segunda-feira, 1 de novembro de 2010
DIAS FÉRTEIS
Nova crónica do bioquímico António Piedade, saída no "Diário de Coimbra":
Sabe qual é, durante o ciclo menstrual, o período fértil? Isto é, os dias em que a probabilidade de ocorrer fertilização de um oócito por um espermatozóide e eventualmente engravidar, é maior?
Se não sabe e é mulher, então pertence ao de grupo de 59% de mulheres portuguesas, com idade compreendida entre os 20 e 44 anos, residentes em Portugal continental que também o não sabe. É impressionante o desconhecimento que a maior parte da população feminina portuguesa em idade fértil tem sobre o que acontece, mais ou menos mensalmente, no seu corpo e que pode alterar maternamente a sua vida!
Um inquérito pessoal, realizado entre 3 e 13 de Setembro deste ano, a 502 mulheres com idades compreendidas entre os 20 e os 44 anos, distribuídas proporcionalmente por sete regiões de Portugal continental, elaborado pela empresa GFK Metris, revelou que cerca de 60% da população feminina portuguesa não sabe quais os dias em que pode engravidar durante o ciclo menstrual.
Falta de educação sexual? Não tiveram Biologia no 12º Ano de escolaridade? Não sabem contar? Não há tempo, interesse para perceber o que acontece com o corpo? Falta de apoio e informação acessível pelos programas de Planeamento Familiar? Quebra de continuidade na transmissão familiar de conhecimentos sobre a menarca, reprodução e menopausa? A cultura da pílula, medicamento muito útil em muitos casos específicos mas que muita gente não sabe sequer utilizar apropriadamente, não pode ser desculpa para não saber. E o estudo, não tendo este objectivo, não responde a estas e outras questões possíveis. Contudo, os resultados revelam que 70% das inquiridas ficariam preocupadas se não conseguissem engravidar num espaço de três meses!
Este estudo sobre “Gravidez e Planeamento em Portugal” foi realizado por aquela empresa de estudos de mercados a pedido da empresa Clearblue, que comercializa equipamentos de diagnóstico de gravidez e fertilidade, e apresentado no passado dia 19 de Outubro na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.
Os resultados apresentados indicam ainda que só 19% das mulheres inquiridas sabem quando é que está a ocorrer a ovulação num dos seus dois ovários, enquanto que 39% declararam que não sabem de todo identificar este momento, no qual um folículo maduro "expulsa" um oócito II (célula que dará origem ao embrião, se fecundada por um espermatozóide) para o espaço compreendido entre o ovário e vizinha a trompa de falópio.
Outro dado espantoso obtido por este estudo, indica que 69% das mulheres consultadas não se recorda qual o dia exacto em que tiveram o último período! Falta de memória ou uma desatenção ao que se passa com o seu corpo em relação aos ciclos hormonais próprios? Indiferença pela regularidade?
Antes de finalizar, e a propósito, recorde-se o que os dias mais férteis para engravidar, ou seja para a cópula com propósito reprodutivo, durante um ciclo menstrual, são os dois que antecedem o dia da ovulação e este próprio, o qual ocorre em média entre o 13º e o 15º dias do ciclo a contar do dia do início da última menstruação (período conhecido por ciclo ovárico), podendo estes valores variar entre mulheres de forma normal.
Acrescente-se que o oócito II, uma vez fora do ovário, consegue manter-se viável e fecundável entre 12 a 24 horas após a ovulação. No que diz respeito aos espermatozóides, estes sobrevivem entre 24 a 48 horas no ambiente uterino e das trompas de Falópio. Após a ejaculação na vagina, os espermatozóides “sobem” até ao colo do útero, transpõem o canal cervical, entram no útero e percorrem a parede uterina até alcançarem a trompa de Falópio, local onde ocorrerá a fertilização. Esta “viagem” pode ter a duração de uma hora. Feitas as contas, só os espermatozóides que estejam nas trompas até 48 horas antes da ovulação é que terão a oportunidade de lutar pela fecundação. E o oócito II ovulado terá até um dia de vida de esperança de vir a ser fecundado por um espermatozóide que por ali ainda esteja paciente e viável.
