Meu artigo de opinião saído hoje no Público:
“O mais excelente quadro posto a uma luz,
logo mostra borrões, e visto a melhor luz, logo descobre pinturas” (Padre António Vieira).
Através da análise de Miguel Sousa Tavares
(Jornal da Noite SIC, 30/06/2014) foi posta em causa a renovação do contrato de
Paulo Bento com a Federação Portuguesa de Futebol dias antes do começo do
actual Campeonato Mundial de Futebol.
Situação que, ainda que segundo este comentador, não teve paralelo em situações
contratuais de outra equipas europeias que, como sói dizer-se, não passaram cheques em branco.
E este facto é tanto mais insólito se nos
detivermos sobre o tratamento de excepção dado a Paulo Bento se confrontado
com a forma, para utilizar um
eufemismo, pouco ortodoxa como foi
“despedido” Carlos Queiroz após o Campeonato do Mundo realizado na África do
Sul, em 2010.
Neste contexto,
depois de na fase de grupos ter empatado
com a Costa do Marfim e Brasil e vencido copiosamente a Coreia do Norte por 7-0 (equipa que viria a
perder com o Brasil pelo escasso resultado de 1-2), ressurge, inevitavelmente o
“escândalo” da equipa das quinas não ter chegado aos quartos-de-final do
Campeonato do Mundo 2010, por eliminação com o resultado de 0-1 a favor da
fortíssima selecção de Espanha que se viria a sagrar campeã do Mundo.
No Campeonato do Mundo de futebol (2010) foi seleccionador o teórico (Carlos Queirós) e no Campeonato do Mundo (2014) esteve à frente da
selecção um prático (Paulo Bento).
Aliás, este despique entre teóricos e práticos foi moeda corrente em outras
épocas, sendo que, no caso da prática desportiva, encontra raízes milenares
na Grécia Antiga. Segundo
Galeno (célebre médico grego, tido como pai da medicina desportiva moderna), os
treinadores troçavam das teorias dos professores de ginástica e dos médicos sob
o pretexto de não se ter o direito de discutir sobre coisas desconhecidas
quando se não tem a prática do ofício.
A minha classificação de teórico atribuída a Carlos
Queirós, tendo, para além disso, provas práticas dadas, como mero exemplo, dois campeonatos mundiais de futebol sub-20, um
modestíssimo jogador de futebol competitivo, encontra razão na sua
formação e docência universitárias: licenciatura e mestrado em
Metodologia do Treino pelo ISEF da Universidade Técnica de Lisboa e posterior
docência onde teve como aluno José Mourinho, também ele, modesto praticante do
desporto-rei que, aquando do seu doutoramento honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa, reconheceu: “Eu seria sempre treinador de
futebol, mas sem a faculdade seria assim-assim e nunca muito bom” (José
Mourinho, “Record”, 24/03/2009).
Por seu lado, Paulo Bento tem a suportar o seu
currículo de treinador o facto de ter sido um destacado jogador da Selecção
Nacional de Futebol (35 vezes internacional) conjugado com a habilitação de cursos de treinador de futebol, promovidos pela
Associação de Treinadores de Futebol e Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Ou
seja, o futebol moderno, embora conservando a sua componente de sorte inerente
a toda e qualquer forma de jogo que o torna aliciante para as multidões, exige,
hoje, condições científicas inerentes à respectiva metodologia de treino e
conhecimento profundo do funcionamento da “máquina humana”, questões que, por
vezes, são mantidas na sombra do esquecimento.
Entretanto, deve
ser evidenciado, o clima favorável criado à volta de Paulo Bento, relativamente
ao Campeonato do Mundo, que decorreu em Terras de Santa Cruz, comparativamente
com o clima hostil que rodeou Carlos Queirós, aquando do passado Campeonato do
Mundo de Futebol 2010, em que a selecção teve a acompanhá-la, na África
do Sul, o vice-presidente da FPF, Amândio Carvalho, que se manifestou, desde o
princípio, contra a contratação de Carlos Queirós criando um clima pouco
propício a boas relações entre ambos. Este clima, como não podia deixar de ser,
reflectiu-se no comportamento dos jogadores da selecção nacional com
destaque para a atitude de Cristiano Ronaldo que, desculpando-se pela sua má
prestação foi colhido pelas câmaras de televisão, a dizer com ar agastado (cito
de memória): “Isto assim não dá, Carlos!”
