segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Ep. 4 Fogos Florestais em Portugal

Ep. 5 Biodiversidade, com Nathalie Seddon

A COR DO HORTO GRÁFICO

 Chegou-me por email e tem algumas entradas com piada...


A cor do horto gráfico

Já aprovado pela nova Ministra do saber.

Última actualização do dicionário de língua portuguesa - novas entradas:

 

Arbusto: Busto com um certo ar

Testículo: Texto pequeno

Abismado: Sujeito que caiu de um abismo

Pressupor: Colocar preço em alguma coisa

Biscoito: Fazer sexo duas vezes

Bigode: Duplo Deus britânico

Coitado: Pessoa vítima de coito

Padrão: Padre muito alto

Estouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexo

Democracia: Sistema de governo do inferno

Barracão: Proíbe a entrada de caninos

Homossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimas

Ministério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas

Detergente: Acto de prender seres humanos

Eficiência: Estudo das propriedades da letra F

Conversão: Conversa prolongada

Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes

Piano: Ano Internacional da descoberta de Pi (3,1416)

Expedidor: Mendigo que mudou de classe social

Luz solar: Sapato que emite luz por baixo

Cleptomaníaco: Mania por Eric Clapton

Tripulante: Especialista em salto triplo

Contribuir: Ir para algum lugar com vários índios

Aspirado: Carta de baralho completamente maluca

Assaltante: Um 'A' que salta

Determine: Prender a namorada do Mickey Mouse

Vidente: O que o dentista diz ao paciente

Barbicha: Bar frequentado por gays

Ortográfico: Horta feita com letras

Destilado: do lado contrário a esse

Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho

Coordenada: Que não tem cor

Presidiário: Aquele que é preso diariamente

Ratificar: Tornar-se um rato

Violentamente: Viu com lentidão

E

Língua "perteguesa"... PORQUE O SABER NÃO OCUPA LUGAR!

Prontus

Usar o mais possível. É só dar vontade e podemos sempre soltar um 'prontus'! Fica sempre bem.

Tipo

Juntamente com o 'É assim', faz parte das grandes evoluções da língua portuguesa. Também sem querer dizer nada, e não servindo para nada, pode ser usado quando se quiser, porque nunca está errado, nem certo. É assim... tipo, tás a ver?

Númaro

Também com a vertente 'númbaro'. Já está na Assembleia da República uma proposta de lei para se deixar de utilizar a palavra NÚMERO, a qual está em claro desuso. Por mim, acho um bom númaro!

Pitaxio

Aperitivo da classe do 'mindoím'.

Aspergic

Medicamento português que mistura Aspegic com Aspirina

Alevantar

O acto de levantar com convicção, com o ar de 'a mim ninguém me come por parvo!... alevantei-me e fui-me embora!'.

Amandar

O acto de atirar com força: 'O guarda-redes amandou a bola para bem longe'

Assentar

O acto de sentar, só que com muita força, como fosse um tijolo a cair no cimento.

Capom

Tampa de motor de carros que quando se fecha faz POM!

Destrocar

Trocar várias vezes a mesma nota até ficarmos com a mesma.

Disvorciada

Mulher que diz por aí que se vai divorciar.

É assim...

Talvez a maior evolução da língua portuguesa. Termo que não quer dizer nada e não serve para nada. Deve ser colocado no início de qualquer frase.

Entropeçar

Tropeçar duas vezes seguidas.

Êros

Moeda alternativa ao Euro, adoptada por alguns portugueses.

Também conhecida por "aéreos"

Falastes, dissestes...

Articulação na 4ª pessoa do singular. Ex.: eu falei, tu falaste, ele falou, TU FALASTES...

Fracturação

O resultado da soma do consumo de clientes em qualquer casa comercial. Casa que não fractura... não predura.

Há-des

Verbo 'haver' na 2ª pessoa do singular: 'Eu hei-de cá vir um dia; tu há-des cá vir um dia...'

Inclusiver

Forma de expressar que percebemos de um assunto. E digo mais: eu inclusiver acho esta palavra muita gira. Também existe a variante 'Inclusivel'


A forma mais prática de articular a palavra MEU e dar um ar afro à língua portuguesa, como 'bué' ou 'maning'. Ex.: Atão mô, tudo bem?

Nha

Assim como Mô, é a forma mais prática de articular a palavra MINHA. Para quê perder tempo, não é? Fica sempre bem dizer 'Nha Mãe' e é uma poupança extraordinária.

Parteleira

Local ideal para guardar os livros de Protuguês do tempo da escola.

Perssunal

O contrário de amador. Muito utilizado por jogadores de futebol. Ex: 'Sou perssunal de futebol'. Dica: deve ser articulada de forma rápida.

Prutugal

País ao lado da Espanha. Não é a Francia.

Quaise

Também é uma palavra muito apreciada pelos nossos pseudo-intelectuais... Ainda não percebi muito bem o quer dizer, mas o problema deve ser meu.

Stander

Local de venda. A forma mais famosa é, sem dúvida, o 'stander' de automóveis. O 'stander' é um dos grandes clássicos do 'português da cromagem'...

Treuze

Palavras para quê? Todos nós conhecemos o númaro treuze.

NOVIDADES DE NOVEMBRO DA GRADIVA

 Novidades mais recentes novidades da Gradiva. Os livros já estão disponíveis nas livrarias e em www.gradiva.pt.

UCRÂNIA - As Lições da História e Outros Estudos Sobre o Oriente Cristão de  Luis Filipe F. R. Thomaz

Obras de Luís Filipe Thomaz | 328 pp. | 20 €

 O factor religioso determinante, mas subestimado, na invasão e no conflito da Ucrânia, é tratado a fundo neste novo livro do historiador Luís Filipe Thomaz que está desde ontem à venda.

Ucrânia - As Lições da História e Outros Estudos Sobre o Oriente Cristão é um guia de excepção para compreender a importância da esfera religiosa que esteve quase sempre ou mesmo sempre activa nos acontecimentos e conflitos na História. Com o seu saber estelar e o conhecimento singular da História dos Balcãs, Luís Filipe Thomaz revela, neste livro, essa dimensão no drama da Ucrânia. Dimensão que estando bem presente – e sendo mesmo, porventura, determinante – tem sido ignorada ou é subestimada.

 A visão e o contributo de novidade da sua análise e reflexão são uma lufada de ar fresco no que se ouve e se vai lendo acerca dos acontecimentos.

 Esta sua nova obra conta com um prefácio de Peter Stilwell (Pe) director da colecção Religião Aberta da Gradiva) disponível para leitura aqui – https://www.gradiva.pt/catalogo/56048/ucrania#excerto

 

Luís Filipe Thomaz é licenciado em História, foi docente na Faculdade de Letras e na Universidade Nova de Lisboa, que em 2002 lhe conferiu o doutoramento honoris causa. Frequentou a École Pratique des Hautes Études, a École des Hautes Études en Sciences Sociales, o Institut National des Langues et Civilisations Orientales, a Universidade de Paris III e o Institut Catholique, onde obteve diversos diplomas de estudos orientais. Foi professor visitante na École des Hautes Études en Sciences Sociales, na École Pratique des Hautes Études, na Universidade de Bordéus, na Universiti Kebangsaan Malaysia, na Universidade da Ásia Oriental (Macau) e na Universidade de Santa Cruz (Ilhéus, Bahia, Brasil). Depois da aposentação da função pública transitou para a Universidade Católica Portuguesa, onde organizou o Instituto de Estudos Orientais, de que foi director de 2002 a 2011, após o que se dedicou apenas à investigação. É autor de nove livros, alguns deles premiados. É autor de cerca de 250 artigos. Quando abandonou a docência, recebeu a tonsura e o hábito monástico, tendo recebido na profissão monástica o nome de Jerónimo. Está encarregado de traduzir em português a liturgia bizantina.

https://www.gradiva.pt/catalogo/56048/ucrania

 

O FASCISMO NUNCA EXISTIU de Eduardo Lourenço

Obras de Eduardo Lourenço | 264 pp. | 14 €

 «Como o conteúdo deste livro o mostra - e tal como sucedera com o tema de Os Militares e o Poder - o meu interesse pela reflexão política concreta não data de hoje. É-me impossível ver-me no papel de um novo "Monsieur le Truhadec saisi par Ia débauche" política pós-25 de Abril. O espaço aberto pela Revolução de Abril ofereceu apenas uma margem pública para antiga tentação. Uma grande parte deste livro é constituída pela série de comentários, todos mais ou menos reflexo da urgência política em que temos vivido e que estão longe, por isso mesmo, segundo penso, de poder conservar,  à Ia longue, o interesse "ideológico" dos textos anteriores ao 25 de Abril. É nestes que se encontra configurada e prefigurada uma temática que a nossa história recente iria ilustrar com a veemência e o relevo das coisas vivas. Os antigos sabiam que todos os combates humanos eram combates de deuses em atraso. A geração a que pertenço não precisou nem de Maio 68, nem de Abril 74 para descobrir a fundura do combate ideológico e político em que de súbito entrámos como ser colectivo.»