António Piedade
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
8 comentários:
Pessoalmente apostaria na "desatenção ao que se passa com o seu corpo em relação aos ciclos hormonais próprios" (que não implica necessariamente não conhecer os eventos dos ciclos ovariano e uterino, mas sim de não ter parado para pensar no seu próprio corpo)... ;)
Na realidade só uma parte das raparigas que frequentam o 12º ano de escolaridade têm biologia, uma vez que esta disciplina pertence apenas a alguns cursos da área de ciências. E, coisa espantosa, mesmo entre as pretendentes a cursos de medicina, algumas trocavam-na por psicologia sempre que o "estudo" das classificações "habituais" dos diversos professores de uma dada escola lhes "indicava" que assim obteriam uma classificação maior... pois essa opção não só não impedia o acesso pretendido como podia facilitá-lo...
É verdade, o nosso sistema de ensino, tem coisas destas...
O facilitismo na "cultura" da pílula é consabidamente um problema...
Quando, em 84/85 estagiei na Escola sec. José Falcão, em Coimbra, ainda dávamos a a reproduçao humana no décimo ano, motivo por que se abrangiam mais alunas, numa idade mais precoce, factor de grande importância.
Depois, foi sempre de inovação em inovação, até se chegar aos programas actuais, em que é obrigatória uma diversidade de conteúdos, designadamente da área da geologia, que não vão adiantar grande coisa à formação da generalidade dos alunos, que apenas os toleram porque são obrigados... E com isto nem se ensina bem a geologia aos (relativamente poucos) alunos que dela gostam realmente, nem aos muitos que lhe passam por cima com desprezo.
E por outro lado, arranjamos depois especialistas extra-escola que nos vêm explicar a importância da educação sexual e impô-la por portaria...
Mas, que se há-de fazer?
O meu comentário anterior não dá conta da apreciação muito positiva com que leio os artigos do Dr António Piedade.
E contém gralhas e vírgulas que escaparam ao meu controlo voluntário. Lamento.
Esta admiração do Piedade é mesmo típica daqueles portugueses com a mania que sabem o que é a cultura e que têm muita cultura geral.
Eu também não sei em que dias em que as mulheres podem engravidar, e já li sobre isso várias vezes ao longo da vida. Porque é que não sei ou me esqueci? É fácil, porque é um conhecimento que não me faz falta absolutamente nenhuma, e imagino que este deve ser o mesmo motivo que faz com que as mulheres não se interessem por isso. Se elas tomam a pílula e não têm que se preocupar em saber se vão engravidar, para que é que vão estar preocupadas com isso?
E, se quiserem engravidar, também não têm que se preocupar com isso. Se querem engravidar é porque são novas e gostam de sexo várias vezes por semana, ou mesmo ao dia. Se calhar o António, se quiser engravidar a companheira iria programar as sessões de sexo, mensal, para esses dias em que se engravida, usando talvez uma posição missionário para a missão do engravidamento. Só que isso é bom é para académicos geeks, as portuguesas preferirão ter uma desculpa para ter sexo mais frequente.
Quanto às minhas queridas portuguesas não se lembrarem do último dia em que tiveram o período, a resposta é semelhante: que é que isso interessa, não há nada mais em que pensar? Então se as carteiras das pílulas já trazem uma para cada dia, e quando acaba uma carteira apenas tem que se começar outra, para que é que estão a memorizar o dia em que têm o período?!
O António podia deixar de ser chatinho picuinhas?
luis
Caro Luís,
Tem todo o direito em não querer saber. Mas isto é um assunto de saúde pública. E, como disse na crónica, infelizmente há mulheres que usam e abusam e não sabem usar as tais carteirinhas de pílulas.
Como fazem como o Luís diz, sujeitam-se a graves problemas de saúde e disfunções hormonais que lhes vão retirar qualidade de vida uns anos mais tarde. Mas isso não interessa ao prazer imediato.
Saberá o Luís que a tradição popular, a cultura matriacal dava muita atenção a este assunto, o do ciclo menstrual e que toda a gente sabia quando é que podia ter sexo várias vezes ao dia, à semana, sem temer engravidar, sem ter de se medicamentar?
De qualquer forma, agradeço o seu comentário o qual é sempre bem vindo, uma vez quer todas as opiniões são de considerar.
