domingo, 6 de junho de 2010

O triunfo do "eduquês" - 3

Não se trata de uma medida facilitista. Esta é a afirmação que ressalta na comunicação social das declarações da actual Ministra da Educação acerca da medida que prevê a possiblidade de alunos do 8.º ano, mediante a realização de exames a nível nacional e de escola, passarem para o 10.º ano, mudando também de ciclo.

Nas suas palavras: "O exame é o mesmo. Mas aqueles que não tiveram possibilidade de completar no ano próprio podem preparar-se, estudar com apoio fora da escola e, se tiverem nota para passar, passarão e podem prosseguir estudos. Acredito que para alguns isso será possível”

Ora muito bem, admitamos por momentos que o sistema de ensino se torna mais flexível e permite, não a título de excepção, como acontece no presente (Despacho n.º 1/2005 de 5 de Janeiro), mas como regra, a progressão dos alunos em função das aprendizagens efectivamente conseguidas.

Assim sendo, compreende-se que TODOS aqueles que demonstrem estar avançados em relação às aprendizagens previstas para o ano escolar em que estejam inscritos, possam submeter-se a exames exigentes de carácter nacional, “preparar-se, estudar com apoio fora da escola e, se tiverem nota para passar, passarão e podem prosseguir estudos.” Assim sendo, também eu “acredito que para alguns isso será possível”.

A injustiça da medida em causa, reside na possibilidade de a progressão mais rápida ser negada precisamente àqueles que revelam um percurso académico mais bem sucedido. Pelas palavras, da professora Armandina Soares, membro do Conselho Nacional de Educação e directora de um Agrupamento de Escolas, são os que "estão em pior condições que passam à frente dos que trabalharam ao longo do ano.”

Mas reside também no facto de ela ser, em princípio pontual, estando prevista apenas para este ano lectivo. Assim sendo, os alunos que estão nas condições por ela abrangidas ficam em vantagem relativamente aos seus colegas de anos vindouros.

Reside, ainda, no facto desses alunos, mesmo que ultrapassem "as muitas exigências que têm de cumprir", nas palavras da Senhora Ministra, e cheguem ao 10.º ano, pelo facto de não terem tido um percurso escolar regular, ficarem em desvantagem relativamente aos seus colegas que passaram pelo 9.º ano. E essa desvantagem não é apenas em termos de conhecimentos, mas também em termos da ilusão que se lhes cria de que o mais importante é a progressão escolar.

Esta tripla injustiça não pode ser de modo nenhum mitigada pelo facto de a medida ir abranger poucos alunos, como alguns têm referido, porque uma injustiça, mesmo só abrangendo alguns, atinge todos e também porque uma medida, seja ela qual for, não pode ser tomada de modo avulso, mas em função de princípios.

13 comentários:

Ana disse...

Sabe, a conversão de cursos pré-Bolonha em cursos de Bolonha trouxe exactamente o mesmo problema...e no entanto, cá estão eles, em pleno, a lançar no mercado de trabalho saturado e/ou inexistente licenciados com 3 anos de estudos e sem bases sólidas...e a colocar em pé de igualdade mestres e doutorados pré bolonha e bolonha...
O que interessa é o canudo! Não é aprender! O que interessa são as estatísticas! Podemos ter um alto nível de desemprego mas ao menos teremos os desempregados mais qualificados (no papel...) do mundo! Poderemos apregoar à UE que investimos muito em educação! A UE ficará satisfeita!

Mão de obra qualificada?... só se for aquela que tem a sorte de encalhar com professores/formadores com princípios...

De qualquer forma, como sempre se viu, a ignorância acaba sempre desmascarada quando posta à prova (verdadeira prova, ou seja, a do verdadeiro mercado de trabalho). Mais tarde ou mais cedo...

E, tal como eu já referi, não esqueçamos quem ainda vai tentando combater esse chamado de eduquês...

Anónimo disse...

