sábado, 9 de setembro de 2023

A EDUCAÇÃO QUE LIMITA É A QUE LIBERTA


Os autores do artigo acima indicado dizem, na síntese:
Contaram-nos que numa aula do curso de Educação Social da nossa universidade, a professora elaborou no quadro um campo semântico da educação e pediu aos alunos para riscarem os termos que entendiam não a definir. O termo mais riscado foi regras. Outra professora, que dedicou o semestre a explicar as contribuições dos grandes pedagogos, contou-nos que a actividade final do curso de Pedagogia, que consistia na apresentação dos trabalhos elaborados pelos estudantes, tinha por tema “Educação sem limites”, o que foi anunciado num grande cartaz. Algo está a acontecer na pedagogia e na sociedade para que isto se passe numa Faculdade de Educação."
Os dois relatos, recentes, vêm de Espanha, mas podiam vir de Portugal ou de outro país alinhado pelas orientações supranacionais inscritas da "Educação do Século XXI". A ideia destacada não é expressão exclusiva de estudantes inexperientes de educação e de pedagogia: encontra-se em professores, em directores, em pais, em políticos, em académicos e, de um modo geral, na sociedade.

Eu diria que não são relatos surpreendentes, pois há mais de um século que as correntes libertárias do Movimento da Educação Nova (com um longuíssimo historial) declaram que o aluno É autónomo, É livre. 

"É" significa que no início (e ao longo) de qualquer processo pedagógico, o aluno é capaz de se auto-orientar, dispensando o professor. Na linguagem mais actual diz-se que o aluno tem capacidade de agency e de co-agency.

Muito diferente será dizer que todo o processo pedagógico deve ter em vista uma certa autonomia; que no final o aluno deve ser autónomo para... Como explicou Lev Vigotsky, a criança fará amanhã sozinha aquilo que hoje faz com sustentação/suporte/apoio (ensino) do professor. O aluno NÃO É, portanto, autónomo à partida; espera-se que, por via da educação SE TORNE autónomo. 

Para tal, acrescenta o psicólogo russo, os professores têm de promover o desenvolvimento das  funções psíquicas superiores dos seus alunos. Os autores do artigo em destaque acrescentam outra condição: a disciplina, assente na autoridade, que permite aos professores apresentar regras e limites.

São estas duas condições que, constrangendo, favorecem a autonomia e, em última instância, a liberdade. Não de trata de uma contradição mas de uma evolução, individual e social, fundamental.

Vendo que "no presente, é mais comum encontrar-se o conceito de educação associado a emancipação, autonomia ou liberdade, do que a regras, disciplina, autoridade, submissão ou limite", Reyero e Gil Cantero procuram
mostrar que a práticas a que estas últimas palavras estão associadas e até as práticas de limitação física são essenciais na escola porque estruturam a condição humana. A tese principal é que elas não ordenam ou regulam apenas a acção humana; estão na base da racionalidade dessa acção. Permitem criticar a herança recebida e, assim, chegar à emancipação, à autonomia, à liberdade.

Maria Helena Damião 

3 comentários:

Anónimo disse...

Sem regras e autoridade do professor não há sistema de ensino que resista. Conforme é referido no texto a autonomia do aluno vai-se construindo ao longo dos anos de aprendizagem . Se no início sabe pouco, as suas possibilidades de executar determinadas tarefas ainda são muito limitadas; com o desenvolver do processo de ensino/ aprendizagem, o aluno vai ganhando autonomia e em determinada fase pode até tocar piano e falar francês já não precisando da ajuda dos professores. Agora, quando os alunos sabem à partida, como acontece no profissional, e também cada vez mais no ensino regular, que se não faltarem mais do que 10 % das horas previstas têm o diploma garantido, quem os impede que pintem a manta nas aulas e não aprendam a ponta de um corno?! Isto não é autonomia, é indisciplina e violência!

Helena Damião disse...

Caro Anónimo, não trazendo o artigo em causa ideias novas, ele vale por recordar o que é há muito sabido. Pode, assim, contribuir para mudar (sim, a educação precisa de mudanças) a situação que refere, amplamente conhecida de todos. Situação que é, antes de mais, contraproducente para os alunos, que estão nos sistemas de ensino para serem educados. Cumprimentos, MHDamião

Eugénio Lisboa disse...

Este muito oportuno texto traz-me à memória, algo que André Gide disse a propósito da pintura de Poussin: "A arte vive de contenção e morre de liberdade". Pareceu-me apropriado lembrá-lo, a propósito deste texto da Professora Damião.

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