segunda-feira, 7 de junho de 2010

ALGUMAS MEDIDAS PARA A EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA


Quando, no ano de 2002, saiu o Manifesto para a Educação da República, os autores desse documento foram acusados de só fazerem um diagnóstico dos males sem apresentarem os remédios. Era uma crítica injusta. Encontrei agora um texto meu dessa altura que publiquei no hoje quase-falecido "Primeiro de Janeiro" onde apontava algumas soluções. Curiosamente praticamente as únicas alterações que se concretizaram ocorreram no governo das Universidades. Escrevia eu então que "era necessário mudar o sistema de eleição dos reitores e recompor os senados, diminuindo a excessiva participação dos alunos", o que de certa forma foi feito. E escrevia eu também que "é necessário rever o estatuto da carreira docente, impedindo a endogamia reinante (patente, por exemplo, na contratação automática de assistentes pela mesma instituição)", o que, também de certa forma, foi feito. Houve uma tentativa mal-feita e por isso falhada de avaliação dos professores, uma outra medida que aí preconizava. Houve também uma tentativa de avaliação de manuais. Mas o resto está praticamente na mesma, pelo que o que então escrevi se mantém actual. Deixo-o, portanto, aqui, retirando apenas as duas medidas entretanto concretizadas para o ensino superior:
"Os remédios [para a educação nacional], que não são fáceis nem imediatos - é evidente que há-de doer a muita gente porque não há curas indolores! - , passam por três ideias que perpassam o Manifesto para a Educação da República, nomeadamente: qualidade, avaliação (para medir a qualidade) e esforço (para a alcançar quando ela não existe). Só por mero acaso uma modificação que não tivesse como ideias norteadoras a qualidade, a avaliação e o esforço poderia ajudar a remediar os males que afligem o nosso sistema educativo. Convém pois que as propostas concretas tenham essas ideias como crivo. Elenco cinco:

1- Melhoria do funcionamento e resultados dos estabelecimentos do ensino superior. É necessário rever a lei do financiamento das universidades, ajustando o financiamento não apenas ao número de alunos mas à quantidade e principalmente qualidade do “output” pedagógico e científico. É também necessário proceder a uma verdadeira avaliação das escolas de ensino superior, levando em conta em conjunto o trabalho pedagógico, científico, cultural e de serviço à comunidade.

2- Selecção e avaliação de docentes nos ensinos básico e secundário. Os professores, pedra essencial do sistema educativo, têm de ser valorizados e têm de ver a sua autoridade reforçada na sala de aula. Hoje em dia eles são escolhidos por um critério cego e tosco que só leva em conta a nota de licenciatura, sem cuidar da qualidade dos cursos e da idoneidade das instituições que conferem os diplomas. São promovidos quase só com base no número de anos de serviço. Muitos professores fazem um trabalho admirável em condições que lhes são adversas, não sendo devidamente reconhecidos nem a formação acrescida que conseguiram, nem o seu esforço adicional no quotidiano, nem os resultados que conseguem com os seus alunos. Uma escolha mais criteriosa de professores (que obste, por exemplo, que a Física seja ensinada por professores que pouco sabem de Física – ver “Livro Branco do Ensino da Física e da Química”, editado pelas sociedades portuguesas de Física e Química) e a oferta de incentivos que premeiem o mérito profissional seriam factores decisivos.

3- Melhores currículos e manuais. Um processo de “regionalização” dos currículos é extremamente perigoso, dada a referida falta de preparação específica de numerosos docentes. Nesta fase, convém que existam currículos directivos e que a sua aplicação efectiva seja verificada. Os currículos devem ser expurgados da carga de “eduquês” que contêm (“aprender a aprender” e outros lugares-comuns, que são absolutamente vazios; no ensino primário devem ser reforçadas competências básicas como a memorização da tabuada e o treino da leitura e escrita). Deve continuar o esforço em curso em favor da experimentação e das atitudes que conduzem a ela, mas passando de actividades circum-escolares, que são interessantes, para o “núcleo duro” que é a sala de aula. E devem ser feitos esforços especiais no ensino na língua portuguesa e nas ciências (a começar logo na matemática, contrariando o actual insucesso). Os manuais escolares não devem ser entregues às leis do mercado. Por exemplo, pode ser atribuída às sociedades científicas o processo de avaliação dos manuais.

4- Mais exames e leitura dos respectivos resultados. Os exames nacionais, a vários níveis, foram quase extintos e é necessário revalorizá-los como condição de permanente avaliação de todo o sistema. É necessário fazer um esforço imenso de ajuda aos alunos com maiores dificuldades de aprendizagem reveladas pelos exames, através de horas extra, turmas especiais, etc. (todas as possibilidades são preferíveis a nivelar por baixo todo o sistema, que é o que se faz hoje!). Devem ser estabelecidas metas concretas quanto à luta contra o abandono e o insucesso e quanto às comparações internacionais.

5- Ligação maior à vida prática e às empresas. O ensino secundário deve ter opções claramente profissionalizantes, com ligação a empresas e a serviços, que evitem o actual afunilamente numa preparação académica que dasagua no ensino superior. Jovens com evidente vocação prática deviam seguir preparação profissional específica logo a seguir ao ensino básico e obrigatório. O sistema de ensino superior devia também reforçar a sua ligação à sociedade, procurando novos públicos (formação ao longo da vida, reciclagem, etc.)."

3 comentários:

Carlos Pires disse...

Relativamente ao ponto 5: foram criados diversos Cursos Profissionais. Infelizmente, em vez de lhes conferir um carácter realmente profissionalizante e prático, apostou-se no facilitismo. Os programas das diversas disciplinas (Matemática, Sociologia ou Português, por exemplo) são uma versão aligeirada e 'aguada' dos programas dessas disciplinas noutros cursos. Em vez de adequar os conteúdos dessas disciplinas ao carácter profissionalizante do curso apostou-se na falta de exigência. Este abrange não apenas a avaliação mas também a disciplina (ordena-se em voz baixa aos professores para serem permissivos).
O que o Ministério não parece perceber é que assim não está a preparar cidadãos para uma vida mais activa, mas a tratar aqueles jovens como cidadãos de 2ª e a estragar-lhes o futuro.

José Batista da Ascenção disse...

Donde:
Se o eduquês persiste, teima, insiste e resiste, não é por falta de caminhos alternativos.
Talvez seja por haver consciência de que um dia se fará luz - a luz que ditará o seu fim. E isso leva alguns a preferirem o nevoeiro e a escuridão. E então recorrem a falácias sobre falácias... Até o castelo ruir, porque está construído no ar.
E esteja eu cá ou não para ver, sempre vai ser curioso assistir à mudança de casaca de muitos dos seus defensores.

Sérgio O. Marques disse...

Temo que medidas como as supracitadas estejam cada vez mais longe da ribalta. Sinceramente, não consigo perceber que rumo está a levar a educação actualmente e quem serve na realidade. O povo, já sabemos que não é.
O pouco contacto que tenho com esse sistema decadente deixa-me um pouco confuso. Cheguei a lidar com indivíduos que estavam a aprender a somar fracções sem saberem multiplicar. É fácil de ver que começam a deixar, desde cedo, de conhecer os números. No futuro, se não conhecem as relações entre números, tampouco vão entender relações entre as grandezas que estes representam e o problema estende-se à física.
Antigamente, um aluno que não aprendia o que deveria aprender, repetia até consegui-lo.

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