é indiferente. Não é, afirma Larrosa; a diferença é substancial. Atentemos na sua explicação...
A condição de aluno é administrativa e posicional (como também é administrativa e posicional, ao menos em primeira instância, a condição de professor). 

A obrigação do professor é converter os alunos em estudantes, quer dizer, fazê-los passar da condição institucional e posicional de alunos à condição existencial e pedagógica de estudantes. 
Essa passagem é sempre possível? Não, há casos em que não se consegue tornar um aluno num estudante. E os professores têm de estar preparados para isso.
Mas, mesmo nessa consciência, é importante tratar todos os alunos como se fossem estudantes na esperança de que se tornem no que se deve desejar.
Ver o seguinte texto do autor: "El oficio de profesor tiene que ver con el amor

OS USOS DA LITERATURA

Por Eugénio Lisboa

A literatura instrui-nos, dá-nos prazer, educa-nos, abre-nos portas inesperadas para o mundo e para dentro de nós, torna-nos inquiridores e aventureiros, escuda-nos contra os pestilentos ratos de esgoto, mostra-nos que há tragédia mas, também, momentos de alegria sublime, expõe-nos aos mais diversos rostos do amor, desde a Assia, de Turguenev, por mim descoberta, na adolescência, passando pela Natasha ou pela Karenina, de Tolstoi, pela pequena Jane Eyre, frágil, mas firme, declarando, tremendo, a um portentoso Rochester: “We are equal!”, assim pisando, pela primeira vez, um feminismo forte, destemido e não perverso, ou pela inesquecível Gise, da grande saga francesa, de Martin du Gard, sem esquecer as imortais protagonistas de Stendhal, Mme de Rênal e a esplendorosa Sanseverina (e a Vanina Vanini?). 

A literatura torna-nos fortes, quando, mergulhando-nos nos mais fundos abismos da condição humana, verificamos que, após tal mergulho, afinal, prevalecemos. Quando, com catorze ou quinze anos, verifiquei, pela pena do grande O’Neill, que a América triunfal e poderosa, se tornara herdeira dos grandes trágicos gregos e de um dilacerado Strindberg, percebi que atravessar tudo aquilo e continuar vivo era um milagre de força. Senti que valia a pena viver. 

O mesmo se passou com os grandes romances e novelas de Dostoiewsky. Fiodor Sologub iniciou-me, sem me destruir, nos mundos da loucura, por via do seu protagonista do perturbante romance O DEMÓNIO MESQUINHO (na tradução portuguesa, A LOUCURA DE PEREDONOV). Sally Salminen deu-me a vida inteira, num belo romance arrumado em ilhas escandinavas. Hemingway deu-nos heróis e heroínas inesquecíveis, os horrores da guerra e da guerra civil e a invencível fragilidade que se aninha nos peitos mais fortes. Mas tentou “salvar-nos”, com uma singular promessa: o homem pode ser destruído, mas não vencido.

Ler os trágicos gregos, a seguir à morte do meu irmão, purgou-me e salvou-me, em vez de me destruir. A tragédia lava e redime. 

Os grandes cómicos, Molière ou Wodehouse, encheram-me de sol e de água fresca. O grande Pirandello fez-me rir, dilacerando-me e tornando-me desconfiado, isto é, prevenido. Nesta altura do campeonato, estou a ouvir o sussurro de um qualquer rato de esgoto: “Este tipo quer-nos convencer de que leu tudo e mais alguma coisa.” Responderei, como respondeu D’Annunzio a Gide: sim, li tudo, na esperança de encontrar finalmente A OBRA-PRIMA. 

Eugénio Lisboa

sexta-feira, 28 de julho de 2023

A Tomada de Posição de um Conselho Geral de uma Escola

Reproduzo abaixo uma mensagem que terá chegado a muitas caixas de correio, enviada e assinada por um Professor que é também Presidente do Conselho Geral de uma escola do nosso país. Tal como ele diz, este órgão é responsável (sublinho responsável) "pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola". Na verdade, todos os que estão no sistema de ensino (e não apenas os políticos) têm responsabilidade nele: directores e professores, investigadores e formadores não podem estar excluídos ou excluírem-se.

As directrizes/determinações políticas (sendo isso mesmo, directrizes/determinações) precisando de ser tidas em séria conta requerem ponderação com racionalidade e razoabilidade pelos profissionais, e, em função disso, desenvolvidas em função de princípios efectivamente educativos. Para tal, universidade e organizações como a UNESCO têm de continuar a fazer o seu trabalho com empenho e honestidade, disponibilizando informação e conhecimento de relevo capaz de apoiar a tomada de decisões que beneficiem, em primeira instância, os alunos .

