sábado, 21 de julho de 2007

Mulheres em Ciência: Emmy Noether


Göttingen é o berço da química quântica, que nasceu com Robert Sanderson Mulliken (o Senhor Molécula, que ganharia em 1966 o Nobel da Química pelo seu trabalho pioneiro em espectroscopia molecular) e Friedrich Hund. Os dois cientistas desenvolveram em 1926 a teoria de orbitais moleculares que substituiu progressivamente a teoria do enlace de valência, conhecida então como teoria Pauling-Slater, a descrição da ligação química mais popular até meados dos anos 50. Até hoje, Göttingen, com a Universidade e os vários Institutos Max Planck que abriga, continua um nome de referência, especialmente para os químico-físicos.

Os químicos são quiçá parciais em referenciar Göttingen com a química quântica, na realidade a universidade desta cidade, um genuíno produto do Iluminismo fundado em 1734, que produziu um total de quarenta e dois prémio Nobel, está indelevelmente ligada ao nascimento da mecânica quântica. De facto, o Instituto de Física Teórica em Copenhaga e a Universidade de Göttingen na Alemanha são sem dúvida os dois locais de destaque na história da mecânica quântica.

Na Dinamarca, o nome que se destaca é o de Niels Bohr, o «pai» do átomo de Bohr, que em 1913 - depois de estadias em Cambridge no Laboratório Cavendish com J.J. Thomson e em Manchester no laboratório de Rutherford - escreveu um artigo revolucionário sobre o átomo de hidrogénio em que pela primeira vez a quântica foi aplicada ao átomo, que lhe valeu o prémio Nobel da Física em 1922. Em 1916, Bohr regressa à Dinamarca para assumir a cátedra de física teórica na Universidade de Copenhaga. Em 192o foi inaugurado o Instituto de Física Teórica - renomeado Niels Bohr após a morte do cientista em 18 de Novembro de 1962 -, que rapidamente atraiu promissores jovens cientistas de todo o mundo e se tornou uma das referências da mecânica quântica.

Em Göttingen, os principais actores na história da mecânica quântica são Max Born, Werner Heisenberg e Pascual Jordan. No final do Verão de 1925, os três tinham desenvolvido uma teoria quântica completa e consistente, a mecânica matricial, que ficou conhecida na história da física como «o trabalho dos três homens». As fundações da notoriedade da escola de Göttingen podem ser entendidas através de uma afirmação de Heisenberg sobre o seu percurso, «Eu aprendi optimismo com Sommerfeld, matemática em Göttingen e física com Bohr», referindo implicitamente David Hilbert, um dos mais importantes matemáticos da era moderna.

Conhecido do grande público especialmente pelo facto de ter sido o «culpado» que motivou o famoso teorema de Gödel mas também pelos 23 problemas que lançou em Agosto de 1900 no International Congress of Mathematicians em Paris, Hilbert, cujo trabalho no que é conhecido como espaço de Hilbert foi imprescíndivel ao desenvolvimento da mecânica quântica, foi professor na Universidade de Göttingen desde finais do século XIX. Ensinou matemática não só a Born, Heisenberg e Jordan como a um dos mais brilhante matemáticos de sempre, John von Neumann, um matemático húngaro de origem judaica naturalizado americano em 1937.

É de Hilbert a famosa frase «A Física é obviamente demasiado difícil para ser deixada aos físicos», proferida quando, devido em grande parte ao trabalho do seu ex-aluno Neumann, foi demonstrada matematicamente a equivalência entre a mecânica matricial e a mecânica ondulatória de Schrödinger.

Neumann - autor de contribuições preciosas praticamente em todas as áreas da matemática e um dos construtores do primeiro computador, o ENIAC (Electronical Numerical Integrator And Computer) - decidiu desenvolver a sua própria versão da mecânica quântica após ter assistido a uma conferência de Heisenberg sobre mecânica matricial. Em 1933 publicou o livro «The Mathematical Foundations of Quantum Mechanics» onde descreve a teoria de álgebra de operadores ou álgebra de Neumann, assente por sua vez no trabalho de outra ex-aluna (não oficial) de Hilbert, Emmy Noether.

Um facto histórico associado a Hilbert frequentemente ignorado tem a ver com a sua posição «feminista» absolutamente revolucionária numa época em que prevalecia uma discriminação institucionalizada muito grande em relação a mulheres na ciência.

