É evidente que uma boa parte da nossa juventude se sente retratada na canção d’ Os Deolinda Que parva que sou. Ela é uma espécie de radiografia; mas na medida em que é a imagem de uma geração não é uma canção de intervenção. E, portanto, não é uma arma, mas antes um aconchego de alma; é um lamento e uma almofada.
Porque, se é certo que denuncia as inúmeras situações de exploração e subaproveitamento de uma geração – com o que isso tem de injusto, revoltante e prejudicial para todos – reconhece que uma parte dessa geração se deixa estar e vai usufruindo. É claro que, em muitos casos, é difícil ou até impossível fazer melhor e lutar e romper, mas noutros é a própria juventude que parece não desgostar da situação, ou faltarem-lhe forças, e disso também a música fala. Se este retrato se está a transformar numa arma, como alguns pretendem, na medida em que é um auto-retrato crítico reforça-o, e anestesia, os efeitos da luta que dizem ela propor.
O texto em que contrapunha Os Deolinda ao Paco Bandeira, aqui publicado, mereceu alguns comentários, uns, delicados, outros agressivos. Um deles referia que não poderemos esperar mais de jovens que foram criados como gatinhos de estimação, transportados ao colo para todo o lado e só com experiências de sofá. Talvez que uma parte do problema passe por aqui. O acesso generalizado a melhores condições de vida a partir dos anos sessenta, conciliado com práticas educativas mais macias e civilizadas (embora muitas vezes piegas, mal informadas e pior aplicadas) proporcionaram às novas gerações formas de vida, comodidades e benefícios que impedem espíritos fortes e lutadores. Que era no que se transformavam (para o bem e para o mal) os que, desde cedo, se confrontavam com a vida dura a valer de outra eras.
Em certa medida é o resultado de um Portugal muito melhor e mais evoluído, mas que tem muita dificuldade em encontrar o bom senso do meio-termo e a que falta uma moral social e de negócios. Por outro lado, o acesso generalizado ao ensino superior, que só agora se está a fazer sentir entre nós, e o desaparecimento do ensino técnico, teriam que ter estas consequências: excesso de oferta de diplomados superiores, para as tarefas adequadas disponíveis, e técnicos médios abaixo das necessidades.
Não adianta dizer mal do estudo e do conhecimento, porque eles nunca são maus, podem é não ser tão imediatamente úteis, como se previa e se deseja. Temos que ver neles instrumentos de qualificação e produtores de possibilidades. O país é pequeno, pobre e desequilibrado, as empresas são quase todas pequenas e micro. Muitas esgotam-se a tentar sobreviver sabe Deus como, outras, ainda olham para os licenciados como um luxo desnecessário e até perigoso.
É pouco inteligente, mas só agora se começa a perceber o potencial económico de um cérebro bem preparado e de qualidade; em suma, é preciso haver um meio evoluído para o aproveitar. Mas como vamos seguramente precisar dos que agora são explorados, devemos lutar, por todos os meios, contra a presente exploração e abuso que são auto-destrutivos. E também contra os parasitas e agentes de estupidificação que, bloqueando o país, prejudicam todos, mas sobretudo os mais capazes.
Foi pensando nestas coisas que reparei, e porque alguém ma enviou, na música de Paco Bandeira: ataca e põe a ridículo muitos dos factores de atraso, de exploração e do “deixa andar” nacional. Se tudo isto desaparecesse, a canção d’ Os Deolinda não teria razão de ser.
João Boavida
terça-feira, 8 de março de 2011
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8 comentários:
Gostei muito do seu texto professor, apenas acrescento que, alem de nao ter duvidas que nao é uma musica de intervenção, mas que ajudou os jovens frustrados a tentar canalizar certa "revolta" através de, quase, um hino. Relembrando então que a letra da musica Que parva que sou é do mesmo autor da musica Movimento Perpetuo Associativo dos Deolinda, que reflete essa postura do deixa andar e dos parasitas...
Agora sim, damos a volta a isto!
Agora sim, há pernas para andar!
Agora sim, eu sinto o optimismo!
Vamos em frente, ninguém nos vai parar!
-Agora não, que é hora do almoço...
-Agora não, que é hora do jantar...
-Agora não, que eu acho que não posso...
-Amanhã vou trabalhar...
Agora sim, temos a força toda!
Agora sim, há fé neste querer!
