quinta-feira, 19 de maio de 2011

Empréstimo de manuais

Texto de Maria Prata, professora na Alemanha, a quem perguntei como funciona a adopção e compra de manuais escolares para o ensino básico nesse país.

Até há poucos anos, todas as escolas estatais alemãs disponibilizavam os manuais escolares em forma de empréstimo aos seus alunos. Os pais compravam os livros de exercícios, lápis, cadernos, borrachas, pincéis e outro material de uso individual e menos dispendioso.

A noção de responsabilidade pelos livros, como um material de ensino pelo qual se aprende, é inculcada nas crianças desde o primeiro ano da escola.

Os manuais são distribuídos na primeira semana de aulas. Em cada manual, os alunos registam o seu nome, a turma e o ano lectivo, mas não lhes é permitido escrever mais nada. Assim, têm de copiar manualmente para o caderno as regras, leis, excepções, vocábulos e outras explicações que os manuais contêm e que os professores consideram ser necessárias para compreender a matéria. Normalmente, são trabalhos de casa.

Comprometem-se a entregar, no final do ano lectivo, os livros que receberam em estado de voltar a ser usado por outros colegas no ano seguinte. Caso não o façam, não recebem as notas. Por cada exemplar que tenham danificado substancialmente, pagam uma multa simbólica e os estragos, datados, são anotados no respectivo livro.

Um professor orienta a equipa de alunos que procede, no início de cada ano lectivo, à distribuição dos manuais, e, na última semana de aulas, à sua recolha e ao controlo individual do estado que apresentam.

Os manuais só são substituídos quando estão desactualizados (ou muito usados ou estragados). Normalmente, a sua estimativa de vida é de cinco anos, mas podem ser usados durante mais tempo. Em disciplinas como a Matemática, Física, mas também Inglês ou Alemão, não perdem a actualidade e a validade científica, quer em conteúdos, quer na orientação pedagógico-didáctica, de um ano para outro.

As escolas não têm dinheiro para comprar manuais novos todos os anos. Os seus meios financeiros são limitados e os gastos de uma unidade escolar são elevados. E, afinal, por que razão substituir um manual quando ele, conscienciosamente escolhido pelos professores no ano anterior graças à sua organização, apresentação e explicitação da matéria, originalidade e adequação dos exercícios, está a dar provas de favorecer e apoiar a aprendizagem da maioria dos alunos?

Ultimamente, os estados sofrem do problema de escassos recursos financeiros (o caso da cidade-estado de Berlim, por exemplo), tendo as famílias de comprar os livros escolares. Mesmo neste caso, é impossível as escolas exigirem manuais diferentes todos os anos. Além disso, as famílias com mais de um filho em idade de frequentar a escolaridade obrigatória nunca aceitariam tal medida.

Na verdade, como poderia uma escola justificar que o livro adoptado no ano anterior pelas suas óptimas qualidades didácticas, e que os pais tiveram de adquirir para um filho, passados doze meses deixasse de ser actual, óptimo e didáctico e tivesse de ser impreterivelmente substituído por outro, para ser usado por outro filho? Teriam os professores tomado uma decisão precipitada ou de alguma forma influenciada?

Não se inventa um novo método didáctico em cada ano; pelo contrário, as ideias necessitam de tempo para amadurecer e todos os métodos didácticos deveriam ser testados empiricamente antes de serem usados com os alunos.

Finalmente, as editoras alemãs sabem que, tendo uma escola adoptado um manual de uma disciplina para um determinado ano de escolaridade, a sua substituição só poderá acontecer alguns anos mais tarde.

Maria Prata

4 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Pois, Professora Helena Damião, mas nós por cá é diferente. Por um lado, como vivemos de empréstimos que, no fundo, sabemos que não seremos capazes de pagar, tanto se nos dá como se nos deu: compremos, estraguemos e deitemos fora, e voltemos ao início do ciclo... etc. Por outro lado, as teorias pedagógicas inventam-se a cada passo, independentemente de os professores as quererem ou não, nem que seja como pretexto para umas quantas pessoas não leccionarem e algumas editoras impingirem "packs" a preços devidamente actualizados. E há ainda os meninos que tratam os livros como se fossem lixo. E os pais deles que, ciosos do que compraram a peso d'ouro, não o cedem a mais ninguém: se eles fizeram sacrifícios, os outros que os façam também...
É assim a modos que uma espécie de praxe...
O que vale é que nós podemos...

Anónimo disse...

É mais do mesmo.

Veja-se quem ganha com o actual estado de loucura colectiva anual, em que se transfomou a compra de manuais escolares.

Veja-se quem lucra e pergute-se porque razão os sucessivos governos deste País nada fazem para inverter esta situação.

Leonel Morgado disse...

O mais curioso é que até os nossos jovens sabem disto: dois dos livros do Harry Potter até se centram precisamente em manuais usados por alunos anteriores, manuais fornecidos pelos professores, que depois foram usados pelo Harry Potter - e a história nesses livros gira em torno dessa ligação entre dono antigo e dono novo.

Anónimo disse...

Uma solução possível é o negócio dos livros usados, comum nos EUA. Ganha a livraria e o aluno que pode vender no final do anos os livros que entender. Claro que é preciso que os livros não mudem todos os anos.

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