segunda-feira, 30 de maio de 2011

100 ANOS DE SUPERCONDUCTIVIDADE (1)



Crónica semanal publicada no "Diário de Coimbra".

O caminho da descoberta científica não é uma auto-estrada.

Numa auto-estrada, o percurso está bem definido, os pontos de partida e de chegada estão bem determinados, há postos de abastecimento de tantos em tantos quilómetros para refrescar o cansaço, para retemperar a persistência.

A História do avanço do conhecimento mostra que o caminho da descoberta está muitas vezes pouco definido à partida. O descobridor pode ter uma ideia detalhada do que quer alcançar, pode ter um método (científico) para avançar, possuir hipóteses que propulsionam a caminhada, ter um plano para executar a sua actividade de descobridor. Mas é inúmeras vezes surpreendido pela alteração de rumo, por becos sem saída, pelo verificar que no fim não encontra nada de novo, nada que seja diferente do seu ponto de partida.

O descobridor tem como ponto de partida o conhecimento acumulado pelos descobridores que o antecederam, mas algumas vezes a sua caminhada obriga-o a reequacionar também os pontos de partida, obriga-o muitas vezes a recomeçar, por vezes mesmo de outros pontos de partida.

Muitas vezes a maior descoberta surge quase que por acaso ao longo da caminhada, embrulhada em espanto, encostada ou escondida sob o objectivo traçado, algo que não se estava de todo à espera.

Mas, para a descoberta de conhecimento novo por aparente seripendidade, fruto de um acaso não esforçado, é preciso que o descobridor esteja muito bem preparado. É preciso que saiba detectar criticamente a descoberta em que tropeça, que a saiba enquadrar na matriz do conhecimento acumulado e considerado correcto pela comunidade. Perante o acaso, a mais-valia do descoberto só se desenvolve se existir observação crítica e conhecimento sólido das bases do saber herdado.

Na história do avanço do conhecimento científico existem inúmeros exemplos de grandes descobertas fruto de aparente acaso, encontradas na esquina da experimentação.

O caso da supercondutividade, uma das descobertas mais importantes da Física do século XX, é um desses exemplos.

A superconductividade é uma propriedade que alguns metais e outros materiais apresentam de não “oferecerem” qualquer resistência à passagem de corrente eléctrica abaixo de uma determinada temperatura dita crítica. A condução de corrente eléctrica ocorre sem quaisquer perdas, o que faz com que a utilização destes materiais possa ter importantes e interessantes aplicações tecnológicas, com grande impacto sobre o nosso dia-a-dia.

Este ano comemora-se não só o centenário da descoberta da supercondutividade no mercúrio, em 1911, por H. K. Onnes (prémio Nobel da Física de 1913), como também os 25 anos da descoberta por J. Georg Bednorz e K. Alex Müller (prémios Nobel da Física em 1987) da supercondutividade a altas temperaturas em determinados materiais oxidados.

Estas efemérides são assim o mote de partida para a crónica da próxima semana onde relatarei o contexto das duas descobertas e alguns marcos importantes (como a teoria BCS enunciada em 1957) de 100 anos de superconductividade.

Num apelo à curiosidade, adianto, como exemplo, que bobinas feitas com materiais supercondutores permitem hoje o uso da imagiologia por ressonância magnética em diversas aplicações médicas.

(Continua)

António Piedade

Tertúlia: "A escrita na comunicação de ciência"


Na próxima 3ª feira, dia 31 de Maio, pelas 18h00, vai realizar-se na Casa da Escrita, uma tertúlia sobre "A Escrita na Comunicação de Ciência".

A tertúlia, que é dirigida ao público e não só a cientistas, terá como intervenientes: a Vice-Reitora da Universidade de Coimbra a Doutora Clara Almeida Santos, o Doutor Carlos Fiolhais (Centro de Ciência Viva Rómulo de Carvalho), o Doutor Victor Gil (Exploratório), o Doutor Paulo Gama Mota (Museu da Ciência da Universidade de Coimbra) e o Doutor João Maria André (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra).

Este painel será moderado por António Piedade, que também apresentará os resultados, inéditos, de um inquérito efectuado em Abril de 2011 exactamente sobre a comunicação de ciência através da escrita.

De notar que estarão reunidos nesta tertúlia os directores de três espaços dedicados à interacção da ciência com o publico geral: Museu da Ciência da UC, Exploratório Centro de Ciência Viva e o Centro de Ciência Viva Rómulo de Carvalho.

Entrada Livre

Entrevista sobre ensino das ciências

Um estudante de doutoramento brasileiro colocou-me algumas perguntas sobre o nosso ensino das ciências a nível do básico e secundário. Eis o essencial das perguntas e minhas respostas:

P- A proposta de ensino de física indicada pelos documentos do Ministério da Educação português está adequada à realidade nacional?

R- Não, as propostas do ensino de física vindas do Ministério da Educação não têm sido as melhores. No ensino básico os programas estão há muitos anos fixos em ensino temático (ensino em contexto), que não sei se é o melhor. O mesmo tipo de ensino continua no secundário. Não sei se os alunos compreendem desse modo a unidade, a lógica e a beleza da Física. Há pouco ensino experimental. Há pouca física moderna. O grau de exigência é baixíssimo. Só para dar um escandaloso exemplo surgido nos últimos dias: numa prova nacional de Física e Química do 9.º ano pretendia-se apenas saber se os alunos conseguiam contar até oito!

P- Os professores de física têm uma formação adequada para as necessidades educacionais atuais da sociedade portuguesa?

R- Os professorem andam muito desiludidas com aquilo que o Ministério lhes dá e lhes pede. Com certeza que anseiam por mais possibilidades de formação, que lhes transmita conteúdos científico-pedagógicos actualizados, e por uma avaliação mais justa, que assegure uma promoção na carreira para os mais sábios e capazes, em vez de ficarem aprisionados numa paralisante rede burocrática.

P- As escolas possuem a infra-estrutura (Bibliotecas, laboratórios, computadores...) necessária para um ensino de qualidade? É possível utilizar a experimentação no ensino básico e secundário?

R- As condições têm melhorado. Algumas escolas foram recentemente remodelados através de um programa governativo que queria tornar a escola mais "habitável". No entanto, esse processo não está isento de disparates que têm sido apontados. Sim, temos de continuar a enriquecer as bibliotecas (com criteriosas selecções de aquisições) e as salas de computadores (foi um erro enorme distribuir computadores portáteis, os Magalhães, em vez de apostar em equipamentos fixos e com software adequado e boa ligação à Internet, contemplando não só as bibliotecas, salas de computadores e laboratórios como as próprias salas de aula. Quanto à experimentação ela pode-se fazer com poucos meios laboratoriais, mas mais e melhores meios ajudam decerto a essa prática. De qualquer modo, o principal bloqueio à falta de actividade experimental não é a falta de equipamento nos laboratórios mas sim a falta de currículos que a contemplem com carácter obrigatório, de formação de professores adequada e de organização escolar propícia, factores que, cada um por si e em conjunto, de forte estímulo desse meio imprescindível do ensino da física. Devia-se começar mais cedo, no 1.º ciclo do básico e até no jardim-escola.

P- É possível ensinar física moderna (relatividade, quântica, etc.) no ensino secundário português? Isso já ocorre?

R- Sim, já ocorre no 12º ano embora em parte pequena e no final. Há também o ensino da física moderna que se faz na Química. Dever-se-ia estender mais esse ensino. A teoria da relatividade e a teoria quântica já têm mais de cem anos e, a segunda mais do que a primeira, estão por todos o lado nas nossas vidas.

P- Os manuais escolares de física estão adequados para a necessidade do ensino de física na sociedade portuguesa? Esses manuais são analisados pelo Ministério da educação?

R- Eu sou "suspeito" nessa matéria, pois sou autor de alguns manuais escolares. Foi iniciado um processo de avaliação de manuais mas, na minha opinião, falta-nos ainda uma avaliação séria dos manuais disponíveis no mercado.

P- Qual a sua opinião sobre o uso da história da física no seu ensino na escola básica e secundária?

R- Sou a favor. Tenho um aluno a acabar o doutoramento que está a concretizar uma experiência muito interessante nesta área, servindo-se de exemplos da história da ciência em Portugal, um assunto que quase não aparece nas aulas. Exemplos sobre a história da telegrafia em Portugal ou a história das águas termais estão disponíveis.

P- No ensino de física em Portugal a divulgação científica (livros, centros, museus, etc...) é uma “ferramenta metodológica” utilizada pelos professores?

R- Receio que não o seja na medida suficiente. A divulgação científica (ensino informal) tem proporcionado óptimos recursos que deveriam ser mais aproveitados na escola (ensino formal). O ensino informal está melhor entre nós e deveria ser aproveitado para melhorar o ensino formal. E isso não se passa só na área da Física.

P- A física que realmente está nas salas de aula em Portugal é adequada para a realidade da sociedade atual e futura? Possibilita a aquisição de uma cultura científica?

R- Há muito a melhorar, como se depreende do que já disse. Infelizmente, a nossa escola não está ainda a responder aos desafios da sociedade actual e do futuro. A obrigação de a mudar é nossa, de todos os interessados, e não apenas uma responsabilidade ministerial. Tenhamos esperança que mude!

E se tivesse corrido bem?

JFK no Congresso americano, 25 de Maio de 1961

A minha crónica semanal no jornal i.

"Aquilo não correu muito bem, pois não?", disse em tom pesaroso, cansado. As últimas semanas foram trágicas, com contrariedades e golpes profundos no orgulho de toda uma nação a originarem insónias que deixaram rugas. Há quatro meses, jurava fidelidade à Constituição entre vivas, confetis e esperança. Mas os ventos são fortes e contrários.