Agora sim, só vejo gente boa!
Vamos em frente e havemos de vencer!
-Agora não, que me dói a barriga...
-Agora não, dizem que vai chover...
-Agora não, que joga o Benfica...
e eu tenho mais que fazer...
Agora sim, cantamos com vontade!
Agora sim, eu sinto a união!
Agora sim, já ouço a liberdade!
Vamos em frente, e é esta a direcção!
-Agora não, que falta um impresso...
-Agora não, que o meu pai não quer...
-Agora não, que há engarrafamentos...
-Vão sem mim, que eu vou lá ter...
Independentemente da conta em que tenhamos esta geração e os diplomas que lograram alcançar, não podemos ignorar a sua sorte desgraçada, tratada como serviçal, mal paga, sem contratos de trabalho que lhe garantam um mínimo de dignidade e de conforto material.
Se contemporizarmos com tamanha indignidade é toda a comunidade que virá a sofrer com isso. As pessoas tenderão a ser encaradas como meros acólitos, súbditos de toda a casta de senhoritos, pequenos tiranetes e novos senhores feudais, soberbos dos seus domínios.
Isto é retrocesso social, caminho muito perigoso, não só para as novas gerações, como para toda a sociedade.
Contra este espectro é preciso lutar. Desde logo denunciando a situação presente, desmascarando os seus promotores, aqueles que lucram com tal estado de coisas, absolutamente deplorável.
António Viriato
Bom Dia
Muito interessantes e actuais estas frases:
"reconhece que uma parte dessa geração se deixa estar e vai usufruindo. É claro que, em muitos casos, é difícil ou até impossível fazer melhor e lutar e romper, mas noutros é a própria juventude que parece não desgostar da situação, ou faltarem-lhe forças, e disso também a música fala. Se este retrato se está a transformar numa arma, como alguns pretendem, na medida em que é um auto-retrato crítico reforça-o, e anestesia, os efeitos da luta que dizem ela propor."
"É pouco inteligente, mas só agora se começa a perceber o potencial económico de um cérebro bem preparado e de qualidade; em suma, é preciso haver um meio evoluído para o aproveitar."
Augusto Küttner de Magalhães
Concordo consigo. Até considero a canção superficial. Só não achei bem os políticos terem criticado uma canção. Parece que são "parvos". Toda a gente devia saber que isso é contraproducente em democracia, ou seja, quando não podemos colocar as coisas num "index" a queimar. Não conhecia a do Paco Bandeira que é, sem dúvida, muito superior. Também não faz sentido tanto alarido sobre um festival que já ninguém via há décadas. É só uma canção. Agora, sem dúvida, Portugal, como sempre ouvi desde a mais tenra idade, "está em crise", tem uma crise, vive com crise. Eu da "geração rasca", que tenho emprego mas até preferia mais "mobilidade", para não levar com esta vida de castigo, sei o que é o FMI desde a infância, mas, lá em casa, sempre me disseram que, pesar de tudo isso, eu "já nasci em bom tempo". Seja na rua ou na prisão, Portugal só vai deixar a crise quando descobrir "ou uma mina", ou passar a ter cérebro. E o que é que podemos nós fazer? Não sei, mas eu vejo, pelos meus sobrinhos pequenos (eu não tenho, não por adiar...), que vem aí uma nova geração mais "competitiva", mais preparada e aplicada. Porque a classe média, da minha geração ou um pouco mais velhos, que consegue ter um ou dois filhos, em geral está a apostar alto, não para os preparar para tirar um curso superior, mas para serem os melhores. Não sei se posso generalizar, mas é isso que tenho visto na minha família.
Ana
"gatinhos de estimação, transportados ao colo para todo o lado e só com experiências de sofá."? Certo. Mea culpa, que sou da geração dos pais e professores da geração à rasca. Mas daí não se segue que compactuemos( por receio que nos venham desalojar do nosso mal seguro status?), com esta segunda parte da sua vida em que são tratados "abaixo de cão".
Geração de Abril(?)que farejou, fugazmente, a liberdade e o deselvolvimento
Dada a crise política actual
dausada por senil decrepitude,
há que reconhecer que em Portugal
a voz pertence agora à juventude!
JCN
"Dausada" é gralha por "causada". JCN
Esperemos que saibam construir
uma democracia a sério, alicerçada
numa cidadania que por nada
se deixe corromper ou poluir!
JCN
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