quarta-feira, 2 de outubro de 2019

A morte desassistida de doentes idosos


“Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais do que uma vida ou a alegria de tê-la” (Jorge de Sena).

Em nossos dias, em Portugal assiste-se a um busca desesperada de uma espécie de santo graal que harmonize um Serviço Nacional de Saúde, em decadência, e uma ADSE, em desnorte de soluções.

Exemplifico este “status quo” com uma peça legislativa partejada pelo PSD, em banho-maria desde 2005, repescada durante o actual consulado do PS que expulsou, de forma, descaridosa, quiçá, embalado em  estatísticas que lhe eram favoráveis, cônjuges de titulares com oitenta ou mais anos de idade, inscritos há dezenas de anos, nesta obra de assistência a funcionários públicos e seus familiares, com reformas irrisórias da Segurança Social, por vezes, com doenças crónicas com elevada percentagem de invalidez.
  
E isto num país de tradição judaico-cristã que passou a dar guarida a pessoas vivendo em união de facto (decisão que critico, não por excesso de puritanismo, mas por ter passado a beneficiar estas desprotegendo pessoas casadas) sem qualquer objecção por parte de todos os partidos políticos do espectro nacional com a passividade, portanto, do CDS de quem era de esperar (esperava eu, pelo menos!) uma veemente reacção de repúdio.

A menos de uma semana de eleições para a Assembleia da República, temo que esta medida possa prejudicar os partidos políticos por tratar-se de uma medida passível de famílias cristãmente estruturadas, ou com ela apenas discordantes, votarem  em branco, ou mesmo desmotivá-las para a comparência nas mesas de voto, por não se sentirem representadas pelo silêncio cúmplice do CDS e de outras forças políticas.

Desiludido, portanto, obrigo-me a este testemunho porque, como defendeu António Bagão Félix, “o Estado Social discute-se porque é a parte do Estado que tem mais a ver com as pessoas velhas, reformadas, desempregadas, estão doentes, estão sós, têm incapacidades, pessoas que não têm voz, não têm ‘lobies’, não abrem telejornais, não têm escritórios de advogados, não têm banqueiros” (“Jornal de Negócios”, 30/11/2012). 

Por esta norma jurídica encaixar, como peça de um puzzle, na citação por mim feita, no parágrafo anterior, de um ex-ministro da Segurança Social e do Trabalho do XV Governo Constitucional, que tenho na conta de verdadeiro humanista, entendo aplicar-se ela, a papel químico, aos escorraçados pelo Partido Socialista, num apertar de cordões à bolsa,  apesar de “uma auditoria do Tribunal de Contas, ter noticiado que o Governo está a financiar o Orçamento do Estado à custa da ADSE por os funcionários públicos estarem a pagar mais 228 milhões do que seria necessário” (“Expresso”, 17/07/2015). Como sói dizer-se, poupando no farelo de doentes e velhos “com pesares que os ralam na aridez e secura da sua desconsoladora velhice” (Garreth), para gastar na farinha de novos e inesperados benificiários vivendo em união de facto.

Em consequência, sofrimento desapiedado imposto a doentes e idosos escorraçados da ADSE, nos derradeiros anos de vida, coagidos a processos burocráticos de um Serviço Nacional de Saúde (ou de Doença?), que lhes acelera uma morte desassistida por uma operação cirúrgica, ou mesmo uma simples consulta, nos serviços de saúde estatais, chegar, muitas vezes, a desoras por os respectivos utentes terem falecido entretanto!

2 comentários:

Rui Baptista disse...

Das coisas que mais me doem é o silêncio dos partidos políticos no que tange ao desprezo com que assistem, mudos e quedos, à degradação das condições em que vivem, velhos e doentes, quando mais necessitam de afecto e atenção, despojados de contas em paraísos fiscais, que não beneficiam de benesses políticas, pela expulsão da ADSE, em palavras de Simone de Beauvoir , porque "a velhice denuncia o fracasso da nossa civilização". Senhores políticos que estais sentados no hemiciclo do alto das vossas tamanquinhas, ou sapatos italianos , descalçai-vos por momentos e digam o que pensam, e quais as medidas que tendes no segredo dos deuses, ou não tendes, quando nos vossos comícios prometem o céu a quem se contentaria com o limbo da esperança de uma ADSE sem actuar em genuflexão ao rei Midas. Uma coisa é certo, não uma simples promessa de cidadania, que a liberdade de expressão me permite, para mim, em lição colhida em Séneca: “Viver significa lutar”!

Rui Baptista disse...

Na última linha do meu comentário, onde escrevi "expressão me permite, para mim", retiro para mim!

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