domingo, 21 de novembro de 2010

Isso é unitário?

A comunicação da ciência entre os pares, se os pares são, como devem ser, críticos, pode revelar-se particularmente difícil e embaraçosa. Até o brilhante físico Feynman sentiu essa dificuldade e esse embaraço, como a seguir se conta:

“Quando encarou os seus colegas mais velhos na sala do Pocono Manor, Feynman deu-se conta de que estava a ficar cada vez mais confuso. Ao contrário do habitual, sentia-se nervoso. Não tinha conseguido dormir. Também tinha assistido à apresentação do elegante trabalho de Schwinger e temia que, ao lado desta, a sua comunicação, parecesse inacabada. Procurava transmitir um novo programa para efectuar os cálculos mais exactos que a física actualmente exigia (...).

As ideias eram estranhas e o seu estilo displicente irritou alguns dos europeus. As suas vogais eram uma espécie de rugido rouco típico dos citadinos. As consoantes eram mal articuladas, de um modo característico das classes baixas. Oscilava para trás e para a frente e fazia rodar rapidamente um pedaço de giz entre os dedos, em todas as direcções. Faltavam-lhe poucas semanas para completar 30 anos, já estava a ficar velho para passar por um menino prodígio.

Tentou passar por cima de alguns pormenores que podiam ser mais controversos — mas demasiado tarde. Edward Teller, o conflituoso físico húngaro que estava a caminho da chefia do projecto do pós-guerra de construir a super bomba, a bomba de hidrogénio, interrompeu-o com uma questão de física quântica básica: «E o princípio da exclusão?»

Feynman tinha querido evitar isto. O princípio da exclusão significava que apenas podia haver um electrão num dado estado quântico: Teller pensou que o tinha apanhado a tirar dois coelhos de um só chapéu. Na realidade, no esquema de Feynman, as partículas pareciam violar este princípio, tão acarinhado, ao adquirirem existência durante um instante fantasma.

— Isso não altera nada ... — começou ele por responder.
— Como sabe?
— Sei. Parti de ...
— Impossível! — exclamou Teller.

Feynman desenhava estranhos diagramas no quadro. Mostrou uma partícula de antimatéria a recuar no tempo. Isto confundiu Dirac, o homem que tinha previsto, pela primeira vez, a existência de antimatéria: Dirac fez-lhe, então, uma pergunta sobre a causalidade:

— Isso é unitário? — Unitário! Que diabo queria ele dizer com aquilo?

— Eu explico-lhe — disse Feynman, e assim pode ver como isto funciona, depois dir-me-á se é unitário. — E continuou. ...”

Referência bibliográfica: Gleick, James (2005). Feynman, a natureza do génio. Lisboa: Gradiva, página 12.

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