Hoje é Dia Mundial da Poesia 2011. Texto, a propósito, recebido de Elsa Ligeiro, editora de poesia ("Alma Azul"):
A 21 de Março celebra-se o Dia Mundial da Poesia. A UNESCO, em 1999, para preservar a diversidade Linguística da Humanidade, decidiu criar um Dia que servisse para reflectir a identidade dos povos a partir da sua Língua.
Portugal já o faz há algumas décadas porque o dia da sua identidade multicultural, 10 de Junho, é também o do maior poeta de Língua Portuguesa: Luís Vaz de Camões. Por Portugal ser um país de Poetas? Sim, penso que este lugar-comum tem mais profundidade do que aparenta. Mas não pela versão popular que há em cada português um lírico.
A Poesia, ao contrário do que pensam muitos, não é um jeito especial para a rima. Há grandes poetas que não só rejeitam a rima, como insistem em fugir à sua música. Apenas porque o que procuram acima de qualquer toque de prazer, ou beleza, é a verdade sublime das coisas.
A procura da verdade, do saber, é o primado da poesia. Mas também ir ao fundo, mais fundo, da identidade humana e social. O que é ser humano. Qual o nosso limite para nos conhecermos e nos relacionarmos com os outros. Porque amamos e odiamos. Porque somos altruístas e vingativos. Porque nos transcendemos na paixão e nos suicidamos no desespero. Porque toleramos ditadores e fazemos revoluções. Sei que todas as ciências sociais têm uma, ou duas, destas preocupações humanas para resolver. A Poesia e a Filosofia têm-nas no seu conjunto. Mas enquanto a Filosofia procura o ontológico para pensar o mundo, a poesia ousa fazê-lo a partir de dentro (há quem goste do coração como metáfora). De dentro, e do mais profundo poço da razão, do amor e do ódio que é possível ao que é humano.
É por isso (e só por isso) que a poesia exige esforço e empenhamento de todos os sentidos. A quem a escreve e a quem a lê. Eduardo Lourenço lembra-nos que:
“a Poesia – quer dizer a longa trama dos poemas onde a humanidade a si mesma se construiu, a única Arca de Noé que sobrevive a todos os dilúvios – não é a nossa maneira de nos evadirmos do que somos, mas de nos apercebermos de quem verdadeiramente somos. É uma barca de palavras, mas tem o poder de transfigurar o que é opaco e não humano naquela realidade que tem um sol no meio e chamamos vida, a nossa vida, a nossa única vida”.
Se hoje, ao olharmos para um livro de poesia, fino, pequeno, reduzido ao essencial; este não tem a força de nos interpelar, é porque o poder nos vigia e ameaça. Com o peso das palavras que transformam a linguagem e a comunicação num palavreado demagógico com que esse poder insiste em confirmar a sua (pouca) importância. Não será este o momento certo para perguntar se não nos condenaram já à pena capital do medo? Como a seu tempo nos avisou, com a sua habitual lucidez, o poeta Alexandre O’Neill, no seu Poema pouco original do medo.
Elsa Ligeiro
segunda-feira, 21 de março de 2011
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8 comentários:
Enfim, a leitura deste texto fez-me lembrar um ditado de um velho da minha aldeia:
- "Pãos ou pães, questão de opiniães"
Acaso, a rima e a musicalidade em Camões diminuem (em) alguma coisa tudo aquilo que a autora define como essencial na poesia?
E as quadras "analfabetas" de António Aleixo?
Agora, a poesia não é só nem principalmente rima, como hei-de dizer, não é falar de mau e de bacalhau, e renhaunhau renhaunhau... Por isso é que Portugal não é, em minha opinião, um país de poetas. Mas é um país com muitos bons poetas, felizmente.
Mas gosto do excerto de Eduardo Lourenço.
Quanto ao mais, "coma" cada um do que gostar, se puder. E em matéria de poesia, pode(-se).
Falando de Poesia e de Filosofia, o que é concretamente "partir de dentro" ou, por oposição, "partir de fora"? Onde é que se situa o "ontológico" ou o "poético"? Será que a Poesia, rimada ou musicada, não é estruturalmente uma actividade do tecido cerebral? A Poesia não se explica; faz-se e sente-se! O resto... são cantigas de arroz pardo, como gostava de dizer o grande Aquilino. JCN
POESIA... QUE É?
Poesia é liberdade, amor, é tudo
o que do chão liberta o ser humano,
Poesia, se de todo não me engano,
é mais questão de engenho que de estudo.
Poesia é dor, é sentimento, é luz
que vivifica a opaca natureza
e da matéria vil, que não se preza,
extrai o diamante que reluz.
Poesia é condição de santidade
que só conhece, em termos de expressão,
a linguagem pura da verdade.
Que Deus me deixe, at
e ao fim da vida,
curtir e albergar no coração
o dom da Poesia... assim sentida!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Quem credenciou Eduardo Lourenço para pontificar nesta matéria? Acaso ele é... Poeta? JCN
Corrijo, no 2º verso, a gralha "liberta" por "levanta" e, no 12º, acerto a linha, que passa a ser:
Que Deus me deixe, até ao fim da vida,
JCN
POETAS
Só Deus os faz, só Deus e a Natureza,
só Deus faz os Poetas, essa raça
de Orfeus discriminados pela graça
de terem um lugar à sua mesa!
Submissos ou rebeldes, desde o berço
trazem consigo o estigma dos eleitos,
cabendo-lhes, a todos os respeitos,
questionar o Homem no universo.
Essa missão, permitam-me dizê-lo,
não flui por inerência do capelo
pela Universidade conferido.
Os lentes, de saber reconhecido,
fazem juristas, médicos, estetas,
o que jamais fizeram... foi Poetas!
JOÃO DE CASTRO NUNES
PÓS-MODERNIDADE
Tudo está dito à face do universo
de modo insuperável desde Homero
que poeta nenhum com mais esmero
as emoções humanas pôs em verso.
Independentemente dos países,
das línguas e das métricas usadas,
todas as formas de expressão tentadas
nem perto estão das radicais matrizes.
Na própria Roma e no Renascimento,
de Vergílio a Camões, Petrarca e Dante,
nada mais foi que emulação constante.
Na pós-modernidade, é o momento
de, como faz a abelha, recolher
de cada flor o que melhor houver!
JOÃO DE CASTRO NUNES
POETICIDADE
Por este andar decerto não demora
a cada vez haver menos leitores
das produções poéticas de agora
e seus correspondentes editores.
Não é questão de falta de cultura
seguramente nem sabedoria,
mas uma vocação da criatura
para dar forma à voz da Poesia.
Palavras, só palavras sem sentido
em frases que não dá para entender
e muito menos se reter no ouvido,
há que reconhecer que, na verdade,
chamar-lhes poesia... é não saber
em que consiste... a poeticidade!
JOÃO DE CASTRO NUNES
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