Como diria o meu amigo James Kauffman "Bright people sometimessay stupid things about education!
É sempre doloroso ver pessoas aparentemente inteligentes fazer espectaculares exibições de viscosidade genética só porque não podem dizer de uma medida aquilo que ela é(neste caso, como em muitos outros, pretende-se dar diplomas sem demonstração de conhecimentos). A ministra sabe que nós sabemos que ela sabe que está medida é rigorosamente o que parece. Tendo-se esquecido de preparar uma resposta falsa mas lógica, quando confrontada de chofre com algo que até já tinha uns meses, titubeou, murmurou umas ecolálias sem nexo, percebeu com aflição que o que dizia não atingia sequer a sombra de um raciocínio e investiu em frente, na direcção que evidentemente não podia tomar: a da afirmação de que isto tem a ver com "mais esforço", "mais exigência", etc. e tal.
Como têm feito o favor de nos esclarecer uns acólitos, afinal isto tem como objectivo secundário livrar alguns alunos de terem que permanecer nas escolas até aos 18 anos! Logo agora, que quase nos tinham convencido do mérito do formidável desígnio de obrigar as pessoas a permanecer na escola atá aos 18 anos (e dentro em breve aos 21 e depois até aos...).
Há muitos acólitos (muito ingénuos) que ainda não perceberam que o que é obrigatório é a escolaridade, não a aprendizagem. Mas no Ministério, onde não se dorme em serviço, já o perceberam há muitos anos. Daí que tenham tomada também há muito a firme decisão de tornar a escolaridade obrigatória mas, em simultâneo, de fornecer gratuitamente diplomas de desempenho (isto é, é preciso lá estar - mais ou menos - mas apenas isso; o Ministério até envia os diplomas para casa). Dois em um: a malta é obrigada a lá estar (e não contabiliza para os números do desemprego) e o número de diplomados é verdadeiramente europeu e moderno!
Pequeno reparo: vão ver, quando acordarem, que o problema vai ser incomparavelmente pior que o mini-problema do défice.

João Lopes

Blondewithaphd disse...

Quando ouvi a notícia (no noticiário da rádio em plena 2ª Circular entupida) fiquei pasma de indignação e devo ter vociferado as palavras da praxe que a boa-educação me impede de reproduzir. Depois googlei a notícia e vi os telejornais. Não, não alucinei na 2ª Circular. Mas deixei-me de espantos porque o que realmente me espanta é como é que eu ainda me espanto com as coisas da educação neste país. Só me pergunto, e aí sim com real preocupação, que gerações incapazes estamos a formar? Que gerações de gente vai tomar conta de nós na nossa velhice? Que país de iletrados estamos a construir?

Anónimo disse...

Meu caro sr. Blondewithaphd: tenha presente que os "iletrados" se têm limitado a ocupar o terreno que, por inconfessadas razões, os "letrados" vêm deixando à sua mercê, demitindo-se da sua idoneidade. De resto, o que está verdadeiramente em causa não são os diplomas, mas os méritos. E estes... ou se têm ou não se têm. JCN

Fartinho da Silva disse...

Estamos a construir a nossa falência técnica enquanto país! E o problema é que os responsáveis não vão responder perante um tribunal, como o comum dos mortais!

José Batista da Ascenção disse...

Enfim.
Esta será apenas mais uma "inovação" do ministério da educação. Para somar e seguir, na senda do que é costume.
E por mais que a gente suponha que um dia um módico de bom senso e justiça hão-de chegar, a realidade atropela-nos sem apelo e com agravo, pela mão de pessoas que julgávamos imunes a certo grau de irrazoabilidade.
A quem interessa uma medida assim?
Se ao menos os prendessem...

Anónimo disse...

Vani

Sou de um curso pré Bolonha tal como vc deve ser também.

Ainda estou ligado à universidade por laços de amizade e trabalho.
Estou um pouco por dentro da formação dos meus colegas e amigos mais novos que apanharam Bolonha e a palavra que me ocorre é Fraude.
Bolonha é uma fraude, propinas mais altas, menos aprendizagem, aulas em tutoria onde se vai uma vez por mês se dá uns textos e se faz umas fichas de leitura..

Bolonha não é viável pelo que disse no seu comentário, os alunos não saem com bases sólidas, o conhecimento base que as universidades têm obrigação ainda que moral de ministrar não está a ser leccionado.

Sei que os empregadores estão a fazer distinções entre os velhos licenciados e os novos e sei que até mesmo no IEFP o fazem.
Está-se a tornar costume perguntar-se se a licenciatura é pré ou pós Bolonha e pessoas do currículo antigo mencionam nos seus CVS que a sua formação é "anterior ao processo de Bolonha".