Parece-me ser este um exemplo do que acabo de escrever.
Exmos. Srs.,
Sou docente de Matemática na Escola Secundária de Rio Maior e, também, Presidente do Conselho Geral da mesma, órgão de direção estratégica responsável pela definição das linhas orientadoras da atividade da escola, que assegura a participação e representação da comunidade educativa (professores, funcionários, alunos, encarregados de educação, autarquia, instituições/entidades da comunidade).
Contudo, mais importante, sou um apaixonado pela educação, pelo que gosto de pensar a escola. Tomo a liberdade de vos escrever, na esperança de vos sensibilizar para um problema que grassa no sistema educativo português, falo-vos do “Deslumbramento Digital” deste Ministério da Educação, que se materializa através da implementação de manuais digitais, provas de aferição em formato digital e, pasme-se, existe a intenção de aplicar a mesma metodologia aos exames finais nacionais, já em 2025.
Na passada quarta-feira reuniu o supracitado órgão, tendo os conselheiros sido unânimes em considerar extremamente pernicioso o rumo do modelo educativo português. Foi elaborada uma Tomada de Posição conjunta acerca deste assunto. 
Nem de propósito, ontem, o The Guardian fazia eco do mais recente relatório da UNESCO, Global education monitoring report, 2023: technology in education: a tool on whose terms?. Não me pretendo alongar neste texto, limito-me a fazer algumas citações, que considero serem bem marcantes:
– “Nem toda a mudança constitui um progresso. O facto de algo poder ser feito não significa que deva ser feito.”;
– “nenhum ecrã pode substituir a humanidade de um professor”;
– “assegurar que a tecnologia serve a educação e não o contrário”;
– “tecnologia deve estar ao serviço das pessoas e que a tecnologia na educação deve colocar os alunos e os professores no centro”. 
Anexo Tomada de Posição do Conselho Geral [ver aqui].
Melhores cumprimentos
Luciano Vitorino

AFORISMOS SOBRE O INVEJOSO SEGUIDO DE O PURGATÓRIO DO INVEJOSO

Por Eugénio Lisboa

À memória do grande aforista Cioran. 

AFORISMOS SOBRE O INVEJOSO
O invejoso morre, muitas vezes, não à míngua de excesso, mas à míngua de pouca coisa. 
A inveja é uma espécie de impotência.

O invejoso morrerá sempre de não ter comido o que outros comem. Mais do que comer, ele desejaria que os outros não comessem. 
Não sendo capaz de fruir, o invejoso quer impedir os outros de fruir. Como o caranguejo, que, vendo outro caranguejo a subir um montículo, em vez de o imitar e subir também, puxa-o para baixo, impedindo-lhe a subida. 
O invejoso odeia o vazio, mas não sabe preenchê-lo. 
O invejoso tem fome, mas não sabe mastigar. 
O invejoso não procura ter, procura que o outro não tenha. 
O invejoso gostaria de irradiar luz, mas irradia peçonha. 
O invejoso olha-se ao espelho e não gosta do que vê. 
O invejoso, escritor medíocre, incendiaria bibliotecas e livrarias, para evitar comparações. 
O invejoso não deseja medir-se com os outros: prefere aniquilá-los. Pereça o universo, mas salve-se o seu orgulho. 
O invejoso é um assassino impotente, um criador estéril e um amante sem líbido.

 

O PURGATÓRIO DO INVEJOSO 
Enviado para o segundo círculo
do Purgatório, pela mão de Dante,
o invejoso só possui currículo
que o transforma em ser nauseante.

Vejamos, seja, o invejoso Iago,
cobiçando, ao escuro e bravo Otelo,
Desdémona que, em dia aziago,
visitou, sem querer, o pesadelo!

Iago, mais do que querer Desdémona,
queria que Otelo a não tivesse:
mais que cobiçar a doce anémona,

desejava que Otelo a perdesse!
Quem inveja não sabe querer ter,
importa é o outro não haver.
Eugénio Lisboa

quinta-feira, 27 de julho de 2023

POR MARES DA TURQUIA

Meu texto em As Artes entre as Letras: 

A costa da actual Turquia (a República Turca está a fazer cem anos) foi parte da Grécia Antiga ou Hélade, onde floresceu uma das civilizações mais extraordinárias da Humanidade – a civilização helénica –, da qual todos nós somos herdeiros.

Numa recente excursão pelas ilhas do Dodecaneso, repartidas entre a Grécia e a Turquia (a aversão entre os dois países continua a ser evidente), pude visitar alguns lugares da Hélade, no lado turco, designadamente os sítios de Halicarnasso (hoje Bodrum), onde se situa o mausoléu que foi uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, e Cnido, no extremo da longa e estreita península de Datça, famosa pela sua estátua de Afrodite.