 «À Democracia cumpre pensar‑se como a estrutura mais adequada para que no seu seio se realizem progressivamente as condições de libertação dos indivíduos. A Democracia não tem outro conteúdo que esse mesmo de promover essas condições. Ela não pode ser definida como regime da liberdade senão na medida em que se dá como fim a coexistência e a promoção de todas as formas de liberdade de uma dada sociedade. Por isso mesmo se pode dizer que a Democracia é o único regime que não tem liberdade própria. Ela é prisioneira do mais alto dever de não ter outra que a dos cidadãos. Aparentemente nada mais absurdo.»

 https://www.gradiva.pt/catalogo/56043/o-fascismo-nunca-existiu

 

IRMÃS DE PROMETEU - A Química no Feminino de João Paulo André

Ciência Aberta | 664 pp. | 22,5 €

 João Paulo André, professor de Química na Universidade do Minho, depois de Poções e Paixões - Química e Ópera envereda agora pela história da ciência. Nesta obra, pródiga em incursões pela literatura e pela arte, o autor centra-se nas contribuições femininas para a química, tantas vezes esquecidas e até usurpadas. A antiga opinião de as mulheres não se adequarem à investigação científica dificultou a caminhada feminina no mundo da ciência, no entanto não obstou a que várias brilhassem nesse campo onde dominavam os homens.

Este livro, resultante de uma aturada investigação, dá disso muitos e bons exemplos. Sem abdicar do rigor, a escrita simples e a forma como factos e eventos são apresentados em curiosas histórias tornam a leitura acessível a todos.

Um livro raro em Portugal, de enorme interesse. Irmãs de Prometeu debruça-se sobre assunto que  finalmente começa a integrar a ordem do dia - o  papel muitas vezes oculto das mulheres na história da ciência, mais na Química que só se autonomizou no século XVIII. Há várias «Madames Curies» por revelar.
 

https://www.gradiva.pt/catalogo/56046/irmas-de-prometeu

 

A ESTAGNAÇÃO SOCIALISTA de André Abrantes Amaral

Fora de Colecção | 384 pp. | 18 €

 “É um autor sem complacência. Melhor assim. Da primeira à última página somos convidados a acompanhá-lo nessa exigência, é com ela -  e cientes dela -  que o seguimos pelas marés da sua escrita. Atentíssimo espectador dos anos do consulado socialista, não gostou do que viu. Não por ele ou pelo lugar político onde se situa, isso simplesmente não teria importância ou faria parte da regra do jogo. Pelo país. E eis-nos, logo à terceira linha deste “vol d’oiseau”, a entrar no fundo da matéria: é a noção de pertença ao seu “lugar” e berço que determina André Abrantes Amaral, é a pátria que decisivamente o interpela. Com uma imensa lucidez e um agudo espírito crítico que sempre me pareceram ser os seus melhores instrumentos de análise, usa uma e outro conforme o que os dias lhe reclamam de assertividade, ironia, frontalidade, discordância, estupefacção, zanga. Por vezes, combate. Ou muitas vezes. Percebemos que testemunhou tudo, e sobre parte considerável desse “tudo”, reflectiu.

 Se eu tivesse que resumir diria que bem lá no fundo, André Abrantes Amaral pratica a sua liberdade através da razão, com Portugal em fundo. E o que dele lembra e o que conhece de nós. Não pode ser por acaso que o título de uma destas crónicas, nos confirma isso mesmo: 'Há que usar da razão para ser livre.' Ele usa-a e é ainda mais livre por isso. “

 Maria João Avillez, Prefácio.

 André Filipe Gonçalves Pereira Abrantes Amaral nasceu em 1973, é casado e tem um filho. Estudou no Queen Elizabeth’s School, no Colégio Planalto e na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. É advogado desde 1999 e tem uma pós-graduação em Relações Internacionais, no Instituto de Estudos Políticos, da Universidade Católica. Foi comentador regular no canal Económico TV e de forma esporádica na TVI. As suas crónicas foram publicadas nos jornais i, Diário Económico e Jornal Económico. É colunista do jornal Observador.

 https://www.gradiva.pt/catalogo/56042/a-estagnacao-socialista

 

AS GUERRAS DE ALBERT EINSTEIN VOL 2 de Closets, Corbeyran e Chabbert

Gradiva BD | 64 pp. | 19,5 €

 Durante a Primeira Guerra Mundial, Einstein, o antimilitarista, fica horrorizado por ver o seu grande amigo, o químico Fritz Haber, produzir gases asfixiantes. Mas, no início da Segunda Guerra Mundial, seria o próprio Einstein a escrever ao presidente Roosevelt para o incitar a construir uma bomba nuclear...

 Um químico nacionalista, um físico pacifista — dois destinos, para uma história extraordinária e apaixonante.

 Nesta narrativa tudo é verdade. Os personagens são autênticos, tal como os seus comportamentos, privados ou públicos. Tudo foi por isso tratado em pormenor — por exigência da narrativa de Corbeyran —, e tudo foi escrupulosamente reconstituído, graças ao extraordinário trabalho gráfico de Éric Chabbert.

 Começa aqui, com a relação dos génios Fritz Haber e Albert Einstein, uma história que não sabemos até onde poderá levar a Humanidade.

https://www.gradiva.pt/catalogo/56044/as-guerras-de-albert-einstein-vol.-2

 

VERSUS FIGHTING STORY 1 de Izu, Kalon, Madd

Manga International Corporation | 192 pp. | 12 €

A primeira manga sobre os e-sports.

Maxime Volta foi um herói nacional: o primeiro francês a liderar o circuito mundial do jogo Street Fighter V. Mas quando um jovem jogador japonês o ridicularizou num torneio, ele perdeu o seu sangue-frio e foi expulso da equipa.

Um ano mais tarde, quando o Versus Fighting é já uma memória distante para Max, a misteriosa Inès propõe-lhe juntar-se a uma equipa ínfima com enorme ambição...

https://www.gradiva.pt/catalogo/56057/versus-fighting-story-1


GOOD GAME! de Blanca Mira e Kaoru Okino

Manga International Corporation | 248 pp. | 12 € 

Quando a mãe morre, Yuki descobre que tem um irmão secreto! Pouco depois, ao ver um programa de televisão, percebe que ele vai participar num famoso concurso de videojogos em Espanha. Yuki não hesita em cometer uma grande loucura e viaja até lá com o seu melhor amigo, Enishi. O seu objectivo é inscrever-se na Academia Good Game para o conhecer! Mas uma vez na academia apercebe-se que iniciar uma relação fraternal com uma pessoa que não conhece não é tão fácil como parece…

 https://www.gradiva.pt/catalogo/56050/good-game!