António Piedade
Claro, todos temos o direito a não querer saber. Tal como a menina de dez anos que deu à luz em Cádis...
"É um nascimento sem precedentes na Andaluzia e causou surpresa entre as instituições espanholas de apoio social: uma menina de dez anos, de origem romena, foi mãe de um bebé de 2,9 quilos, na passada terça-feira, no Hospital de Jerez, Cádis." (in destak).
Pessoalmente, confesso que não presto atenção ao meu ciclo, embora fique atenta à sua regularidade (e outros índices). Eu e muitas outras mulheres, que têm o quotidiano a absorvê-las.
No entanto, tenho noção de que deveria zelar mais por mim. Tal como outras mulheres. Não se trata de ser "picuinhas e chatinho", discordo completamente desta afirmação. Trata-se de uma questão de saúde! De não engravidar aos dez anos de idade, de detectar cancros, disfunções hormonais, quistos, hemorragias excessivas, problemas derivados do uso incorrecto e excessivo da pílula do dia seguinte, abandono de crianças, abortos que traumatizam a saúde física e emocional de quem o faz, gravidezes indesejadas (que aumentam ano após ano entre as adolescentes com menos de 15 anos!)...
Pois...tomara a muitas, muitas crianças terem alguém picuinhas e chatinho que lhes tivesse explicado o ciclo ovárico e uterino de forma a que se protegessem futuramente.
Caro António Piedade
Gostei de ler o seu artigo intitulado "Dias férteis" no Diário de Coimbra há algumas semanas. Simples e oportuno.
A questão é pertinente: "Sabe qual é o seu período fértil?" Também eu me espanto com a ignorância que grassa por este país fora. A meu ver, nem sempre a culpa é da Biologia, mas antes da maneira como os conhecimentos da Biologia são transmitidos e integrados numa visão mais abrangente da sexualidade humana.
Educação Sexual sim, é precisa, mas não apenas para transmitir coisas. Educar para o respeito do corpo, ensinar a interpretar os seus sinais e sintomas, respeitar os ritmos biológicos de cada um, concretamente da mulher que, neste aspecto, é mais delicada... A propósito envio-lhe o link para dois artigos que, há uns anos, tive oportunidade de escrever destinados ao público em geral. Continuam actuais.
http://www.familiaesociedade.org/saudereprodutiva/planeamento/fazembebes.htm e http://www.familiaesociedade.org/saudereprodutiva/planeamento/fecundacao.htm
Claro que, se a indústria da contracepção é muito poderosa, ironicamente a da infertilidade também se quer expandir, e inventa-se de tudo, até equipamentos mais ou menos complexos para dizerem aquilo que uma simples observação cuidadosa da própria mulher poderia concluir!
Por último, gostaria de contrapor apenas alguns dados científicos que refere e que, segundo a informação que tenho, podem não ser totalmente correctos:
1 - Os espermatozóides, encontrando condições favoráveis no organismo feminino - muco cervical estrogénico do período peri-ovulatório - podem aí permanecer viáveis entre 3 a 5 dias, e não apenas durante 48 horas;
2 - Após a ovulação, a fase pós-ovulatória dura sempre entre 13 e 15 dias (geralmente 14 dias), pelo que o que faz com que os ciclos sejam mais ou menos longos é a duração da fase pré-ovulatória, que pode ser, por exemplo, de 12 dias num ciclo de 26 (12+14) dias ou de 20 dias num ciclo de 34 (20+14) dias;
3 - O oócito II consegue manter-se viável e fecundável entre 24 a 36 horas;
4 - Pode ocorrer uma 2ª ovulação no mesmo ciclo, mas sempre até 24 horas após a 1ª ovulação, o que significa que, contrariamente ao que se diz por aí, não se pode ovular em qualquer altura do ciclo menstrual, mas apenas quando as hormonas a isso conduzem!
Finalmente solicitava-lhe o dito cujo estudo que originou este artigo, pois gostava de o analisar com mais detalhe...
Cara Margarida Castel-Branco Caetano
Muito obrigado pelo seu comentário. Queira por favor indicar um email para que eu possa indicar as fontes do estudo.
António Piedade
Enviar um comentário