Ficará para outra ocasião visitar as ilhas gregas das redondezas, como a de Samos, terra de Pitágoras, a de Cós, terra de Hipócrates, e a de Rodes, a maior de todas, sítio do colosso que foi outra das Sete Maravilhas. 

Viajei num barco à vela, beneficiando da condução de um skipper italiano, experiente naquelas águas e ventos. Para mal dos meus pecados, conhecendo praticamente toda a Europa, ainda não tinha ido à Grécia, terra do meu imaginário desde que no liceu a professora de História nos mostrou luminosos slides da Acrópole de Atenas, que me levaram a escrever o meu primeiro escrito no jornal estudantil, sobre esse conjunto arquitetónico. Lembro-me de consultar e citar o livro Hélade (é uma antologia da cultura grega), da professora Maria Helena Rocha Pereira, na altura já uma sumidade dos estudos clássicos.

Agora fui à Grécia Antiga na Turquia. Finalmente, vi ao vivo algumas ruínas helénicas, assim como as cores do céu e do mar por cima e em volta delas. Bodrum, em cuja baía ancorámos para dormir numa das etapas da viagem, é uma cidade excessivamente turística. A algazarra estival dura até altas horas da madrugada, chegando aos marinheiros acampados no mar. Vende-se de tudo e mais alguma coisa, principalmente os chamados «falsos originais», isto é, roupas com símbolos de marcas famosas que são boas imitações, excepto no preço. 

De noite ou de dia, da terra ou do mar, a paisagem é extraordinária. O monumento dominante é o castelo de São Pedro, construído no século XV pelos Cavaleiros Hospitalários e hoje sede de um Museu de Arqueologia Submarina. Parece que, na sua construção, foram usadas pedras do mausoléu de Halicarnasso, que, nas faldas de uma encosta, não fica longe. Visitei as ruínas para confirmar o que já sabia dos guias turísticos: não resta muito do outrora imponente túmulo. A origem da palavra mausoléu vem daqui, pois o defunto para o qual foi construída a moradia supostamente eterna (os sismos e o vandalismo humano não o permitiram), um sátrapa, isto é, governador provincial, do século IV a.C., chamava-se Mausolo. A construção foi ordenada por sua irmã – e esposa! – Artemísia II de Cária, cuja paixão a terá levado, segundo a lenda, a engolir as cinzas do seu irmão-marido. É um símbolo do feminismo, não só por ter sucedido a Mausolo, mas por ter derrotado numa batalha naval uma armada de rodenses que não apreciavam o seu mando.

Plínio o Velho descreve o mausoléu original, de 45 metros de altura, belas estátuas no topo e baixos-relevos em volta. Foi a quinta maravilha do mundo antigo, depois da grande pirâmide de Gizé, dos Jardins Suspensos da Babilónia, do templo de Ártemis em Éfeso (na actual Turquia) e antes do Colosso de Rodes e do Farol de Alexandria. 

De Bodrum a Cnido são aproximadamente 25 milhas náuticas por um mar azul turquesa. Com bom tempo, é muito agradável. Fundeámos no porto de Cnido com vista para as ruínas, em particular para o grande teatro. Um bote levou-nos num pulo às ruínas, não evitando um refresco na esplanada marítima (preços europeus, euros aceites com gosto dada a inflação da lira turca!). Deu para perceber que Cnido foi uma grande cidade, um centro de arte e cultura no século IV (o «século de ouro» grego). A cidade antiga fica, em parte, numa pequena península ligada ao continente, também peninsular, por um istmo. Segundo Estrabão, «a cidade que foi construída para a mais bela das deusas, Afrodite, na mais bela das penínsulas». Na ciência, distinguiu-se o cnidense Eudoxo (408-355 a.C.), matemático, astrónomo e filósofo, que, após uma viagem de formação ao Egipto, fundou uma escola e um observatório astronómico. Calculou com precisão o tamanho do ano solar. Concebeu um dos primeiros modelos cosmológicos, que era servido um modelo de esferas concêntricas para o movimento dos astros, um antecessor do modelo geocêntrico de Ptolomeu. Construiu instrumentos e escreveu os livros Espelhos e Fenómenos, que infelizmente não chegaram até nós. Na arquitectura, salientou-se Sóstrato (séculos IV e III a.C.), que desenhou o Farol de Alexandria. 