Referindo-se a
esta situação, Carlos Queiroz, em entrevista concedida a este jornal (18/06/2014),
ao lhe ser perguntado se “ainda estava
magoado com Cristiano Ronaldo, que o responsabilizou após a eliminação no
Mundial 2010”, respondeu: “Não, estou absolutamente distanciado e indiferente.
Nem eu, nem ele devemos nada um ao outro. Agora, se o Cristiano, num
determinado momento da sua vida, entendeu que devia actuar comigo daquela
forma, apesar de não esperar, tenho de respeitar. Não me move nada contra ele,
mas continuo a pensar que não foi um comportamento oportuno, ajustado e
adequado à posição dele como capitão da selecção. Sinceramente, não gostei e
seria hipócrita se dissesse o contrário”.
Os resultados
obtidos por Portugal na África do Sul, manipulados pelos seu detractores como
se tivessem sido péssimos, pretenderam deixar a imagem de um verdadeiro
soçobrar das Selecção das Quinas. Assim, depois do regresso da equipa de todos
nós a fronteiras nacionais, assistiu-se a uma despudorada tentativa de
intoxicação da opinião pública contra Carlos Queirós. Quem sabe por a história
levar o seu tempo a fazer memória (Gertrude Stein), uma vez mais se cumpriu o
aforisma de que mais vale cair e graça do que ser engraçado!
2 comentários:
O Carlos Queiroz jogou a central, não sei em que divisão, se nos distritais ou se nos nacionais da 2ª ou 3ª; mas penso que na região centro. Já o Mourinho nasceu num balneário. Ambos têm, por isso, a sua dose de «prática», só que ao frequentarem uma universidade (que supostamente corta com o imediatismo empírico) o adepto - ou a cultura predominante, que pouco valoriza a escola - olha-os como "teóricos", treinadores desfasados da realidade... "prática". A verdade é que os treinadores de topo, mesmo do topo, são poliglotas, têm mais que uma licenciatura e a maioria possui uma na área do desporto. O «estudo» fez a sua diferença.
Agradeço o comentário que reforça este meu post.
No que respeita a Carlos Queiroz jogou, apenas, futebol oficial em Nampula (Moçambique), sua terra natal. Por outro lado, José Mourinho é filho de um antigo jogador do Vitória de Setúbal, tendo jogado futebol sem se ter destacado na sua prática.
E por ter incluído Paulo Bento no rol de práticos, não posso deixar de me referir a Jorge Jesus, também ele jogador e treinador de futebol, pese embora questione a sua falta de humildade (mas de mal o menos, quando reconhece, embora não fazendo a coisa por menos!, não ser um “Eça de Queiroz”, Record, 29. Maio. 2014) quando se arroga a “criador de uma ciência”, como prelecionou perante alunos da Faculdade de Motricidade Humana, “para ter uma ideia, um modelo de jogador, um modelo de treino” (Jornal de Notícias, 11/03/2013).
Mas julgo que para se compreender a evolução (ou involução?) do treinamento desportivo científico deve-se encontrar paralelismo nos antigos barbeiros percussores dos actuais médicos cirurgiões que, nos países anglo saxónicos, não desmerecem esse passado a ponto de serem tratados por “mister” para se distinguirem dos médicos, de outra especialidades, tratados por “docteur”.
Mas não é de hoje esta minha posição. Em Agosto de 1991, no “Jornal de Coimbra”, publiquei um artigo com o premonitório título: “Futebol, uma ciência sem cientistas?” Transcrevi pequenos excertos deste meu artigo num meu post, publicado neste blogue, intitulado “O CABO DAS TORMENTAS DE CARLOS QUEIROZ” (28/05/2010).
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