12 de Abril, 1961: os celestiais 108 minutos de suor, lágrimas e triunfo do soviético Gagarin foram 108 alfinetadas na alma americana. O futuro estava, afinal, vestido de vermelho. Dois dias depois, final da tarde, reunião, um desabafar de tristezas, a pensar no futuro; um conselheiro (Ted Sorensen) levanta-se: "Porque não uma viagem tripulada à Lua?" Kennedy, o presidente, sentiu o peso de "imaginar o desafio" que cada um naquela sala mediu.

Três dias depois, o "perfeito fracasso": a baía dos Porcos, em Cuba, torna-se o local da chacota internacional do prestígio americano.

JFK come pouco, dorme ainda menos. Lembram-lhe: "E a Lua?" Incrédulo, mas seduzido pelo desafio, a 25 de Maio de 1961 dirige-se ao Congresso e ao futuro: "Eu acredito que esta nação deve comprometer-se com alcançar o objectivo de antes do final desta década pôr um homem na Lua e fazê-lo regressar em segurança à Terra." O Congresso ficou indiferente, sem aplausos, sem fervor.

"Aquilo não correu muito bem, pois não?", lamenta-se. Foi, simplesmente, um dos mais transformadores discursos da humanidade. Foi há meio século.

domingo, 29 de maio de 2011

A curiosidade dos jovens e o "efeito Lucas-Spielberg"


Com a autorização do autor publicamos artigo do Professor de Física e Química aposentado Guilherme de Almeida que saiu recentemente no jornal "Público" (na imagem George Lucas):

Existe um problema grave com muitos dos nossos jovens. Uma evidente falta de interesse e entusiasmo pela observação de experiências reais, directamente ligadas à natureza, seja num laboratório escolar ou no dia-a-dia. Trata-se de um problema sério, a que resolvi chamar "efeito Lucas-Spielberg" (efeito LS), designação baseada nos nomes dos conhecidos realizadores cinematográficos George Lucas e Steven Spielberg.

1. Natureza do problema

No cinema ou na televisão, muitos adolescentes de 10 a 16 anos já viram vários filmes espectaculares de Lucas e de Spielberg, ou outros semelhantes, onde se conseguem efeitos especiais prodigiosos. Devo dizer que não tenho nada contra esses filmes (que gosto de ver), nem contra a espectacularidade dos seus efeitos. Mas os nossos jovens, na sua maioria, não estão protegidos desse tipo de contaminação, nem sabem aplicar o sentido crítico no devido contexto. Magnetizados e encandeados por esses efeitos mirabolantes, pretendem (ou esperam) ter à sua volta coisas parecidas no dia-a-dia: exibições ao estilo LS na sala de aula ou em qualquer acção de divulgação.

O efeito LS não é nenhuma brincadeira: é um problema sério e bem real. A tal ponto que, actualmente, na maioria dos casos, um jovem naquele leque de idades, só acha (infelizmente) graça à observação de um fenómeno ou de uma experiência de Física se algo explodir, se qualquer coisa deitar fumo, se um componente se incendiar. E até dão a clássica sugestão ao professor: "ponha no máximo!". Talvez para que algum componente, no seu estertor final, produza o acréscimo de espectacularidade desejado. Trinta e seis anos a ensinar jovens já me mostraram isso (até em escolas de prestígio).

Na verdade, quase nada deslumbra muitos destes jovens, que cedo perderam a capacidade de soltar o "ahhh" de admiração perante as situações do dia-a-dia. Nada os consegue maravilhar. Seja numa aula experimental de Física ou numa sessão de divulgação, ao observar a decomposição da luz branca por um prisma, a formação de uma imagem projectada num ecrã por meio de uma lente, o movimento do rotor de um motor eléctrico, ver uma bola de pingue-pongue a flutuar numa corrente de ar ascendente, as linhas de um campo magnético, observar as fases de Vénus através de um bom telescópio, os anéis de Saturno, as crateras lunares ou um enxame globular de estrelas.

2. Situações concretas e o quadro actual

Não é por muito temperar e apimentar a comida que nos tornaremos melhores gastrónomos. Quem assim faz, vai achar a refeição insípida e nada apetitosa quando estiver perante a comida normal. Isso pode gerar um efeito como o dos estupefacientes, em que para obter o mesmo efeito é preciso uma dose cada vez maior.

Terá um professor de fazer o pino, ou colocar uma bola vermelha no lugar do nariz, para cativar a atenção dos alunos? A minha resposta é decididamente negativa. Nem sequer pretendo competir com a espectacularidade fantástica dos efeitos LS: nem poderia fazê-lo. Expliquem-se bem as matérias, com segurança e clareza, com gosto pelos temas ensinados, com paixão, imaginação e alguma criatividade, experimentando quando possível. Isso terá de bastar. Quem quer, aprende; quem nem assim lá vai, paciência. O sucesso é dos que se esforçam e trabalham: Tem sido atribuída a Albert Einstein a frase "o único lugar em que o sucesso [success] aparece antes do trabalho [work] é no dicionário".

A Física é fantástica e muitos fenómenos naturais são interessantíssimos, mas só uma escassa minoria dos jovens (bem abaixo do que se esperaria, dada a curiosidade infantil que julgamos existir) consegue aperceber-se desse facto. A maioria não consegue ver tais maravilhas, mas sejamos realistas: não seria de esperar uma adesão maciça. É perfeitamente aceitável que só uma minoria goste muito, mas o mais espantoso é que há poucos com uma curiosidade mediana e demasiados sem curiosidade nenhuma, por muito que o professor inove, crie ou revele.

Infelizmente há muito que passou o tempo em que se via nos alunos vontade de aprender: isso agora é raríssimo, muito mais raro do que alguma vez o foi nos últimos 36 anos. Ainda há alunos muito bons, mas são agora uma espécie quase extinta; podemos passar mais de um ano lectivo, com várias turmas, sem ver nenhum! Já lá vai o tempo em que os alunos, de tão atentos estarem, pareciam querer "comer o quadro com os olhos", ou beber sofregamente as palavras do professor... O bom aluno era então visto como um ídolo, um modelo a seguir, alguém a quem se admira e que os outros gostariam de ser; hoje, o bom aluno (agora muito raro) é visto como o "parvo" que segue o sistema: o "totó" que estuda e faz o que o professor recomenda. Alguns, que estudavam, ficaram chocados e baixaram os braços quando as práticas determinadas pelas sucessivas directrizes ministeriais os equipararam aos que nada faziam.

3. O que fazer?

Para resolver estes problemas há quem fale de estratégias de motivação, como a génese histórica das ideias, a ligação dos assuntos estudados com o quotidiano, as aplicações tecnológicas da ciência, etc. Parecem ideias promissoras, mas infelizmente não resultam com a maioria dos alunos reais. De facto, pouco impacto tem a chamada de atenção (que pretendemos bastante frequente) entre as temáticas da Física e as suas aplicações fabulosas no dia-a-dia. A maioria não quer saber disso para nada, mas paradoxalmente sabe-lhe bem desfrutar das consequências que derivaram das conquistas científicas, do telemóvel ao MP3, do computador à fotografia digital, ao DVD, etc. Parece haver uma resistência ao conhecimento científico profundamente enraizada na mente de muitos alunos. Os seus ídolos já não são cientistas (os "sábios" de outrora), mas cantores e músicos exóticos, futebolistas e, em casos extremos, até chefes de gangs. A maioria dos nossos estudantes também não está nada interessada na história da ciência. Pouco lhes interessa que um dado assunto tenha sido há duzentos anos pensado de forma diferente da que é hoje e como se evoluiu. Isso é considerado "palha inútil". O que querem é "a fórmula" ao estilo da receita culinária de um bolo, para aplicação imediata na resolução dos exercícios e testes. Azar o deles, pois raramente as temáticas da Física se resolvem com aplicação cega de uma fórmula tirada do bolso. Custa-lhes aceitar que quem não estudou o suficiente pouco ou nada consiga fazer, mesmo que tenha um formulário completo na mão. Há também outros factores, já fora do alcance do professor: a inadequação e abstracção de alguns programas face à idade dos alunos; a enorme extensão programática e a variedade temática excessiva, que obrigam professores e alunos a correr atrás do tempo; e a multiplicidade exagerada de disciplinas.

Como inverter este panorama desolador? Numa sociedade que pretende e apregoa o sucesso instantâneo, sem olhar a meios, e onde o esforço é mal visto, isso parece muito difícil. Sem a criação de novos valores e novos modelos de comportamento e atitude, tal missão afigura-se impossível. Venham melhores tempos, urgentemente.

Guilherme de Almeida

Eu, a redentora do país…

Pode o leitor ouvir aqui o discurso de uma professora, de seu nome Amanda Gurgel, pouco comum em circunstâncias formais, em que intervêm vários responsáveis pela educação.

Ainda que esse discurso seja relativo ao que se passa no sistema de ensino do brasileiro, muitos apectos que aflora são verdadeiros para outros sistema de ensino, nomeadamente para o nosso.

Estou a referir-me, por exemplo, à invocação constante de números para afirmar o progresso na educação, progresso que o quotidiano parece desmentir...

Não é fácil dizer isto olhos-nos-olhos às pessoas que apresentam esses números... Mas foi o que a delicada professora Amanda fez...

O curriculum dente-de-sabre

Fez um leitor alusão a uma história clássica que evidencia duas grandes tendências que têm acompanhado a educação formal, tanto quanto se sabe, desde a Antiguidade, e que se apresentam como opostas: a clássica e a prática. Reproduzimos, de seguida, essa história numa versão de 1939, retomada em 1993. Mas há outras versões, como se pode perceber aqui.