Nas artes, é imperativo referir a famosa estátua do escultor grego Praxíteles de Atenas (c. 395-330 a.C.) feita para o templo de Afrodite em Cnido. Foi uma das primeiras representações do nu feminino, em tamanho real já que o nu masculino era a norma artística. Não se sabe bem como se perdeu o original, mas existem numerosas cópias e cópias de cópias (talvez a mais famosa seja a que está nos Museus do Vaticano), que nos permitem apreciar a representação da deusa a preparar-se para o seu banho ritual, de seios expostos e cobrindo o púbis com a mão. A estátua tornou-se um cânone da beleza feminina. Segundo uma anedota antiga, a própria deusa teria descido do Olimpo para se contemplar…

As primeiras escavações em Cnido, assim como em Bodrum, foram da responsabilidade do arquitecto inglês Sir Charles Thomas Newton (1816-1884). Foi ele que levou para o British Museum o espantoso Leão de Cnido, que assinalava uma grande batalha naval nas proximidades: não sei se a Turquia o reclama. Falta dizer que Cnidos albergou uma escola médica, que rivalizou com a escola de Hipócrates, o «pai da Medicina», na ilha próxima de Cós. 

Por falar em Cós, fui reler O Búzio de Cós de Sophia de Mello Andresen.

LIVROS DE CIÊNCIA PARA O VERÃO

Meu texto a circular na imprensa regional: 

No meu podcast, com o David Marçal, «Mais lento do que a luz», assim como no outro meu podcast da Rádio Observador, com o João Miguel Santos, «Ciência Pop», propus alguns livros de ciência para as férias. Sempre defendi que o Verão é um bom tempo para leituras e estas não têm necessariamente de ser de obras ficcionais. Acrescento às listas desses podcasts uma outra, de livros mais recentes, especialmente para os leitores da imprensa regional desejosos de saber mais. A ordem é a alfabética do apelido do autor: 
- Feynman, Richard, Uma tarde com o Sr. Feynman, introdução, apresentação, notas e tradução de António Manuel Nunes dos Santos e Christopher Auretta. Gradiva. Textos do famoso físico norte-americano Richard Feynman, laureado com o Prémio Nobel da Física de 1965 pela sua teoria quântica da matéria e da luz (o texto da conferência Nobel encontra-se nesta obra). Trata-se da reedição na colecção «Ciência Aberta» de uma colectânea de textos e entrevistas de Feynman que já tinha saído há muitos anos, mas que se encontrava esgotada. Inspirador como os outros seus livros, como os recentemente reeditados O que é uma lei física. e Está a brincar Sr. Feynman? 

- Hossenfelder, Sabine, A física e as grandes questões da vida, Bertrand. A autora é uma jovem física teórica e comunicadora de ciência alemã, natural de Frankfurt -m–Main, em cuja Universidade estudou (o sítio onde me doutorei). E que trabalha actualmente no Centro de Filosofia Matemática em Munique. Este livro entre a Física e a Filosofia sobre «Física Existencial» trata de grandes questões como o sentido do tempo e o livre arbítrio. Inclui entrevistas com físicos como Roger Penrose e David Deutch. Uma das teses da autora é que o conceito de beleza tem guiado mal a física fundamental. 
- Neves, Marco, Atlas histórico da escrita, Guerra & Paz. O autor, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e autor de vários livros sobre a língua portuguesa, dá-nos uma bela obra ilustrada que se integra na colecção de atlas da Guerra & Paz. Para além de bastante informativo, é visualmente muito atraente. 
- Nogueira, Bernardo Albuquerque, A ciência das coisas, ilustrações de Carlo Giovanni; Suricata (prefácio meu). Um jovem químico recém-doutorado na Universidade de Coimbra oferece-nos o seu primeiro livro, destinado a crianças e jovens, que explica de um modo muito simples não só como é o mundo, mas também como temos chegado a esse conhecimento. É uma bela prenda pela clareza da escrita e pela qualidade das ilustrações, mas tem de ser pedido à editora, por não estar nas livrarias. 
- Oliveira, Arlindo. Ciência, Tecnologia e Sociedade. Guerra & Paz, prefácio de Pedro Guedes de Oliveira. O engenheiro electrotécnico que dirigiu o Instituto Superior Técnico e o INESC de Lisboa e é autor de Mentes Digitais (ISTPress, 2017) e Inteligência Artificial (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019) reúne aqui um conjunto de crónicas que publicou no jornal Público, agrupadas por temas que incluem os algoritmos e a sociedade, a inteligência artificial e grandes modelos de linguagem e como o tão badalado ChatGPT). 
- Ottaviani, Jim e Myrick, Leland, Feynman, Gradiva (tradução minha). Novela gráfica que narra a biografia do famoso físico norte-americano Richard Feynman, que foi um dos participantes do projecto Manhattan, conducente às primeiras bombas atómicas, e que decifrou a causa do desastre do vaivém espacial Challenger da NASA. Foi um físico que protagonizou histórias muito divertidas que são aqui contadas em banda desenhada. 
- Waldinger, Robert e Schulz, Uma boa vida. Lições do maior estudo científico de sempre sobre a felicidade. Lua de Papel. Um professor de Psiquiatria e outro de Psicologia Clínica ligados ao estudo de Harvard sobre o Desenvolvimento Adulto, explicam quais são os caminhos da felicidade. O estudo começou em 1938, em Boston, seguindo dois grupos, um de jovens desfavorecidos e outro de jovens favorecidos, cujo percurso de vida foi sendo acompanhado assim como o dos seus filhos e netos. As conclusões, que privilegiam a qualidade das relações pessoais são muito interessantes e não tanto o dinheiro e o sucesso profissional. 
- White, Gary e Matt Damon, O valor da água. A nossa história sobre a procura de soluções para o maior desafio mundial, Bizâncio. O primeiro autor é o líder de uma Organização não governamental que tenta enfrentar a crise mundial da água, enquanto o segundo é o conhecido actor de cinema (desempenha o papel do general norte-americano Leslie Groves no filme em exibição Oppenheimer, de Christopher Nollan, que se tem interessado por estes assuntos. A água é um bem essencial à nossa vida e temos de saber cuidar bem dele.

