quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Prefácio do tradutor de "Objectos Fractais"
Dado o recente falecimento de Benoît Mandelbrot, autor do livro "Objectos Fractais" (Gradiva, 1991), recupero o meu prefácio dessa obra, já com duas edições em português:
Quando, em Junho de 1990, o matemático francês Benoît Mandelbrot esteve em Lisboa para presidir à "Fractal 90", uma reunião científica sobre os objectos que lhe devem a paternidade - os objectos fractais -, manifestou o desejo de ver publicada em português a 3.ª edição, datada de 1989, do seu livro francês Les Objects Fractals. A Gradiva acolheu logo com grande entusiasmo a ideia de editar o livro que agora sai do prelo.
Esta edição portuguesa inclui, tal como a do original francês que lhe serviu de base, um Panorama Geral da Linguagem Fractal, que é um texto de síntese e de comentário sobre o lugar e e o significado dos fractais no quadro das ciências contemporâneas. Porém, e por especial deferência do autor, o presente texto do Panorama aparece bastante modificado e acrescentado. A bibliografia foi actualizada com referência a alguns trabalhos que, num fluxo crescente, têm vindo a ser publicados nos últimos anos. A fim de ajudar leigos que eventualmente queiram saber mais, incluem-se listas separadas de de livros recentes de divulgação, que de algum modo colocam a ênfase nos fractais, assim como de livros sobre computadores e gráficos, que discutem o caos e os fractais e, finalmente, livros para os mais novos. O primeiro e hoje já um texto histórico, Objectos Fractais, foi expurgado (pelo menos assim se crê...) de pequenas gralhas presentes no original. Os tradutores pretendem agradecer ao autor o interesse com que acompanhou esta edição e a amabilidade com que sempre respondeu às dúvidas que um trabalhoi de tradução naturalmente suscita.
A palavra "fractal" é um neologismo introduzido por B. Mandelbrot que entretanto já entrou nas mais diversas línguas. Surge, com este livro e de forma oficial, na língua portuguesa. Embora, na comunidade científica nacional, o número de utentes da geometria fractal seja ainda escasso, o número de pessoas, estudantes, cientistas ou simples leigos que a descobrem e por ela se entusiasmam cresce dia a dia. O pintor Lima de Freitas, por exemplo, encontra nessa geometria a inspiração para algumas das suas últimas obras, julgando ver na arte manuelina reminiscências da "fractalidade" (outro neologismo!).
Mandelbrot oferece-nos, com os fractais, uma maneira nova não só de usar a matemática, como de ver e conhecer o mundo, natural ou artificial. Mostra-nos como esse instrumento moderno que é o computador abre fronteiras que são exploradas com esse velho aparelho que é o olho humano. Nos tempos manuelinos, a abertura de novas fronteiras não se fez sem "velhos do Restelo". Ainda hoje os há, nomeadamente entre os (poucos) matemáticos que tinham de todo abdicado da visualização como elemento de descoberta. O físicos, químicos, biólogos e geólogos, dispostos a aprender a forma das nuvens, doa agregados coloidais, dos fetos arbóreos ou das falhas tectónicas, incluíram rapidamente a geometria fractal na sua caixa de ferramentas. Os leigos, por sua vez, dificilmente deixarão de ser percorridos por sentimentos estéticos quando contemplam objectos artificiais que mais parecem naturais ou vice-versa. Com os fractais, ganham, uns, intuições inéditas, outros, descrições diferentes e, outros ainda, emoções particulares.
Com todos estes ganhos, é certamente bem-vinda a edição portuguesa dois "Objectos Fractais". Parafraseando Fernando Pessoa / Álvaro de Campos:
"O conjunto de Mandelbrot é tão belo como a Vénus de Milo.
E há cada vez mais gente a dar por isso"´. "
Nova Orleães, Julho de 1991
Carlos Fiolhais
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