sexta-feira, 25 de outubro de 2019

"Escutar, pensar e falar" na escola pública

Nos últimos dias, a multiplicidade de agressões físicas e verbais a envolver, em escolas públicas, alunos, pais, funcionários e professores, tem ocupado as notícias e desencadeado movimentações e declarações sindicais e ministeriais, sem esquecer as de associações de encarregados de educação.

Vê-se raiva, medo, indignação, desalento, ameaça, desorientação, desapego... Uns contra os outros!
Pedem-se medidas judiciais, policiais, tudo o que possa evitar e punir a violência, tudo o que permita a cada um entrar na escola para, burocraticamente, cumprir tarefas e sair em segurança. E é só.

Fotografia de Sebastião Salgado. Escola no Líbano 
De facto, o que não se vê afirmado é o sentido da própria escola: professores e alunos envolvidos no ensinar e no aprender. Isto, naturalmente, com os seus altos e baixos, as dificuldades e os dilemas comuns, mas com a possibilidade de afastamento progressivo da violência.

Recupero um texto de Manuel Alte da Veiga, professor e investigador em Educação, por incidir nesse envolvimento; o mesmo que se vê na fotografia de Sebastião Salgado.

Verdade verdadinha, porém, dificilmente haveria bons alunos sem bons professores.  
Mas o bom professor não sabe tudo (coisa aliás impossível): aprofunda sempre que pode o conhecimento e sabedoria a que se dedica e pondera o que vale a pena ir partilhando com os alunos; só então é que estes também reconhecem que «vale a pena» (= é esforço compensador) conhecerem esses horizontes novos, úteis para a escolha do caminho da realização pessoal. 
Não é de admirar que em certas disciplinas como filosofia, arte, moral e religião… muitos conceitos pareçam «misteriosos» e de «embasbacar». O mais grave é ficar-se por aí, como se se tratasse de verdades indiscutíveis e inalteráveis, mesmo quando se fica mais confuso e «sem luz ao fundo do túnel». 
Tudo o que é transmitido pelos nossos meios de comunicação está sujeito a erro – e é por isso que, justamente quanto mais importantes forem os assuntos, mais precisamos de os analisar e discutir em «grupo perfeito» (onde todos sabem escutar e falar), para mais perfeitamente nos aproximarmos da verdade.  
Por outro lado, a estranheza e até o desinteresse dos alunos podem-se transformar num excelente ponto de partida para discussão em que ninguém se acanhe de participar; e de modo especial que ninguém se sinta mal visto por parecer ou ignorante ou «atrevido».

Destas atitudes é que nascem pensamentos fundamentados e criativos. Vai-se reconhecendo a vantagem de garantir, para além de um conciso e breve «currículo nuclear», um espaço-tempo onde cada «eu» se reconheça naquilo que o faz feliz. 
 
E onde professores e alunos dispõem do ambiente apropriado ao exercício da atitude de escutar, pensar e falar; onde cada qual ultrapassa a seu jeito as dificuldades em qualquer matéria e onde vai descobrindo o seu lugar na vida. Um ser humano é tanto mais feliz quanto mais sente que o levam a sério e quanto mais se sente à vontade para exprimir as suas potencialidades. 
Diz-se (e fica bem) que pais e professores fazem tudo para que alunos e filhos os «ultrapassem». Mas talvez seja mais correcto dizer que as pessoas não se ultrapassam: descobrem o caminho próprio e único de serem felizes – o que não admite comparações. 
Todas as profissões são igualmente dignas, na condição de revelarem «uma pessoa a sério», uma pessoa que aprendeu a dar, a aumentar a felicidade dos outros – o bem-estar da sociedade. Por outro lado, não é verdade que qualquer tipo de profissão seria mais bem executado se houvesse maior nível de formação e cultura geral? O tema da dignidade das profissões mais diversas e dos «salários justos» é um difícil e central problema político, mas que já inquieta os mais novos. 
Cabe aos educadores incitá-los para que o comecem a analisar sem se deixarem levar por ideologias doutrinadoras. 
Ninguém se pode fechar sobre si mesmo. Desde cedo importa preparar as novas gerações para terem consciência dos ideais, problemas e sucessos pelo mundo fora. Sem se cair no facilitismo ingénuo de imitar ou «importar»: só avançamos racionalmente se sabemos gerir a «herança» (cada vez mais global) com a «criatividade» que nos é própria. 
Tudo começa por se conseguir uma «escola agradável»: é uma escola cuja sábia gestão leva a descobrir o «esforço agradável».
 Manuel Alte da Veiga.
Professor universitário aposentado

4 comentários:

Anónimo disse...

