Minha crónica no Público de hoje:
Em política é muito difícil fazer boas previsões, mesmo dispondo de boa informação. Quem diria no dia do referendo britânico, quando havia sondagens à boca das urnas, que o “brexit” acabaria por ganhar? E quem consegue agora prever quando ele vai ocorrer? E quem diria, no dia das mais recentes eleições espanholas, que a coligação “Unidos Podemos” não conseguiria ultrapassar o PSOE, ficando logo atrás do PP? Fui a um dos mais populares sítios de apostas britânico para obter um prognóstico sobre a data de saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Para os apostadores não será nada rápido, se é que vai acontecer: o mais provável é que a activação do artigo 50 do Tratado de Lisboa só ocorra em 2018, ou mais tarde, ou mesmo nunca. Ninguém consegue sequer prever, com razoável precisão, quem será o próximo líder dos conservadores e, por isso, o próximo primeiro-ministro britânico após a surpreendente desistência do campeão do “leave”, o ex-mayor de Londres Boris Johnson. Nesse sítio de apostas verifiquei que a ministra do Interior do derrotado David Cameron, Theresa May, adepta do “remain”, vai bastante à frente de Michael Gove, ministro da Justiça, adepto do “brexit” e, para muitos, um traidor de Johnson (trata-se de um verdadeiro drama shakespeareano). Por outro lado, parece ser mais fácil de prever que o PP espanhol constitua um governo com o Ciudadanos e outros, tolerado pelo PSOE, mas, no país de Cervantes, também há larga margem para incerteza.
A política é um clássico domínio de imprevisibilidade, mas há outros. Mesmo aqueles profetas que ganham fama mundial falham por vezes miseravelmente. O futurólogo norte-americano Alvin Toffler, falecido há poucos dias, previu em 1970, no seu livro O Choque do Futuro (Livros do Brasil, 1972), o surgimento da sociedade do conhecimento (“os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas sim aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender”), com a Internet, o YouTube, a clonagem, etc., e mudanças sociais, como o adiamento da maternidade e o casamento homossexual, mas falhou noutras previsões como a continuação no Ocidente da prosperidade dos anos 60 ou a proliferação de viagens espaciais. O futuro é uma caixinha de surpresas. Toffler não foi aliás o único a falhar. As pessoas que vão na crista da onda também se podem enganar redondamente. Thomas Watson, fundador da IBM, disse em 1943 que “em todo o mundo haverá lugar para talvez cinco computadores." O almirante William Leahy declarou em 1945 sobre a bomba atómica: “Essa bomba não vai explodir. Falo como especialista em explosivos.” Ken Olsen, fundador da DEC, afirmou em 1977 que “não há qualquer razão para uma pessoa ter um computador em sua casa.”
Existem maneiras de minimizar os erros de previsão. O canadiano Philip Tetlock, professor de Psicologia na Universidade da Pensilvânia, em Filadélfia, publicou no ano passado o livro “Superprevisores” (a sair, em tradução portuguesa, em Novembro, aproveitando a vinda do autor a Lisboa – previsão que espero não falhe!) onde apresenta os resultados da sua prolongada investigação para averiguar os melhores métodos de fazer previsões. O seu Good Judgement Project tem ganho sucessivos torneios de previsões organizados pela Intelligence Advanced Research Projects Activity (IARPA), uma agência federal norte-americana, apesar de os participantes do projecto serem pessoas normalíssimas que se voluntariam. Depois de escolhidos em testes psicológicos e de serem sujeitos a treino, os melhores deles, mais de 250, conseguem superar as previsões dos analistas profissionais das agências de segurança, que têm acesso a informação privilegiada. Quer dizer, os supostos peritos podem ser batidos por pessoas comuns que apenas dispõem de informação comum. Qual é o segredo desse sucesso? É uma mistura de qualidades psicológicas, bom uso da estatística, o que assenta em treino para evitar os enviesamentos mais usuais (o nosso cérebro engana-nos), e a interacção entre os previsores (dois acertam mais do que um).
Numa parte do projecto aberto ao público em geral (Good Judgement Open) os interessados podem fazer previsões sobre as consequências do referendo na Grã-Bretanha ou sobre o próximo governo espanhol. Não, não está lá nada sobre sanções a Portugal pela União Europeia, um assunto assaz incerto mas desinteressante do outro lado do Atlântico, mas está a probabilidade de 72% de o próximo secretário-geral das Nações Unidas ser uma mulher. Também não está nada sobre o vencedor do Euro 2016. Mas, para esse caso, voltei ao sítio de apostas britânicos e encontrei que a França e a Alemanha estão praticamente empatados surgindo só depois Portugal e o País de Gales, por esta ordem. Toffler e Tetlock teriam dificuldades na previsão. Como dizia João Pinto, o grande guru português, prognósticos só no fim do jogo.
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