“No Paleolítico, uma tribo desenvolveu um curriculum educacional baseado nas necessidades de sobrevivência. Os jovens eram ensinados a espantar os tigres dente-de-sabre com tições incandescente, a abater cavalos de pêlo comprido para se vestirem e a pescar com as próprias mãos.

No entanto, conforme os anos passavam, iniciou-se a Era Glaciar e as necessidades de sobrevivência mudaram: os tigres morreram devido ao frio, os cavalos fugiram e os peixes desapareceram na água enlameada. Em seu lugar, apareceram enormes ursos ferozes que não se afugentavam com o fogo, antílopes que corriam velozes como o vento (os cavalos de pelo comprido eram desajeitados e lentos) e novos peixes se escondiam na água enlameada.

A tribo depressa se deu conta que o curriculum educacional deixara de ser relevante. Afugentar tigres, abater cavalos e apanhar peixes eram relíquias dos dias antigos. A tribo precisava agora, de aprender a fazer armadilhas para os ursos, a enganar os antílopes e a fazer redes de pesca. ~

Contudo, o sistema educativo da tribo declarou em tom altivo: Não sejam tontos... Nós não ensinamos a apanhar peixes para apanhar peixes, mas para desenvolver uma agilidade generalizada que nunca se poderia desenvolver através do simples treino de fazer redes. Não ensinamos a abater cavalos para abater cavalos; ensinamo-lo para desenvolver uma força generalizada que não se poderia obter fazendo uma coisa tão prosaica e especializada como é uma armadilha para enganar antílopes. Não ensinamos a afugentar tigres para afugentar tigres; ensinamo-lo para dar aquela coragem nobre.”

Referência:
Peddiwell, J. A. (1939) in Sprinthall & Sprinthall (1993). Psicologia Educacional: uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa: Mc Graw-Hill.

sábado, 28 de maio de 2011

Como fazer uma revolução na educação?Aprender fazendo!



RAIOS E CORISCOS AMEAÇAM CURSOS UNIVERSITÁRIOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

“Há um limite em que a tolerância deixa de ser uma virtude” (Edmund Burke, 1729-1797).

Longo anos porfiei na procura da letra de uma canção da minha meninice, que se me negava na neblina da lembrança, que vim a recuperar no livro Crónicas de António José Saraiva (”A lógica do macaco”, p. 648), em que um macaco tocando a viola, assim, cantava:

“Do meu rabo fiz navalha
Da navalha fiz camisa
Da camisa fiz farinha
Da farinha fiz menina
Da menina fiz viola
Trim tim tim que vou para Angola”.

Nela encontro semelhança com o ensino politécnico que de um diploma fez um bacharelato, de um bacharelato fez uma licenciatura, de uma licenciatura fez um mestrado com fortes desejos de atribuição de doutoramentos. Por este facto, e porque, como nos avisa o adágio, “não me apraz porta que a muitas chaves faz”, recordo que, para acalmar os ímpetos republicanos de figuras gradas da sociedade portuguesa de então, no estertor da monarquia foram distribuídos títulos nobiliárquicos a granel que deram azo ao jocoso dito: “Foge cão que te fazem barão! / Para onde se me fazem visconde?”. Parafraseando o dito, aplicando-o aos graus académicos, escrevi: “Foge gato que te dão bacharelato! / Para que lado se me fazem licenciado?” ("Diário de Coimbra", 26/07/2001).

Por este facto, chegou a altura de, uma vez por todas, estabelecer de forma cristalina e em águas de boa fonte legislativa, as diferenças funcionais entre o ensino politécnico e o ensino universitário não deixando ao deus-dará uma espécie de terra de ninguém que os oportunistas logo tomam como sua e para que, outrossim, a confusão gerada entre estes dois sistemas do ensino superior não se transforme em bónus que os políticos em vésperas de eleições distribuem na mira de o transformar em moeda de troca de votos venham eles donde vierem.

Repare o leitor que a própria denominação de escola superior de “educação” não pressupõe que elas se possam assumir como ministradoras de diplomas em Comunicação Social, Música na Comunidade, Gerontologia Social, Turismo, etc., como se tratassem de universidades com as suas diversas faculdades e/ou departamentos.

Mas voltemos aos cursos de ensino propriamente ditos. Quando ainda só corria o boato dos licenciados pelas escolas superiores de educação virem a leccionar no 3.º ciclo do ensino básico, foi a direcção do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL) recebida em audiência pela então secretária de Estado da Educação, Ana Benavente. Ao ser-lhe evocado por mim (na altura presidente da respectiva mesa da Assembleia Geral) que a Lei de Bases do Sistema Educativo contemplava, em rigorosa exclusividade, a atribuição da docência do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário a diplomas universitários, com ar agastado e sem se dar por achada do alto da autoridade de que estava investida, retorquiu: “Mas a lei muda-se de um dia para o outro!”

Ainda mesmo no ano de 1996, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, no dossiê “Repensar o Ensino Superior”, defendia “a consolidação de um sistema dual, politécnico e universitário”, preconizando a necessidade de se proceder “rapidamente à análise das funções das Escolas Superiores de Educação”. Pressurosa, em defesa da sua dama, Ana Maria Bettencourt (então coordenadora da Escola Superior de Educação de Setúbal), hoje presidente do Conselho Nacional de Educação, contra atacava, com descabida virulência: “Em matéria de formação de professores, o pensamento dos reitores é pré-histórico”.

Mas, a procissão ainda ia no adro. Corria há dias em blogues de professores uma notícia dada à estampa ontem no "Público", subscrita por Clara Viana, intitulada “Ministério quer Escolas Superiores de Educação a formar docentes do secundário”. Devido à extensão da notícia (a página inteira do jornal), reproduzo, apenas, os três parágrafos iniciais que transmitem uma perspectiva geral do assunto. Assim:

“A formação inicial dos professores do ensino secundário poderá vir a ser também atribuída às Escolas Superiores de Educação do ensino politécnico, que actualmente apenas têm competências para formar educadores de infância e docentes dos 1.º e 2.º ciclos. Esta possibilidade é defendida pela Direcção-Geral dos Recursos Humanos do Ministério da Educação (DGRHE). Mas conta com a oposição declarada da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Para algumas associações de professores, constitui um novo ataque à qualidade de formação inicial dos docentes.

Mais de metade dos 492 cursos de formação de professores e de ciências da educação existentes são ministrados em faculdades. O presidente da A3ES, Alberto Amaral, já pediu a intervenção dos respectivos ministros com vista ao esclarecimento da questão, o que ainda não aconteceu.

Segundo a agência, a Lei de Bases do Sistema Educativo é clara a este respeito, ao estipular que ‘a formação de professores do ensino secundário realiza-se em estabelecimentos do ensino universitário’. A subdirectora-geral dos Recursos Humanos da Educação, Helena Mascarenhas, não concorda e fez chegar ao presidente da A3ES uma comunicação onde defende que aquele artigo ‘não pode ser interpretado isoladamente’ já que, na mesma lei, existem outras disposições que apenas colocam como condição que a formação seja feita através de licenciatura e que este grau passou também, desde 1997, a ser conferido pelo ensino politécnico”.

De forma que se viria a tornar premonitória, escrevi há muitos anos atrás: " Pelo andar da carruagem, os licenciados universitários com destino à docência, de escalada em escalada, serão uma raça em extinção numa selva de predadores em que imperará a lei do mais forte; projectado num futuro não muito distante, espécime de museu antropológico (extinta revista “Sábado”, Nov./89).

Chovem novamente raios e coriscos sobre a formação dos professores com a própria Edviges Ferreira, da Associação de Professores de Português a não se opor quando lembra que as ESE também fazem parte do ensino superior: "Não há um ensino de primeira e outro de segunda ("Público", 27/05/2011). Se outros motivos não houvesse, como simples atitude de cidadania, porque “o Homem quando perde a sua capacidade de indignação perde a própria razão de ser” (Miguel Torga), a sociedade portuguesa deve constituir-se como pára-raios para que não surjam uma espécie de novas oportunidades para a formação de professores do ensino num grau de grande exigência, o ensino secundário, que não pode ser substituída, de forma alguma, por um sólido e perigoso suporte da arte de bem ensinar com belíssimas teorias pedagógicas crassas ignorâncias científicas, incrustadas como lapas no rochedo da antecâmara do ensino universitário.

Voltarei, brevemente, ao assunto pois é o futuro dos nossos jovens do ensino secundário que está em risco e, com ele, a Universidade Portuguesa que corre o risco de ver fechar grande parte da meia centena dos seus cursos, alguns deles já com escassa frequência de alunos, pelo desvirtuamento inicial da função das escolas superiores de educação: a formação de educadores de infância e docentes do 1.º ciclo do ensino básico.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Wikiciências em português


Informação recebida da Casa das Ciências, projecto da Fundação Gulbenkian para o ensino das ciências, sobre o início do Wikiciências:

A internet é hoje um recurso de uso universal. É ali que todos procuramos a resposta às nossas questões, seja a simples hora do filme que tencionamos ir ver seja a última experiência em curso no CERN. Todas as revistas científicas estão hoje disponíveis, embora o acesso dependa do pagamento de uma assinatura. Está em curso um grande esforço para digitalização de livros mas o futuro é ainda incerto e a maioria dos livros recentes só pode ser acedida em papel. A realidade é que os estudantes fazem hoje um uso muito amplo da internet para o acompanhamento do seu estudo mas as têm muito poucas fontes de confiança em português. Para o ensino básico e secundário, esta é uma carência que foi identificada como muito relevante e a que a Casa das Ciências está a dar uma resposta.

