segunda-feira, 7 de março de 2011
Desobediência: questão de vida
A minha crónica semanal no jornal i, desta vez relembrando Stanley Miller e uma das mais elegantes experiências científicas do século passado que, no meu tempo de secundário, ainda era referenciada e discutida ...
Quando Stanley Miller nasceu, há precisamente 81 anos, ninguém sonharia que um dia viria a trabalhar com um químico laureado com um Nobel, nem tão-pouco que realizaria uma das mais fascinantes experiências do seu tempo. Em 1953, sob a supervisão do seu orientador nobelizado, Harold Urey, Miller juntou água, hidrogénio, amoníaco, metano, algumas descargas eléctricas e o resultado foi... Bem, regressemos primeiro a 1929, altura em que o grande bioquímico britânico Haldane e o soviético Oparin anunciaram que os ingredientes da vida tinham existido na Terra primordial e que, combinados com a radiação solar e outros mecanismos, desencadeariam a explosão dos seres vivos. Urey sempre gostou da ideia, mas era preciso testá-la. Urey, inicialmente, desencorajou Miller: "Serão precisos anos até termos resultados", disse-lhe. Miller desobedeceu, simulou o ambiente da Terra-bebé e,nesse mesmo dia, encontrou uma camada de hidrocarbonetos na água; uma semana depois pasmou com uma lama castanha: moléculas orgânicas, aminoácidos, o infinitesimal da vida! Miller enviou os resultados para a revista "Science", creditando Urey como co-autor. Urey riscou o seu nome, argumentando apenas: "Eu já tenho um Nobel!" Carl Sagan, o mais famoso cientista-divulgador do nosso tempo, descreve a experiência como "o passo mais convincente de que a vida pode existir em abundância no cosmos". Parabéns, Stanley Miller, pelo aniversário e pela desobediência!
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3 comentários:
Sempre admirei Carl Sagan, tenho vários livros dele, não perdia nenhum dos seus programas de televisão. Pena que tenha morrido tão novo! Stanley Miller, se alguma dúvida havia de que não houve Criador nenhum da Vida, como afirmam todas as religiões, provou-nos que a Vida surgiu assim como uma força que não poderia deixar de "rebentar", dadas as circunstâncias óptimas para o acontecimento. Só é pena que esteja tão esquecido! E muito mais pena é que as religiões continuem a dominar o mundo e a alienar os Homens, apregoando um Deus ou deuses inexistentes e os seus Céus ou Infernos eternos... Se alguém estiver interessado em aprofundar estes assuntos, embora haja aqui um ítem sobre religiões, convidava-o a visitar o meu blog "Em nome da Ciência", em que escrevo às segundas-feiras, e cujo acesso directo é: http://ohomemperdeuosseusmitos.blogspot.com
Calma. Stanley Miller não provou a origem da vida a partir da matéria mineral. Mas provou que a matéria fundamental da vida - os seus "tijolos" - podem ter origem abiótica, facto que pode ter acontecido na Terra há 4.000 milhões de anos. O que é foi e é extrarodinário, em si mesmo e nas suas implicações, como fez notar o génio de Carl Sagan.
De qualquer forma, e como diriam os "gato fedorento", convém não "queimar etapas"...
Mas, realmente, a montagem da experiência é de uma elegância só ao alcance de grandes cientistas (artistas?...). E que empolgante era analisá-la com alunos do ensino secundário, como os olhos lhes brilhavam! Agora, em biologia de 10º, abordamos pasteladas " a cem à hora", sem conteúdo nem nexo, dando literalmente cabo dos assuntos, que nenhum aluno percebe bem, e que quase todos detestam (façam-lhes um inqueritozinho, façam...), dando mais importância ao invólucro (os miserandos, fastidiosos e inúteis mapas de conceitos, mais os "vês" de Gowin, e outras metodologias inovadoras...) do que ao miolo, à substância... Como se não fosse a aprender coisas que se aprendem essas e outras coisas.
Mas, enfim, é o que temos tido. E o que vamos continuar a ter. Ou não tivéssemos que nos submeter a tão profícua sucessão de inovações metodológicas como aquela que tem dado cabo do ensino das ciências naturais no nosso ensino secundário.
Corrigenda: no comentário que fiz anteriormente, na quarta linha, onde se lê "O que é foi e é"..., o primeiro "é" está, obviamente, a mais.
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