quarta-feira, 13 de agosto de 2025

ENTREVISTA QUE DEI AO COLÈGIO VALSASSINA (CV)

  CV (Colégio Valsassina, Simão Pignatelli): Quando se apercebeu da sua paixão pelas Ciências?

CF- Quando estava mais ou menos no 5.º ano do liceu (hoje 9.º ano do ensino básico), quando escolhi a área de ciências para a continuação de estudos. Nessa altura fui motivado não apenas pelas aulas de ciências, em particular de Física, mas também pelas leituras que fiz de livros de divulgação da ciência. Foi nesse tipo de livros que encontrei a aventura da ciência, a evolução do conhecimento humano sobre o cosmos. É talvez por isso que, muito mais tarde, também passei a escrever esse tipo de livros..

CV- Licenciou-se em Física na Universidade de Coimbra e doutorou-se em Física Teórica pela Universidade de Goethe, em Frankfurt, na Alemanha. O que o motivou a seguir esta área? Quais eram as suas perspetivas para o futuro?

CF- A Física é a mais geral das ciências naturais: seduziu-me a sua universalidade uma vez que tanto se aplica a objectos na Terra como no vasto céu. Sempre me interessou mais a teoria do quer a experiência. Nunca pensei em utilidades nem em empregos. O emprego como professor e investigador veio a acontecer naturalmente. Aos jovens de hoje só posso recomendar que, tal como eu, vão atrás dos seus sonhos.

CV- Qual o projeto em que participou que destaca ou que considera mais desafiante?

CF- O artigo mais citado sobre a «cola electrónica» entre os átomos, que comecei a realizar nos EUA, foi referido mais de 20 000 vezes, um recorde em Portugal. Mas, falando de projectos científicos, foi entusiasmante a constituição do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra, e a montagem dos primeiros supercomputadores portugueses. E também tenho tido vários projectos científicos, pedagógicos e culturais. O mais recente é a formação de uma biblioteca com o meu nome num parque em Coimbra, onde ficarão os meus livros.

CV- Para comemorar o centenário da Mecânica Quântica, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou oficialmente que 2025 fosse o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas. A Física Clássica é diferente da Física Quântica? Como define a Física Quântica para quem não está dentro do assunto?

CF- Sim, a física clássica aplica-se no mundo de todos os dias, é-nos familiar. A física quântica aplica-se no mundo microscópico, parecendo-nos bastante estranha. Mas a física clássica é um certo limite da física quântica. A física quântica descreve sistemas como os átomos em que os electrões dão saltos de energia, ao  absorver ou emitir luz. A luz de um certo comprimento de onda só é absorvida ou emitida em certas quantidades, ou «quanta» ou «pacotes».

CV- Quais as aplicações no nosso dia a dia do conhecimento acumulado pela Física Quântica?

CF- Os mais conhecidos que estão por todo o lado são os transístores e os lasers. Não poderíamos ter os computadores nem as comunicações modernas sem os saltos quânticos. Seria impossível a nossa vida actual se não explorássemos efeitos quânticos. E para o futuro está prometida a exploração de novos efeitos.

CV- Quais as principais aplicações para a sociedade e humanidade da Física Quântica?

CF- Para além das aplicações já referidas, gostaria de referir as lâmpadas LED e os dispositivos médicos como os raios X e a ressonância magnética. Mas o maior ganho que obtivemos com a física quântica foi a compreensão da estrutura e funcionamento do mundo.

CV- Como olha para o futuro daqui a 50 anos?

CF- Com optimismo nas possibilidades da ciência. Hoje estamos a experimentar no laboratório novas tecnologias como a computação quântica e a criptografia quântica, que prometem mudar a sociedade ainda mais.

CV- O tema do plano anual de atividades do Colégio para este ano letivo é “Despertar o Espanto”. Entendemos que a aprendizagem requer curiosidade, motivação e também surpresa e espanto. Como podemos ter o Espanto como ponto de partida para o processo de aprendizagem, provocando a admiração pelo mundo, e surpresa pelas descobertas?

CF- Einstein é um bom exemplo: ele ficou espantado com a teoria quântica, apesar de ter sido um dos seus autores. Como nela entravam probabilidades, reagiu dizendo que «Deus não joga aos dados». Parece que Einstein não tinha razão: os físicos invalidaram algumas das suas hipóteses contrárias  às probabilidades. O Universo é, de facto, um sítio espantoso, permitindo sempre sucessivas descobertas. Não pára de nos surpreender. Devemos estar permanentemente abertos a surpresas.

CV- Qual pensa que deve ser o papel da Escola e dos professores na promoção do pensamento crítico e científico?