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A INCERTEZA E A CIÊNCIA


Meu artigo na mais recente revista MyPlanet:

Certo é aquilo que não levanta dúvidas, que podemos designar por verdadeiro ou real. Incerto é aquilo que levanta dúvidas. A maior parte das pessoas associa a ciência à certeza. Quando se diz que a ciência tem isto ou aquilo por certo, tal significa que isto ou aquilo estão bem estabelecidos. De facto, a ciência, mais do que alcançar certezas, o que faz é reduzir as incertezas. Graças ao método científico, sabemos hoje bem certas coisas (como “a Terra anda à volta do Sol” ou a “a vida na Terra tem um código genético comum”), mas não sabemos outras (por exemplo, “como surgiu a vida na Terra?” ou “há vida noutros planetas?”). A história da ciência mostra que, quando respondemos a uma questão, logo surgem várias outras. O conhecimento humano sobre o mundo parece não ter um fim à vista. 

 Os seres humanos aspiram a ter certezas. Mas o astrofísico norte-americano Carl Sagan advertiu em Um Mundo Infestado de Demónios: “Os seres humanos podem ansiar por certezas absolutas e aspirar a elas; podem pretender, como os adeptos de certas religiões, tê-las alcançado. Porém, a história da ciência – de longe a pretensão ao conhecimento mais bem-sucedida acessível ao homem – ensina-nos que o máximo que podemos esperar são melhoramentos sucessivos da nossa compreensão, a aprendizagem com os nossos erros, uma abordagem assimptótica do Universo, mas com a limitação de sabermos que a certeza absoluta nos escapará sempre.” 

 A discussão científica serve para reduzir a incerteza. É dela que nasce a luz: cedo ou tarde, haverá respostas melhores do que as anteriores por aplicação do método científico, que se baseia na observação, na experimentação e no raciocínio matemático. O público espera, muitas vezes, que as ciências alcancem rapidamente certezas (como mostram as questões da covid-19 e do aquecimento global), mas a ciência apenas pode dar um melhor conhecimento. Haverá sempre margem para saber mais. Havendo conhecimento mais certo do que outro, os cientistas devem-se abster de dar certezas absolutas. As leis da Natureza são descrições gerais do funcionamento do mundo, mas elas poderão ser mudadas se o mundo se revelar diferente do que supúnhamos. Claro que nunca vamos mudar tudo aquilo que sabemos – a ciência construiu um edifício sólido –, mas podemos ter de mudar um pouco do que julgávamos saber para acomodar uma descoberta nova.

 O certo distingue-se do incerto, pela correspondência à realidade. Falamos de prova quando verificamos essa correspondência. Através da prova, formam-se consensos na comunidade científica, que são transmitidos a todos (por exemplo: “a covid-19 deve-se a um vírus novo” ou “o aquecimento global deve-se a emissões de CO2 de origem humana”). Uma prova tem de ser suficientemente forte para poder ser aceite. Mas poderão surgir elementos adicionais que levem a rever uma certa conclusão. A ciência tem sempre de ser fiel à realidade, que é o “Juiz Supremo”. 

Para além do seu significado genérico, a palavra “incerteza” é usada, com significados específicos, em diversas áreas científicas, como a matemática, a física, a química, a biologia, a psicologia, etc. Em física e química, ditas ciências exactas, associa-se o termo incerteza ao grau de precisão de medidas. Quando se realiza uma medida de uma grandeza físico-química, existe sempre uma incerteza: há erros, quer ocasionais e inevitáveis, quer sistemáticos e evitáveis ou, pelo menos, minimizáveis. Tem, por isso, de ser realizado um conjunto de medidas em vez de apenas uma. No tratamento dos dados recorre- se à estatística, disciplina relacionada com o conceito de probabilidade. Esta foi introduzida no século XVII para descrever jogos de azar, em que há situações imprevisíveis devidas, por exemplo, ao lançamento de dados. Quando a ciência tratou, no século XIX, de descrever sistemas complexos, como os gases (formados por muitas partículas em incessante movimento), logo percebeu que tinha de recorrer à probabilidade e à estatística. As afirmações que formula nesse domínio são incertas, sendo a probabilidade um modo de descrever a incerteza. Hoje sabemos que no domínio dos astros também pode haver grande incerteza, devido ao fenómeno do “caos”: pequenas diferenças nas condições iniciais podem originar situações finais muito diferentes. 

Na física quântica, surgida do século XX para descrever a realidade microscópica, a incerteza está incorporada de um modo mais fundamental. Verificou-se que, nesse domínio, é válido o “princípio de incerteza”, segundo o qual não podemos saber simultaneamente com exactidão a posição e a velocidade de uma partícula. Elas só podem ser descritas de uma maneira probabilística. Einstein reagiu com uma famosa frase: “Deus não joga aos dados”, isto é, para ele, a realidade não podia ser probabilística. No entanto, a teoria quântica funciona: ela explica as ligações químicas, estando assim na base das ciências naturais. 

Em suma: a incerteza é uma constante nas ciências, incluindo as ciências exactas. l

MÚSICA E CIÊNCIA


Meu artigo de 2020 saído na revista Millennium
(2, ed. esp. 5, pp 15-18):

 A música é uma arte, não podendo ser inteiramente compreendida pela ciência. Há até quem fale de uma espiritualidade ligada à música. A relação entre a música e a ciência é, porém, bem mais estreita do que normalmente se pensa. Em primeiro lugar, e independemente da respectiva percepção qualquer peça musical é um conjunto de sons e os sons são ondas que se propagam no ar ou noutro meio, sejam ou não medidas. A acústica (de um étimo grego que significa “para ouvir”) é a parte da Física que se ocupa das propriedades dos sons. 

A acústica remonta a Pitágoras, o filósofo e matemático grego que, no século VI a.C., terá sido o primeiro a associar um som emitido por uma corda vibrante a um comprimento, matematizando assim o som. Não chegaram até nós livros escritos por ele, mas apenas uma tradição oral que só mais tarde foi fixada em livro. Pitágoras – o mesmo do famoso teorema de Pitágoras - terá reparado que uma corda afastada da sua posição de equilíbrio emitia um certo som, mas, se diminuíssemos o comprimento dessa corda, o som era outro, mais agudo (ou mais alto), ou, em linguagem moderna, de frequência maior (Fig. 1). Essa terá sido uma das primeiras experiências de física de sempre. Podemos verificar esse fenómeno usando as cordas de uma guitarra. Pretendendo saber por que razão certas associações de sons musicais eram mais agradáveis ao ouvido do que outras, Pitágoras foi mais longe do que a verificação da proporcionalidade inversa entre o comprimento da corda e a altura do som. Reparou que, quando os comprimentos das cordas vibrantes, estavam numa proporção de inteiros (2, 3, 4, etc.) os sons combinavam harmoniosamente. Chamam-se “harmónicos” a esses sons, do étimo greco-latino que significa “ajuste, combinação, concordância”. Uma única corda pode, quando tangida, dar um conjunto de harmónicos: existe um som dito fundamental, o de frequência mais baixa, e um conjunto de sons possíveis, os harmónicos, cuja frequência é um múltiplo inteiro desse som (2,3,4, etc. vezes). Os primeiros harmónicos são os mais relevantes por serem os mais perceptíveis. A relação de frequências entre o som fundamental e o primeiro harmónico chama-se “oitava”. Na notação musical que usamos hoje de sete notas - dó, ré, mi. Fá, sol, lá, si, que formam a chamada “escala diatónica” - o dó que aparece a seguir ao primeiro, na sequência do si, está uma oitava acima. Portanto, a notação musical moderna tem por base a física e a matemática, as duas em útil intimidade. 

