“Sem exercício físico quotidiano apropriado é difícil mantermo-nos de boa saúde" (Arthur Schopenhauer, 1778-1860).
O post da nutricionista Ana Carvalhas, publicado neste blogue,“Apanhado na rede: comer bem em tempo de crise” (01/03/2011), e os diversos textos em que ela se tem debruçado no seu blogue “Comer bem até aos 100 anos…” tecem considerações sobre os benefícios da alimentação e do exercício físico em tempo de declarada crise económica, uma crise tão penosa para a bolsa dos portugueses. Entre outros, os gastos com a saúde têm vindo a ocupar uma fatia cada vez maior dos gastos pessoais, com tudo aquilo que não é coberto por inteiro pela protecção social.
O tema da saúde pública não tem tido entre nós a atenção que merece. Por exemplo, não está devidamente salvaguardada em algumas direcções técnicas dos pomposamente propagandeados Health Centers a responsabilidade por parte de licenciados universitários em Educação Física e Desporto, como acontece no caso das farmácias, que estão sob a direcção técnica de farmacêuticos.
Mereceu o assunto vários posts meus neste blogue. Trago, agora e aqui, à colação um deles, Gerontomotricidade, saúde e boa forma física (20/08/2007), que foi seguido de um outro, em 2/10/2008, intitulado A actividade física e o sistema cardiovascular. Naquele post entendi conveniente advertir: “O exercício físico de que aqui me ocupo, nada tem a ver com um desumanizante desporto que transforma o atleta numa máquina de alto rendimento para alcançar o pódio, tendo atrás de si um perigoso arsenal químico em que os esteróides se tornam vedeta em nome de uma pátria, de uma ideologia ou apenas de um clube.”
Nele relatei a saborosa história de Bernard Shaw, em boa forma física aos 90 anos de idade, que, ao ser-lhe perguntado, por um jornalista, quais eram os exercícios físicos que praticava, respondeu: “Pegar nas bordas dos caixões dos meus amigos que praticaram muito exercício físico”. Foi-me colocada a seguinte questão num comentário (08/11/20O7) que serve de título a este meu novo post: “Afinal o exercício físico é bom ou não?” Rezava assim esse comentário: “Tardiamente venho aqui perguntar ao Professor Rui Baptista se afinal o exercício físico é ou não bom? Gostei muito do artigo. Parabéns. JCM”.
Em 3 de Janeiro do ano seguinte mereceu-me este comentário a seguinte resposta:
“Meu Caro JCM: Veja lá como são as coisas. Só hoje, passados quase dois meses, tomei conhecimento do seu comentário. A minha resposta é esta. Claro que o exercício físico é bom se for feito com conta peso e medida. Por exemplo, se um indivíduo em jovem tiver feito muito exercício físico, e depois parar, deverá ter muito cuidado na sua (re)adaptação ao exercício físico. Suponhamos que, quando for cinquentão, resolve, de supetão, praticar uma carga de esforço físico não adaptado à sua idade e à sua má forma. É mais que certo que pode ter como destino um enfarte ou um AVC ou até uma morte súbita. Claro que este comentário é feito um tanto 'à vol d'oiseau', por não ter em conta muitos outros factores. O caso de Bernard Shaw é uma simples graça. Se morreu velho e viu morrer muitos dos seus amigos que faziam muito exercício físico isso se ficou a dever a questões genéticas: os indivíduos cujos progenitores morrem velhos têm muitas probabilidades de chegarem a uma idade provecta. É quase um lugar-comum dizer-se que é mais importante acrescentar vida aos anos que anos à vida. Ou seja, chegar-se a velho cheio de achaques, por vezes amarrado a uma cama, não é, de certeza, um futuro risonho para ninguém. Espero que leia este meu comentário para que cheguem a si os meus votos de um novo ano com muita saúde e exercício físico adaptado à sua idade e à sua forma física actual”.
Se fosse hoje teria citado, depois de ter voltado a folhear a noite passada o livro de Christiaan Barnard, célebre médico sul-africano, pioneiro na técnica dos transplantes cardíacos, Como defender o coração - tudo o que precisa saber sobre o ataque cardíaco (Livros do Brasil, Lisboa, 1971), este saboroso naco de prosa, ínsito nas respectivas, pp. 88-89:
“Muitas vezes me tem sido feita esta pergunta de ordem geral: ‘Doutor, se um homem saudável de 45 anos o procurasse e lhe perguntasse o que deveria fazer para evitar a doença coronária, o que é que lhe diria?’ Invariavelmente, quem faz a pergunta espera uma espécie de resposta do tipo frase-feita, como por exemplo: ‘Dir-lhe-ia que aprendesse estes simples versos:
'Deitar cedo e cedo erguer;
Não fazer exercício de competição:
Evitar todo o stress:
Ter cuidado em não comer
Manteiga ou ovos ou creme ou carne.
E porque é mau ser varão,
Como está claramente provado,
Faça extirpar os seus testículos!’ ”
Os versos que atribuem o malefício para a saúde coronária à condição de varão fundamentam-se em estudos epidemiológicos que atribuem esta morbilidade em percentagem estatística bem maior aos homens. Mas isso era em tempos em que o cigarro não era um vício feminino herdado de um certo diletantismo propagandeado por Hollywood.
Sobre o stress, apontado como um dos factores da diminuição da esperança de vida humana, conta Christiaan Barnard ter-lhe sido dito por um condutor de táxi em Nova Iorque: “Sossegue. Só há duas coisas que tem de fazer. Tem de pagar os impostos e tem, um dia, de morrer”. Isto em resposta ao apelo feito por este cirurgião à entrada deste meio de transporte: “Vamos embora. Tenho de estar lá às oito e um quarto!”
A última linha destes versos propõe uma medida draconiana - não fundamentada em dados estatísticos sobre a longevidade dos eunucos - que poderá evitar a doença coronária, tal como faz, reconhecidamente, a actividade física, retardando assim o "dia da prestação de contas a Deus". Mas valerá a pena aos quarentões terem um coração saudável, com as coronárias “desentupidas” de ateromas, isto é, placas de degeneração adiposa localizadas na túnica íntima das artérias, mas serem incapazes de amar? Sempre é melhor a prática do exercício físico devidamente orientada por quem para isso se encontra habilitado porque, como escreveu Leonardo da Vinci, “os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que entram no navio, sem timão nem bússola, nunca tendo a certeza do seu destino”.
Na imagem: Christiaan Barnard na capa da revista Time.
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