CF- A Escola é essencial:  é uma das maiores  «invenções humanas». Permite transmitir às novas gerações os conhecimentos das antigas.

CV- Sabemos da sua paixão pela literatura, pelos livros. Se tivesse de escolher 2 livros que considera de referência, quais escolheria?

CF- Escolho na divulgação de ciência o «Cosmos», de Carl Sagan, sobre o Universo em geral, e «O Código Cósmico», de Heinz Pagels,  sobre a física quântica. Os dois estão publicados pela Gradiva, na colecção «Ciência Aberta», que dirijo.

CV- Tem vários livros publicados sobre Ciência e divulgação da Ciência. Como seleciona os temas dos livros? Como descreve o seu processo de escrita?

CF- Escrevo sobre os assuntos que conheço, portanto principalmente sobre temas de Física. Mas os métodos da Física são os da ciência em geral, pelo que tenho escrito sobre outros temas. Muitas vezes aproveito palestras que dei, que depois desenvolvo. Foi o caso do meu best-seller «Física Divertida», que agora saiu incluído em «Toda a Física Divertida».

CV- Considera que escrever para o público em geral é mais difícil ou mais gratificante do que fazer investigação?

CF- As duas actividades têm o seu encanto e podem coexistir. Coexistem em mim. É relevante que os cientistas levem a ciência ao público em geral: eles são afinal os portadores da curiosidade que é de todos.

CV- Vários dos seus livros são sobre a pseudociência ou a falsa ciência. Considera que a ciência está a perder espaço para as pseudociências e para as teorias da conspiração?

CF- A ciência goza de muito prestígio. As pseudociências procuram imitá-la, ou melhor «macaqueá-la», aproveitando-se desse prestígio. O facto de haver comunicações globais, proporcionadas pela ciência, permitiu a proliferação das pseudociências. Não tendo a ilusão de as conseguir  banir,  a ciência deve continuar a procurar o apoio da sociedade. Na divulgação da ciência é preciso marcar bem a distinção entre o original e uma cópia defeituosa.

CV- Qual deve ser o papel da comunicação científica na luta contra a desinformação?

CF- A ciência usa no seu método um conceito que é mais vasto do que a ciência: a racionalidade. A desinformação está ligada à irracionalidade, mas por vezes há uma certa racionalidade na desinformação: não falta quem procure dinheiro ou fama à custa da verdade. Admito que também haja alguma desinformação feita de boa fé. Não é nada fácil combater a desinformação mas não podemos desistir.

CV- Como vê o impacto das redes sociais na divulgação e na perceção da Ciência?

CF- Podem e devem ser usadas, isto é, mais usadas. Todos os meios de comunicação são úteis. Hoje a Internet alcança mais do que a televisão, que no passado foi o maior meio de comunicação de massas. Encontramos lá, no meio de muito lixo, muito bons materiais de divulgação da ciência.

CV. Como podemos aproximar a Ciência dos cidadãos e torná-la mais participativa?

CF- Pela minha parte faço o que posso. Vou a muitos lados, por exemplo a escolas como o Colégio Valsassina. Escrevo livros. Estou na imprensa, na rádio e na televisão. Faço podcasts. Estou nas redes sociais. Mas é claro que se pode sempre fazer mais e melhor.

CV- Portugal assinalou, em 2024, 50 anos de Liberdade e Democracia. O que significa para si a Liberdade?

A ciência precisa de liberdade como de pão para a boca. Em geral, nos regimes autoritários a ciência dá-se mal, porque ela exige livre circulação de pessoas, ideias e materiais. A ciência pode ser cultivada em regimes autoritários, mas o mais certo é surgirem problemas e contradições.

CV- Qual o papel da cultura científica e tecnológica na democracia portuguesa?

CF- Foi entrando na democracia portuguesa à medida que a ciência aumentava. Mas o governo está a fazer muito pouco nessa área. É preciso estar mais ligado e sociedade e inovar para conseguir mais confiança social! Os cidadãos portugueses ainda não têm suficiente consciência da ciência. Hoje em dia o conhecimento científico é a maior fonte de riqueza e os portugueses, mais ou menos novos, deveriam
 perceber que não poderão ser mais ricos se não investirmos mais na ciência e tecnologia. Nesse processo, deveríamos dar mais oportunidades aos jovens, pois é neles que há mais criatividade.

CV- Que mensagem deixa aos nossos alunos e às nossas alunas, que nasceram e viveram sempre em liberdade e em democracia?

CF- Que usem a liberdade e a democracia para expandirem os seus horizontes. Hoje em dia, no mundo global, é fácil saber mais, na escola e fora da escola. Nunca desperdicem uma oportunidade de saber mais!

CV- Muito obrigado pelo seu tempo e dedicação,

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