Meu artigo de opinião saído no "Público" de ontem:
“A
ambição dos homens é colher aquilo que nunca plantaram”.
Adam
Smith
Recuso-me em comungar do desalento do poeta de “Orpheu”:
“Já não me importo / Até com o que amo ou
creio amar. / Sou um navio que chegou a um porto / E cujo movimente é ali
estar”.
Em consequência, obrigo-me, uma vez mais, em dar conta
da teimosia ou se quiserem, num adoçar de pílula, da persistência de Rui
Antunes, presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, de parceria com os
seus congéneres de Lisboa e Porto, em ameaçar
(ameaça que veio a ser cumprida), de “não assinar o contrato que o Governo está a
propor às instituições de ensino superior, demonstrando oposição às ideias do
ministro do Ensino Superior desde o início da negociação e decidiram não comparecer à cerimónia marcada para
amanhã” (PÚBLICO, 15/07/2016).
E como não podia deixar de ser , ainda no teor
dessa mesma notícia, “o descontentamento
entre os maiores politécnicos [Lisboa, Porto e Coimbra] prende-se também com a
manutenção da impossibilidade de atribuírem doutoramentos”. Anteriormente, foi
mais longe Rui Antunes, ao propor a criação de uma Universidade Técnica de
Coimbra (“Diário de Coimbra”, 10/11/205) ou, em alternância, de uma Universidade
de Ciências Aplicadas (“Diário as Beiras”, 05/08/2013), em substituição do nome
original de Instituto Politécnico de
Coimbra. Em defesa deste seu propósito, a opinião pessoal de que a universidade
e o politécnico fazem o mesmo, como se fazer a
mesma coisa fosse a universidade preparar professores para ministrar, apenas, uma disciplina do 2.º ciclo do ensino básico, enquanto o politécnico diploma professores para ministrarem,
simultaneamente, duas disciplinas desse
mesmo ciclo. E isto para já não falar no facto de a nota de acesso aos politécnicos ser menor e maior a classificação
de saída com evidente vantagem para os
detentores dos respectivos diplomas em concursos docentes. Ou seja, assiste-se aqui, a uma injustiça na
selva em que se transformou a formação desses docentes que enclausura em grades de iniquidade os
professores melhor preparados abrindo a jaula de saída aos menos habilitados
para que, em feliz imagem camiliana, “as
feras façam das garras o seu argumento”!
Consequentemente, não posso deixar de estabelecer
analogia entre esta situação e a maneira de pensar de uma personagem de Eça de
Queiroz, por si retratada em uma das suas sarcásticas e saborosas críticas sociais:
“Caso surpreendente! E sobretudo surpreendente
para mim porque descubro que a Academia tem sobre os livros a mesma opinião do
meu velho criado Vitorino. Este benemérito, quando em Coimbra lhe mandava-mos
buscar a um cacifo, apelidado de ‘Biblioteca de Alexandria’, um livro de
versos, trazia sempre um dicionário, um Ortolan ou um tomo das Ordenações,
e se, por maravilha, nos apetecia
justamente um destes tomos de instrução era certo aparecer Vitorino com
Lamartine ou a ‘Dama das Camélias’. Os nossos clamores de indignação
deixavam-no superiormente sereno. Dava um puxão do colete de riscadinho, e
murmurava com dignidade: ‘Isto ou aquilo tudo são coisas de letra redonda’”.
Detenho-me,
agora, sobre o reflexo do nome dos cidadãos e, em alguns casos, seus paradoxos:
Uma Sofia ignorante? É uma questão da antonímia!
Ana é um doce nome de mulher solteira. Perde a
musicalidade com o casamento: Dona Ana.
É uma questão de estado civil!
Uma Anabela (feia) não se livra do comentário:
Anabela? Hum! Anafeia. É uma questão de genética!
Minha falecida
mãe contava, com muita verve, o caso de uma amiga, de sua graça
Felisbela, que, de quando em vez, pondo os olhos em alvo, sussurrava, em longo
e conformado suspiro: “Bela não digo que não, agora feliz?”. Em boa verdade,
era muito infeliz, tanto como uma nubente a quem o noivo foge, com a sua melhor
amiga, no dia do casamento. Mas essa não a sua desdita maior: era bem mais feia
do que infeliz. Feia como uma noite de trovões. Apesar de tudo, tivera sorte,
ninguém se chama Infelisfeia. È uma questão de bom senso!
Há também aquela história de um pai que à pergunta
do funcionário do Registo Civil sobre o nome a dar à filha, respondeu: “Prante-lhe Ana”. E ela
ficou Prantelhana. É uma questão de
regionalismo léxico!
Todavia, nomes há bem mais embaraçosos. Recordo uma polémica de Camilo, temível fundibulário,
que, segundo Jacinto Prado Coelho, tinha “o
demónio da polémica violenta na massa do sangue” que em polémica com o poeta
brasileiro Tomás Filho, não se coíbe da chacota: “Depois disto, Tomás Filho deputa e delega na bengala de Artur
(Barreiros) a sua desforra” (“Crónicas das Nossas Letras”, A.M.Pires
Cabral). É uma questão de filiação!
Quiçá pela ausência do necessário esprit de corps, em busca de falso
prestígio, assiste-se, por vezes, ao
facto de uns tantos alunos do ensino politécnico apelidarem de faculdade as escolas ou institutos que
frequentam. Por seu turno, através da medida em transmutar o ensino politécnico em ensino
universitário, não se livram
facilmente os seus mentores da suspeita de se tratar de uma tentativa em satisfazer egos institucionais ou
meramente pessoais. E esta situação é tanto mais insólita porque, para Charles Baudelaire, “apenas é igual a outro quem o prova sê-lo”!
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