Divulgamos Carta da Direcção e
Coordenadores do CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa ao Presidente da FCT
Consideramos que, a par da
reflexão crítica sobre a avaliação de cada Unidade, e, em particular, sobre a sua
classificação, importa analisar a metodologia adoptada na condução de um
processo de tantas e tão fundas consequências para o futuro da investigação em
Portugal.
Elencamos pois uma série de questões
das quais dependem a justeza e a justiça da Avaliação em curso:
1) sobre a adequação
dos avaliadores ao trabalho a avaliar;
2) sobre a consistência e validação da
avaliação;
3) sobre a avaliação dos avaliadores e do próprio processo de
avaliação.
1.
Antes de mais, importa saber se a Agência de Avaliação
escolhida pela FCT assegurou a presença de Avaliadores credenciados nas áreas específicas
de conhecimento a avaliar.
Por exemplo:
1.1. Na
área das culturas e literaturas de
língua oficial portuguesa: dominam os avaliadores a língua e as referências que lhes permitem avaliar
rigorosamente
a qualidade, a pertinência e a funcionalidade do trabalho realizado? Têm em
consideração que o trabalho realizado pretende, numa primeira etapa, a
constituição e o reforço de uma rede de trabalho (investigação, reflexão,
diálogo e divulgação) em língua
portuguesa, cujos resultados mais consensual e cientificamente validados serão, depois, traduzido para as
línguas de comunicação internacional estratégica para cada uma das comunidades?
Têm em consideração que um dos objectivos fundamentais desse trabalho é a
definição de identidades culturais comunitárias inscritas em comunidades mais
vastas, em função da tradição e da actualidade? Têm em atenção o panorama
bibliográfico em que todo esse trabalho se desenvolve?
1.2. Na
área da literatura portuguesa:
conhecem os Avaliadores o panorama editorial do país? A escassez gritante de
edições críticas de autores portugueses do maior relevo? A falta de obras de
referência (dicionários, nomeadamente) que tanto dificulta o estudo da nossa
literatura?
1.3. No
que respeita à cultura portuguesa:
estão os Avaliadores familiarizados com o panorama cultural contemporâneo em
Portugal? Estarão habilitados a compreender a importância do reconhecimento da
qualidade de obras e autores, por exemplo através da instituição de Prémios
literários? E a pertinência da alta divulgação e da colaboração com o Ensino
Básico e Secundário? Têm em consideração o modo como a compreensão do fenómeno
estético, que tendemos a privilegiar, implica o cultural no sentido lato: a
perscrutação da tradição oral e da erudita, das matrizes e das fraternidades
culturais, do diálogo em que o intercâmbio se processa?
1.4. No
que respeita à lusofonia:
conhecem bem os Avaliadores a História de Portugal, nomeadamente a História
Contemporânea? Leram os trabalhos de investigação que universitários oriundos
de diversas Universidades e Centros têm vindo a produzir no sentido de recolher
dados, tratá-los e publicá-los? Têm seguido os debates que, em Colóquios e
Congressos Internacionais, com participação empenhada de Investigadores
portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, etc., têm vindo a centrar-se
em noções como lusofonia e multiculturalidade? Têm uma clara percepção do modo
como, deliberadamente, se tem promovido sistematicamente uma reflexão em que as
identidades e as alteridades se observam através
do diálogo entre o eu e o outro, buscando nesse cruzamento
a validação científica?
2.
De seguida, perguntamos se a Avaliação se tem
processado de forma consistente e validada, o que implica questões do
seguinte teor:
2.1. Os
Avaliadores tiveram conhecimento das conclusões do processo de Avaliação
anterior, nomeadamente das recomendações
então dirigidas aos Centros pelos membros da Comissão de Avaliação?
2.1.1. Na ponderação, pelos actuais avaliadores, da evolução
do CLEPUL entre 2008 e 2012, não se encontra qualquer referência à conformidade
com orientações recebidas no Parecer de 2008, nem ao sucesso obtido na
prossecução das metas definidas. O mesmo sucedeu com muitos
outros Centros, como é hoje público e notório.
2.2. Qual
o reflexo efectivo do trabalho das Comissões de Acompanhamento Científico
que a FCT exige, expresso nos Pareceres periodicamente emitidos? Qual foi o
exercício de validação da avaliação feita com cruzamento de dados no plano
diacrónico e sincrónico? Vejamos:
2.2.1.
Foram lidos e tidos em conta os Pareceres periódicos
dos peritos que cada Centro convida como consultores, de acordo com critérios
estritos impostos pela FCT? E os Pareceres finais e conclusivos? Todos esses
pareceres, extensos e fundamentados, emitidos por universitários portugueses e
estrangeiros de renome, especialistas reconhecidos nas áreas específicas que
apreciam, contêm, implícita ou explicitamente, avaliação do trabalho realizado e orientações para o afinar da estratégia dos Centros. No caso do CLEPUL,
bem como no caso de outros Centros, não se encontra qualquer referência à
existência, quanto mais ao conteúdo, desses Pareceres.
2.2.2. A decisão de excluir do diálogo os Centros aos quais os
Avaliadores atribuem Bom é contrária ao espírito universitário e a um modelo de
juízo eticamente definido pela tradição cultural humanista e europeia, em que
prevalece o diálogo aberto como meio fundamental de aprendizagem, debate,
validação e aprofundamento do conhecimento.
2.2.3.
Assim, a decisão de ignorar os Centros classificados
com Bom, cujo trabalho na avaliação anterior obteve Muito Bom ou Excelente,
assenta no apagamento dos pareceres e recomendações emitidos ao longo de
anos por peritos nacionais e internacionais reconhecidos pelos avaliados e pela
comunidade científica em geral.