Emmy Noether, que nasceu em 1882 em Erlangen, na Alemanha, em cuja universidade o seu pai leccionava matemática, foi um(a) dos maiores matemáticos do século XX, a «mãe» da álgebra moderna que se destacou ainda pelo seu trabalho na teoria dos invariantes, essencial a Einstein para formular a relatividade geral

Na Alemanha de finais do século XIX inícios do século XX, não era permitido a mulheres frequentarem a universidade já que poderiam «subverter a ordem académica», embora pudessem dirigir uma petição requerendo permissão para assistirem a aulas. Noether teve mais sorte que uns anos antes Sofia Kovalevskaya em Berlim e obteve permissão para frequentar aulas, primeiro em Erlangen e depois Göttingen. Nesta última, entre 1903 e 1904, estudou com Blumenthal, Hilbert, Klein e Minkowski, tendo conseguido em 1904 a permissão, absolutamente inédita, para se matricular em Erlangen. Orientada por Paul Gordan, com uma tese sobre teoria dos invariantes aplicada ao teorema de Hilbert, doutorou-se em 1907 nesta universidade, a segunda mulher a obter tal feito, depois de em 1874, após pressão do seu orientador Weiestrass - e outros - a Universidade de Göttingen ter reconhecido o trabalho de Kovalevskaya, que hoje se estuda em equações diferenciais como Teorema de Cauchy-Kovalevskaya.

Hilbert persuadiu Emmy a regressar a Göttingen em 1915 onde, embora leccionando matemática, os preconceitos da época impediam que o fizesse oficialmente e durante anos os cursos a cargo de Emmy eram anunciados com o nome de Hilbert. Por exemplo, no catálogo de inverno de 1916-1917 da Universidade podia ler-se «Mathematical Physics Seminar: Professor Hilbert, with the assistance of Dr E Noether, Mondays from 4-6, no tuition».

As insistentes solicitações de Hilbert para que Emmy fosse admitida nos quadros da Universidade como Privatdozent eram apoiadas pelo departamento de matemática. Edmund Landau, ao ser inquirido por um colega doutra área sobre se Noether era de facto uma grande matemática, ironizou «Eu posso testemunhar que ela é um grande matemático, mas se ela é uma mulher eu não posso garantir».

Na realidade, apesar do seu enorme prestígio científico, reconhecido internacionalmente, a sua condição feminina só lhe permitiu ingressar como docente nos quadros de Göttingen em 1919, depois de anos de pressão especialmente por parte de Hilbert, refutada com a argumentação de que jamais seria permitido a uma mulher assumir tal posto, pois poderia vir a progredir para professora e assim, horror dos horrores, integrar o conselho ou senado universitário.

A argumentação de Hilbert em prol de Emmy passou por outra frase de antologia, «Meus senhores, eu não vejo como o sexo de um candidato possa ser um argumento contra a sua admissão. Afinal, o conselho universitário não é uma casa de banho». Diria que este era um argumento irrefutável...

5 comentários:

Unknown disse...

Falta, afinal, uma referência ao Teorema de Noether de que decorrem alguns princípios de conservação: da energia: do momento linear, do momento angular. Um dos mais elegantes resultados da simetria em física.

Joana disse...

Em 1900 as mulheres não podiam frequentar as Universidades, hoje em dia são a maioria dos estudantes universitários.

Parece que os matemáticos eram os cientistas de mente mais aberta na Alemanha. Bom post!

Anónimo disse...

Ora, o exemplo que a Palmira aqui apresenta mostra que apesar de muitas mulheres terem sido humilhadas no início das suas carreiras, não desistiram dos seus trabalhos. Como se pode perceber, Emmy Noether, mulher e matemática, apesar da constante desmotivação com que foi “agraciada” ao longo do seu percurso de vida, soube provar ao mundo masculino, os seus talentos, aptidões, capacidades, tendo acabado por ser reconhecida. Foi uma luta difícil mas conseguiu alcançar os seus objectivos. A exemplo de Emmy Noether , outras mulheres cientistas tiveram que adoptar pseudónimos masculinos como é o caso de Sophie Germain, uma distinta matemática do século XVIII. Assumiu o nome de Antoine-August LeBlanc para assistir às aulas na Ecole Polytechnique em Paris, numa altura em que as aulas estavam vedadas às mulheres. Nos dias de hoje, acredito que o estereótipo tradicional das mulheres como passivas, menos instruídas, meras mães e donas de casa está ultrapassado. Na ciência, uma profissão “macho” aos olhos de muitos, acredito que seja benéfico admitirmos que não há ciência masculina ou ciência feminina pela mesma razão que não há ciência branca ou ciência negra, nem ciência americana ou ciência alemã, como diz Shulamith Schlick, do Departamento de Química da University of Detroit Mercy. O que tem de haver é boa ciência, feita tanto por homens como por mulheres.

Maria Elvira Callapez

Hamanndah disse...

Excelente texto. Que sirva para calar a boca de pessoas preconceituosas e misóginas, como aliás, infelizmente, abundam ainda no mundo, inclusive, na internet.
Um abraço
Hamanndah

Anónimo disse...

Emmy Noether *--*

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