Transcrevo aqui artigo de Guilherme Valente no Público de hoje:
A melhoria nos testes PIRLS e TIMSS volta a ser falaciosamente usada
(PÚBLICO, 24/12) para legitimar as teorias e práticas impostas à escola
nos últimos trinta e cinco anos. Escreve Maria Emília Brederode (MEB):
“(...) os únicos testes internacionais em que o desempenho dos alunos
portugueses ficou acima da média europeia em Língua Materna, compreensão
de leitura e em Matemática e Ciências.
Estes resultados
correspondem a testes efectuados em 2011 pelo que não há forma de os
considerar indicadores de que alguma coisa fosse mal na formação de
educadores de infância e de professores dos 1.º e 2.º ciclos”.
Ora,
nem o resultado desses testes tem, infelizmente, o significado que MEB
lhe atribui; nem a média europeia é satisfatória; nem o mérito dessa
subida pertence à formação ministrada nas Escolas Superiores de
Educação. Esse progresso, tão tardio, revela, pelo contrário, o seu
fracasso. O facto de ostentarem tão modesta e insignificativa
classificação mostra, afinal, a mísera ambição dos seus objectivos.
Vejamos porquê:
1. Os testes referidos foram aplicados a alunos de
10 anos, a terminar o 1.º ciclo. A este nível, nestes tempos
“pós-modernos” em que pouco ou nada se ensina a essas crianças, ainda
não há grande diferenciação nos conhecimentos dos alunos.
2. E os
referentes não são significativos. Se compararmos os resultados dos
nossos alunos - tal como os dos alunos da generalidade dos países
europeus - com os dos alunos dos países que claramente progrediram,
verifica-se um atraso geral dramático (e
t pour cause...). Ora,
devem ser os resultados desses países o exemplo e o desafio para nós.
Atente-se no sucesso conseguido por alguns deles, em várias latitudes,
em quatro vezes menos tempo.
3. O mérito desse nosso progresso,
relativo a países da Europa em que a qualidade do ensino se tem
degradado, não pertence às referidas teorias, mas, pelo contrário, como
veremos, ao recuo no seu domínio.
De facto, nos testes PISA, mais
significativos, porque aplicados a jovens com 15 anos, quando a
influência da escola nos conhecimentos dos alunos é já mais acentuada,
os resultados foram sempre muito fracos até 2009, só então se
verificando o primeiro progresso visível, depois de o modelo há tantos
anos imposto começar a ser contrariado, ainda que timidamente.
(Acrescente-se ter constado que o ministério de M. L. Rodrigues não
incluiu alunos dos cursos profissionais, e por isso os resultados teriam
sido melhores)
Na verdade, o progresso verificado no PISA de 2009
e nos PIRLS e TIMSS de 2011 começa por estar ligado a uma mudança de
ambiente resultante das vitórias no longo combate travado por alguns
cidadãos e jornalistas, nomeadamente: divulgação dos resultados das
provas de aferição e dos exames que ainda restavam; participação nas
provas comparativas internacionais, que Ana Benavente proibira.
E,
depois, a medidas que, embora temerosas e circunscritas, começaram a
enfrentar, o que eu, saudando-as, designei por “eduquês” puro e duro.
Medidas
do tempo de D.Justino, nomeadamente reintrodução de exames e
preocupação com o ensino profissional. Orientação reforçada por
Sócrates/M. L. Rodrigues: afirmação veemente do valor dos exames;
mudança no modelo de direcção das escolas; assumida reabilitação da
ideia do ensino profissional, permissão para as escolas criarem cursos
profissionais - ferindo, assim, um dos dogmas mais estúpidos e cruéis do
"eduquês" (de que logo resultou uma localizada descida no abandono
escolar); reciclagem, embora mal realizada, de professores de Matemática
- “anunciando” o que Crato, seguramente, quer fazer. Medidas que
valeram a MLR a significativa ruptura com os ultras das “ciências” da
educação.
Registe-se, ainda, a determinação de MLR em enfrentar
politicamente os que nunca deixaram governar qualquer ministro, que hoje
usam como “carne para canhão” muitos professores, presas fáceis depois
de "qualificados" pelas ESE (também pedagogicamente, como se vê).
ESE
e mesmo formação de docentes nas Universidades de que Crato deveria ter
já promovido a reformulação. Tal como a selecção dos candidatos a esses
cursos (na Finlândia é muito rigorosa, com resultados à vista), e a
inadiável reciclagem de docentes no activo.
4. O progresso nos testes em causa não traduz, pois, infelizmente, a realidade da grande maioria das escolas.
O
indicador expressivo, fiável, da qualidade da educação, é, afinal, o
estado em que Portugal se encontra, em todos os registos da realidade -
participação cívica, política, economia, cultura, desenvolvimento,
independência nacional, em suma. Atraso agravado dramaticamente pelos
anos devastadores do “eduquês”.
5. Dou apenas o exemplo determinante da leitura. Transcrevo de Valter Hugo Mãe o testemunho insuspeito que cita:
“Chocou-me ouvir Alice Vieira dizer que os
bestsellers
dos anos 80 que a levavam às escolas para falar com miúdos do 6.º ano,
agora são os mesmos que a levam para falar com miúdos do 12.º ano. Diz
ela que, hoje, os livros que concebeu para miúdos de 13 anos, estão a
ser lidos e trabalhados por miúdos de 17, no âmbito das escolas. 'O que
vou fazer? Pelo menos que os apanhemos aos 17, se não estes livros para
13 anos vão ser mais tarde ou mais cedo trabalhados na universidade ou
em doutoramentos e eu vou ser chamada para falar com adultos marmanjões
que deviam ter entendido isto aos 13 anos'.”
A observação de Alice
Vieira demonstra que temos estado, desde há muito, a recuar, que os
nossos jovens aprendem cada vez mais tarde o que deviam aprender muito
mais cedo.
6. Do artigo de MEB fica-me uma perplexidade: pensará
MEB, realmente, ser possível ensinar-se o valor da leitura, suscitar o
seu hábito, a sua paixão, ou mesmo, tão somente, ensinar com eficácia e
alegria uma criança a ler, sem se ter consciência desse valor, sem a
experiência apaixonante e transformadora do convívio com os grandes
textos, Eça, Camilo e Saramago, como, ironizando, refere? Poderá alguém
ser
Professor sem uma cultura geral básica? O mesmo se verifica com a
química ou a matemática - com a referência à trigonometria MEB tenta
caricaturar a exigência que o actual ministro quer promover. Mas há
mesmo muitos professores de Matemática incapazes de chegar ao resultado
de 8X7, para não falar nos mestres e doutores que não sabem alinhavar
duas ideias, nem sabem o mais elementar da História de Portugal...
Mas
essa ideia errada, geradora de ignorância e desumanização, está,
afinal, no âmago da genética do “eduquês”: desvalorização do
conhecimento, horror ao mérito, ideia, social e humanamente aviltante,
de que a ignorância, mesmo do mais básico, ou a idiotice, podem ensinar,
valorizar, criar, realizar seja o que for. Não sou capaz de atribuir
tal ideia a MEB.
Quanto ao que Nuno Crato, cercado, tem sido capaz
de fazer, ver-se-á, se houver tempo, o efeito, e haverei de me
pronunciar. Devo isso aos muitos Professores com quem partilhei
angústia, indignação e esperança.
Guilherme Valente (editor)