Esta visão pitagórica da música, que introduz a ideia de harmonia numa base matemática, conduziu naturalmente a outras tentativas de relacionar a harmonia do mundo – entendendo-se por harmonia num sentido lato a conformidade das partes (para alguns autores harmonia é sinónimo de beleza) – com a matemática, usando esta a linguagem da geometria ou da aritmética. E, uma vez que a música estava associada a números, passou-se a associar partes do cosmos à música. Como, ao observar o movimento dos astros, se verificou que ele podia ser descrito pela geometria ou pelos números, logo se passou a falar, ainda no tempo dos antigos gregos, de “música das esferas” ou “música universal”. Talvez o próprio Pitágoras, ao trabalhar em astronomia, tenha pensado que os planetas podiam ser associados a notas musicais. Só se conheciam então os planetas visíveis à vista desarmada: Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno. Nesta ordem de ideias, as velocidades desses planetas estariam entre si como notas musicais: Mercúrio foi associada ao fá, Vénus ao sol (a nota), Marte ao ré, etc. A Lua era um lá e o Sol (a estrela) um si. O platonismo, ao incorporar estas ideias pitagóricas, ajudou a difundi-las. A apropriação pelo Cristianismo, durante a Idade Média, do pensamento grego contribuiu para a consolidação destas teorias, que se enraizaram na cultura. Vários pensadores da Idade Média falam da “música das estrelas”. Por outras palavras, a acústica e a astronomia estavam ligadas, embora a “música da esferas” não fosse audível pelos nossos ouvidos, mas tão só e ainda que com dificuldade pelo nosso intelecto.

 No século XVII, com base nos dados diligentemente colectados pelo seu extraordinário mestre, o dinamarquês Tycho Brahe, o astrónomo alemão Johannes Kepler matematizou o movimento dos planetas de uma maneira que sobreviveu incólume ao tempo e que por isso se transmite na escola. Segunda a Primeira Lei de Kepler, as órbitas dos planetas não são circunferências, mas sim elipses com o Sol num dos focos. E, de acordo coma a segunda, o valor da velocidade de um planeta não é constante, mas sim variável: aumenta quando o planeta se aproxima do Sol e diminui quando se afasta. As velocidades máximas dos planetas em órbitas vizinhas estariam em proporção harmónica e o mesmo aconteceria com as mínimas. Para Kepler, portanto, os planetas percorreriam certos intervalos musicais, que exibiam regularidades uns com os outros. Cada um não seria descrito apenas por uma nota, mas sim por um conjunto de notas, uma melodia (Fig. 2). Vénus, que é mais rápido, estava associado a sons mais agudos do que Júpiter, que é mais lento. No coro celestial que era imaginado no universo (lembre-se que este se restrigia ao sistema solar) Vénus fazia de soprano, enquanto Júpiter fazia de baixo, tendo a Terra uma voz intermédia. O título da obra de Kepler, onde ele expõe esta sua teoria Harmonices Mundi (A Harmonia do Mundo, 1609) é eloquente sobre o conteúdo. Mas esta teoria kepleriana é, sabemos hoje, demasiado ingénua. Admitia excepções para planetas então conhecidos e não tinha, por exemplo, um carácter preditivo para os planetas que foram mais tarde encontrados. A descrição musical do sistema solar foi abandonada em favor de uma teoria estritamente matemática. O inglês Isaac Newton, com base nas leis de Kepler (a Terceira Lei acrescenta que existe uma relação matemática entre o período do planeta e o semieixo maior da elipse), deduziu a sua Lei da Gravitação Universal, que tem uma expressão matemática simples. Apesar das muitas divagações e erros que se fizeram com base nos conceitos pitagórico-platónicos, é lícito dizer que as ideias modernas sobre o cosmos são imensamente devedoras deles. 

 O astrónomo e físico italiano Galileu Galilei, contemporâneo de Kepler, foi o primeiro a fazer observações com o telescópio, descobrindo por exemplo as luas mais próximas de Júpiter, cuja existência abonava a existência de outros centros orbitais para além do Sol e da Terra. Galileu tem uma estreita relação com a música. O seu pai, Vincenzo Galilei, era músico: tocava alaúde, tendo transmitido a arte de tocar esse instrumento ao seu filho cientista, que não passou de músico amador (pelo contrário, um irmão de Galileu, Michelagnolo, saiu ao pai, tornando-se alaudista). Mas, mais do que instrumentista, Vincenzo foi um grande pioneiro de uma nova arte musical ao integrar, no final do século XVI, um agrupamento, designado por Camerata Florentina, que introduziu um novo género – a ópera – quando tentava recriar o teatro grego. E, como se isso fosse pouco, foi também um teórico da música. Estudando as cordas vibrantes que tinham interessado Pitágoras, fez uma descoberta adicional, que pode ser vista como a entrada da não-linearidade nas ciências físicas: as frequências variavam com a raiz quadrada da tensão aplicada na corda, o que concluiu após pendurar vários pesos numa das suas extremidades. É assaz curioso que a física moderna tenha nascido num ambiente que combinava a música com a física! 

Um amigo de Galileu, o padre francês Marin Marsenne, aprofundou as investigações de Vincenzo Galilei, No seu livro mais influente L’Harmonie universelle (A Harmonia Universal, 1636) juntou numa só fórmula a lei de Pitágoras e a lei de Vincenzo: a lei de Marsenne. Aém disso, teve um papel na agregação dos físicos e matemáticos do seu tempo.

 A discussão da harmonia musical prosseguiu, uns olhando mais para a música e outros olhando mais para a física. No século XVIII, o compositor barroco francês Jean-Philip Rameau escreveu o Tratado da harmonia reduzida aos seus princípios naturais (1722) e, no século XIX, o físico e médico alemão Hermann von Helmholtz escreveu o livro Ciência das sensações do som como uma base fisiológica para a teoria da música (1863), onde, para além de outras contribuições para a acústica, introduziu um sistema preciso para definir as notas. 

Há dois anos, no dia 21 de Março de 2018, quando a Primavera se iniciava, tive o gosto de proferir uma conferência sobre “Música e Ciência” no Instituto Politécnico de Viseu, ao qual se seguiu um concerto por uma formação de jovens percussionistas da Orquestra Metropolitana de Lisboa, que tocaram A Sagração da Primavera (1913), do grande compositor russo Igor Stravinsky. Nessa ocasião referi que esse concerto provocou uma revolução na música, trazendo o contaste das dissonâncias onde antes reinava a harmonia, A obra foi pateada na sua estreia em Paris. Lembrei que, no mesmo ano de 1913, o físico dinamarquês Niels Bohr revolucionou a Física, ao propor uma nova imagem do átomo, em que os electrões percorriam órbitas em redor do núcleo atómico, como se fossem planetas. A grande diferença relativamente à descrição clássica das órbitas planetárias é que as órbitas electrónicas não podem ser quaisquer nem as energias associadas às órbitas: uma órbita de raio maior correspondia a energia maior e portanto maior frequência. A energia dos electrões era dada por números inteiros. Isto é, Pitágoras estava de volta: os números inteiros entravam agora não no domínio astronómico, mas no domínio atómico. 

A fórmula de Bohr para as energias electrónicas ajustava-se tão bem bem às riscas dos espectros atómicos conhecidas há muito que o físico suíço (mais tarde também norte-americano) Albert Einstein viu logo que Bohr estava certo. Tal não o impediu de, mais tarde, levantar dificuldades conceptuais aos desenvolvimentos da teoria quântica, quando esta passou a assentar em ideias probabilísticas. É curioso assinalar que Einstein tocava violino, com um nível apenas amador. Ssó a música lhe dava maior prazer do que a física. Foi ele que disse que “A música de Mozart é tão pura e bela que a vejo como um reflexo da beleza interna do universo.” 

A revolução na música no século XX haveria de ir mais longe do que a música de Stravinsky. Nos anos 20 o compositor austríaco Arnold Schoenberg, que admirava Rameau (tratou a sua obra no Tratado da Harmonia, 1911), propôs que, na chamada “escala cromática” da música ocidental, formada pelas sete notas padrão da escala diatónica e por mais cinco sons intermediários, todas as doze notas deveriam ser tomadas como equivalentes. Organizou nessa base grupos de doze notas a que chamou séries, que podia manipular por operações de simetria. Esta estranha música ficou conhecida pelo nome de “dodecafónica”. Schoenberg era músico e não cientista: acreditava em numerologia, isto é, no poder mágico dos números para prever o futuro, o que não passa de uma posição pseudocientífica. Mas há estranhas coincidências: morreu no dia em que acreditava que isso ia ocorrer com base num horóscopo que um astrólogo lhe tinha fornecido. Consta que a sua última palavra foi “harmonia”.

