Minha crónica na última revista "As artes entre as letras":
De há muito que venho defendendo
que o “Verão”, que alguns chamam a “silly season”, não tem necessariamente de
ser um tempo morto para os miolos. Assim como não se deixa o corpo sem
alimento, também não me parece sensato deixar o espírito sem alimento ou com
mau alimento (como a chamada literatura “light”, que cobre os escaparates e as
montras das livrarias). No Verão, quando os horários são mais relaxados e o
ambiente eventualmente muda, é o tempo para pôr as leituras em dia, mesmo
leituras mais exigentes que foram por falta de tempo postergadas.
Venho propor como leituras de Verão
seis livros de divulgação científica publicados recentemente em Portugal, três
de autores portugueses e três traduções do inglês. Não são leituras pesadas,
mas também não são livros para consumir rapidamente. São livros para desfrutar
com tranquilidade, para que regressemos de férias com mentes mais abertas. A
ordem é a do apelido do autor.
- Jorge Dias de Deus, “Ciência
Cosmológica”, Gradiva, 2016
Este n.º 215 da colecção “Ciência
Aberta” da Gradiva (o último) traz como subtítulo três interrogações
fundamentais do ser humano: “De onde vimos? Onde estamos? Para onde
vamos?”. Estas são quase as mesmas
interrogações que dão título a um quadro do pintor Paul Gauguin, uma grande
obra, inspirada no Taiti, realizada em 1897 rapidamente numa situação de grande
angústia pessoal (no final Gauguin tentou suicidar-se). Tentando explicar como
a humanidade tem progredido nas respostas a estas magnas questões, o físico
Dias de Deus, autor de outros livros da colecção “Ciência Aberta”, apresenta uma história da ciência cosmológica desde a Antiguidade
(quando ela se confundia com o filosofia e a mitologia) até aos nossos dias
(quando, fundada na matemática e na observação, ganhou uma forte base empírica).
É um relato, escrito com com rigor mas
acessível, da evolução nosso conhecimento do cosmos, das histórias antigas dos
deuses até à teoria do Big Bang.
- Jordan Ellenberg, “Como não
errar”, Marcador, 2016.
O autor é um matemático
norte-americano, professor na Universidade de Wiscosin-Madison, que escreve
sobre a sua disciplina para a grande imprensa norte-americana. Ellenberg
comunica a sua paixão pela matemática de uma forma assaz cativante, num texto
onde as histórias concretas e o humor ingredientes fundamentais. O subtítulo transmite a intenção do autor: “O
poder do pensamento matemático no dia a dia”. A matemática não é uma disciplina
afastada da realidade, como alguns pensam,
mas sim uma maneira de olhar para a realidade, que nos pode ajudar no
nosso permanente confronto com ela: De posse de matemática é mais difícil
deixar-mo-nos enganar.
- Walter Lewin (com Warren
Goldstein), “A Paixão da Física”, Gradiva, 2016.
O autor principal é um físico
norte-americano, professor jubilado do famoso MIT de Boston, que, para além de
uma carreira no estudo dos raios X que nos chegam do espaço exterior, ficou
mundialmente conhecido pelas suas aulas divertidas, que ganharam uma audiência
mundial graças ao Youtube. Como mostra a capa e o leitor poderá verificar
facilmente na Internet, para exemplificar as leis do pêndulo, o Prof. Lewin faz
ele próprio de badalo do pêndulo, pendurando-se num grande cabo e balançando-de
diante dos seus alunos. O livro conta a história da sua vida (é comovente a sua
fuga aos nazis na nativa Holanda) e conduz o leitor por uma “viagem pelos
prodígios da física”, que vão do arco-íris cujas cores nos encantam aos buracos
negros que perturbam a nossa mente.
- Leonard Mlodinow, “De Primatas
a Astronautas”, Marcador, 2016.
Se o livro de Lewin é recomendado
por Bill Gates, este é recomendado por Stephen Hawking, que foi parceiro do
autor, na autoria de dois outros livros publicados pela Gradiva na “Ciência
Aberta”: “O Grande Desígnio” e “Brevíssima História do Tempo”. Mlodinow, físico
e escritor norte-americano descendente como Lewin de judeus perseguidos pelo
nazismo, é ainda autor de obras traduzidas em português como “Subliminar”
(Marcador, sobre processos mentais), “O Passeio do Bêbado” (Bizâncio, sobre o
acaso) e “Guerra entre Dois Mundos” (Estrela Polar, diálogo sobre
espiritualidade com Deepak Chopra). O seu livro mais recente é um excelente
resumo da história da civilização, enfatizando o papel da ciência e da técnica.
- Luís Moniz Pereira, “A Máquina
Iluminada, Cognição e Computação”, Fronteira do Caos, 2016
O autor, professor jubilado da
Universidade Nova de Lisboa distinguido com vários prémios, é um dos maiores
especialistas portugueses sobre inteligência artificial. Este livro é uma sua reflexão para o grande
público sobre cognição e computação, quer dizer sobre a possibilidade de os
computadores poderem imitar os humanos conseguindo aquilo que se chama
“conhecer”. Questões que nos inquietam neste mundo inundado por computadores e
robots sobre a “consciência” artificial ou mesmo a “ética” artificial são abordadas por Moniz Pereira. Até onde
poderão ir as máquinas que criámos? Poderão um dia as criaturas escapar ao criador?
- Natália Bebiano da Providência,
“A Matemática e os seus Labirintos”, Gradiva,
2016.
Professora de Matemática da
Universidade de Coimbra, historiadora de ciência e autora de vários livros de
ficção, Natália Bebiano, ensaia nesta obra uma excursão diversificada com
numerosos exemplos (com ilustrações numa edição em bom papel graficamente muito
atraente) pela estética da matemática: Começa com questões da literatura (a
matemática em Fernando Pessoa e em Jorge Luís Borges e a aversão à matemática
de José Saramago e de Gabriel Garcia Marques), passa para o diálogo entre a
matemática e as artes visuais, a íntima relação entre a matemática e a música e
fecha com o contacto entre a matemática, em particular a lógica, com a
filosofia. Uma delícia para a os olhos e para a mente!
Boas leituras estivais!
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