Disse e com razão que o mercado vai fazer a distinção, separar o trigo do joio.

É um engano que se está a fazer à juventude e precisa de ser denunciado.
Bem podiam ter posto Bolonha com 4 anos pois a esmagadora maioria dos cursos era de 4 anos.

Há muito para falar de Bolonha, mas deixo apenas estas notas, teoricamente visa também criar uma facilidade de equivalências padronizando um pouco os cursos, em Portugal isso nem sequer acontece e sei de casos de alunos que vão para Erasmus e tiram lá cadeiras que não existem cá e têm equivalência por outras que não têm nada a ver..

Anónimo disse...

Depois destas politicas educativas asquerosas que por ai circulam nos últimos 30 anos, ou seja a nossa mais recente democracia, vêm os políticos falar de empreendedorismo, de inovação, de investimento?

Como se atreve essa gentalha reles e miserável a vir falar de coisas que eles mesmo impedem que aconteçam devido a políticas suas?

A culpa disto é de todos os partidos que lá estiveram no poder até hoje, e também é nossa porque deixamos que isto aconteça.

Portugal não vai passar da cepa torta, da crise, da lamechisse do coitadinho, desta desgraça enquanto não houver seriedade, enquanto não se fizerem políticas acertadas com uma finalidade a longo prazo, uma década por exemplo e não para uma ou duas legislaturas!

Existe uma mania muito portuguesa que é a de cada novo governo destruir todas as políticas dos anteriores, reiniciando tudo de novo, sejam elas más ou mesmo boas!

A cada novo governo é como se Portugal começasse do zero e tudo, que estabilidade dá isso ao país?

Nós estamos a formar burros, incultos, incivilizados, gente embrutecida, completos selvagens e há de ser essa gente que vai contribuir para o futuro, por isso podemos ver o mal que estivemos, estamos e vamos estar.

Como alguém já disse neste blog, extinga-se o ministério da educação, está visto que não serve para nada, metam as escolas em auto gestão e deixem os professores trabalhar!

Ana disse...

Anónimo das 18:07, ora bem, é isso mesmo que tenho estado a ver e é isso mesmo que de os meus colegas que leccionam na universidade se queixam. De alunos que chegam ao final do curso sem nenhuma base sólida. Os sistemas tutoriais são bons no final dos cursos, em disciplinas de opção, ou em mestrados, mas só e apenas quando já se têm bases sólidas! Ora, as bases sólidas e os conhecimentos não entram por osmose no cérebro...era bom, era...como é que é possível esperar que um aluno assimile conhecimentos sólidos em aulas express de três semanas (nos cursos organizados em módulos de curta duração)???? Se a assimilação de conceitos básicos tem de ser feita gradualmente?? Os tutoriais só funcionam se forem feitos paralelamente com disciplinas básicas de formação continua e sólida, e não enfiada a murro nas sinapses!...

Pensou-se que o Bolonha traria melhores frutos e melhores licenciados. Era um sonho, para alguns. Outros viram o que iria sair dali e foram apelidados de anti-progressistas. Pois bem, aqui temos o resultado do progresso...alunos de cursos de ciências que não sabem calcular a concentração de uma solução, no final da licenciatura...

Espero que o trigo seja separado do joio, mesmo...

Fartinho da Silva disse...

Bolonha é óptimo para quem é licenciado, mestre ou doutorado pelo regime anterior e mais não digo...

Anónimo disse...

Que parâmetros vão servir para se efectuar essa separação? E, a quem compete fazê-la? JCN

Emanuel Mendonça disse...

Vani disse que os docentes do ensino superior se queixam que os alunos chegam ao fim dos cursos sem bases sólidos. E eu pergunto: até porque razão os passam? Bastava chumbá-los ou escapasse-me algo? Eu tenho o hábito de chumbar, desculpem, não aprovar, quem não mostra saber o que lhe é exigido.

Nan disse...

O pior ainda é a «mensagem» que o comum das crianças percebeu: os meus piores alunos de 7º ano já andam a dizer uns aos outros «Se ficares no 8º ano até aos 15 anos, depois passas logo para o 10º.» Não é verdade, mas foi assim que eles o entenderam.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...