  A física moderna está profundamente assente no tema da harmonia para descrever as partículas e as forças fundamentais. No quadro da teoria quântica, e usando a matemática no tratamento de simetrias mais ou menos abstractas, chegou a descrições muito fieis da realidade submicroscópica. De certo modo Pitágoras e Platão tinham razão: no fundo, tudo é número e as proporções importam. Mas um problema da descrição fornecida pela física moderna é que a matemática subjacente não é perceptível por quem não tenha feito a necessária aprendizagem (já dizia Fernando Pessoa, ou melhor Álvaro de Campos, que “o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo./ O que há é pouca gente para dar por isso”). Há uma relação entre a matemática e a música, mas as pessoas apreendem muito mais facilmente a música do que a matemática.

domingo, 30 de outubro de 2022

Resta o regresso ao cume

Resta o regresso

Ao cume, 

À solidão.

Ao doloroso dardejo

Das águas

Do mar de Mira.

À espuma rubra,

Ao ardente idílio,

Como lume

De sal de lítio,

Que tange o rosto

E se retira.

Ao longínquo 

Fulgor

Do sódio.

Ao ardor do azul.

Ao cálcio 

Que parece

Que se inflama

Na face mais pobre.

Ao grito 

Da água diáfana,

Sob a luz do dia.

Ao céu da Gândara

Verde 

Como a caruma

Que me cobre.

Às uvas colhidas,

No barro gretado,

Pelo desejo

E por uma vetusta

Canção.

Resta o regresso

Ao lampejo,

À terra do coração.

sábado, 29 de outubro de 2022

Hoje, o pudor não me detém à porta


Hoje, o pudor não me detém à porta.

Já não sou a criança com receio

De altivo homem, da injúria, da resposta,

Da universal calúnia e do recreio.

 

Antes, crianças transpunham a porta.

Com medo eu regressava à luz materna.

O saber ou a outra casa que importa

Queria de peito, amava a matéria.

 

Sentava-me em silêncio e com pudor

Ouvia e habitava o coração

Que um sonho alto não iria transpor.

 

Abro hoje a porta e peço de antemão,

Com o que importa, sem o medo impor,

Só coragem e um pouco de atenção.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O mar beijava-te o ouro dos pés

O mar beijava-te o ouro dos pés

E a serra formosa e em verdor, punha,

Estupefacta, as vistas de viés

No estreme e estendido alvor da espuma.

 

A onda, ao morrer, para ti se alongou,

E a alta serra em ti quis desassomar.

No chão-ardor teu olhar trespassou

O azul cerúleo de mim e do mar.

 

Olhámo-nos, ficou tudo mais só.

Ficou tudo imóvel e siderado.

Da venusta Afrodite tive dó:

 

O olhar castanho e o lúbrico flanco.

O seio em acúleo, o corpo anafado

E o que, com escrúpulo, excluo do canto.


UMA CRIANÇA ÍNDIA QUE CHORA

Chora uma criança na Amazónia,
ela é índia e criança e chora,
despejada naquela babilónia,
aguardando ajuda que demora.

Ser índio desprezado é destino
de imensas crianças na floresta.
Lágrimas lavam seu corpo franzino,
lágrimas sendo tudo que lhes resta!

Quem isto tolera e até promove
diz-se cristão de não sei que evangelhos:
a ganância assassina é que move

autênticos escaravelhos!
Uma criança índia que ali chora
é pra sempre mancha em qualquer aurora!

Eugénio Lisboa


Depois de ter visto hoje, no suplemento ÍPSILON, do jornal PÚBLICO, uma criança índia a chorar no Amazonas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

ELOGIO DO BICHANO

Ser ou não ser bichano [1] , eis a questão!
Pode provar-se, com bom fundamento,
que não ser bichano é perdição
e, provavelmente, puro tormento.

Assim sendo, qual será a razão
de existir dos que não são bichanos?
Não ser bichano é só desrazão
que causa aos outros bichos muitos danos!

Deus criou Leonardo já tarde [2],
e, por isso, criou os não bichanos
e fê-lo xó com medo do alarde

que os bichanos trariam aos humanos:
Deus sabia muito bem que os bichanos
satisfariam gregos e troianos!

[1] Bichano: o mesmo que gato ou, de preferência, gatinho.

[2Alusão ao facto de ter sido Leonardo quem desenhou o gato. Antes desta genial criação – a obra-prima do artista – Deus foi criando outros animais menos esbeltos e menos interessantes. Até que!

Eugénio Lisboa

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

ALGUNS POEMAS DE REINALDO FERREIRA

I

Volver às rimas suaves,
Aos metros embaladores,
Cantar o canto das aves,
A aurora, a brisa e as flores…

Vibrar na deposta lira
Dos trovadores sepulcrais
Delidas queixas d’Elvira
Zelos de bardo, fatais

Para que nessa ficção,
De outras apenas diferente,
Ao fogo do coração
Arda a razão descontente.

II

Regresso de parte alguma
Rico mais do que partira,
Pois trago coisa nenhuma
Sem desespero e sem ira.

Agora vivo contente
No meu exílio sereno;
Tomei tamanho de gente
E não me dói ser pequeno.

Pedra parada na calma
Tranquilidade dos charcos,
Deixem dormir minha alma,
Como apodrecem os barcos…

III

Eu, Rosie, eu se falasse, eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos, dancemos
Já que temos
A dança começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
Dum par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue, 
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh… 
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une – é estar ausentes.

IV
RECEITA PARA FAZER UM HERÓI

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural. 
Embeba-se-lhe a carne, 
Lentamente, 
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome. 
Depois, perto do fim, 
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim. 

Serve-se morto.
__________________
Noutro dia, acrescentaremos alguns poemas de Reinaldo Ferreira, a assinalar o centenário do seu nascimento. 

Eugénio lisboa

Um rosto é mais do que um rosto – é um beijo

Um rosto é mais do que um rosto – é um beijo –,

Quando no peito nasce abrupto o desejo.

Um beijo é mais do que um beijo – abril e uma ave –,

Quando no peito o céu primaveril se abre.

Eu sei que nada será dito com enlevo

Eu sei que nada será dito com enlevo,

Sem que o arrebol caia no lagamar.

Sem que a lágrima azul eleve a flor do trevo.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

CENTENÁRIO DE REINALDO FERREIRA

Por Eugénio Lisboa

O poeta fala a todos os homens,
daquela outra vida que eles sufocaram e esqueceram. 
Edith Sitwell

Passa este ano o centenário de um grande lírico português – Reinaldo (de Azevedo e Silva) Ferreira – mais simplesmente conhecido como Reinaldo Ferreira, como o seu pai, o notório e talentoso Repórter X.

Como nem só do centenário de Saramago vive o homem, sendo até provável que, dentro de não muito tempo, Reinaldo seja uma presença mais viva e assídua, para os leitores, do que o autor de MEMORIAL DO CONVENTO, talvez não fosse má ideia assinalar o centenário do nascimento deste grande lírico português, nascido em Barcelona, em 1922, e falecido em Lourenço Marques, em 1959. Malhas que o império tece. 

Dizia Jean Cocteau que os poetas são, quase sempre, criaturas muito pouco poéticas. Reinaldo Ferreira, com a sua cabeça de fauno bom e afectuoso, era a personificação do poeta, mesmo fora da poesia escrita. Bondoso e mesmo generoso até dizer chega, desinteressado do dinheiro que ganhava com o seu talento, incapaz de fazer mal a uma mosca, contava-se dele esta história exemplar:
descuidado como era e vivendo sozinho, guardara na gaveta de uma mesa da cozinha, os papéis com os seus poemas manuscritos. Um dia, abrindo a gaveta, achou-a vazia. Chamou o empregado africano e perguntou-lhe se ele tinha mexido naquela gaveta. Ele respondeu que deitara tudo fora por pensar que eram papéis velhos e sem préstimo. A única reacção do poeta foi encolher filosoficamente os ombros e dizer: “Lá se foram sete anos de trabalho…” E nem sequer repreendeu o rapazinho. 
Este seu comportamento vale volumes de poesia. Tive o privilégio de estar com Reinaldo Ferreira, em Lisboa e em Lourenço Marques. Era um companheiro inesquecível e um conversador extraordinário. Fazia teatro no Rádio Clube de Moçambique, escrevia canções para marchas populares e revistas musicais, porque tinha grande facilidade de improvisação. Mas quando as jogava a sério, era de um teimoso perfeccionismo, que deu, aos editores da sua poesia póstuma, um trabalho infernal, para decidirem qual das várias versões de um poema era a definitiva.

