(Friedrich Durrenmatt, 1921-1990).
A situação do professor de Filosofia Carlos Pires, aqui transcrita por Helena Damião, no seu post titulado “Não tem horário para o ano lectivo 2014/2015”, é um caso dos muitos que se têm passado com outros professores do ensino oficial alguns deles com origem no facto das escolas oficiais se confrontarem com a concorrência desleal de um ensino privado com contrato de associação e enquadramento legal só excepcionalmente cumprido. Desta forma, algumas transformaram-se em verdadeiros elefantes brancos, com instalações imponentes carenciadas de alunos e com professores com horários zero fazendo pairar nuvens negras sobre o presente e futuro dos seus docentes.
Alea jacta est! Chegou, portanto, a altura do ensino oficial não continuar a pactuar com interesses político/económicos (se os colégios privados não dessem lucros chorudos não haveria tanta gente afobada em criá-los a poucos metros de escolas onde existe ensino oficial!). Razão, portanto, para não deixar esmorecer este assunto por se tratar de um questão de verdadeiro interesse nacional que tem colocado e continuará a colocar em risco gerações docentes sob o espectro de horários zero.
Aliás, esta temática de apoio aos colégios convencionados, sancionada por ministérios da Educação do PS e PSD, transcendeu aspectos de natureza meramente retórica com uma reportagem na TVI da jornalista Ana Leal e com esta notícia num media: “A Polícia Judiciária (PJ) realizou esta terça-feira uma operação que envolveu mais de cem inspetores que visou o grupo GPS (Gestão e Participações Sociais), detentor de 26 colégios, entre os quais 14 recebem o apoio do Ministério da Educação. Em investigação, apurou o PÚBLICO estão crimes de corrupção e branqueamento de capitais” (“Público”, 21/01/214).
Nada mais constou oficialmente, que se saiba, sobre o desfecho judicial destas suspeitas que afectaram, inclusivamente, o regime democrático português porque, segundo Aldoux Huxley, “nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos; nos estados democráticos há muito mais pretendentes que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas; a experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais dispendioso do que o governo por poucos”.
Será que o silêncio que paira sobre esta temática é a melhor forma de evitar que os colégios convencionadas (com a vantagem de poderem seleccionar os alunos e escolher o seu quadro docente) continuem a destruir, na escuridão da noite e de baionetas caladas, um ensino oficial que tanta geração de gente ilustre diplomou? E com isso satisfazer a megalomania de famílias ricas ou remediadas que gostam de blasonar o estatuto social de terem o filhos a estudar em colégios à custa do erário público, o dinheiros dos impostos de todos nós?
Atente-se na reabilitação faraónica de escolas oficiais com génese em tempos socráticos dos nossos dias, enquanto, por exemplo, a Escola Secundária de José Falcão de Coimbra está a cair aos bocados e a direcção da Escola Secundária Camões de Lisboa, tempos atrás, viu-se obrigada a promover espectáculos públicos (salvo erro no Coliseu dos Recreios de Lisboa) para angariar fundos com a finalidade de evitar que continuasse a chover nas salas de aula e nos corredores.
Não será altura de dizer basta a escolas públicas com uma frequência de alunos drasticamente cada vez menor (pela concorrência do ensino privado e diminuição da natalidade) e turmas cada vez com maior número de alunos? Não será tempo de dizer basta a professores com horário zero que andam de trouxa às costas em demanda de uma colocação longe de casa?
Perante a apatia do Ministério da Educação, em encarar e solucionar este problema, a culpa, por este status quo poderá, como é costume nacional,morrer solteira. Se isso acontecer, parafraseando Almada Negreiros, é caso para dizer que os professores com horário zero não têm culpa de ter nascido em Portugal, o que não invalida que exijam uma pátria que os mereça!
P.S.: Esta temática sobre os colégios convencionados mereceu várias intervenções críticas da minha parte em posts no DRN e artigos de opinião no jornal Público.
15 comentários:
Resta acrescentar que alguns colégios privados são muito procurados porque faz parte da política da casa inflacionar notas internas para que os alunos consigam ingressar em cursos como Medicina ou Arquitectura. Conheci dezenas de alunos de um conhecido externato do Porto que, verdade seja dita, só ingressaram em Medicina graças à média interna. Sei de casos de alunos que tinham média de testes 16 e que acabaram com 20 à disciplina, ou de alunos que tiveram acesso à perguntas de exames de equivalência à frequência, onde obtiveram 19 ou 20...
Isto é imoral! Centenas de alunos não ingressam no curso que pretendem pois são «ultrapassados» por estes alunos do externato A ou B com médias internas inflacionadas. No acesso a Medicina, uma média interna de 19 é muito diferente de um 17 ou 18...