A ERA NUCLEAR: DO TESTE TRINITY À AMEAÇA NA UCRÂNIA

Meu texto na Visão de hoje: 

O núcleo atómico foi descoberto em 1911 e a cisão do urânio em 1939, mas a era nuclear só foi espoletada com o teste Trinity, sob a direcção científica do físico J. Robert Oppenheimer, no dia 16 de Julho de 1945, no deserto do Novo México, 350 quilómetros a Sul de Los Alamos, nos Estados Unidos. Três semanas volvidas explodiam em Hiroxima e Nagasáqui, no Japão, até agora as únicas bombas nucleares em cenário de guerra. A primeira bomba, de plutónio, o Gadget (falar de “bomba” era tabu), libertou, no referido teste uma energia de 25 quilotoneladas de TNT. As duas bombas que puseram termo à Segunda Guerra Mundial, a Little Boy, de urânio, e a Fat Man, de plutónio, eram menos potentes – as suas energias eram de 15 e 20 quilotoneladas de TNT – mas causaram mais de 200 mil vítimas humanas.

Com o seu uso, começou a louca corrida ao armamento nuclear, no tempo da «guerra fria». Hoje os arsenais nucleares são constituídos por bombas de fusão, ou de hidrogénio, cuja ignição requer bombas de cisão. A maior que explodiu até hoje – 58 megatoneladas de TNT, 2300 vezes mais potente do que o Gadget ­– foi largada pela União Soviética num teste sobre uma ilha do Árctico em 1961. Os testes de armas nucleares estão actualmente proibidos por tratados internacionais, evitando danos terríveis no ambiente. A explosão de Trinity, cuja recriação é o ponto alto no filme Oppenheimer, dirigido por Christopher Nolan, foi algo nunca visto. Os peritos em explosivos ficaram estupefactos. 

Por exemplo, o almirante William Leahy, o mais graduado chefe militar americano na Segunda Guerra Mundial, tinha dito ao presidente Truman, que tomou posse escassos meses antes de ordenar o lançamento das bombas no Japão: “Esta é a coisa mais idiota que já vi. A bomba atómica nunca explodirá e falo como especialista em explosivos.” Mesmo os físicos mundiais de topo reunidos no ultrassecreto projecto Manhattan, em Los Alamos, não tinham a certeza de que tudo ia correr como as contas indicavam. Enrico Fermi, que, em 1942, tinha realizado em Chicago a reacção em cadela de cisão do urânio, verificou, ainda que encadeado pela luz de Trinity, a intensidade explosiva largando uns papelinhos à chegada da onda de choque: os cálculos estavam certos. Tinha-se aberto uma caixa de Pandora. 

Nenhum dirigente militar ou político exprimiu dúvidas antes das dramáticas explosões no Japão. Mas muitos físicos tiveram-nas, incluindo Leó Szilárd, o físico de origem húngara colaborador de Fermi em Chicago, que havia escrito uma carta assinada por Einstein em 1939 informando o Presidente Roosevelt da possibilidade de construção de uma arma arrasadora. Oppenheimer mostrou-se céptico da necessidade da bomba de hidrogénio defendida em Los Alamos pelo seu colega Edward Teller e advogou o diálogo entre as duas superpotências a fim de prevenir o seu confronto bélico. Foi essa sua posição pacifista que acicatou acusações de traição, sustentadas pelas suas ligações a ex-comunistas. 

A maioria dos físicos, no pós-guerra, foram activistas em prol da paz, incluindo o mais famoso de todos, Albert Einstein, que assinou um manifesto, em 1955, no qual, com Bertrand Russell e outros sábios, instava o poder político a evitar uma catástrofe. Um grupo de físicos tinha em 1947 criado o “Relógio do Apocalipse” para indicar simbolicamente a proximidade do fim do mundo. Começou aos sete minutos para a meia-noite e, à data do Manifesto Russell-Einstein, faltavam dois minutos. 