2.2.3.1. Também aqui não se verificaram reflexos da experiência
de avaliação anterior: a anterior avaliação (de 2008) demonstrou que o juízo
dos avaliadores, em muitos casos, mudou radicalmente durante a visita a muitos
centros: a consulta de bibliografia disponibilizada e o diálogo com os
investigadores esclareceu o que os Relatórios não permitiram.
2.2.3.2. Também aqui não se verifica o escrúpulo na validação de
informação, apesar de ser consensual que todo o relatório é uma síntese
elaborada ad hoc: os itens nem sempre
são claros, os limites e os formulários nivelam a quantidade e a qualidade, os
objectivos últimos e os critérios mais
decisivos da avaliação não são suficientemente claros à partida para
permitirem a elaboração de relatórios mais adequados a eles.
2.2.3.3. Só há eficácia e inovação quando se conhece bem, na
diacronia e na sincronia, o que se quer transformar. Ora, a presente Avaliação
das Unidades de Investigação da FCT traduz-se numa redução brutal do número de
Centros e Investigadores activos no país, assentando em alicerces frágeis, pois
os documentos produzidos pelos Avaliadores não apresentam nem uma fundamentação
rigorosa e cabal, nem uma validação
suficiente para as conclusões e classificações propostas.
2.3. Houve
clareza e correcção no processo de avaliação no que se refere à sua regulamentação,
procedimentos, etc.?
2.3.1. Todo o exercício de avaliação implica regras declaradas
e fixadas desde o início, sem flutuações nem indefinições. Aqui, desde 2008,
assistimos a uma sistemática alteração das regras, das condições e dos critérios
de avaliação. Durante o processo de avaliação, registaram-se mudanças nos
prazos, nos formulários, nas orientações e indefinição do júri.
2.3.2.
Todo o exercício de avaliação científica a
este nível deve implicar reconhecimento
entre avaliador e avaliado, de modo a que este adeque a apresentação do seu
trabalho ao destinatário: não se trata de um exercício de retórica de
manipulação, mas de genuína, adequada e rigorosa selecção de dados a
esclarecer, a evidenciar ou a dispensar de menção.
3.
Cumpre, ainda, ponderar a avaliação produzida pelos
júris e a sua fundamentação, o que implica questões como:
3.1. no
plano da classificação:
3.1.1. na 1ª fase, foram 3 as notas quantitativas. A
semelhança de juízo entre as classificações, revelaria sintonia nos critérios,
nos objectivos, no procedimento, no conhecimento das matérias, etc., consistência
de avaliação. Ora, o que se verificou foi o cenário inverso: o leque de variação na classificação
ultrapassou os 4 valores e, em certos casos, atingiu 8. A amplitude é, só por si, estranha e inaceitável;
3.1.2.
na 2.ª fase, a nota qualitativa exprimiu uma média
ponderada das classificações da 1.ª fase? Em muitos casos, a média justificaria
nota superior;
3.2. no
plano da fundamentação:
3.2.1. os Pareceres deveriam sinalizar conhecimento
complementar aos Relatórios, ou seja, dos sites,
de Relatórios anteriores, e, em especial, do Plano 2008-2102, cujo resultado é
matéria em avaliação, confrontando plano/projecto e sua execução. Não foi isso
que aconteceu: nada externo ao Relatório de 2014 dos centros foi convocado
pelos Pareceres;
3.2.2. o Relatório conclusivo deveria reflectir os esclarecimentos da 1ª resposta dos centros,
demonstrando a sua atenta ponderação. Ora, mais uma vez, a sua leitura revela
que esses esclarecimentos, em geral, não foram tidos em conta sem que se
compreenda porquê: as objecções e as reservas tenderam a manter-se,
registando-se mudança quase só no que se refere ao óbvio.
4.
Por fim, e considerando a reacção dos avaliados aos
resultados das avaliações, há avaliação
dos avaliadores e do processo de avaliação? Como e em que
termos? Com que consequências para o processo ainda em curso?
Convirá assinalar dois aspectos que evidenciam uma cumulativa menorização e desqualificação da FCT e de Portugal:
- a FCT paga a uma European Science Foundation para avaliar a investigação científica que ela própria tem tutelado, obtendo dela a total desconsideração do modo como o tem assegurado desde 2008 (o de 2008 e dos pareceres das Comissões Externa de Acompanhamento Científico, cf. acima 2.);
- a FCT e Portugal pagam uma avaliação, aceitando que a língua portuguesa seja totalmente excluída do processo de avaliação (mesmo no caso do trabalho sobre a cultura e a literatura portuguesas!) e da sua consideração no plano da produção bibliográfica, exclusão que, só por si, contraria os valores da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996) e da Carta Europeia do Plurilinguismo e os direitos inerentes à cidadania europeia (com 23 língua oficiais, além de outras). Ora, além de ser uma língua oficial da UE, o português é a 5ª língua mais falada no mundo, a 3ª mais falada no hemisfério ocidental e a mais falada no hemisfério sul.
Acresce que é inaceitável, do
ponto de vista ético, que a escassez de recursos financeiros contagie o
processo de classificações. Cotas para a atribuição de financiamento por razões
de indigência de tesouraria poderão ser inevitáveis. Mas classificar
precipitada e injustamente a actividade científica dos Centros por razões de
falta de verbas releva de indigência moral.
…
Direcção e Coordenadores do CLEPUL
Sem comentários:
Enviar um comentário