Num estudo prévio, foram identificados os termos básicos presentes nos programas das disciplinas científicas e este constitui o acervo inicial que a Casa das Ciências se propõe reunir. Na fase inicial, a Casa das Ciências convidou cientistas reconhecidos a participar neste projecto como editores sectoriais. Todas as entradas ficam permanentemente registadas e disponíveis para consulta mesmo depois de substituídas. A identidade dos autores e dos editores será pública e servirá de primeiro garante da qualidade da entrada. Uma vez aprovada, fica livremente disponível e exposta à crítica havendo uma hierarquia de editores que lidarão com todas as sugestões de melhoria que sejam apresentadas.

Tendo como Editor-Chefe o Professor José Ferreira Gomes da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e como Comissão Editorial a mesma da Casa das Ciências, o Corpo editorial tem 2 Editores de Geologia, 3 de Matemática, 2 de Física, 2 de Geologia, 3 de Química, 3 de Biologia e 2 de Ciências dos computadores.

Dispõe nesta primeira fase de cerca de 650 entradas das quais 250 já se encontram “abertas” para toda a gente. Todas as outras estão em fase de avaliação para poderem ser editadas e publicadas dentro dos prazos habituais nestas circunstâncias.

Estima-se que até ao fim do ano estejam disponíveis para leitura universal cerca de 1000 entradas que, segundo os estudos prévios que foram efectuados, correspondem a uma dimensão aceitável para o universo de conceitos essenciais que são utilizados nos níveis de ensino a que a WikiCiências prioritariamente se destina.

Segue-se um exemplo da Física, ilustrativo do tipo de entradas que se podem encontrar nesta componente da casa das Ciências: aqui.

Novas Oportunidades: tomar a nuvem por Juno?


“Há centros de formação sérios e que funcionam bem. Mas não são, infelizmente a regra” (Santana Castilho, “Público”, 25/05/2011).

As "Novas Oportunidades" não param de me surpreender, assim como me surpreende, ainda mais, o facto deste país não tomar consciência da terrível injustiça que se está a cometer contra a juventude que obtém o diploma do 12.º ano através da via normal de ensino, não poucas vezes, com enorme sacrifício próprio e das magras bolsas parentais.

Sem muitos comentários, por bastar, ou mesmo sobrar, o exemplo que trago ao conhecimento do leitor, extraído do último artigo de opinião de Santana Castilho, e em que as nuvens que se acastelam sobre as "Novas Oportunidades" são demasiadas para serem havidas como “excepções excepcionais”. A dado passo, escreve Santana Castilho:

“Quando se fala de diplomar a ignorância [que, como é do conhecimento público, serviu de mote para a polémica gerada por uma denúncia de Passos Coelho sobre esta controversa temática necessitada de uma vassourada do tipo Universidade Independente], refere-se, por exemplo, a atribuição de um certificado de ensino secundário a alguém que, ao redigir uma das famosas dissertações autobiográficas da ordem, se expressa como ilustrado neste naco de prosa, transcrito de um documento que serviu para certificar:

‘Como já se disse anteriormente tenho um filho e uma filha, em que ele è mais velho cinco anos…Ando sempre a fazer-lhes ver as coizas, até já lhe tenho dito se tiver a inflicidade de falecer novo paça a ser ele o homem da casa e tomar conta da mãe e mana, mas para ele é difícil de compreender as situações e acaba por me dar razão e por vezes até me pede desculpa e que para a procima já não comete os mesmos erros. Ele tem o espaço dele com a mãe em que não me intrumeto, desde mimos e converças porque graças a Deus nem eu nem ele temos siumes um do outro com a mãe…’

Quando o designado ‘júri’ certificou este candidato, a prosa transcrita estava certamente corrigida por um professor escravizado, com filhos para alimentar e renda de casa para pagar, contratado à jorna por CNO (Centro de Novas Oportunidades), que só é financiado pelo famigerado ANQ (Agência Nacional para a Qualificação) se ‘cumprir os objectivos’, isto é, se emitir x certificados de nível básico e y de nível secundário” (“Público”, p. 35, 25/05/2011).

Por esta “prova de exame”, que certificou este candidato das "Novas Oportunidades”, falar por si só, logo sem comentários que correm o risco de se perderem pelo caminho do facilitismo por vivermos num país e numa época de salve-se quem puder, apenas gostaria de chamar a atenção para o facto de estarmos em presença de uma situação em que a indigência da prosa corre paredes-meias com uma magra bolsa que não teve acesso à aquisição de certificados que, para os devidos efeitos, se vendiam na Net por bom preço e agora se adquirem em saldos de fim de estação por dez reis de mel coado. Ou se, pelo contrário, mesmo que o referido candidato tivesse esse poder aquisitivo, não o fez porque, como lhe segredava ao ouvido a voz sábia do povo, “para quem é bacalhau basta”?

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pré-história da Física Nuclear


aqui esbocei a aventura da Física Nuclear antes do anúncio da descoberta do núcleo atómico, há cem anos, por Ernest Rutherford. Eis também em resumo o que se passou antes, isto é, a pré-história da Física-Nuclear (na imagem retrato a óleo de Madame Curie):

A Física Nuclear começou no fim do século XIX por um duplo acaso feliz. O primeiro acto de "seripendidade" (do nome do príncipe Seripe da ilha de Ceilão, um indivíduo a quem a sorte repetidamente vinha ter sem ele fazer nada por isso!) consistiu na descoberta dos raios X, pelo alemão Wilhelm Roentgen, na cidade bávara de Wuerzburg. Quando um dia trabalhava com um tubo de raios catódicos, Roentgen verificou que um ecrã um pouco distante ficava fluorescente: era o choque do feixe de electrões no tubo com as paredes deste que dava origem a uma radiação invisível que se tornava visível no ecrã. O acontecimento deu-se no ano de 1895, tendo devido a ele Roentgen recebido o primeiro Prémio Nobel da Física, no ano de 1901.

O segundo acto aleatório ocorreu no ano seguinte, em 1896, com uma questão que se debateu volta dos raios X. Na Academia Francesa de Ciências, o grande matemático Henri Poincaré (velhos tempos, quando os matemáticos metiam a sua colher na sopa da Física!) sugeriu que se analisasse a relação dos fenómenos de fluorescência com a radiação X. Se o tubo de raios X ficava fluorescente, talvez outros materiais com a mesma propriedade fossem capazes de emitir a mesma radiação misteriosa. Um físico e académico francês - Henri Becquerel -, cujo pai tinha sido também académico, tentou avaliar da correcção da conjectura de Poincaré. Um sal de urânio era conhecida por ficar fluorescente sob a acção da luz solar. Tratava-se agora de saber se era também emissor de raios X. Quis o acaso que ele tivesse deixado o sal de urânio dentro de uma gaveta juntamente com uma chapa fotográfica. Aconteceu então que a amostra, mesmo não exposta aos raios solares, impressionou a chapa fotográfica. Em questões de acaso, não basta ser alvo dele, sendo necessário recebê-lo dignamente: Becquerel deduziu logo que havia uma nova radiação, proveniente do urânio, ainda mais misteriosa que os raios X, e, com tal conclusão, mereceu o Prémio Nobel de 1903.

Os raios X vinham, sabe-se hoje, dos electrões do átomo. Os raios de Becquerel, por sua vez, provinham do interior do núcleo atómico, objecto de que nessa altura não se suspeitava a existência. Começou então a Física Nuclear, ainda que apenas na sua fase pré-histórica. A história iniciou-se apenas 15 anos mais tarde, quando se identificou sem margem para dúvidas o pequeno núcleo no centro do átomo.

Foi um personagem típico do século passado aquele que pela primeira vez entreviu o núcleo, objecto central da Física do século XX. Becquerel, com barba e bigode farfalhudo e ligeiramente calvo, foi contemporâneo de Joule e Kelvin na Física, e de Darwin, na Biologia.

A pré-história da Física Nuclear ficou marcada, além de Becquerel, por duas outras personagens principais, que com ele privaram por várias vezes: o casal Pierre e Marie Curie. Pierre Curie fez nome na Física antes da sua esposa, que hoje talvez seja mais conhecida do grande público. Tinha trabalhado em piezoelectricidade e em magnetismo, antes de se virar para a radioactividade. A sua consorte, uma jovem estudante de origens modestas que tinha vindo da Polónia cursar Física em Paris, interessou-se pela radioactividade de Becquerel, tendo sido assistente deste. O casal Curie conseguiu identificar os vários elementos químicos que eram responsáveis pela radiação misteriosa. A origem da radioactividade natural residia nos elementos químicos urânio, tório, polónio e rádio. Se o urânio e o tório já eram conhecidos antes, o polónio e o rádio dó foram reconhecidos e baptizados pelos Curie (a síntese do rádio foi completada em 1898). O nome do polónio surgiu como homenagem ao país natal de Marie Sklodoswka Curie e o nome de rádio veio do termo latino para raio (este elemento forneceu a raiz do neologismo "radioactividade"). Hoje sabe-se que estes núcleos são a origem das chamadas séries radioactivas de elementos pesados, que têm todas um fim no chumbo, praticamente o mais pesado dos elementos estáveis. Foi um trabalho difícil, demorado e exigente aquele que os Curie efectuaram num barracão, em condições precárias: para isolar um mísero miligrama de rádio tiveram de tratar toneladas de minério, proveniente de minas austríacas. Essa proeza ainda hoje serve de exemplo de perseverança e devoção à causa científica sem atender a quaisquer compensações de ordem material. Uma referência única sobre Madame Curie é a comovente biografia escrita pela sua filha Eva Curie, nascida em 1900. Em 1903, o casal Curie recebeu, em conjunto com Becquerel, o Prémio Nobel da Física e, em 1911, Madame Curie recebia o seu segundo Prémio Nobel, desta vez da Química (muito poucas pessoas haveriam de repetir essa façanha e nenhuma outra voltou a ter um Prémio Nobel em duas disciplinas científicas).