Senhor Professor Rui Baptista;
É bem verdade que o senhor teve um papel activo na discussão deste problema.
Outro problema intimamente ligado, creio eu, e que também foi aqui discutido pelo Professor Rui Baptista, foi a questão da qualidade do ensino, e as universidades de “vão de escada”, politécnicos, que por cá surgiram e a consequente degradação do ensino superior e universitário.
Hoje sabe-se para onde foram estudar os filhos do sr. Jorge Sampaio, do sr. Durrão Barroso e outros, bem como os altos cargos que ocupam pelo ensino de excelência que tiveram... para o povo, que exigia que aos seus filhos fosse dada a oportunidade de chegarem a doutores, criaram-se essas universidades, politécnicos e sobretudo degradaram o ensino universitário das melhores universidades do país..., mas deram finalmente o “canudo” aos filhos do povo, e assim atingiu-se o objectivo de satisfazer uma aspiração antiga e justa, mas da pior forma, sem a qualidade que se exigia.
P.S.: António Barreto advogou em entrevista “... que o ensino universitário, pelo seu elevado custo ao país, não poderia ser para todos, não poderia ser um direito, tinha de ser uma conquista, um mérito...”. Aqui discordo, com A. Barreto, e não sei se também com o Professor Rui Baptista, pois o ensino público e universitário, deve ser, a meu ver, para todos aqueles que o queiram e o consigam realizar, mas o acesso deve ser independentemente do custo; sabe-se hoje que o custo do ensino universitário, nos melhores países, e em condições normais, deverá ser proporcional à qualidade que é ministrada. Ideologias à parte, no limite, a posição de A. Barreto, e um ensino de qualidade, reduziria-o (ensino superior) a uns poucos de privilegiados... talvez em numero igual aqueles que já hoje vão estudar para o estrangeiro.
Cumprimentos cordiais,
No dia 20 de Agosto, pelas 19:38, pus o comentário abaixo no post «Horário Zero», do blog Dúvida Metódica, de Carlos Pires, no qual ele dava conta da tragédia pessoal e profissional que lhe tinha sido comunicada no dia 18.
Penso que se adequa bem a este post de Rui Baptista.
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Blogger Manuel Silva disse...
Carlos Pires:
O seu problema tem, de imediato, duas grandes dimensões:
1.ª- a dos critérios de avaliação/escolha/autonomia das escolas/contratação dos professores:
2.ª - a das opções de política educativa (no caso deste ministro).
Acho, no mínimo, estranho, que pessoas tão informadas e tão reflexivas, como é o senhor e alguns ilustres comentadores, se fiquem pela parte mais problemática da 1.ª dimensão.
E se a «conjunção dos astros» (concursos ao longo dos anos) tivesse determinado que os poucos (quatro?) professores da sua escola fossem igualmente competentes, o que não é difícil de imaginar, pois há, felizmente, muitos professores de filosofia no ensino público altamente competentes como o senhor, o problema resolvia-se como?
Entretanto, enquanto se mingua o ensino público, e mesmo onde há uma rede deste ensino que cobre as necessidades (p. ex. Caldas da Rainha, Coimbra, entre outros locais), proíbe-se a formação de turmas neste segmento de ensino e permite-se nos colégios privados.
É outra dimensão a que não é alheio o que lhe está a acontecer. Ou será?
20 de Agosto de 2014 às 19:38
Não podemos esquecer as escolas com contratos de autonomia e as TEIP que contratam quem bem entendem.
O que me tem feito falta ,neste blogue, são os postes do João Pires da Cruz sobre a bondade do sistema financeiro.
Plenamente de acordo com o seu comentário, que agradeço.
Só acrescentarei o verdadeiro escândalo das "provas de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos". Isto, que devia obedecer ao louvável princípio de autodidactismo, nada tem com ele a ver, mas com a definição do brasileiro Mário Quintela quando, jocosamente, utilizando a poderosa arma crítica do riso, no diz ser o "autodidacta, ignorante, por conta própria"."
E, como é cantado num fado de Amália: "Tudo é triste, tudo isto é fado"! Fado de um país de oportunistas que forçam, com o próprio consentimento das entidades universitárias públicas e privadas, a entrada nas universidades com gazuas. Consentimento que me traz à lembrança palavas premonitórias de um prestigiado e nobilíssimo professor catedrático de Coimbra, Aníbal Pinto de Castro, falecido anos atrás, que numa cerimónia académica da sua vetusta Universidade, declarou: "Não destruam. Não cedam. Não tenham medo porque a Universidade não pode ser uma instituição de caridade. Para isso há os asilos e a Mitra. Não pode ser um hospital de alienados" ("Diário de Coimbra", 27.Nov.2005).
