domingo, 24 de setembro de 2023

O HOMEM QUE FEZ PARAR O SOL

 

Meu artigo no último "As Artes entre as Letras"

Um grande congresso mundial, repartido em três momentos em três cidades polacas, serviu para celebrar os 550 anos do nascimento de Nicolau Copérnico (1473-1453), o astrónomo, matemático, médico, humanista, jurista, gestor e economista polaco que sustentou, no seu famoso livro Da Revolução dos Orbes Celestes, saído no ano da sua morte que o céu estava imóvel no centro do mundo e não a Terra, como se julgava.

Estive no congresso final, realizado há dias em Torun, a sua cidade natal, um burgo cujo centro histórico é hoje Património Mundial da UNESCO. Os encontros anteriores tinham-se realizado em Cracóvia, sítio da universidade polaca onde Copérnico estudou, e em Olsztyn, uma das cidades da diocese de Warmia, onde Copérnico viveu (morreu em Frombork, na costa da mesma região). A reunião de Torun, realizada na Universidade Copérnico, centrou-se na história da ciência e da cultura no tempo do cientista. Um dos temas tratados foi a recepção das ideias copernicanas: em Espanha e Portugal foi muito tardia, não por estarem longe da Polónia, mas por o livro ter sido colocado no Index da Igreja Católica, criado pelo Concílio de Trento.

Os pais de Copérnico foram ricos mercadores de Torun, a cidade medieval à beira do rio Vístula entre Varsóvia e Gdansk.  Situada na Prússia Real, integrava o reino da Polónia, que esteve muito tempo em guerra com os Cavaleiros Teutónicos, os cruzados que se fixaram no Nordeste Europeu. Quando Copérnico nasceu já tinha sido assinado um acordo de paz após a Guerra dos Treze Anos. A Casa de Copérnico fica no centro histórico. O museu aí instalado mostra como era a vida em Torun no final do século XV e início do século XVI. Os habitantes falavam tanto alemão como polaco, uma língua então emergente, ainda sem obras literárias. Hoje discute-se se Copérnico falava polaco: provavelmente sim, mas só deixou documentos em latim e em alemão. O museu tem poucos objectos originais, mas há boas réplicas. Na cave uma exposição multimédia evoca contemporâneos lusos de Copérnico: Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães

Copérnico foi o mais novo de quatro irmãos. Três deles seguiram uma carreira eclesiástica: ele e um irmão tomaram ordens menores e foram membros do cabido da catedral de Warmia, em Frombork, e uma irmã foi prioresa num convento próximo (a outra irmã casou com um homem de negócios). Copérnico nunca casou nem teve filhos, embora tenha sido criticado por ter vivido com uma senhora. Foram todos católicos: a Reforma de Lutero só surgiu em 1517 e, enquanto os Cavaleiros Teutónicos aderiram ao protestantismo, os torunenses permaneceram fiéis ao papa. A explicação para a entrada no cabido dos dois irmãos foi o facto de um tio ter sido bispo de Warmia, cargo que exerceu muitos anos. Copérnico nunca foi padre, mas viveu longos anos com uma renda eclesial, administrando propriedades tuteladas pela catedral.

Entre 1491 e 1495 estudou Artes em Cracóvia, o que incluiu uma box preparação em Astronomia e Matemática. Entre 1496 e 1501 estudou Direito Canónico na Universidade de Bolonha, a mais antiga do mundo, e entre 1501 e 1503 estudou medicina na Universidade de Pádua. Em 1503 doutorou.se em Direito Canónico na Universidade de Ferrara. Regressou a Warmia com 30 anos, depois de mais de uma década de estudos superiores, a maior dos quais em Itália. Passou o resto da sua vida no nordeste polaco, servindo a Igreja. Foi secretário e médico do tio. E participou nas disputas de poder entre o reino da Polónia e os Cavaleiros Teutónicos.

A sua teoria heliocêntrica – onde revelava um “céu mais perfeito” do que o de Ptolomeu, com a Terra no centro – foi pela primeira vez conhecida em 1514 quando começaram a circular cópias de um manuscrito com o nome abreviado de Pequeno Comentário. Adiou a publicação das suas ideias, talvez por receio de críticas, mas o conteúdo principal da sua obra maior estava já pronto nos anos de 1530. Em 1539 recebeu em Frombork um matemático alemão Georg Joachim Rheticus (luterano e não católico, o que mostra que a diferenças religiosas não impediam o trabalho conjunto). Foi esse seu discípulo que o convenceu a publicar a teoria heliocêntrica, tendo levado o manuscrito a um prestigiado impressor em Nuremberga. A finalização da impressão foi supervisionada por um amigo luterano de Rheticus, o teólogo Andreas Osiander, para grande desagrado dele, pois acrescentou um prefácio anónimo em que defendia tratar-se apenas de uma descrição matemática e não da realidade. As órbitas centradas no Sol explicavam melhor as tabelas astronómicas, mas o modelo não deveria ser levado a sério. Mas o novo modelo eliminava os complicados epiciclos de Ptolomeu. O rei de Castela Afonso X tinha afirmado no século XII: “Se Deus me tivesse perguntado, teria recomendado um sistema mais simples.” Conta a lenda que Copérnico ainda viu o seu livro antes de expirar… Não podia então  imaginar o enorme impacto que o livro ia ter, com a oposição tanto de luteranos como de católicos. Noventa anos após a sua publicação, Galileu, advogado do heliocentrismo, seria condenado pela Inquisição romana, criada pelo papa Paulo III a quem o livro era dedicado. Hoje existem pouco mais de 200 cópias da edição original, uma das quais na Biblioteca Municipal do Porto (a única cópia em Portugal), e algumas foram vendidas por quantias absurdas.

As homenagens a Copérnico são inúmeras. Em Torun existe uma estátua, tal como em Varsóvia. O aeroporto internacional de Wroclaw chama-se Copérnico (o de Varsóvia chama-se Chopin). O Centro de Ciência de Varsóvia também. O elemento químico 112 é o copernício. Um exoplaneta tem o seu nome. Assim como uma sonda de raios X da NASA e o sistema de observação da Terra da ESA, a Agência Espacial Europeia.

Já neste século, foram procurados os restos mortais de Copérnico na catedral de Frombork. Por exame de ADN foram identificados os seus ossos, associando-os a um cabelo guardado num livro. Um perito forense fez um retrato de Copérnico, aos 70 anos, que pode ser comparado com a representação mais conhecida dele, em jovem.

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