Madame Curie sucedeu na cátedra da Sorbonne a seu marido, falecido em 1906 num estúpido acidente de caleche numa rua parisiense. O "Tratado de Radioactividade" de Madame Curie, editado em 1910 pela Gauthiers - Villars e que sumariava o conhecimento da época sobre o assunto, tinha significativamente uma fotografia de Pierre no frontispício.

A senhora Curie teve uma ligação particular com Portugal. Com efeito, Mário Silva, professor de Física da Universidade de Coimbra, efectuou o doutoramento no Instituto do Rádio em Paris, tendo aí estagiado de 1925 a 1929. Foram ainda alunos de Marie Curie Manuel Valadares e Branca Marques, sendo esta uma das primeiras mulheres cientistas em Portugal.

Em finais de 1910 realizava-se num laboratório de Manchester a descoberta do núcleo. Esse resultado, embora obtido na prática pelas interpostas pessoas de Geiger e Marsden (o primeiro assistente e o segundo estudante), foi obra do Professor Ernest Rutherford, um neo-zelandês grande e truculento, que tinha trabalhado antes na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e depois na Universidade de McGill, no Canadá. Quando descobriu o núcleo, Rutherford já tinha nome feito na física dos fenómenos radioactivos, tendo recebido o Prémio Nobel da Química em 1908. Em particular, contribuiu decisivamente para o esclarecimento da natureza da radioactividade. Um campo eléctrico permitia dividir a radiação em raios alfa, carregados positivamente (e que, segundo concluiu Rutherford em 1909, mais não eram do que núcleos de hélio), raios beta (que mais não eram do que electrões como aqueles no tubo de raios catódicos de Roentgen) e raios gama, uma forma de radiação muito parecida com a de Roentgen mas muito mais penetrante. A descoberta de Rutherford foi finalmente apresentada na Manchester Literary and Philosophical Society, em 7 de Março de 1991. Estava oficialmente inaugurada a Física Nuclear!

Direita ou Esquerda?


Com a devida vénia publicamos aqui mais um excerto (já publicámos um) do livro "A Nossa Vez" de Hugo Penedones, que se pode ler na íntegra aqui:

Quando me perguntam se sou de Direita ou de Esquerda, respondo sempre: “Não sei. Eu quero é andar para a frente!”.

Depois de algumas gargalhadas, a pessoa em face começa a mostrar uma expressão de perplexidade: “Como assim? Existe mais alguma coisa?”.

Passo a explicar: ser de Direita ou de Esquerda é como ser médico e prescrever sempre a mesma receita, independentemente do doente. “Tem uma infeção? Tome antibióticos. Doem-lhe as costas? Tome antibióticos. Vê mal ao longe? Tome antibióticos. Está deprimido?”.

O corpo humano é um sistema muito complexo, constituído por dezenas de órgãos diferentes. Cada órgão pode ter milhares de milhões de pequenas células e cada célula tem ainda inúmeros componentes e mecanismos de regulação. Compreensivelmente, quando uma pessoa se sente mal, o diagnóstico médico e a escolha de um tratamento são tarefas muito difíceis. Por essa razão é que os médicos passam anos a aprender a fazer isso.

As sociedades não são menos complexas do que o corpo humano. Existem indivíduos, famílias, empresas, partidos, religiões, países, federações, etc. Tudo isto tem de ser coordenado e o bom funcionamento da sociedade é um equilíbrio difícil e instável. Por vezes corre mal e há pobreza, há desemprego, há guerras, há crime, há conflitos sociais, e por aí fora.

Portanto, como é que alguém minimamente realista e pragmático, pode esperar que uma ideologia política ou económica cure todos os males? Os problemas têm de ser diagnosticados caso por caso e as soluções têm de ser adaptadas ao “paciente”.

Vou dar-vos um exemplo. No parágrafo seguinte, sem nunca me contradizer, vou dizer bem e mal sobre a revolução socialista Cubana.

Em 1959, Cuba era fundamentalmente uma pequena ilhota dominada por interesses americanos. Era essencialmente um destino para gente rica ir jogar a casinos e ficar em hotéis luxuosos. Ao mesmo tempo, a população local era muito pobre e não tinha acesso a serviços essenciais como a educação ou sistema de saúde pública.

Façamos o seguinte exercício: dadas as condições sociais, o contexto histórico e as ferramentas ao dispor, o que é que um bom médico poderia receitar para esse doente em 1959? “Façam uma revolução socialista, nacionalizem os centros de produção, comecem programas de alfabetização e criem cooperativas agrícolas.” Ótima receita, dadas as condições de partida. Talvez o medicamento, mesmo na altura, não tivesse sido perfeito, mas fizeram o que estava ao seu alcance.

Mas, tal como o paciente que toma um antibiótico para eliminar bactérias ou fungos que causam uma infeção, se ele continuar a tomar antibióticos por muito tempo, vai fazer mais mal do que bem. Vai talvez matar a flora intestinal que lhe é benéfica e o paciente vai sentir-se muito fraco.

Do mesmo modo, a Cuba da atualidade já tomou antibióticos de mais. Muitos cubanos pedem desesperadamente por mais liberdades e maior abertura dos mercados. Querem criar pequenos negócios para combater a pobreza. Em Cuba, a quase totalidade da população tem acesso à educação (mesmo superior) e à saúde. Isso é ótimo. O problema é que depois de estudarem, as pessoas não têm a liberdade para aplicar aquilo que aprenderam na Universidade aos problemas reais. O empreendedorismo é castrado (será que a palavra deriva de “Castro”?). Numa visita que fiz à ilha em 2007, conheci um jovem que tinha estudado Engenharia Civil, mas o Estado alocou-o a um trabalho burocrático sem interesse, onde não usa o que aprendeu. Ao mesmo tempo, Havana cai de podre. As casas estão quase todas muito degradadas, com a exceção do pequeno centro histórico, essencialmente feito para os turistas. Que pena, que desperdício de potencial humano!

Da próxima vez que lhe perguntarem: “É de Direita ou de Esquerda?”, pense se quer andar às voltas, ou se prefere andar para a frente.

Hugo Penedones

Leitura recomendada:

- “The End of Poverty”, de Jeffrey Sachs, 2006. O autor é professor de Economia e dirige o “Earth Institute” na “Columbia University” nos EUA. Foi um dos propulsores das metas de desenvolvimento do Milénio, programa das Nações Unidas para o desenvolvimento.

Os Primos, partículas elementares da Matemática

Vai decorrer amanhã a última sessão do Matemática sem Limites: quinta-feira dia 26 de Maio às 18:30 no auditório C6 da Faculdade de Ciências de Lisboa (NOTEM A MUDANÇA DE SALA):

http://matsemlimites.fc.ul.pt/

O orador será o Prof. Nuno Costa Pereira, o maior especialista português em Teoria de Números e recém-aposentado da Universidade deLisboa, pelo que esta será a sua última lição enquanto Professor. O tema é "Os primos: particulas elementares da Matemática".

Posso garantir que, tendo sido aluno do Prof. Costa Pereira, que considero o melhor Professor da minha vida, se tratará de uma ocasião única e irrepetível, fechando com chave de ouro este ciclo.

Meio século...




I believe that this nation should commit itself to achieving the goal, before this decade is out, of landing a man on the Moon and returning him safely to the Earth. No single space program in this period will be more impressive to mankind, or more important in the long-range exploration of space; and none will be so difficult or expensive to accomplish.

Foi há precisamente 50 anos atrás...

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre Aurélio Quintanilha (1892-1987)


Post do historiador António Mota de Aguiar:

Aurélio Quintanilha nasceu em Angra do Heroísmo, onde terminou os estudos primários, concluindo depois o liceu em Ponta Delgada. Ficou órfão do pai ainda jovem e, tendo sido educado por uma irmã mais velha que ele 13 anos e sob os conselhos de um irmão, este 16 anos mais velho. Com 16 anos de idade partiu para Lisboa, onde era intenção da irmã e do irmão que ele assentasse praça no Exército. Após uma breve paragem nessa cidade, mudou-se para Coimbra para frequentar a Escola do Exército, a qual terminaria com sucesso.

Mas, como a vocação de Aurélio Quintanilha não era a carreira militar, mudou-se algum tempo depois para Medicina, na Universidade de Coimbra. Em 1912, mudou-se outra vez para Lisboa, para frequentar a Faculdade de Medicina, onde permaneceu dois anos e aprendeu os conhecimentos científicos das cadeiras de Citologia, Histologia e Microbiologia que viriam a marcar a sua carreira científica. Já depois de ter deixado a Faculdade de Medicina, e enquanto esteve em Lisboa, continuou a frequentar os laboratórios desta Faculdade, onde aprofundou as técnicas de investigação nestas disciplinas.

Em 1915, após uma doença grave que requereu hospitalização, ei-lo agora na recém-criada Faculdade de Ciências de Lisboa a tirar uma licenciatura em Ciências Histórico-Naturais. Os resultados dos exames que fez em Botânica foram de tal modo significativos que foi convidado, em 1917, para segundo assistente na área de Citologia, onde se viria a destacar pelas suas aulas práticas de citologia animal.

Conta Aurélio Quintanilha que, uma vez, recebeu no seu laboratório em Lisboa, a visita do director do Museu, Laboratório e Jardim Botânico de Coimbra, Professor Luís Carrisso, que,

“…pediu licença e sentou-se ao microscópio para espreitar. Ficou maravilhado! (…) Quis saber onde é que eu tinha aprendido aquelas técnicas tão perfeitas. Contei-lhe então que antes de me matricular na Faculdade de Ciências tinha frequentado Medicina e aprendido a trabalhar com o professor Celestino da Costa e o seu assistente Roberto Chaves”.