Outra história que gostava de aqui contar é esta: 
tendo-lhe sido diagnosticado, em Lourenço marques, um cancro nos pulmões, aos 37 anos, foi a Joanesburgo, tentar uma opinião que lhe desse esperança. Ficou em casa da que viria a ser a minha grande amiga, Dianne Lidchi, bela pintora e mulher endinheirada. Contou-me ela que ficou muito impressionada com o comportamento de Reinaldo, porque, na noite do dia em que ele recebeu a sentença de morte, da parte do médico sul-africano, esteve todo o tempo a participar numa reunião que Dianne organizara em sua honra, exibindo uma brilhante convivialidade, como se nada de extraordinário lhe tivesse acontecido. Dianne Lidcchi ficou tão siderada com a sua coragem e o seu panache, que fez alguns retratos dele, dos quais sou hoje possuidor. Um deles serviu para a capa da primeira edição dos poemas, feita em Lourenço Marques, a expensas da Imprensa Nacional e graças ao esforçado labor de três amigos.
A poesia de Reinaldo foi imediatamente saudada, após a sua publicação, em Lourenço Marques. Figuras como José Régio ou David Mourão-Ferreira logo o saudaram como grande poeta português de qualquer tempo. No Brasil foi saudado por críticos e professores universitários, tendo um deles afirmado alto e bom som que Reinaldo Ferreira era o maior poeta português do século XX, logo a seguir a Fernando Pessoa, o que enfureceu Jorge de Sena, que reclamou esse lugar para si próprio. Mas, quando, em 1972, passou por Moçambique, pediu-me encarecidamente que lhe arranjasse a primeira edição dos POEMAS, do malogrado poeta. Sena era colérico mas não era mesquinho. Os famosos Jograis de S. Paulo logo o incorporaram no seu reportório. 

Há muita gente, sobretudo sociólogos e políticos, para não falar em economistas, que são de opinião que a poesia não serve para nada. Há não muito tempo, um conhecido sociólogo dizia, preto no branco, que essa coisa das artes e letras era coisa para se ensinar fora das horas normais de aulas. A epígrafe roubada à poetisa inglesa, Edith Sitwell, de algum modo responde a esse tipo de enormidades.

Mas, já agora, junto e termino com esta admirável reflexão do grande poeta Dylan Thomas: 
“Um bom poema é um contributo para a realidade. O mundo nunca mais fica o mesmo, desde que um bom poema lhe é acrescentado.” 
Eugénio Lisboa

A libertação

Por João Boavida

O século XVIII alterou profundamente a conceção do mundo e do homem até aí dominante.

Como se sabe, as coisas raramente acontecem subitamente mas, pelo contrário, são o resultado de múltiplos fatores, de encadeamentos anteriores e da contribuição de muita gente.

O processo que eclodiu no século XVIII vem muito detrás, costuma considerar-se como tendo origem no Renascimento, entre meados do século XIV, finais do século XVI. Mas a valorização da natureza é anterior, pois já do século XIII, Rogério Bacon começou a aplicar métodos de observação objetiva e concebeu a ideia de “lei da natureza” que, séculos depois, se tornou absolutamente determinante. O que prova que a própria Idade Média não é tão monolítica como muitos querem fazer crer. 

O Renascimento ou recuperação dos autores clássicos deu condições de desenvolvimento a um humanismo, desencadeou uma estética que nunca mais deixou de se sentir e impulsionou uma libertação que não mais parou. A recuperação dos autores clássicos implica uma valorização do humano, da sensibilidade, da alegria de viver, que os medievais não conheciam ou que entendiam quase sempre como pecaminosa.

Mas este processo de libertação continuou, primeiro, pelos racionalistas, depois, ou quase em simultâneo, pelos iluministas e, nos finais do século XVIII princípios do XIX, pelos românticos, que de certo modo a eles se opõe, mas, por outro lado, os continua e sem os quais teria muito provavelmente sido impossível.

O Racionalismo (Francis Bacon, René Descartes, John Locke, Baruch Espinosa, etc.) vem valorizar a razão humana e a necessidade de o homem enfrentar, com o instrumento racional de que dispõe, os problemas que se lhe colocam.

Segundo os racionalistas, o verdadeiro conhecimento era racional; não só no que diz respeito à origem (ideias inatas) como no que respeita à formulação de juízos e raciocínios e sua verificação através das leis da lógica, que já vinha de Aristóteles, e a modernidade reformulou para uso dos novos métodos de investigação.

Desta atitude e desta metodologia deriva o processo de matematização da ciência e a ideia de uma estrutura matemática no universo, ou, pelo menos, de uma realidade quantificável. O que privilegiava as novas formas de recolher informação e de obter conhecimentos, válidos através da observação e da experimentação, isto é, de um conhecimento cada vez mais livre dos ensinamentos da física aristotélica e da cosmologia de Ptolomeu.

Assim se foram valorizando os aspetos positivos da realidade e, simultaneamente, se foi enfraquecendo e desacreditando uma visão teológica predominante na Idade Média. Newton (1643-1727) é provavelmente o expoente máximo deste processo, tornando-se o paradigma da física moderna até Einstein.

É bom não esquecer, no entanto, que este processo levou séculos. 

O Iluminismo, por sua vez, e em articulação com esta nova mentalidade em evolução, veio valorizar o saber, “as luzes”, que tirariam das trevas as mentes humanas, que libertariam os povos de servidões atrofiantes e gerariam contínuo progresso.

Homens como Voltaire, D’Lambert, Diderot, Rousseau, David Hume, Adam Smith, estão imbuídos da certeza do valor do conhecimento, e do poder que ele tem como agentes de transformação modernizadora. E que, na política, deu o absolutismo iluminado. 

Veja-se o que fez o Marquês de Pombal para modernizar o país, e ter-se-á uma ideia do que eles representaram.

E assim, utilizando as capacidades que são especificamente humanas valoriza-se o próprio ser humano. 

A partir do momento em que é privilegiada a recolha objetiva dos factos e dados da natureza, posta a razão ao serviço da sua interpretação e valorizadas, “as luzes”, vai alterar-se o modelo mental e psicológico anteriormente dominante. O hábito de pensar racionalmente, e a crença nas suas possibilidades, torna mais nítida a especificidade humana no seio da natureza e, simultaneamente, desenvolve a sua autonomia e o seu poder transformador.

Noutra ordem de ideias, a partir da conceção de um contrato social, em Rousseau (1712 - 1778) ou de uma separação de poderes, em Montesquieu (1689 - 1755) vão-se modificando as regras e os modos de os humanos se organizarem socialmente, teoriza-se o estado moderno e dá-se base às democracias ocidentais. 

E, com isso, os indivíduos ganham outras asas e sentem-se não só seres livres, mas também como tendo direito à liberdade e à intervenção política. 

Com a glorificação da razão como entidade original e última do ser humano, e a valorização da capacidade de pensar a partir de princípios universais, isto é, de todos os seres humanos serem capazes de raciocinar de idêntica maneira, gera-se a crença num entendimento universal, ou seja, que se nos impõe obrigatoriamente.

Sendo a razão humana aquilo pelo qual todos os humanos se identificam e através dela se podem entender, é possível ter esperança, como pensava Kant (1724 - 1804), numa “paz perpétua”, pois o ser humano, enquanto ser racional e participante dessa racionalidade, tem a capacidade de captar a universalidade da lei. 

Também por isso, a lei moral está inscrita em cada um de nós, e a nossa ação moral deve reger-se por essa lei, independentemente das vantagens que possa obter ao agir moralmente, e das desvantagens de uma ação condenável. Mais até, se agirmos moralmente para obtermos vantagens, ou por receio de castigos, a nossa ação pode ser útil e bem vista aos olhos dos outros, mas não é moralmente válida. 

