sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

NÃO É PÉSSIMISMO, É SENTIDO DA REALIDADE

Ainda não recomposta da demonstração que hoje me fizeram do uso da dita inteligência artificial por estudantes universitários - que obviamente vai mirrando a sua inteligência humana -, li a entrevista realizada por Ana Catarina André a José Gil, publicada hoje na Rádio Renascença (ver aqui). À pergunta "Já disse, por diversas vezes, que o século XXI perdeu a alma. Partilha de uma perspetiva pessimista da evolução da humanidade?", o filósofo recusa essa perspectiva mas o não é possível negar o seu sentido da realidade. 

"O que se anuncia é absolutamente terrível e pode ser terrível, porque, como mostram o Varoufakis e a Naomi Klein, o que se prepara é uma transformação da subjetividade como nunca se operou na História. A maneira como a inteligência artificial e os dispositivos de inteligência artificial vão entrar na nossa vida íntima, como não só condicionam os nossos desejos e fabricam os nossos desejos, vai fazer como se fôssemos nós próprios a fabricar os mais íntimos dos nossos desejos e a realizá-los através das grandes tecnológicas da inteligência artificial que vão distribuir e fornecer os bens que desejamos.

Isso vai transformar a educação, a justiça, a sociedade civil enquanto comunidade. Está a transformar em indivíduos separados (...) dando informações cada vez mais a um sistema de inteligência artificial e robótica que, ao mesmo tempo, vai possivelmente mandar completamente na economia, na subjetividade humana, aquilo que os cientistas apontam e nomeiam como singularidade.

O momento em que as máquinas vão ter a hegemonia total ou quase total sobre os homens, as mentes, o inconsciente humano, vai ser e já está a ser fabricado (...)

O comum está desaparecendo. Reenvio-a para o Varoufakis. O seu livro, mundialmente célebre, discutível, controverso, que se chama o "Tecnofeudalismo", mostra como de cada vez que há uma etapa de sofisticação e complexificação da máquina capitalista (ele chama-lhe fim do capitalismo), e a ascensão da inteligência artificial, há um saque do bem comum.

Por exemplo, a Internet, que foi apropriada pelas tecnológicas (...) era primeiro um bem comum, mas foi porque foi apropriada, que se reformou então esta engrenagem da exploração pela inteligência artificial. A exploração tem uma História, aquilo que Marx chamava de exploração do homem pelo homem (...) chegou a uma espécie de cume especial, próprio, específico, em que é o próprio homem a explorar-se a si próprio – extraordinário – através das máquinas.

Não gosto de entrar em discussões sobre pessimismo. Estar a discutir o pessimismo é desprender-se do presente e o que interessa é o nosso presente. Simplesmente o que se vê no futuro é simplesmente um desenvolvimento que diremos imparável do poder da inteligência artificial sobre toda a vida social e individual. Está em jogo a democracia e que forças há? Não são as forças do proletariado antigo, não são as forças dos partidos democráticos que vão poder reformular a democracia (...) o bem comum básico nós temos de o delimitar e definir. Sobre todas as falhas e fracassos dos valores, o que é que fica como resíduo básico, sem o qual o homem não pode existir?"

Sem comentários:

NÃO É PÉSSIMISMO, É SENTIDO DA REALIDADE

Ainda não recomposta da demonstração que hoje me fizeram do uso da dita inteligência artificial por estudantes universitários - que obviamen...