Em 1919, terminou a licenciatura em Ciências Histórico-Naturais com 20 valores, e mudou-se para a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde, como primeiro assistente, foi encarregado das aulas teóricas e práticas das disciplinas de Morfologia e Fisiologia dos Vegetais, além de desenvolver um centro de investigação de Biologia Experimental, dando continuidade aos seus estudos de citologia, ao mesmo tempo que desenvolvia uma notável actividade de investigação.

Por essa altura conheceu o Professor Júlio Henriques, grande nome da botânica portuguesa, com quem colaborou na publicação do Boletim da Sociedade Broteriana, onde, ao longo da sua vida, publicou dezenas de trabalhos científicos.

Em 1926, doutorou-se com a tese Contribuição ao estudo dos Synchytrium, que ajudava ao esclarecimento do ciclo de vida do fungo Synchytrium papillatum. Nesse mesmo ano, apresentou a dissertação O Problema das Plantas Carnívoras – estudo citofisiológico da digestão no Drosophyllum lusitanicum link. Com este trabalho – aprovado por unanimidade – foi nomeado, nesse ano de 1926, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, dando continuidade à profícua investigação científica que vinha fazendo.

Anos mais tarde, evocando a sua cátedra na Universidade de Coimbra, escreveu o seguinte:

“Em Coimbra tive grandes sucessos na minha carreira docente. Eu era um professor apaixonado pela minha profissão. Gostava de ensinar, de fazer ‘lições bonitas’, bem preparadas, tendo sido largamente recompensado pelo grande número de estudantes em que despertei o gosto pela investigação científica”.

Durante três anos, de 1928 a 1931, Quintanilha estagiou em Berlim, onde se viria a relacionar com eminentes cientistas da área da biologia, e onde se viria a casar pela segunda vez, com uma alemã, tendo em 1931 regressado à Universidade de Coimbra.

A par de muitos outros professores universitários – alguns já mencionámos neste blogue - a qualidade deste professor catedrático não se coadunava com um estado fascista, que estava bem implantado em 1935, e, por isso, foi expulso do seu trabalho na Universidade de Coimbra, ele que não tinha nenhuma actividade política relevante, embora certamente não fosse admirador da Ditadura.

Teve de emigrar, tinha então 43 anos. Depois de algumas andanças pela Europa, fixou-se em França. Entretanto, em 1937, pela sua comunicação no Congresso de Amesterdão: Cytologie et génétique de la séxualité chez les champigons, receberia o Prémio Emil Christian Hansen, tendo-lhe sido atribuído a medalha de ouro da Academia Real das Ciências da Dinamarca.

Até 1941 permaneceu em França, onde prestou e desenvolveu relevante investigação científica e, durante um ano, serviu no exército francês, como voluntário. Após a derrota e ocupação da França, foi desmobilizado e, em 1941, decidiu regressar a Portugal, onde tentou trabalhar na Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, a convite do Professor António Câmara, director deste Instituto, que lhe tinha prometido trabalho, em 1939, em Londres, durante o Congresso Internacional de Genética, a que ambos assistiram. Pensava o Professor António Câmara que:

“Câmara contou-me então que em Portugal a opinião pública tinha evoluído muito e que havia muita gente, mesmo entre os partidários do governo, que eram de opinião que tinha sido um disparate a minha aposentação compulsiva, pois o país não era tão rico de valores científicos que pudesse dar-se ao luxo de deitar fora «cientistas do meu valor»”.

Permaneceu com a mulher em Oeiras dois anos, não como investigador científico, mas sim como administrador da Messe do Instituto. Como não tinha ordenado, assegurava a comida e um quarto para dormir, à espera que o Estado lhe desse um contrato para trabalhar. Escreve Aurélio Quintanilha:

“E Salazar, pressionado pelo Câmara, levou mais de dois anos a responder e por fim disse que não permitia o contrato!”

Em 1943, a Academia de Ciências de Lisboa, concedeu-lhe o Prémio Artur Malheiros pelo seu trabalho Doze Anos de Citologia e Genética dos Fungos. Nesse ano de 1943, conseguiu que Salazar o enviasse para Moçambique, onde “seria bem vigiado politicamente”. Aurélio Quintanilha foi então dirigir o Centro de Investigação Científica Algodoeira de Lourenço Marques, cidade onde ficou até 1975.

Em Moçambique desenvolveu trabalhos de pesquisa no sentido de aumentar a produção algodoeira da colónia, tendo escrito numerosos e relevantes trabalhos científicos nesta matéria.

Em 1947 e 1983, respectivamente, recebeu da Universidade Witwatersrand da África do Sul e da Faculdade de Ciências de Lisboa, o título de Doutor Honoris Causa e, em 1958, foi eleito sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. Em 1987, recebeu do Presidente da República, General Ramalho Eanes, a medalha da Ordem da Liberdade.

Em 1975, o Presidente de Moçambique, Samora Machel, concedeu-lhe a nacionalidade moçambicana pela contribuição dada à ciência do novo país.

Não é possível descrever em poucas palavras todo o percurso científico de Aurélio Quintanilha, mas podemos imaginar o que a sociedade portuguesa perdeu por ele ter sido aposentado compulsivamente da sua cátedra, tendo sido obrigado a exilar-se, numa altura em que a sua carreira científica se afirmava promissora (tinha ele apenas 43 anos!), como aliás, apesar das várias dificuldades, se veio a confirmar no futuro.

António Mota de Aguiar

A Casa das Auroras

Luis Caetano entrevistou Cristina Carvalho, a autora de O Gato de Uppsala (que é filha de Rómulo de Carvalho), a propósito do seu novo livro A Casa das Auroras, edição Planeta.

Foi no passado sábado, no programa A Força das Coisas da Antena 2 da rádio. Pode o leitor ter acesso a essa entrevista aqui.

Eis a essência do livro apresentada na comunicação social:

"Uma jornalista chega a uma pequena aldeia da zona oeste, perto do mar, com o intuito de escrever uma peça sobre duas mulheres que terão vivido juntas em determinada casa da aldeia, conhecida como A Casa das Auroras. Encontra um velho, um miúdo e um cão, que a orientam para a dita casa, que tem fama de assombrada desde há muito e que é a mais antiga do lugar.

A jornalista entra sozinha na casa e de repente depara-se – na casa que aparentemente estava vazia, com uma sala onde estão 6 mulheres a tomar chá à volta de uma mesa.

Encolhida a um canto da sala e presa numa espécie de transe entre o sono e a vigília, a jornalista vai ouvir, ao longo de toda uma noite, as histórias de vida que cada uma daquelas mulheres-fantasma tem para contar:
- A velha que morreu de velhice e que conta a história da mulher-lobo da aldeia, do padre possuído de desejos carnais e do filho que daí resultou.
- A miúda que viveu na altura em que os americanos chegaram à Lua e que quis também viajar até lá.
- A jovem de 20 anos que, perdida de amor, vê a sua vida e os seus sonhos ruírem na noite do grande tremor de terra da década de 60.
- A mulher do casal ingénuo que foi viver para o campo e vê, numa noite de temporal, duas criaturas malévolas entrar-lhe porta a dentro disfarçadas pela normalidade de um casal burguês à procura de casa nas redondezas.
- A Bela, a loira cantora popular de feiras e romarias que foi viver com a camionista Alex para a Casa das Auroras e acabou por se suicidar de regresso ao apartamento do odiado e amado homem do roupão.
- A Santinha, que está entrevada num quarto e ganha a vida a receber os peregrinos que querem uma graça e um consolo por a tocarem, mas que foi uma criança tenra e malévola, como todas as crianças, e nos conta a história do tio Vítor, que casou com a tia solteirona para se poder aproximar e dispor da sobrinha tenrinha… várias hipóteses se colocam para esta passagem da criança abusada à Santinha “da ladeira”.

Na manhã seguinte, a jornalista acorda do transe e sai da sala agora vazia, mas decide ficar a viver na aldeia. Irá ela ser a próxima ocupante d´A Casa das Auroras?"

"Cientifica Mente"

Podem ouvir aqui, em podcast, a entrevista que a Ana Paula Gomes me fez, a propósito do meu livro "Caminhos de Ciência", para o seu interessante programa na RDP-Africa, "Cientifica Mente".

Quatro e não três competências!

Professores do 1.º Ciclo receberam nas suas caixas de correio electrónico mensagem de uma editora de manuais escolares sensibilizando-os para consultarem um anexo que continha informação pertinente relativa aos pontos fortes dos seus manuais.

O anexo, muito bem apresentado a preto, cinzento e vermelho, consoante o que se queria destacar, não é muito extenso. Mas para comentar devidamente todos os aspectos que aflora seriam precisas inúmeras páginas, o equivalente, talvez, a uma dissertação académica.

Assim, de momento, detenho-me apenas num desses aspectos: as competências que se diz serem tidas em conta no manual de matemática, para, obviamente, serem ensinadas e aprendidas. Citando:
Nas explicações Jogo – Alia o desenvolvimento cognitivo a uma componente lúdica que permite uma competitividade saudável e o desenvolvimento das capacidades transversais raciocínio, comunicação e resolução de problemas;

Página de Resolve Problemas – A resolução de problemas é aqui trabalhada de uma forma mais explícita valorizando as 3 capacidades transversais – raciocínio, comunicação e resolução de problemas, fomentando também a discussão das diversas estratégias usadas pelos alunos.
Ora bem, deduzo que os autores do manual em causa terão tomado por referência as competências fundamentais que o Pisa se propõe medir, as quais passaram a constar em provas de avaliação de carácter nacional (provas de aferição, exames nacionais...), bem como nos novos Programas de Matemática para o Ensino Básico (ainda que aqui se encontrem disseminadas entre muitas outras).

