sexta-feira, 22 de setembro de 2023

O MANIFESTO SUCESSO DA "ESCRITA" RELÂMPAGO

Na sequência de outros textos antes publicado no De Rerum Natura: aqui, aquiaqui, aqui, aqui, aqui ...
Notícia do semanário Expresso de 8 de Setembro

Uma pessoa comum que tome conhecimento de certas transformações, diria distópicas, que estão a acontecer no mundo não pode deixar de ficar pasmada. E deste estado não passa!

Os "planificadores" do mundo são bem capazes de ter razão. Depois de ter lido o artigo do Expresso acima identificado, sinto-me tentada a usar os seus repetidos argumentos: a rapidez da transformação é meteórica e o seu carácter altamente "disruptivo", pelo que é preciso enquadrá-la em novos "cenários", deslocalizados, tecnológicos, potenciadores... 

Estes argumentos implicam uma capacidade de compreensão que, confesso, não tenho. Mas faço um esforço e volto ao mencionado artigo que me relembra a prodigiosa máquina, tecnologia, plataforma... de inteligência artificial que, entre outros malabarismos, escreve tudo o que se lhe pede em minutos, segundos, micro-segundos, incluindo livros. 

Lá explica-se, a partir do noticiado no Guardian, que uma empresa de dimensão global dedicada à venda e distribuição tomou a decisão de limitar a publicação "a três títulos por dia para cada autor". Cortei e colei para não me enganar, mas repito por outras palavras: alguém que queira passar por escritor sem nada escrever, só pode publicar três livros por dia nesta empresa.

Pergunto: que interesse tem para alguém
1) apresentar-se como escritor quando nada escreveu a não ser as instruções a dar à máquina?
2) publicar um  livro que não tenha saído das entranhas, mesmo débeis, de outro alguém?
3) ler um livro produzido por algoritmos e, portanto, desalmado? 

Vê-se aqui o apelo e, de algum modo, a legitimação do lucro fácil e imediato, a ignorância, o descaramento, a desonestidade e muitas outras coisas feias, que, sem dúvida, funcionam em termos de negócio mediático e que conduzem ao "sucesso" da mesma estirpe. Vê-se aqui algo de tão radicalmente desorientador que os nossos quadros mentais não são capazes de desencadear um raciocínio escorreito. Pelo menos os meus não são!

1 comentário:

Eugénio Lisboa disse...

Mesmo um Simenon, que escrevia um saboroso policial com o comissário Maigret dentro, numa semana de árduo trabalho, não passa agora de um obsoleto dinossauro, comparado com estes novos autores que não estão autorizados a produzir mais do que três livros por dia.
Balzac andou a intrujar-nos, convencendo-nos de que possuía uma fábrica de romances de prodigiosa produtividade: afinal, não passava de um calaceiro, que passava o tempo a beber chávenas de café, em vez de escrever. Alexandre Dumas, mesmo usando nègres, que, por sua vez, usavam outros nègres, deixou uma produção anedoticamente pequena, comparada com a bibliografia destes novos argonautas, mesmo confinados à miséria de três títulos por dia.
Mas há um pequeno problema que me aflige: com qualquer cidadão, mesmo pouco alfabetizado, a produzir três livros por dia, o número de livros no mercado será assustadoramente superior ao número de leitores. Nenhum editor se aguentará, a não ser com um vigoroso apoio do ESTADO! Não vejo os privados a meterem-se neste negócio!
Eugénio Lisboa

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