O ministro Nuno Crato, antes de sobraçar a pasta da Educação, foi um lídimo defensor de um ensino de qualidade. Desgostoso, hoje, obrigo-me a ter presente, e a declará-lo publicamente, que a exemplo de Nietzche, temo que "aquele que luta contra monstros deve ter muito cuidado para não se transformar também num monstro"!
Cordiais cumprimentos.
Claro que se adequa, plenamente. Mais do que isso, tem para mim o interesse que me despertam os comentários aos meus posts, por serem um "feedback" daquilo que escrevo (aliás, já o declarei, aqui e em várias outras ocasiões).
Acresce que sempre que escrevo neste blogue , e em artigos de opinião nos media, como, em ocasião trágica da sua vida, declarou perante Luís XVI, "venho aqui com a verdade em uma das mãos e a cabeça na outra, pedindo-lhes que ouçam a primeira antes de dispor da segunda".
Cumprimentos cordiais.
Ora aqui está um tema de interesse para uma reflexão e resolução por parte dos responsáveis pela tutela da Educação. Muitas vezes, a culpa não é da canção (textos legais) mas dos cantores que desafinam a letra da música. Confesso não estar bem por dentro desta temática. Mas uma coisa sei eu: "O político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema!"(Wood Allen)
Cordiais cumprimentos..
Engenheiro Ildefonso Dias: O seu comentário, aliás como muitos outros, é um desafio que me levanta várias e interessantes questões. Ou seja, dá pano para mangas de um espantalho (não daqueles que servem para afastar os pardais das colheitas) das muitas palhaçadas a que se tem assistido neste país como, por exemplo, a "licenciatura" de Miguel Relvas.
A propósito, assiste-se, aqui, a uma espécie de marcar passo (aquilo a que os brasileiros chamam "faz que anda mas não anda") sobre o desfecho deste caso que me coloca uma dúvida "cartesiana": Afinal o diploma de Miguel Relvas foi para o cesto dos papéis ou já está emoldurado e pendurado numa das paredes do seu escritório de casa ou onde dirige os seus negócios ( "honni soit qui mal y pense"!) espalhados por várias partidas do mundo? Em devido tempo, responderei ao seu comentário.
Cumprimentos amigos.
Errata: "perante Luís XVI", emendo para "Luís XVI, "tout court".
E não apenas do sistema financeiro. Sugeria que lessem uma entrevista a Miguel Cadilhe: http://economico.sapo.pt/noticias/portugal-esta-de-luto-e-a-elite-esta-posta-em-causa-com-o-fim-do-bes_199965.html
Nada me admiraria que , no próximo ano lectivo, na senda do livre mercado os municípios pudessem escolher os "seus" professores. Todos sabemos como a grande maioria dos métodos de selecção de professores contratados e de psicólogos levam à escola determinadas personagens bem posicionadas no meio político ou familiares de...
Tempos houve em que parafraseando uma personagem de Eça, admiração era para mim " pintar a cobra e depois pôr-lhe quatro patas!" Hoje, não me espanta certos figurões da nossa praça política que pintam a cobra de certos diplomas académicos com a elegância de cegonhas.
Estou plenamente de acordo consigo quanto ao perigo da escolha dos municípios dos "seus" professores. Mas de uma coisa estaremos livres. Os filhos de algo da nossa vida política têm o destino marcado à nascença para altos voos, mesmo que desasados e que não passa pela vida do magistério não universitário. Os paizinhos transportam-nos no bico para altos cargos políticos da governação, para elevados cargos europeus ou dos negócios da alta finança.
Os lugares de professores "municipais" estarão reservados, à partida, para os primos afastados desses "fidalgos" do reino da cunha. Escreveu o vate da nossa epopeia "fascista", para certos "democratas" de hoje, que varreram muitos daqueles que "da lei da morte se formam libertando" dos programas escolares que "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Claro que, como costumo dizer, generalizar situações, mesmo nos dias de hoje, é deveras perigoso, pela ofensa que pode representar para os homens de honra deste país, mesmo que justificadas, em parte, pelo azedume de um octogenário que continua a defender causas de que deixou de ser parte interessada directamente. Octogenário que, por outro lado, também sabe que cabelos brancos nem sempre são sinal de sabedoria, quando muito de velhice.
Cordiais cumprimentos
Segui o seu conselho e li , com agrado e proveito,o texto por si indicado. Cumprimentos gratos.
Acaba de ser publicado um post da minha autoria, intitulado "Ensino Universitário e Investigação Científica", em resposta a (algumas) questões levantadas neste comentário.
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