Só que essas competências são quatro, e não três. A quarta é aquisição de conceitos e procedimentos (a par do raciocínio, comunicação e resolução de problemas).

A ausência de alusão a tal competência nesse anexo é particularmente estranha, sobretudo se pensarmos que um manual deve sistematizar... conceitos e procedimentos.

O crime com 5000 anos e a areia nas sandálias

Participação da arqueóloga Leonor Medeiros na Final do FameLab, que venceu. Em menos de três minutos, como a arqueologia pode ajudar a contar a história de um crime com 5000 anos e de uma ida à praia algumas horas atrás.

O acesso ao conhecimento é um direito universal!


Entrevista que dei ao jornal on-line "Boas Notícias" a propósito do meu novo livro "Caminhos de Ciência"

Qual é o papel e a importância do comunicador de ciência?
O papel é o de tentar traduzir para uma linguagem acessível e dirigida a um determinado público-alvo, o conhecimento científico escrito inicialmente numa linguagem estruturada e codificada, própria de cada domínio científico.
A importância reside no dever em satisfazer uma necessidade que é comum a todos os seres humanos: a do querer saber. Sem alguém que conte a história, que faça a ponte entre as duas linguagens, não é possível uma comunicação efectiva. Por outro lado, conhecer o que está a ser descoberto pelos nossos cientistas é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Assim, o papel do comunicador de ciência é da máxima importância para contribuir para uma cidadania livre e esclarecida.

Muitas descobertas cientificas não chegam a ser compreendidas pelo público em geral. Porque pensa que isso acontece e como se pode contornar?
Começo por responder que muitas das descobertas científicas não chegam a ser compreendidas por cientistas de áreas diferentes. Por isso, o problema da divulgação do avanço do conhecimento fica míope se não se for colocado como algo que tem de ser feito entre todos.
Cientistas de áreas diferentes comunicam entre si utilizando linguagens diferentes. Esta complexidade da formatação da mensagem científica é, em parte, responsável pela dificuldade na sua vulgarização (no bom sentido). Não só tens de saber comunicar, como tens de conhecer os códigos utilizados em cada área do conhecimento científico e traduzi-los para uma linguagem comum a todos, neste caso a língua portuguesa.
Por outro lado, o dia-a-dia de todos nós está tão preenchido de ciência e a tecnologia que estas se tornam, paradoxalmente, quase invisíveis! Invisíveis no que diz respeito ao seu conteúdo, ao conhecimento implícito que as torna possíveis.
Esta “invisibilidade” também dificulta a compreensão e a transmissão do conhecimento que está na sua base. Torna-se mais difícil racionalizar o conhecimento tácito, algo que recebemos primeiro quase que intuitiva e empiricamente. Basta-nos que funcione. Não interessa como, nem porquê. Utilizamos conhecimento e tecnologia sem nos apercebermos, por exemplo, que só conseguimos enviar um e-mail por causa de alguém ter descoberto há cem anos determinadas propriedades quânticas que descrevem transições electrónicas em materiais semicondutores, como seja os que compõem os transístores, os micro e nano chips dos circuitos integrados. Que só desenvolvemos a tecnologia do GPS porque Einstein e outros investigaram e desenvolveram o conhecimento contido na teoria da relatividade!

Como se ultrapassa essa "invisibilidade" da ciência e da tecnologia?
Para resolver a dificuldade inerente à comunicação de ciência é necessário criar massa crítica, aumentar o número e a qualidade dos comunicadores de ciência em língua portuguesa, aumentar o espaço dedicado ao conhecimento científico e suas aplicações não só nos meios de comunicação social, mas também nas actividades lúdicas que a sociedade coloca ao dispor das famílias. É que, como diz Carlos Fiolhais, entre outros, a ciência é divertida. Porquê? Porque o ser humano tem prazer em descobrir, em conhecer mais, em compreender o mundo que o rodeia.

Como é que um homem da ciência, como o António que é formado em bioquímica, começa a “traduzir” descobertas cientificas para a linguagem comum?
Sempre gostei de escrever, de contar histórias. Não só por prazer ou necessidade própria, mas por uma espécie de espírito de missão pública e de cidadania.
Tive a sorte de ter tido excelentes professores no liceu João de Deus, em Faro. Entre eles, uma professora de físico-química que, tendo sido aluna, entre outros, de Rómulo de Carvalho e de José Régio, me transmitiu o fascínio pela cultura humana independentemente do seu espartilho disciplinar. Ensinou-me que sem rigor e trabalho não há boa comunicação.
Saber comunicar é uma componente da actividade enquanto cientista. Investigamos, descobrimos ou não, e depois temos de contar aos outros o que encontramos. Somos autênticos exploradores. Se não contarmos aos outros o que descobrimos não existe, para além de não poder ser validado, aceite como útil. Se a descoberta não for partilhada ela não é útil a ninguém.
Por outro lado sou parte daquilo a que já alguém chamou de geração Gradiva. Esta editora galvanizou a divulgação de ciência em Portugal e permitiu que cada um, com o seu jeito ou dom, apreendesse a divulgar. Aliás, só lendo os melhores, quando bem traduzidos para português, é que podes aspirar a comunicar bem. E foi isso a editora do Guilherme Valente permitiu.

Quais são os textos que lhe dão mais entusiasmo escrever?
Todos. Apesar disso, confesso que escrever para crianças permite-me expandir os territórios da imaginação. Mas gosto muito de conseguir escrever, num registo mais literário, qualquer assunto real de natureza científica e tecnológica.

O feedback do público é importante?
Escrevo para comunicar. Só sei se comuniquei bem se houver alguma maneira de saber se a mensagem foi bem recebida e entendida, o que são coisas distintas.
Deste modo, só poderei melhorar e corrigir-me se tiver retorno (feedback) do público. Na ausência de retorno, fico como se estivesse a falar ou a cantar para uma parede.
Sem retorno do destinatário, do ouvinte, do leitor não perceberemos se comunicámos. Só ouviremos silêncio sem conteúdo ou eco narcísico.

Gosta mais de escrever para adultos ou para crianças?
Gosto mais de escrever bem e de conseguir comunicar. As crianças são mais genuínas e também mais atentas. Por isso até é mais fácil comunicar e ter retorno delas. Como disse Saint-Exupery, as crianças gostam de ser cativadas. Os adultos não gostam de dizer o que pensam, para não se comprometerem…

A sua filha inspira-o para alguns textos?
As minhas filhas são “as notas da partitura que é a sinfonia da minha vida”, como escrevi na nota introdutória de “Caminhos de Ciência”.

Alguma vez pensou em escrever ficção?
Já. Mas, por questões de disciplina, a ficção está, por enquanto, inibida.

Qual é o “António” que prevalece: o investigador ou o comunicador?
Uma vez perguntei ao professor Rómulo de Carvalho (o poeta que escreveu sob o pseudónimo de António Gedeão) isso mesmo. Ele respondeu-me que era um só. Que não mudava de atitude consoante a actividade em que estivesse envolvido. Mas o que se passa, digo eu, é que nós ao longo do dia, dependendo das actividades a que estamos dedicados, utilizamos recursos, conhecimentos, métodos diferentes consoante as necessidades. E isso pode aparentar que há uma faceta que prevalece em detrimento de outras. A investigação é muito solitária, pouco comunicativa. A comunicação não pode ser solitária, tem de ser pública. Numa actividade professoral temos de ensinar, o que é simultaneamente uma tarefa solitária e pública.
Respondendo noutra perspectiva. Para comunicar tenho de investigar. Uma coisa não existe sem a outra. E a experiência, enquanto professor, fortaleceu as competências na compreensão da natureza humana, o que é indispensável para comunicar bem.

O que podem os leitores encontrar neste novo livro?
Um diálogo transdisciplinar entre ciência e arte, uma ponte entre as fronteiras do conhecimento e sua utilidade para o nosso dia-a-dia. Bons momentos de leitura, desejo eu.

A saúde dos vampiros é a nossa doença

É certo que o nosso caldo cultural não ajuda os políticos de qualidade. A inveja e a maledicência cegas afastam os honestos. E alimenta pequenas corrupções (que vão crescendo), favoritismos (que são dura injustiça), amiguismos (que se tornam regra), etc. Mas tudo porque as instituições não funcionam bem e há quem se sirva delas - o que é abuso inaceitável. Somos todos, de algum modo, responsáveis, mas há pessoas que, pela influência que têm, são particularmente culpadas.

Qualquer pessoa que abdica de fazer o que deve, no lugar em que está, que não cumpre, ou se serve da instituição para se servir, ou servir amigos, é responsável por esta situação. Quanto mais importante for a função maior é a responsabilidade, obviamente.

O grande problema agora é, todavia, este: Uma vez integrados na moeda única temos que ser eficazes, produtivos e rentáveis, porque estamos a competir com outros melhores que nós. Mas, para o País arrancar é indispensável acabar com a corrupção, o clientelismo e a incompetência que destroem os melhores. Ora, é precisamente isso que é difícil. E mesmo quando os políticos querem, em geral não conseguem, ou esgotam-se nisso. Alguns bons ministros foram já sacrificados pela força de algumas corporações, que todos conhecemos de ginjeira.

Por outro lado, deixámos que um sistema de empresas e de organismos estatais, criasse impunidades enormes ao nível da má gestão (todavia muito bem paga e até premiada) e de vantagens múltiplas, que enfraquece a restante actividade económica. Mas que alimenta muita gente inútil e “encostada”; o que é um cancro para as potencialidades do País.

Ora bem, ou acabamos com isto ou ficamos para trás comidos pela gangrena económica e social. Mas como, se todos os dias somos afrontados com impunidades, absolvições, prescrições e favorecimentos, que ofendem os cidadãos e minam as instituições? E apesar de termos identificado o vírus não conseguimos o antibiótico eficaz?