Atreve-te a pensar por ti próprio, dizia Kant, a tua racionalidade é, de algum modo, uma partícula dessa mesma racionalidade. 

O já referido Jean Jaques Rousseau trouxe outra valiosa contribuição para alterar a visão que se tinha do mundo e da sua organização e funcionamento. A partir dele perdeu crédito a ideia segundo a qual os acontecimentos do mundo manifestavam a vontade de Deus, que vinha do Antigo Testamento e de castigos divinos infringidos aos pecadores, como no Dilúvio e em Sodoma e Gomorra, por exemplo. 

Estes fenómenos passaram a ser considerados como resultantes de forças naturais e não comandados por razões teológicas. Segundo Rousseau, Deus criara o Mundo, mas dera-lhe leis próprias para se governar e a Natureza era a manifestação mais maravilhosa dessa organização. É conhecida a explicação do Terramoto de Lisboa como um fenómeno natural, contra a interpretação tradicional de um castigo divino pelos muitos pecados, neste caso, dos lisboetas.

Mas, como diria Voltaire (1694 - 1778), como os cidadãos de Lisboa não seriam por certo mais pecaminosos que os de outras cidades, houvera, no caso, se assim fosse, uma grande injustiça divina, o que era inaceitável.

É bom não esquecer que a mentalidade providencialista ainda funciona em muitas pessoas, e mesmo os que nela já não acreditam ainda às vezes, mesmo sem darem por isso, se apanham a pensar nestes termos. Ao libertar-se de uma conceção providencialista, o seu humano ganhou uma autonomia como nunca tivera.

Ao dar ao homem, possuidor de razão, uma radical autonomia moral, transformou esta, de heterónoma em autónoma, e, ao ser humano, de temente a Deus em senhor de si mesmo. O que deixou os seres humanos livres de condicionamentos éticos e ontológicos que ainda vinham da Idade Média, passando a obedecer somente à sua consciência. Isto representou um passo enorme na afirmação do seu poder, e uma liberdade que, se bem que muito mais exigente, ficou praticamente sem limites exteriores, a não ser os judiciais.

O Romantismo, catapultado por estas conquistas, vem trazer-lhe novos contributos que, em muitos aspetos, vão, por sua vez, reformular conceções anteriores. Com os românticos, a Natureza tornou-se num imenso campo potencial e inspirador e a cultura popular o fundamento e a razão de ser dos indivíduos e das nações. São recuperados e valorizados os contos tradicionais (vd. por exemplo, Os contos tradicionais portugueses, recolhidos por Teófilo Braga, os Contos, dos irmãos Grimm, na Alemanha, os de Hans Christian Anderson, na Dinamarca, os de Jacques Perreaut, em França), tal como as tradições culturais nas suas particularidades, de que as Lendas e narrativas, de Herculano, ou Romanceiro, de Garrett são exemplos conhecidos.

E, pela mesma dinâmica, as comunidades e nacionalidades ganham um grande incremento a partir das suas particularidades e valores. Em termos políticos há a valorização dos indivíduos enquanto cidadãos, a expansão dos direitos civis, a consolidação dos estados e a desvalorização das hierarquias sociais, à custa de movimentos de libertação política como a Revolução Francesa, a Independência dos EUA, a descolonização das Américas Central e do Sul, os liberalismos políticos (as nossas lutas liberais, por exemplo, já nos começos do século XIX), e a queda de grande número de monarquias na Europa, em finais do século XIX, princípios do século XX. 

Podemos dizer que o Romantismo é a base ideológica e afetiva que transformou a face da Europa tal como ainda a vemos hoje, e criou condições para os desenvolvimentos políticos, sociais e económicos que chegaram aos nossos dias. Mas é indispensável inseri-lo num processo anterior de libertação não só das sociedades e suas organizações políticas e sociais, mas também da maneira de pensar, sentir e viver das pessoas. 

Onde havia pecadores temerosos de lei divina, cultivando a humildade e sempre receosos do castigo, ergueu-se um novo ser, afirmativo, forte e que se guia pela sua consciência. Onde havia um entendimento do mundo formatado, limitado e hierarquizado, passou a haver um sentimento de afirmação pessoal. E em expansão. Tendo em conta todo este processo é de crer que a arte não ficasse fora dele. 

É neste enquadramento que temos que entender a arte contemporânea.

João Boavida

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

ANATOMIA DA GLÓRIA

I am famous.That is my job.
Jerry Robin

Há gestos que são cheios de astúcias,
mas são gestos tristes e sem grandeza
congeminam-se todas as minúcias
de que precisa uma boa defesa.

E trai-se um amigo, sendo preciso,
porque mais precisa é ainda a glória:
o amigo que tivesse juízo
e pensasse melhor na trajectória!

A glória não prevê delicadezas
e ganha-se, mesmo que seja a murro.
Não dá para pruridos de inteireza

e finge-se, se preciso, de burro.
A glória não se importa com mãos sujas
e acha úteis palavras sabujas! 

Eugénio Lisboa 

NOTA ERUDITA, à laia de aviso: a glória que quase sempre se consegue, com as astúcias acima inventariadas, trazem-me à memória a irresistível Dorothy Parker: “I was the toast of two continents: Greenland and Australia.”

Ser poeta é não estar

Ser poeta é não estar

E, se assim o desejar,

Poder falar com as pedras

E abraçar um caracol.

 

É o chão e o céu amar

E só a ambos perguntar

Pela eclosão das ervas,

Pelo sentido do sol.

 

CiÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÂO COM LULA

Ao contrário de Bolsonaro, é amigo da ciência. Por isso assinei esta declaração que me foi enviada por colegas brasileiros e que já vai em quase 13000 assinaturas de cientistas, professores, técnicos e cidadãos em geral ligados à ciência, tecnologia e inovação. Quem desejar pode assinar aqui

https://cienciacomlula.observatoriodoconhecimento.org.br/ 

 Nós, cientistas, professores, pesquisadores, técnicos, empresários, trabalhadores, servidores, pós-graduandos e gestores, que atuam em ciência, tecnologia e inovação (CT&I), nos manifestamos pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República Federativa do Brasil. Fazemos isto por termos certeza de que Lula fará um governo democrático, com avanços sociais e a recuperação econômica do País. Temos clareza que a eventual continuidade do péssimo governo do presidente Bolsonaro nos levará a um desastre maior do que o atual. 

 Ao longo dos 4 anos de governo, Bolsonaro se destacou pelo negacionismo em relação à ciência, atuando contra as vacinas e a proteção individual, além de incentivar remédios ineficazes. Tais ações foram corresponsáveis por uma parcela significativa das centenas de milhares de mortes na pandemia. Bolsonaro promoveu um processo de desmonte da CT&I no Brasil, reduzindo drasticamente os recursos para esta área, bem como para a educação, e desviando fundos legalmente destinados a ela para interesses eleitoreiros e orçamentos secretos. Presenciamos nos últimos anos, a evasão de muitos de nossos jovens que abandonaram o país em busca de melhores condições de estudo e trabalho. Seu governo atuou contra a liberdade de pesquisa e a transparência da gestão pública ao promover demissões e perseguições a pesquisadores que divulgavam dados importantes sobre o meio-ambiente, a saúde e a economia do país. A sua política deliberada de destruição do meio ambiente levou a um crescimento enorme no desmatamento, a ameaças às terras indígenas e conduziu o país a um triste recorde internacional. Em consequência das ações do governo, a imagem do Brasil no exterior foi profundamente afetada, prejudicando o comércio e as cooperações internacionais. As ameaças constantes à democracia e aos direitos individuais, o grande aumento do desemprego, o crescimento da fome, que atinge agora 33 milhões de pessoas, e a deterioração acentuada das condições de vida da população brasileira são o legado trágico de uma política de governo que o país deve, agora, derrotar democraticamente. 