A questão insolúvel

Evidentemente que, no estrito âmbito dos Princípios, o Estado é uma Pessoa de Bem. Por exemplo, nas escolas C+S, EB2,3 + JI, ou apenas Secundárias, entre outras, parte-se do princípio de que alunos e professores são todos “bons selvagens”, prontos a levar à prática as ideias mais abstrusas congeminadas nos gabinetes ministeriais por professores universitários cientistas da educação, muitos dos quais antigos professores primários (que sabem como ninguém o que custa subir na vida), que querem que a escola deixe definitivamente de ser o lugar onde se ensina e aprende para passar a ser a fonte da felicidade suprema à face da Terra, de onde brota, ao fim de sucessivos e longuíssimos períodos de doze anos letivos, um sucesso escolar brilhante, fácil e obrigatório, por lei!
Infelizmente, a escola do Professor Manuel Alte da Veiga, onde se aprendiam conceitos que deixavam os alunos “embasbacados”, praticamente já não existe, porque os que agora mandam nos destinos da Educação, em Portugal, não sabem o que fazem!
Eles dizem que os conceitos não servem para nada! A flexibilidade pedagógica e curricular é que está na moda – o que interessa é que os diferentes perfis de alunos que, ano após ano, entram nas escolas, se transformem, à saída da escolaridade obrigatória, num perfil único de aluno/ cidadão, caraterizado por um conjunto vastíssimo de competências e conhecimentos essenciais e pronto a vestir por todos os finalistas, não deixando ninguém para trás, de maneira que estas novas gerações, as mais bem formadas de sempre, levem Portugal a vencer num futuro próximo a batalha do desenvolvimento integrado e sustentável.
Só que não há desmancha-prazeres mais forte do que a realidade que, abreviando, à boa maneira italiana, é, em Portugal, uma porca miséria! Sem resolver o problema gravíssimo da violência e do crime em meio escolar, o admirável mundo novo da escola inclusiva, com umas poucas de aprendizagens essenciais facilmente flexibizáveis, livre para sempre de choro e ranger de dentes, esbarrará inevitavelmente na realidade sublunar, onde, entre as multidões de anjos, também há alguns demónios cujo valor estatístico até pode ser residual, mas que são capazes de fazer muito mal. Por outras palavras, não é atafulhando os professores com tarefas de cariz burocrático, como planificar muito bem o seu trabalho por escrito e extenso, com planificações a curto, médio e longo prazo, fazendo grelhas exaustivas e quotidianas, onde se registam as “melhorias das aprendizagens” e as variações de humor de cada um dos mais de duzentos alunos (nos jardins de infância e escolas primárias são menos!), preenchendo participações disciplinares que, no limite, “castigam” os alunos, dispensando-os de um, dois, ou, no máximo, três dias de aulas, não remunerando o tempo de trabalho do intervalo entre aulas, no regime do ensino secundário, ocupado na ida à sala dos professores ou à casa de banho, que se acaba com a violência e o crime dentro das escolas. Li algures um artigo, de Vasco Pulido Valente, em que o grande intelectual defendia que um princípio de solução, para o problema da violência escolar, seria a expulsão dos desordeiros e criminosos. Mas não vejo a maioria da sociedade civil, a começar pelas minorias subsídio-dependentes, apoiarem esta simples medida de bom-senso. É preferível manter este Estado pantanoso, mais favorável a um sucesso educativo universal e gratuito. Assim, a questão é insolúvel!

Anónimo disse...

Errata: onde se lê "flexibizáveis", deve ler-se "flexibilizáveis".

Helena Damião disse...

Na sequência do comentário do leitor "anónimo"
Não podemos deixar de partir do princípio que o Estado seja Pessoa de Bem, por isso, considerando que o Estado não é sinónimo de Governo (pontual), temos todos a obrigação ética de pugnar pela escola a que o Professor Manuel Alte da Veiga se refere.
Independentemente das derivas pelas quais a escola passou e passa, a sua essência e função é educar a partir de conhecimento, com vista a ampliar a inteligência, o discernimento, a capacidade do ser humano e, mais além, da sociedade e, ainda mais além, da humanidade.
Isto requer um ambiente capaz de envolver os professores e os alunos no ensinar e no aprender.
Esse ambiente existe? Em algumas escolas, em algumas turmas, em algum momento... sim. Por discernimento de directores, de professores.
É o ambiente declaradamente defendido por todos, desde os que se situam em organizações internacionais, passando pelos que se situam em lugares de decisão nacionais, até aos que se situam nas escolas? Não.
Então, há que (voltar a) ler autores como Manuel Alte da Veiga que robustecem o pensamento educacional. Talvez o estudo (que falta a muitos dos que decidem o currículo, incluindo professores) possa inverter a (triste) situação da escola pública. Pelo menos em parte.
MHDamião

Expulsão de desordeiros e criminosos disse...

Pena que todos os professores primários não possam "subir na vida" a professores universitários.
A primária poderia ser dada pelos pais com a ajuda das editoras de manuais escolares (programas na Net) ou em centros de explicação e os alunos ascenderem diretamente para o 2º ciclo. Afinal, é tudo tão básico que qualquer um é capaz do serviço.
Poupavam a todos estes professores cá de baixo um bom esforço.
Ainda bem que as turmas para docentes do 1º ciclo vão fechando nas faculdades.
O meu sonho é que acabem os professores primários. Merecemos todos uma vida melhor.

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