Minha crónica no "Público" de hoje:
Quando em Junho passado foram
anunciados os resultados da “avaliação” (entre aspas pois de avaliação só tem o
nome) promovida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a todas as
unidades de investigação científica levantou-se uma enorme onda de protestos.
Os resultados eram inacreditáveis porque o método era inacreditável.
Descobriu-se que havia uma quota escondida no contrato entre a FCT (ordenante)
e a European Science Foundation (executante): 50 por cento dos centros eram à
partida para abater, de acordo com uma teoria que foi anunciada como sendo uma
“poda” (está visto que nada sabem da poda, ninguém poda um pomar abatendo pela
raiz metade das árvores ricas em frutos). Descobriu-se também, conhecidos os avaliadores
e as classificações por eles atribuídas, que as regras da FCT tinham sido
alteradas por ela própria a meio do processo, diminuindo drasticamente o número
de avaliadores, o que fez com que haja em muitos casos notas dadas, de um modo
necessariamente arbitrário, por não especialistas.
Os investigadores, habituados à
competência e ao rigor, não aceitam esta bambochata, que vai causar uma razia
sem precedentes num sistema que tão boas provas tem dado até agora, estando num
caminho ascensional para a média europeia. O Conselho de Laboratórios
Associados, que reúne mais de 2500 cientistas dos maiores e melhores
laboratórios, pronunciou-se contra. As Sociedades Portuguesas de Física,
Química, Matemática e Filosofia pronunciaram-se contra. A Comissão Nacional de
Matemática, que integra todos os centros desta área, pronunciou-se contra. Os
Reitores pronunciaram-se contra. O Reitor da Universidade de Lisboa, de longe
a maior do país e também a melhor a avaliar pelo último ranking de Xangai, foi particularmente demolidor. Os sindicatos dos
professores e investigadores pronunciaram-se contra. A associação nacional de
bolseiros pronunciou-se contra. Até os próprios Conselhos Científicos da FCT se
revelaram críticos.
Todos estarão contra esta
“avaliação”? Não. O imunologista jubilado António Coutinho, pai assumido da
“teoria da poda”, revelou-se num artigo do Expresso
a favor, afirmando entre outros dislates que muitos professores universitários
tinham era de ensinar, abandonando a investigação, que não estaria ao alcance
deles mas sim e apenas de grandes mentes. Só há um pequeno problema: ele não é
inteiramente isento, pois, além de mentor do abate, é o coordenador do Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia, órgão presidido por Pedro Passos Coelho e,
portanto, comprometido com a política do governo.
O processo continua a decorrer e
a causar estragos na reputação do país: a revista Physics Today da Sociedade Americana de Física acaba de dedicar,
facto inédito, duas páginas à maior crise da ciência portuguesa. E na
comunidade científica: por exemplo, Paulo Veríssimo, um professor sénior de
Informática da Universidade de Lisboa, de um centro chumbado, fartou-se e fez
as malas para emigrar, tal como alguns bons jogadores de futebol no fim do
período de transferências. Para montar o seu grupo a Universidade do Luxemburgo
dá-lhe cinco milhões de euros, quase tanto como os seis milhões que a FCT quer atribuir
como “bodo aos pobres”, uma esmola piedosa, para dividir pelos 154 centros
condenados.
Além de Coutinho ninguém mais
acredita em Miguel Seabra, Presidente da FCT, ou em Nuno Crato, que, como disse
o jornalista Nicolau Santos do Expresso,
pode ficar conhecido como “science killer”. Executar sumariamente metade dos
centros de investigação é algo que nunca pensei que ele fosse capaz. A nossa
ciência estava a crescer, mas “fogo amigo” está a dizimar metade das tropas. O
pretexto de que nem todos são excelentes é ridículo: há algum país onde todos o
possam ser? Essa é aliás a característica da excelência, só alguns o podem ser,
mas para o serem precisam de outros. Chamar medíocres aos que não são
excelentes, como faz Coutinho, denota uma visão distorcida do mundo.
Os países precisam de ciência e
da tecnologia para se desenvolverem. Portugal precisa de aproveitar bem os
recursos que tem nesta área. Como país pequeno precisa de aproveitar da forma
mais eficiente os seus recursos humanos. Para isso é necessário proceder a uma
distribuição inteligente do financiamento, vendo onde é que o investimento de
um euro terá o maior retorno. Ao concentrar praticamente todo o financiamento
em apenas metade das unidades de investigação, o retorno pode revelar-se bem inferior
ao que seria obtido investindo também nalgumas das outras unidades, cujo trabalho
meritório está à vista. Um país não se torna mais desenvolvido deitando fora
metade da sua ciência e tecnologia, desprezando anos de investimento feito com o
dinheiro dos contribuintes, ainda por cima por um processo repleto de irregularidades.
Não seria mais útil, para nos tornarmos mais desenvolvidos, deitar fora metade
do governo?
2 comentários:
É por acaso um investigador apenas que é contabilizado para a avaliaçõ da Unidade??? Neste caso, Paulo Veríssimo de reconhecido mérito? Para avaliação não contam só os melhores!!!!
Isso é verdade, mas é necessário ter duas coisas em consideração:
1. O que é um facto é que o PV se vai embora, ou seja, o país perdeu alguém que "parece ter valor"; casos deste tipo serão mais prováveis com uma avaliação que decidide eliminar 50% das unidades à partida, Ou seja, uma avaliação nestes moldes tem este tipo de consequência extremamente negativa para o país. Não é claro o que é que se ganha. Até porque há várias maneiras inteligentes de controlar a qualidade dos diferentes elementos de uma unidade. Esta não é uma delas.
2. O factor que ressalta de uma análise das unidades dos centros da área de PV é que, mais uma vez, a dimensão foi determinante. O número de membros integrados, por ordem crescente, das 12 unidades em causa é
13-15-17-18-20-23-23-36-59-68-87-108
Com a excepção do centro com 59 que não passou à segunda fase, o corte é feito no 23, tendo um destes centros passado e o outro, precisamente o de PV, não. De notar que já foi visto em
http://momentoseconomicos.wordpress.com/2014/07/30/ainda-os-centros-de-investigacao-da-fct-e-a-sua-avaliacao/
que a dimensão não parece influenciar a qualidade.
O problema é que uma explicação plausível para o facto de ter havido uma forte correlação entre a dimensão das unidades e a passagem à segunda fase foi o facto de ser possível esconder mais facilmente as fraquezas no caso de centros com maior dimensão do que no caso dos mais pequenos.
Ou seja, há mais para mostrar nos centros maiores, e a forma como os formulários de candidatura foram organizados favoreciam isso, mas a proporção entre os elementos bons e menos bons não tem de ser melhor.
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