  Como Presidente da República, Lula agiu sempre de forma democrática e o bom desempenho de seu governo foi reconhecido pela população: no final do seu mandato, tinha 87% de aprovação. O Brasil atingiu a posição de sexta economia do mundo (hoje caiu para o 12o lugar) e o PIB por pessoa foi o maior da nossa história. A dívida externa foi toda paga e o país acumulou reservas de centenas de bilhões de dólares. Havia pleno emprego e o Brasil foi retirado do Mapa da Fome. A CT&I teve um grande impulso, assim como a educação, com aumento substancial de recursos e planejamento adequado, alcançando patamares bem mais altos que os atuais. Houve a criação e expansão de muitas universidades e institutos federais e ampliou-se o acesso de milhões de jovens ao emprego e às escolas e universidades. As ações de inclusão social beneficiaram milhões de pessoas. 

 As propostas de Lula para o próximo governo recuperam e ampliam em muito o que seu governo anterior realizou. Pontos essenciais serão a recuperação econômica do país, a melhoria do sistema educacional e da saúde pública, a extinção da fome e a preocupação com o meio ambiente e com uma agricultura sustentável. Em seu programa, Lula planeja o aumento e a continuidade de recursos para CT&I e educação – vistos não como gastos, mas como investimentos – e o estímulo à pesquisa básica e à inovação tecnológica e social. Será dado destaque à valorização das bolsas de estudo e à criação de oportunidades de trabalho para os jovens que querem se dedicar à CT&I no País, oferecendo futuro a eles e à Nação. 

Por essas razões apoiamos a eleição de Lula para a Presidência do Brasil. Votar nele significa também se juntar a uma ampla aliança de democratas para salvar o País do autoritarismo. Como profissionais da CT&I, setor crucial para a inserção do Brasil no mundo contemporâneo, declaramos a nossa firme disposição de colaborar para a recuperação econômica e para um desenvolvimento sustentável e socialmente mais justo do país. Por um Brasil mais rico e menos desigual, no qual a educação, a ciência e a saúde sejam instrumentos essenciais para o desenvolvimento econômico do país e para a melhoria das condições de vida de todos os brasileiros e brasileiras, votamos Lula!

domingo, 23 de outubro de 2022

Consumo corrente: ‘marcas brancas’ e as preferências que ora concitam

Por Mário Frota

Texto graciosamente cedido pelo autor. Antes publicado no jornal As Beiras.

O ”Le Figaro”, de sábado último, editado na Cidade Luz, oferecia aos seus leitores dados com efectiva expressão a propósito do actual momento em que a carestia atinge os produtos das fileiras do agro-alimentar nos distintos segmentos do mercado de consumo. E aí se dizia:
“Os consumidores preferem estes rótulos 24% a preços mais moderados do que os das grandes marcas.” 
“Marque repère” (Leclerc), “Reflets de France” (Carrefour) e “Pâturages” (Intermarché) são quase tão conhecidos pelos clientes destas marcas como Danone, Lu ou Nestlé.
Após um período de desinteresse, a popularidade das marcas privadas aumentou acentuadamente. Durante a crise sanitária, os consumidores tinham procurado conforto e tranquilidade junto das suas marcas nacionais favoritas. Nutella, Président e Caprices des Dieux... raramente se tinham saído tão bem.

Mas as prioridades dos consumidores mudaram. Com o aumento dos preços nos supermercados, o preço tornou-se mais uma vez o principal critério de compra. No entanto, as marcas privadas são 24% mais baratas do que a média dos produtos vendidos nos supermercados.” 

O facto é que é surpreendente o que ocorre com os preços dos produtos do cabaz elementar e os inesperados lucros das empresas da grande distribuição alimentar, os tais “lucros caídos dos céus”, que os governos e, em particular, o que remanesce entre nós, relutam em “taxar”. 

Relutam em taxar e, perante os efeitos da beligerância ocorrente que tudo condiciona, mostram-se indiferentes e relapsos no que tange à limitação das margens de lucro num cabaz alimentar que importaria se aferisse em função das necessidades básicas de cada um e todos e de uma dieta nacional desenhada em função de critérios de base científica que fácil seria decerto descortinar e definir…

Se a tão decantada “responsabilidade social” tivesse conteúdo, decerto que as insígnias de renome (que partilham quase que de modo concertado, entre si, o mercado) não apresentariam preços tão especulativos que não escolhem o universo alvo a que se dirigem: paga por uma lata de atum tanto o pobre como o rico. E o atum, para além dos lucros que proporciona e da reduflação que eventualmente tende a envolvê-lo, encarece mais ainda porque em razão dos desvios a que se expõe, por ser produto popular que pode ser confeccionado de mil maneiras, tem de vir com um alarme anti-furto para que a mole imensa dos que à míngua de meios intentam dessa forma iludir a fome sejam barrados à saída das caixas para que apresentem contas à Justiça…

Ao menos, se os detivessem por longo tempo, poderiam as vítimas da fome comer, nesse ínterim, à conta das sopas do presídio, mas libertam-nos de seguida, a aguardar julgamento, para que a “famina” os devore…

E nem sequer as escusas do Chefe de Estado [à semelhança de um seu predecessor que jurava a pés juntos que os portugueses não são nem corruptos nem tratam por tu a corrupção…] – com o fundamento de que somos todos honestos e bem comportados - colhem porque, afinal, não se “faz mão baixa” a produtos sumptuários, mas a coisas tão elementares como a uma carcaça ou uma lata de atum.

Aliás, até talvez tenha razão o primeiro magistrado da nação. Se quem tem fome se juntasse aos magotes e hordas indefinidas fizessem ‘arrastões’ aos bancos ou aos hipermercados, esvaziando-lhes cofres fortes e gôndolas para depois se locupletarem com os proveitos dos roubos e das vendas, talvez o fenómeno pudesse ser perspectivado de modo diferente…

São tão inábeis os pobres que se limitam, com efeito, a fazer ‘mão baixa’ a coisas insignificantes, mas que exigem, afinal, redobrados cuidados de segurança: não a segurança intrínseca do produto analisada pela sua composição (em momento em que a depreciação qualitativa dos produtos, como o proclama a Comissão Europeia, se acha em voga e urge combater veementemente…), mas a segurança física do produto, não vá alguém subtraí-lo para matar a barriga da fome!

Quantas latas de atum cabem nos tão decantados 125 € de “bónus”, como todos lhes chamam, que os meios se habituaram a fazer coro com o Governo, que mais não são, repartidos pelos 12 meses do ano, que meros 10,40€ /mês?

Sim, 10,40 €, que os fazedores da imagem do Governo convertem em valor de “encher o olho”, como se fora creditado em conta mês a mês o montante global ora atribuído…

Os cálculos serão, com efeito, simples de fazer: Uma lata de atum (posta) de 250 gr, peso líquido (tamanho familiar?), custa cerca de 4,70 €; logo, o famigerado “bónus” mensal dá para 2, 2 latas… 

Se for de uma das marcas tradicionais, em limão e jindungo, por exemplo, ao preço por unidade de 2,90 €, sempre se leva para casa quase 3 latas e meia… para o consumo do mês!

Se em vez de atum se apontar para o bacalhau (o eterno mito do alimento dos pobres, dadas as mil e uma maneiras de o confeccionar, poupando-o na mistura com outros ingredientes), os 10,40€ já não chegam para um quilo do graúdo (de 12,00 a 13,00 €/ Kg) … antes para o escamudo… que é uma espécie ‘degenerativa’ que espíritos menos despertos e atreitos às sugestões e embustes confundem com a original!

Os poderes tendem a dissimular o clima envolvente, fazendo crer que o mercado funciona normalmente [e não se pode afrontar o sistema de economia de mercado, qual dogma irremovível…] quando os condicionamentos são de monta e se reflectem designadamente nos preços, como a ninguém escapa!

Condicionar as margens no comércio por grosso e no retalho, como se faz em circunstâncias análogas, não é crime contra o mercado em linha concorrência.

Crime é ignorar o momento, as circunstâncias, e remeter os pobres para os furtos envergonhados da carcaça e da lata de atum!

Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...