Hoje, devido em boa parte à guerra da Ucrânia, já só falta minuto e meio: nunca estivemos tão perto! Nolan, em entrevista ao Financial Times, sustenta que Oppenheimer foi “o homem mais importante até hoje” já que “mudou o mundo do modo importante: deu-nos o poder de autodestruição.” A ciência facultou-nos, de facto, meios de destruição maciça. Mas não foram nem Szilárd nem Einstein que carregaram no botão, mas sim Truman, como ele aliás reclama no filme.

Há uma lição a extrair: a consciência, que ultrapassa largamente a ciência, permite-nos sempre evitar o pior.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

COMO SE FAZ UM MILIONÁRIO. ESCÁRNIO E MALDIZER, MUITO A PROPÓSITO

Saltou da carroça pró Lamborghini,
sem mesmo saber ler nem escrever,
exibiu bela fêmea com bikini
e pôs imaginações a ferver.

Nunca foi dado a letras ou números,
inteligência pouca, mas esperto.
Escrúpulos nulos ou efémeros,
mas com especialistas sempre perto:

advogados que ensinam as maroscas,
banqueiros que conhecem os offshores,
assessoras com boas rabioscas

e antes favores do que fervores!
Assim se faz um milionário,
espécie de Einstein ao contrário!

Eugénio Lisboa

UNESCO alerta: nem toda a inovação leva ao progresso. Urge a regulamentação sobre o uso de tecnologia nas escolas

Por Cátia Delgado

É notícia, hoje, no The Guardian, o mais recente relatório da UNESCO, Global education monitoring report, 2023: technology in education: a tool on whose terms?, que agrega as medidas tomadas em 200 sistemas educativos de todo o mundo, no que toca à regulamentação do digital, em contexto escolar, estimando-se que um em cada quatro países tenha banido os telemóveis das escolas.

A parte introdutória é assinada pela Diretora-Geral da Organização. Dela deixo os seguintes excertos que  explicam o propósito do relatório:
Durante a pandemia COVID-19, os instrumentos de ensino à distância – através da Internet, mas também da rádio e da televisão – mostraram a sua utilidade e necessidade. De facto, este período evidenciou uma tendência profundamente enraizada para ver as soluções tecnológicas como uma ferramenta universal, adequada a todas as situações, uma forma inevitável de progresso. Esta confusão entre a ferramenta e a solução, entre o meio e o fim, é o que o presente relatório nos convida a abordar, pondo em evidência três paradoxos, três equívocos comuns. 
1 – Em primeiro lugar, existe a promessa de uma aprendizagem personalizada. Muitas vezes, esta poderosa esperança leva-nos a esquecer a dimensão social e humana fundamental que está no cerne da educação. Vale a pena reiterar o óbvio: nenhum ecrã pode substituir a humanidade de um professor. Como sublinhado no relatório da UNESCO "Futuros da Educação", publicado em 2021, a relação entre os professores e a tecnologia deve ser de complementaridade – nunca de substituibilidade. 
2 – Embora a tecnologia prometa um acesso mais fácil à educação, a realidade é que as clivagens digitais continuam a existir, ao ponto de aumentarem efetivamente as desigualdades educativas – que é o segundo paradoxo que este relatório destaca. Durante a pandemia, quase um terço dos alunos não teve acesso efetivo ao ensino à distância – o que não é surpreendente, uma vez que apenas 40% das escolas primárias em todo o mundo têm atualmente acesso à Internet. Mesmo que a conectividade fosse universal, seria necessário demonstrar, de um ponto de vista pedagógico, que a tecnologia digital oferece um verdadeiro valor acrescentado em termos de aprendizagem eficaz, especialmente numa altura em que todos estamos a tomar consciência dos riscos do tempo excessivo no ecrã. 
3 – O último paradoxo, e não o menos importante, é que, apesar do desejo de fazer da educação um bem comum global, o papel dos interesses comerciais e privados na educação continua a crescer, com todas as ambiguidades que isso implica: até à data, apenas um em cada sete países garante legalmente a privacidade dos dados educativos. (...) Sempre com o mesmo objetivo em mente: assegurar que a tecnologia serve a educação e não o contrário.
Em síntese: 
A premissa básica deste relatório é que a tecnologia deve estar ao serviço das pessoas e que a tecnologia na educação deve colocar os alunos e os professores no centro. O relatório tenta evitar uma visão demasiado centrada na tecnologia ou a afirmação de que a tecnologia é neutra. Lembra também que, como muita da tecnologia não foi concebida para a educação, a sua adequação e valor têm de ser provados em relação a uma visão da educação centrada no ser humano.

