Os azulejos de
matemática estão hoje completamente identificados e são já bastante conhecidos,
desde que foram reunidos numa exposição que teve lugar na Universidade de
Coimbra em 2007 [1]. Tão famosos são que, recentemente, a sua história até serviu
de tema para um exame de língua portuguesa na Universidade de Oslo [2].
Graças à pesquisa
de António Leal Duarte (Universidade de Coimbra) que conduziu à identificação
de todas as figuras representadas nos azulejos matemáticos, bem como do livro que
contém as gravuras originais, conhecemos hoje a sua história, que é contada em grande
pormenor em [3] ou em [4] (este último em inglês).
Chegaram aos nossos
dias cerca de duas dezenas de azulejos matemáticos, mas terão existido mais de
três centenas. Todos eles reproduzem figuras de Os Elementos de Euclides, na versão de André Tacquet, precisamente a
que era usada nas escolas jesuítas. A primeira edição foi publicada em 1654,
com o título Elementa geometriae planae
ac solidae quibus accedunt selecta ex Archimede theoremata, mas outras
edições e traduções foram publicadas nas décadas seguintes.
Não é conhecida a edição exacta de onde foram tiradas as imagens dos azulejos, mas existe um exemplar de 1672 na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra ao qual faltam os desdobráveis com as figuras. Terão sido dele retiradas as ilustrações para servirem de modelo para a execução dos azulejos?
De salientar ainda o
facto de, em 1692, o Geral da Companhia de Jesus, Tirso Gonzales, ter enviado
para Portugal as Ordenações para
estimular e promover o estudo da Matemática na Província Lusitana, onde se
pode ler:
Quinto: Procurem primeiro os Superiores dos colégios de
Coimbra e Évora que cada um dos nossos filósofos tenha necessariamente para seu
uso os seis primeiros livros dos Elementos de Euclides que contêm os elementos
de geometria plana. São muito convenientes os que compôs o P. Andreas Tacquet
[...]. Na escola, ou em qualquer outro lugar destinado às demonstrações deve
ser exposto um quadro das figuras principais, maior e mais amplo, que será
comum a todos, e a que se deve adaptar um compasso para a demonstração das figuras
[...].
Ordenação de Tirso Gonzalez (1692)
Este
quinto ponto da Ordenação explica o aparecimento dos azulejos: no local onde se
dá a aula de matemática deve haver um quadro amplo, com as figuras
correspondentes às principais demonstrações. Os azulejos foram decerto uma das respostas
a estas ordenações.
Conhecem-se ainda
quatro azulejos de astronomia (Museu Nacional Machado de Castro), que terão
feito parte de um painel onde estariam representadas constelações celestes,
cometas e representações do sistema solar. Um trabalho meticuloso de Francisco
Gil (Universidade de Coimbra) permitiu concluir que esse painel continha um
mínimo de 50 azulejos, representando dois círculos, com as constelações dos
dois hemisférios celestes norte e sul, bem como cometas (pelo menos dois) e modelos do
sistema solar (o sistema ptolomaico e pelo menos mais um que não conseguimos identificar).
No Museu do Azulejo
encontra-se o único azulejo de geografia que chegou até aos nossos dias. A partir da
sua observação, Francisco Roque de Oliveira (Universidade de Lisboa) é de
opinião que este azulejo fazia parte de um painel que tomava como modelo um mapa-mundo
do século XVII. Talvez o modelo tenha mesmo sido um dos mapas-mundo do
cartógrafo holandês Joan Blaeu, já que o nosso azulejo representa o pólo do
hemisfério terrestre ocidental de um dos mapas de Blaeu até à ilha de Baffin,
no actual Ártico canadiano. O topónimo “Cumberlandia” corresponde a esta mesma
ilha e já aparecia em alguns mapas de Mercator.
Também neste caso
podemos concluir que o painel continha um mínimo de 50 azulejos, contendo dois
círculos, representando dois hemisférios terrestes.
Há, no entanto,
ainda dois azulejos por identificar. O primeiro parece querer explicar um
fenómeno de hidráulica, mas o segundo continua a ser um mistério. Ambos fazem
parte do acervo do Museu Nacional Machado de Castro.
Em finais de 2010, em escavações junto
ao Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, ou seja, junto ao antigo
Colégio de Jesus [6], os arqueólogos Sónia Filipe e Paulo Morgado encontraram dois
pedaços de cerâmica, claramente pedaços de azulejos que ensinam. Estes dois
pedaços encontram-se presentemente em exposição no Museu da Ciência da
Universidade de Coimbra.
Tendo estes pedaços sido encontrados
em escavações junto à zona dos colégios jesuítas da cidade de Coimbra, podemos
finalmente, e com grande certeza, concluir que os azulejos matemáticos
estiveram expostos num colégio jesuíta em Coimbra, seguramente depois de 1654
(data da publicação da edição de Tacquet de Os Elementos de Euclides),
certamente depois de 1692, em resposta à Ordenação de Tirso Gonzales, e antes
da expulsão dos Jesuítas de Portugal, em 1759. Terão sido destruídos durante a
Reforma Pombalina e entulhados durante as obras do Iluminismo. Esta descoberta
permitiu sem sombra de dúvida concluir que os azulejos hoje espalhados por
diversos museus nacionais e por colecções particulares ensinaram ciência nos
colégios jesuítas em Coimbra.
Referências
[3]
António Leal Duarte
& Carlota Simões (ed.), Azulejos que
Ensinam, Catálogo de Exposição, Universidade de Coimbra, 2007 (http://mnmachadodecastro.imc-ip.pt/Data/Documents/cat%C3%A1logo_azulejos.pdf)
[4]
Henrique Leitão & Samuel Gessner,'Euclid in tiles: the mathematical
azulejos of the Jesuit college in Coimbra', Mathematische Semesterberichte,
61.1, pp 1-5, 2014 (http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00591-014-0130-8)
[5]
Carlota Simões, ‘Azulejos com história – a peça que faltava’, Revista Rua Larga, nº 31, Universidade de Coimbra, 2011
(http://www.uc.pt/rualarga/31/13)
1 comentário:
O azulejo mistério parece que tem um homem vestido com gabão e polainas dentro de qualquer coisa. É estranho que não parece ter espaço para a cabeça mas vislumbra-se talvez um cotovelo. Especulo que seja uma campânula de mergulhador com um homem lá dentro a espreitar pelo vidro, meio agachado.
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