Minha crónica no Público de hoje:´
Com a periodicidade anual imposta
pelo regresso da Terra ao mesmo ponto da sua órbita, tenho repetido que o calor
não amolece o cérebro. No Verão há mais tempo para ler e os livros para o estio
podem muito bem ser livros com estilo. Venho submeter a minha habitual lista de
leituras de férias, de onde está arredada a literatura leve. Escolhi obras de ensaio ou ficção editadas recentemente entre nós:
algumas li-as com prazer que desejo partilhar ao passo que outras irão comigo
para férias por me terem seduzido. A ordem é a alfabética do apelido do autor.
- Sean Carroll, “A Partícula no Fim do Universo”,
Gradiva. Subtitulado “Como a caça ao Bosão de Higgs nos levou ao limiar de um
mundo novo”, este livro explica a chamada “partícula de Deus”, cuja descoberta
no CERN em 2012 valeu o prémio Nobel de 2013 a dois físicos que há cerca de
meio século a anteciparam. O prefácio, de José Mariano Gago, Amélia Maio e João
Varela, presta homenagem à centena e meia de físicos, engenheiros e estudantes nacionais
que colaboraram no grande empreendimento que foi a procura do bosão. Numa
altura em que, vinda de quem menos se esperava, paira a ameaça de destruição do
nosso sistema científico, é bom assinalar os resultados da ciência portuguesa.
- Cristina Carvalho, “Quatro Cantos do Mundo”, Planeta. A
filha de Rómulo de Carvalho, autora de “Ana
de Londres” e de “O Gato de Upsala”,
tem-se afirmado como uma escritora muito versátil, capaz de chegar a leitores
de várias faixas etárias. No seu último livro regala-nos com quatro contos que
descrevem viagens a partes inóspitas do globo: os gelos polares, as areias do
deserto, a selva tropical e o fundo dos oceanos. São histórias de homens e
animais que enfrentam os elementos, exercendo o direito à vida no planeta que é o deles. A prosa, por
vezes poética, está enriquecida pelas ilustrações de Manuel San-Payo
- Luísa Costa Gomes, “Cláudio e Constantino”, Dom Quixote. A
autora de “13 Contos de Sobressalto”
e “Ilusão (ou o que quiserem)” também
se distingue pelo seu domínio de vários géneros. A obra que acaba de publicar é
um divertido romance filosófico (a autora é formada em Filosofia) que pisca o
olho a Voltaire a Lewis Carroll. Nela dois irmãos lidam, enquantgo vão
crescendo, com os paradoxos clássicos da Filosofia, em diálogos de fina ironia.
Lê-se, a páginas tantas, que os “prazeres principais” da vida são “olhar sem julgar, ouvir quem fala baixo, sentir
sem reserva, voar confiante, amar em segredo, desbravar o seu terreno."
- Thomas Mann, “Lotte em Weimar. O
regresso da bem-amada”. Vega. “O
Sofrimento do Jovem Werther” é a mais conhecida obra do alemão Johann
Wolfgang von Goethe. Nele se conta o amor impossível de um jovem, cujo desgosto
desemboca em suicídio. No final do século XVIII chegou a ser moda o suicídio à la Werther. Ora esse romance é
autobiográfico: sublima uma paixão de juventude do autor, que afinal não pôs
termo à vida. Thomas Mann, escrevendo no exílio durante a Segunda Guerra
Mundial, explora o breve reencontro entre Goethe e a antiga pretendida quando
os dois já estavam avançados na idade. Se Goethe minimizou este episódio Mann
maximiza-o. O romance com apresentação e tradução (excelente) da germanista
Teresa Seruya saiu na colecção “Escola de Letras” que inclui autores como Conrad,
Bulgakov e Faulkner.
- José Tolentino Mendonça e Pedro
Mexia (selecção e prefácio), “Verbo. Deus
como Interrogação na Poesia Portuguesa”, Assírio & Alvim. Dois poetas
contemporâneos reuniram nesta antologia um conjunto de poemas onde Deus aparece
como questão, uma “pergunta que nunca está respondida”, pois “Deus existe, na
poesia como na vida, em modo interrogativa, mesmo para quem não tem fé”. Vale a pena ler os versos sobre Deus que,
entre outros, escreveram Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Sophia de Mello
Breyner, Adília Lopes e Daniel Faria. Cito Adília Lopes: “Deus é a nossa/
mulher-a-dias/ que nos dá prendas/ que deitamos fora/ como a fé/ porque achamos
/ que é pirosa”.
- Maria de Sousa, ”Meu Dito Meu Escrito. Da ciência e
cientistas, com um monólogo da caneta”. Gradiva. Uma das nossas maiores
cientistas regista aqui o que disse, em ocasiões diversas, desde que regressou
dos Estados Unidos para se tornar professora do Instituto Biomédico Abel
Salazar no Porto. É um impressivo retrato da ciência portuguesa ao longo das últimas
décadas, recheado de incursões pela nossa história da ciência, desde Garcia de
Orta até Abel Salazar. Recomendo este livro tão rigoroso como sensível como
refrigério de alma num tempo em que a investigação em Portugal enfrenta
provações. Não é, infelizmente, a primeira vez: a autora lembra-nos que os
ossos de Garcia de Orta foram incinerados pela Inquisição e que Abel Salazar
foi arbitrariamente afastado do seu laboratório pelo Estado Novo.
Boas leituras!
1 comentário:
Muito oportunas Leituras.
Boas férias com melhoras Leituras.
E obrigado
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