Nem toda a mudança constitui um progresso. O facto de algo poder ser feito não significa que deva ser feito.

Fica aqui o vídeo promocional da campanha associada ao relatório, #TechOnOurTerms.

Beleza e harmonia — a essência da Vida

Precisamos do Belo para viver, para respirar, para nos sentirmos VIVOS. O ideal de vida foi, desde sempre, a busca do BOM e do BELO. Era o ideal da Paideia grega (a beleza, a bondade, a ética) , o ideal da Humanitas, o sentimento que faz do Homem um ser mais Humano, na sua relação, com o outro, com o mundo, com a natureza, consigo mesmo.

 

O artista reinventa a realidade, na busca desses ideais.

 

No passado dia 23 de Junho de 2023, o Papa Francisco recebeu na capela Sistina um grupo de artistas das mais variadas artes, comemorando os 50 anos da inauguração da colecção de Arte Moderna e Contemporânea dos Museus do Vaticano, um evento da responsabilidade do Dicastério e da Secção para a Cultura e a Educação, onde se destaca a importância do artista e da arte:

“A Secção para a Cultura promove e implementa as relações entre a Santa Sé e o mundo da cultura, enfrentando as múltiplas exigências daí emergentes e favorecendo especialmente o diálogo como instrumento imprescindível de sincero encontro, ... a fim de que os cultores das artes, das letras e das ciências, da tecnologia e do desporto saibam e sintam que são reconhecidos pela Igreja como pessoas ao serviço da busca sincera da verdade, do bem e da beleza.”

 

Nas palavras do Prefeito da referida secção, o Cardeal José Tolentino de Mendonça, "é preciso relançar a experiência da Igreja como amiga dos artistas, interessados nas questões que a vida contemporânea nos coloca (tanto as atuais, prementes de dramaticidade, quanto aquelas tão visionárias que apontam para novos futuros possíveis) e dispostos a desenvolver um diálogo mais rico e um crescimento da compreensão mútua".

 

Foram cerca de 200 os artistas, entre pintores, escultores, arquitectos, escritores, cantores, poetas, músicos, directores e actores de teatro, que  estiveram reunidos com o Sumo Pontífice.

Do discurso que o Papa então lhes dirigiu destacam-se alguns passos significativos:

 

— É verdade que, quando se trabalha na arte, as fronteiras diluem-se e os limites da experiência e da compreensão ampliam-se. Tudo parece mais aberto e disponível. Assim, adquire-se a espontaneidade da criança que imagina e a acuidade do vidente que apreende a realidade.

— Uma grande pensadora como Hannah Arendt afirma que é próprio do ser humano viver para

trazer novidade ao mundo. Esta é a dimensão de fecundidade do homem. Trazer novidade. Até na fecundidade natural, cada filho é uma novidade. Abrir e trazer novidade. Vós, artistas, realizais isto fazendo predominar a vossa originalidade.

— A criatividade do artista: não é suficiente olhar, é preciso sonhar! Nós, seres humanos, ansiamos por um mundo novo que não veremos completamente com os nossos olhos, mas que desejamos, procuramos e sonhamos.

— Portanto, vós, artistas tendes a capacidade de sonhar com novas versões do mundo. E isso é importante: novas versões do mundo. A capacidade de introduzir a novidade na história. Por isso,

Guardini dizia que vos assemelhais também aos videntes. Sois um pouco como os profetas. Sabeis ver as coisas em profundidade e à distância, como sentinelas que estreitam os olhos para perscrutar o horizonte e sondar a realidade para além das aparências.

— Porque o artista tem “ a capacidade de ir além, de ir além, na tensão entre a realidade e o sonho.”

— E muitas vezes fazeis isto com ironia, que é uma virtude maravilhosa. Duas virtudes que não cultivamos muito: o sentido de humor e a ironia, devemos cultivá-las em maior medida.

— Neste ser videntes, sentinelas, consciências críticas, sinto que sois aliados de muitos aspetos que me são queridos, como a defesa da vida humana, a justiça social, os últimos, o cuidado da casa comum, o sentir-nos todos irmãos. E...  a dimensão humana da humanidade.

— Muitas vezes vós, artistas, também procurais sondar o submundo da condição humana, os abismos, as partes obscuras. Não somos unicamente luz, e sois vós que no-lo recordais; mas temos necessidade de lançar a luz da esperança nas trevas do humano, do individualismo e da indiferença.

 

Ajudai-nos a vislumbrar a luz, a beleza que salva!

— A beleza faz-nos sentir que a vida se orienta para a plenitude.

