Nas últimas
duas décadas assistimos a enormes avanços na nossa compreensão sobre o
funcionamento do cérebro. Este avanço nas neurociências deve-se muito à implementação
de várias técnicas de imagiologia cerebral, que produziram um grande volume de
informação sobre a complexidade do funcionamento neuronal e com um detalhe
impressionante. Mas, apesar do avanço na compreensão do cérebro e da divulgação
do conhecimento adquirido, várias crenças falsas sobre este órgão, cerne da
nossa inteligência, persistem no imaginário colectivo. Vejamos algumas delas.
1. Só usamos 10% do nosso cérebro?
É talvez a
crença mais comum sobre o cérebro, tendo tido origem no princípio do século
passado e sido bastante divulgada em diversas obras de literatura
pseudocientífica e também no cinema. Todos os dados neurocientíficos que hoje
possuímos, principalmente aqueles oriundos da imagiologia cerebral, a
contrariam e indicam que nenhuma zona do cérebro permanece totalmente inactiva,
nem sequer enquanto dormimos. De facto, até hoje, ainda não foi encontrada uma
zona do cérebro à qual não esteja associada uma dada função e actividade. Para
além disso, hoje sabemos que mesmo as tarefas cerebrais aparentemente mais
simples, embora possam envolver mais uma dada zona cerebral, mobilizam a
actividade de inúmeras outras numa complexidade de interacções espantosas. Por
outro lado, o cérebro é o órgão que mais energia consome para o seu
funcionamento. Gastar tanta energia para que 90% do cérebro não fizesse nada é
algo que não faz sentido do ponto de vista evolutivo.
2. Dois cérebros num só
Enraizou-se
a ideia de que os dois hemisférios cerebrais têm funções totalmente distintas,
sendo um, o direito, mais intuitivo e artístico, e o outro, o esquerdo, mais
analítico e racional. O que as neurociências têm verificado é que os dois
hemisférios estão em permanente interacção, diálogo, quer estejamos a resolver
um problema matemático, quer estejamos a tocar piano, por exemplo. Mais,
existem inúmeros casos em que traumatismos cerebrais que afectam um dos
hemisférios levam a que funções das zonas afectadas sejam transferidas para o
outro hemisfério. Há pois uma grande plasticidade cerebral, uma grande
conectividade e interacção entre os dois hemisférios, pelo que os dois estarão
sempre de alguma forma activos independentemente da actividade em questão.
3. O tamanho do cérebro determina a
inteligência
Para além da
questão sobre o que é que consideramos ser a inteligência, está a crença de que
somos tanto mais inteligentes quanto maior for o tamanho do nosso cérebro. A
biologia mostra que existem muitos animais com cérebros maiores do que os dos
seres humanos e que mais do que o tamanho per si, deve ser considerado a
relação entre a massa cerebral e a massa total do corpo. E mesmo nessa relação
os seres humanos não estão no topo. O que as neurociências têm demonstrado é
que mais importante do que o tamanho, a quantidade e complexidade de ligações (sinapses)
entre os neurónios (células do cérebro) é o que pode determinar sermos mais ou
menos inteligentes. E, para além da genética que determina o tamanho, a
complexidade daquelas interacções é condicionada pela aprendizagem e
experiência de cada um de nós, independentemente da massa cerebral.
4. O cérebro está inactivo enquanto
dormimos
O cérebro
nunca descansa. A monitorização da actividade cerebral, por
electroencefalogramas e pelas mais modernas imagiologias cerebrais, mostra que
o cérebro está activo durante o sono. Aliás, sabemos hoje que o sono é
extremamente importante para a manutenção da qualidade das ligações entre as
células nervosas. Foi descoberto recentemente que durante o sono ocorrem
processos de limpeza do espaço interneuronal, através de uma maior circulação
do líquido encefalorraquidiano, o que promove a eliminação dos detritos resultantes
da actividade em vigília. Para além disso, verifica-se que a consolidação das
memórias ocorre mais intensamente durante o sono. Assim, enquanto dormimos o
cérebro trata de arrumar a casa e preparar-se para o dia seguinte.
5. Cérebro masculino e cérebro
feminino
É um assunto
muito vulgar atribuir ao cérebro capacidades diferentes consoante o sexo.
Contudo, e apesar das diferenças anatómicas e hormonais que distinguem o homem
da mulher, não se encontrou até hoje nenhuma diferença distintiva na fisiologia
e metabolismo do cérebro nos dois sexos. Há uma ligeira diferença de tamanhos
mas, como já se disse, o tamanho não implica imediatamente uma função
diferente. Contudo, devemos dizer que os neurocientistas estão apenas agora a
começar a compreender como é que a complexa actividade neuronal dá origem aos
fenómenos psicológicos que determinam a nossa inteligência e personalidade. Mas
a diferença do corpo consoante o sexo não encontra imediata diferença no
cérebro que fundamente a adjectivação de género.
António
Piedade
1 comentário:
Muito obrigada, é sempre útil relembrar estas verdades. Ou aprendê-las:)
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