É esta a conversão moral de que se precisa: uma transformação que acabe com este cancro nacional, e obrigue os políticos e responsáveis institucionais a atuarem como devem. E a serem educadores do povo e não deseducadores. Já se sabe que um político não é um menino de coro, e que não pode ter um coração de cordeiro, mas, neste momento, ele precisa mais de indignação moral que de calculismo; ou melhor, precisa de sentir a indignação moral do País e ir nesse sentido, sem deixar de ser racional e ponderado. E ter a coragem de prosseguir, mesmo sabendo que vão difamá-lo, e que talvez perca as eleições seguintes. Mas deverá perceber que a maioria está ansiosa por uma lavagem ética. Que não é feita de água benta e sermões, mas com a neutralização sistemática e inteligente dos que vampirizam a sociedade. Talvez perca as eleições, mas a história reconhecê-lo-á como grande político.

Há uma justiça social que exige o fim de protecionismos estatais e de centralismos que só beneficiam alguns e que parasitam o sistema. O que distingue as democracias avançadas das bananoides é o respeito pelos cidadãos e pelas instituições. A justiça americana deu-nos ainda agora uma enorme lição. A comparação com a nossa afunda-nos ainda mais na depressão. Será que não conseguimos afastar as maçãs podres?

João Boavida

COMENTÁRIOS EM VERSO

Diversos leitores têm-se dirigido a nós indignados com a proliferação de comentários em verso, que de facto não são verdadeiramente comentários, mas apenas um uso abusivo deste blogue. Um comentário em verso poderia eventualmente ser interessante, mas, quando há uma permanente catadupa poética, o interesse perde-se. Interrompemos, por isso, durante algum tempo os comentários em verso, não importando a sua autoria e sem fazer qualquer juízo sobre a respectiva qualidade, de modo a permitir que a a caixa de comentários volte a ser um espaço de discussão e diálogo. Existem, de resto, outros blogues que aceitam produção poética.

AINDA OS OITO PLANETAS

Hoje, o "Correio da Manhã" publica uma declaração minha sobre o teste nacional de Física e Química que inquiria os jovens do 9.º ano sobre o número de planetas depois de indicar os respectivos nomes. Bastava contar, o que qualquer criança do início do 1.º ciclo do básico deve ser capaz de fazer, quanto mais não seja pelos dedos da mão. Disse àquele periódico que temos assistido em Portugal nos últimos anos a um "processo de estupidicação geral". E acrescentei: "No fundo, isto é um ataque à escola pública e um convite às pessoas para porem os filhos no privado". Os ricos têm alternativa, mas os pobres, para quem a escola pública é a única possibilidade de preparação para a vida e ascensão social, estão, de facto, a ser tratados como estúpidos. Até quando?

CEM ANOS DE NÚCLEO ATÓMICO


O núcleo atómico fez em 7 de Março de 2011 exactamente um século. Com efeito, foi nesse dia, mas do ano de 1911, que o físico britânico, nascido na Nova Zelândia (provavelmente o mais notável de todos os físicos nascidos no hemisfério sul), Ernest Rutherford leu na Manchester Literary and Philosophical Society uma sua comunicação intitulada “A dispersão dos raios alfa e beta e a estrutura do núcleo”. Já antes o núcleo se manifestava através dos fenómenos da radioactividade, conhecidos desde 1896, mas só quinze anos depois ficou claro o que era o núcleo. Vale a pena consultar o documento original e ver como o núcleo bateu à porta da Física, após experiências realizadas por jovens colaboradores de Rurtherford em finais de 1910.

“Existem, porém, algumas experiências sobre dispersão que indicam que uma partícula alfa ou beta ocasionalmente sofre uma deflexão de mais do que 90º num único encontro. Por exemplo, Geiger e Marsden (Proc. Roy. Soc. 82, 495, 1909) encontraram que uma fracção pequena das partículas incidentes numa película fina de ouro sofre uma deflexão superior a um ângulo recto (...) para explicar este e outros resultados é necessário supor que a partícula electrizada passa por um campo eléctrico intenso dentro do átomo. A dispersão de partículas electrizadas é considerada para um tipo de átomo que consiste de um carga eléctrica central concentrada num ponto e rodeada por uma distribuição esférica uniforme de electricidade oposta igual em grandeza.”

Estava descoberto o núcleo, precisamente a “carga eléctrica central concentrada num ponto”, apesar do erro de que a carga eléctrica negativa em redor era uniforme. Daí a dois anos o jovem dinamarquês Niels Bohr, que tinha vindo estagiar a Manchester, propunha, num outro grande momento revolucionário da Física, a teoria quântica antiga: os electrões giravam, em órbitas planetárias circulares em redor do núcleo, que correspondiam a energias quantificadas. Portanto, em 2013 passará um século após a formulação da teoria de Bohr (Prémio Nobel da Física em 1922), que, apesar de modificada e ampliada pela teoria quântica moderna, proposta por um notável conjunto de jovens físicos entre 1925 e 1927, tem ainda hoje um grande valor conceptual.

Na linguagem desconcertante de Rutherford, o fenómeno que ele pretendia explicar com o seu novo modelo era desconcertante: tudo se passava como se um atirador tivesse arremesssado um obus de 15 polegadas contra uma folha de papel e o tiro tivesse rechaçado para atingir o nariz do atirador...

Rutherford já era um físico famoso quando descobriu o núcleo. Tinha ganho o Prémio Nobel da Química em 1908, pelos seus estudos de fenómenos radioactivos, distinção que ele aceitou embora fizesse um comentário irónico relativo às confusões entre Física e Química:

“Tenho assistido a muitas transmutações radioactivas bastante rápidas, mas nenhuma foi tão rápida como a que o Comité Nobel acaba de fazer transformando-me de físico em químico”.

Na época a distinção entre a Física e a Química era ainda mais esbatida do que hoje. Basta para isso reparar que, no mesmo ano da descoberta do núcleo atómico, o Prémio Nobel da Química era atribuído à francesa de origem polaca Marie Sklodowska, Madame Curie, pela sua descoberta de novos elementos radioactivos: o rádio e o polónio. Esse prémio vinha somar-se ao Prémio Nobel que tinha recebido com o seu marido, o francês Pierre Curie, pelos seus trabalhos sobre radioactividade, em 1903, e com o francês Henri Becquerel, o descobridor da radioactividade. O Ano Internacional da Química, que se celebra em 2011, quer também assinalar o centenário do segundo Prémio Nobel de Madame Curie, a única pessoa laureada até à data com Prémios Nobel de duas disciplinas científicas diferentes.

Em 1911, uma fotografia dos participantes do 1.º Congresso Solvay, em Bruxelas, mostra Rutherford perto de Madame Curie (está sentada numa posição central, em diálogo com o matemático francês Henri Poincaré). Não muito longe deles está o então ainda jovem suíço de origem alemã Albert Einstein (tinha 31 anos), sobre cuja teoria da relatividade nem Rutherford nem Madame Curie, os dois essencialmente experimentalistas, se interessaram.

A primeira reacção nuclear seria efectuada oito anos depois da descoberta do núcleo, tendo o feito pertencido ainda a Rutherford. Vale a pena, de novo, transcrever o resumo da comunicação em que ele descreve o arremesso de partículas alfa (que o próprio Rutherford tinha identificado como núcleos de hélio) para cima de azoto, verificando-se que saía, como que num acto de alquimia, oxigénio e hidrogénio. Veja-se, em particular, como Rutherford assinala a presença do hidrogénio dentro do núcleo atómico:

“Dos resultados obtidos até agora é difícil evitar a conclusão de que os átomos de longo alcance que surgem da colisão de partículas alfa com o azoto não são átomos de azoto mas provalmente átomos de hidrogénio, ou átomos de massa 2. Se é este o caso, temos de concluir que o átomo de azoto se deesintegra sob as forças intensas desenvolvidas numa colisão próxima com uma partícula alfa rápida e que o átomo de hidrogénio libertado é parte constituinte do núcleo de azoto”.

O pequeno erro é que não se trata do átomo, mas sim do núcleo de hidrogénio, ao qual mais tarde se veio a chamar protão. O neutrão viria a ser descoberto a seguir, por um discípulo de Rutherford, o inglês James Chadwick, em 1932, feito pelo qual recebeu o Prémio Nobel escassos três anos depois. Nesse mesmo ano foi construído o primeiro acelerador circular e foi realizada a primeira reacção nuclear num acelerador. A Física nuclear estava em franco desenvolvimento... Em 1934, uma filha e um genro de Madame e Pierre Curie, os franceses Irène e Frédéric Joliot-Curie, descobriam a radioactividade artificial, conseguida através de reacções nucleares: receberam o Nobel logo no ano seguinte Em 1938 os alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann descobriram a cisão espontânea do urânio. O italiano Enrico Fermi, com a suas experiências de bombardamento de núcleos por neutrões promoveu a cisão induzida desse elemento: em 1942, depois de ter recebido o Nobel em 1938, conseguia a primeira reacção em cadeia do urânio debaixo da bancada de um estádio em Chicago. E o resto é história bem conhecida: o projecto Manhattan de construção da primeira bomba atómica , as bombas de Hiroshima e Nagasaki (Hahn, prémio Nobel da Química em 1944, soube dos eventos num campo de prisioneiros na Inglarerra), e o aproveitamento pacífico da energia nuclear no pós-guerra que se mantém nos dias de hoje.

Rutherford nunca acreditou que a energia nuclear viesse alguma vez a ser usada para efeitos práticos. Que hoje é empregue em larga escala em muitos países do mundo mostra que os grandes génios são também capazes de grandes erros...

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...