 

— Mas creio que existe um critério importante a discernir, o da harmonia. Com efeito, a verdadeira beleza é reflexo da harmonia.

 

É necessário que o princípio da harmonia habite mais o nosso mundo, afastando a uniformidade.

 

Vós, artistas, podeis ajudar-nos a abrir espaço para o Espírito.

(tradução aqui)


 

segunda-feira, 24 de julho de 2023

"O DEVER DE RESISTIR"


Antonio Lovato Sagrado, estudante de doutoramento e professor, Amanda Aliende da Matta estudante de doutoramento e investigadora, e Enric Prats Gil, professor - os três da Universidade de Barcelona - escreveram um texto de grande interesse, muito claro e realista, com o título Las corporaciones tecnológicas y la reconfiguración docente. O texto foi traduzido por Carlos Carujo para o sítio Esquerda.net. Li-o a partir do blogue Escola Portuguesa.


Neste local, o seu autor, António Duarte, que é professor, reforça as palavras originais no respeitante à importância da escola e do ensino na formação das novas gerações, não as sofisticadas tecnologias que entraram no "negócio global da educação" e nas quais os políticos desbaratam milhões do orçamento público. 

Em comentário, insisto no papel da escola e do professor, do conhecimento fundamental, e dos valores éticos que devem conduzir a educação. Acrescentei que é pena alguns professores e investigadores fazerem a apologia da dissolução desses pilares; é pena que, vezes demais, a esquerda política ignore os ditos negócios e se junte ao coro da pseudo-inovação tecnológica; é pena que os decisores políticos se esqueçam (ou nem se lembrem) do bem-comum, daquilo que concorre para uma sociedade esclarecida e fraterna; é pena que os pais, iludidos com palavras estrategicamente escolhidas, não percebam para onde os filhos estão a ser arrastados; é pena que a sociedade em geral acolha uma distopia de si mesma. 

Gert Biesta, autor que surge destacado no texto original, diz, como felizmente muito outros, que temos “o dever de resistir”. Estes textos em cadeia são uma forma de resistência.

Maria Helena Damião

O IDEAL CRISTÃO

Por Eugénio Lisboa

The Christian ideal has not been tried and found wanting;
it has been found difficult and left untried.
G. K. Chesterton

A epígrafe de Chesterton, traduzida para português, reza assim: 
“O ideal cristão não foi experimentado e considerado inadequado; foi considerado difícil e por isso nunca experimentado.”
Chesterton era um assumido católico, por isso devia saber do que estava a falar, ao fazer uma das mais subversivas denúncias de total separação entre cristianismo e catolicismo. Por outras palavras, a Igreja Católica teria mostrado sempre aversão a ensaiar o despojamento total do cristianismo. Seria mesmo um desvio acentuadamente profano, materialista, sumptuário, com os seus bispos, cardeais, cardeais patriarcas, papas e descomunais catedrais – de grande beleza sensual – a ofenderem frontalmente a simplicidade e humildade que vestiu Francisco de Assis.

Foi este o sentido agreste que José Régio deu ao título de uma das suas sátiras mais contundentes contra o materialismo inquietante da igreja católica: o NON EST HIC, do seu belo poema, pescado directamente na tradição cristã, quer dizer isto mesmo: NÃO ESTÁ AQUI, nesta igreja, o Cristo que deixou à humanidade um legado que a igreja católica rejeitou. 

A Igreja Católica da época bem entendeu a denúncia do grande poeta, que faz eco à de G. K. Chesterton: CRISTO NÃO ESTÁ AQUI, ou O SEU LEGADO NUNCA FOI APROVEITADO. 

Importantes intelectuais católicos que, até à publicação de A CHAGA DO LADO, tinham posto Régio nos cornos da lua, passaram a denegri-lhe a obra, a partir desse livro, que tão poucos leram como deve ser: uma das mais destemidas afrontas feitas ao Estado Novo, com os seus capitalistas protegidos e abençoados por uma igreja que voltaria a crucificar Cristo, se este ressuscitasse.

Vale sempre a pena ler a dilacerante cena do Grande Inquisidor, no romance OS IRMÃOS KARAMAZOV, de Dostoiewsky. Também vale a pena voltar a Tolstoi. Todos dizem admirar muito estes dois gigantes, sem repararem no que há, nas suas formidáveis obras, de radical condenação dos mais óbvios desvios do que Cristo recomendou. 

Pareceu-me bem lembrar estas coisas, agora que se aproxima o grande espalhafato e confusão das Jornadas Mundiais da Juventude católica. Os fundadores do cristianismo indicaram que uma simples pedra servia bem de igreja. Os milhões que agora se vão gastar serviriam melhor para amaciar tanta pobreza que anda por aí. 

Régio tinha razão: NON EST HIC.

Eugénio Lisboa

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...