Artigo do psiquiatra Nuno Pereira:
A emoção – que significa literalmente movimento para o exterior – predispõe
para a ação. Tem funções de sobrevivência, como defesa contra o perigo e
procura de alimento e sexo. Como respostas adaptativas a estímulos aversivos
distinguem-se o medo, a ansiedade e o stress.
O medo constitui uma reação emocional de defesa ativa (fuga/luta/imobilidade)
perante um perigo presente. É uma emoção básica, universal, de saída duma
situação de ameaça certa. Funciona um sistema ativador da ação. Trata-se da
resolução do problema. A ansiedade consiste numa reação emocional de defesa
passiva (hesitação) perante um perigo potencial. Envolve um misto de emoções (expetativa/medo)
– em que o medo desempenha o papel mais importante – de entrada numa situação
de ameaça incerta. Há um conflito apetitivo/aversivo, de
aproximação/afastamento. Funciona um sistema inibidor da ação. Trata-se da
tentativa de resolução do problema. O stress ou tensão consta duma reação de
adaptação geral a uma mudança (negativa ou positiva) do meio (interno ou
externo). Os fatores de stress podem ser biogénicos (frio, calor, barulho) – com
reações inatas e independentes da avaliação - ou psicossociais (acontecimentos
agudos ou dificuldades crónicas) – com reações dependentes da avaliação. O
stress pode gerar emoções negativas (como a ansiedade) se a avaliação for negativa.
O medo apresenta duas faces: uma, objetiva, a resposta a um estímulo; a
outra, subjetiva, o sentimento. Frente a uma situação ameaçadora (o estímulo), desenvolve-se um programa
de quatro passos: avaliação (o sensor),
preparação (o alarme), ação (o reator) e sentimento (a experiência do
consequente estado modificado do corpo). O pânico não é mais do que a reação a
um perigo iminente.
As situações indutoras de medo, ansiedade ou stress (os estímulos) podem ser externas (de
natureza física ou psicossocial) ou internas (sensações corporais, pensamentos,
imagens). Dum modo geral, são insuficientes por si sós para perturbarem o indivíduo.
Assumem pois importância relativa, já que dependem do significado que lhes é
atribuído. Assim, a mesma situação-estímulo pode gerar reações diversas em
pessoas diferentes.
A avaliação cognitiva (o sensor)
foca-se não só no significado da ocorrência (p.ex., a perceção do perigo) como
nos recursos pessoais (a perceção do controlo) e sociais (o apoio dos outros).
Pode ser rápida/automática (via direta) e lenta (via indireta). A avaliação
cognitiva é um processo dinâmico, retroativo, com desenvolvimento de
hipervigilância (atenção muito focada nas fontes externas ou internas da
ameaça).
Na preparação fisiológica (o
alarme), face a um estímulo aversivo dá-se a ativação para preparar o indivíduo para fugir ou lutar.
Dilatam-se as pupilas (para ver melhor), aceleram-se os batimentos cardíacos
(para bombear mais sangue), sobe a tensão arterial (para melhorar a irrigação sanguínea),
aumenta o ritmo da respiração (para oxigenar mais o sangue), eleva-se a glicose
no sangue (para maior fornecimento de energia), aumenta a agregação plaquetar
(para facilitar a coagulação sanguínea), flui a transpiração (para resfriar o
corpo), retesam-se os músculos com tremor (para preparar para a ação), há
palidez e extremidades frias (por necessidade do sangue periférico para o
interior do corpo e os músculos). Em caso de medo intenso, pode haver também vómitos
e perda de fezes e/ou urina (esvaziamento do tubo digestivo e da bexiga que
evita a rotura destes órgãos, em caso de choque) e mesmo desmaio (o que, ao
passar por morto, permite escapar ao predador na natureza). Na tentativa de
recuperar o equilíbrio perdido, isto é, restabelecer a homeostase, elevam-se os
níveis de glicose no sangue e o seu aporte ao cérebro, fígado e coração,
inibe-se o sistema imunitário e diminuem os processos de tumefação e
inflamação.
A ação (o reator) tem como objetivo
o afastamento da ameaça e consequente alívio da ativação fisiológica, através
de comportamentos defensivos de emergência (e hipoalgesia). De facto, face a
uma ameaça, o indivíduo defende-se, imobilizando-se, fugindo ou lutando (e
sentindo menos dor). Exibe também comportamentos comunicativos (expressão
facial, gestual e não verbal), em que informa os outros mediante expressão de
medo (ou ira), gesticulação e gritos. Pode em alternativa realizar movimentos
repetitivos, consumir substâncias, isolar-se, passear, praticar exercício
físico.
O sentimento compreende a experiência subjetiva da reação emocional. O
indivíduo, ante um estímulo ameaçador, recebe a informação sensorial e
desencadeia uma resposta corporal. As informações do corpo (viscerais e
comportamentais) vão então ser representadas em mapas cerebrais, de que o
indivíduo toma consciência, formando a base do sentimento do medo.
O medo fixa-se automaticamente com a fuga,
o evitamento ou mesmo a tentativa de controlo duma situação de perigo real ou
imaginário. A própria distração (como evitamento da coisa temida) acaba também
por alimentar o medo, embora alivie transitoriamente, pelo que o provérbio «quem
canta seu mal espanta» vale apenas de mero expediente. Ao invés, o medo
extingue-se progressivamente com a exposição intencional - sem fuga, evitamento
ou tentativa de controlo - de modo prolongado e reiterado, a uma situação
ameaçadora, o que pode fazer baixar a guarda e significar um risco se o perigo
for real. Por outro lado, a distorção cognitiva por processamento defeituoso da
informação pode provocar quer medo excessivo, quer falsa segurança, conforme a
avaliação exagera ou minimiza o perigo.
Em conclusão, o medo, a ansiedade ou o
stress normais são necessários para proteger do perigo, graças ao estado de
alerta que permite a busca de soluções adequadas para o problema, tanto melhor
quanto mais a avaliação do risco assentar numa informação esclarecida e, num
nível mais exigente, com evidência científica.
Nuno
Pereira (psiquiatra)
Sem comentários:
Enviar um comentário