sábado, 6 de março de 2010

A real dimensão do bullying nas escolas





“Oh! Em verdade vos digo, embalar as almas na esperança do reino do céu é fazer-lhes esquecer o dever forte para com o reino da terra” (Eça de Queirós).

Como se se tratasse de um fait divers, foi preciso a morte de uma criança portuguesa vítima de bullying para a consciência nacional despertar para uma situação relatada, por exemplo, já no ano de 2008, na imprensa regional, como se tratasse de uma ocorrência sem interesse relevante para comprometer seriamente o Ministério da Educação pelo que se estava a passar nas escolas oficiais de um país de brandos costumes.

Rezava essa notícia: “O tema está em voga e os casos sucedem-se. O mais recente foi em Castanheira de Pera, onde um aluno de 12 anos da Escola Básica 2.º e 3.º Ciclo Bissaya Barreto agrediu uma professora. A situação foi de tal maneira grave que até a GNR foi chamada ao local” (Diário as Beiras, 19.Abril.2008).

É esta a génese de um fenómeno mais grave com que nos deparamos hoje com a inevitabilidade de estarmos perante, apenas, o diagnóstico do bullying sem perspectivar por parte da hipocrisia oficial uma solução verdadeiramente eficaz a não ser a de chorar lágrimas sobre o leite derramado. Mas é bom que se tenha em mente que o bullying, que já causou suicídios de estudantes nos Estados Unidos, não se circunscreve a agressões físicas e/ou psicológicas entre os estudantes O fenómeno é bem mais amplo como dei conta conta neste parágrafo do meu post mais recente, Bullying nas escolas portuguesas (04/03/20010):

“O terreno foi terraplanado por cabouqueiros que transformaram o ensino em tenda privilegiada de um circo de indisciplina, sendo destinado aos professores o papel de palhaços pobres. Com o aplauso e gáudio da pequenada, entrou-se num processo que conduziu à situação de haver professores que são agredidos por pirralhos do 1.º ciclo do ensino básico (antiga instrução primária). Em entreactos de um triste drama, um estudo de 2006 concluiu que o número de agressões a professores por alunos portugueses é o dobro do que ocorre na Inglaterra. E isto é tanto mais insólito quanto o número de professores da velha Albion é o triplo dos seus colegas lusitanos”.

Será que para chamar a atenção da sociedade portuguesa para esta forma de agressão física dos alunos aos professores, não chega o facto devidamente fundamentado em dados estatísticos de os professores serem uma percentagem substancial da clientela que enche os consultórios psiquiátricos? Será preciso um(a) professor(a) suicidar-se para os zelosos corifeus do ministério da Educação reconhecerem que chegou a altura de abandonar, de uma vez por todas, a permissividade perigosa de ter matulões em escolas inclusivas oficiais como se tratassem de crianças do coro de igreja?

Não, não se pense que se trata de pura ficção do celulóide. São factos do dia-a-dia. Quantos professores não transpõem o umbral da sala de aula para ganhar o pão que o diabo amassou com a coragem e a resignação de Maria Antonieta ao subir os degraus do cadafalso revolucionário de Paris do século XVIII? E como se isso não bastasse deparam-se, ainda, os docentes mesmo dentro do recinto da própria escola, por vezes, com encarregados de (des)Educação que os agridem em desagravo pelo mau rendimento escolar dos “bons selvagens” a que a sociedade escolar retirou a bondade e a possibilidade de engrossar a religião de analfabetos diplomados? E o que dizer de sindicalistas que esperam à porta de escolas oficiais entidades oficiais que as visitam para as apupar diante dos alunos com palavras grosseiras de quem deixou a carroça à porta?

O ministério da Educação tem por hábito assobiar para o lado como que o que de mau ou perverso se passa nas escolas, endossando a solução dos problemas para elas próprias, enjeitando, assim, a responsabilidade que lhe cabe de ter sido ele próprio a publicar e manter um estatuto do aluno que lhe dá todos os direitos e lhe não exige qualquer dever ainda que a simples frequência assídua e respeitosa nas salas de aulas pagas pelo erário público. Ou seja, pelas remediadas ou magras bolsas de todos aqueles que pagam impostos num país em que fugir aos impostos é prova de um malabarismo que se aplaude como se aplaudem as habilidades circenses.

Com a devida reserva de fidelidade da fonte, unicamente como medida de reflexão e obediência ao bordão popular que nos aconselha a pôr as barbas de molho quando vemos as do nosso vizinho do lado a arder, dou conta de uma notícia que corre na Internet sobre as medidas tomadas pelo governo britânico no combate ao bullying. São elas:

"As intimidações verbais e físicas não podem continuar a ser toleradas nas nossas escolas, seja quais forem as motivações' sublinhou a Secretária de Estado para as Escolas'. Disse também que ' as crianças têm de distinguir o bem e o mal e saber que haverá consequências se ultrapassarem a fronteira'.

Acrescentou ainda que 'vão reforçar a autoridade dos professores, dando-lhes confiança e apoio para que tomem atitudes firmes face a todas formas de má conduta por parte dos alunos'. A governante garantiu que 'as novas regras transmitem aos pais uma mensagem bem clara para que percebam que a escola não vai tolerar que eles não assumam as suas responsabilidades em caso de comportamento violento dos seus filhos. Estas medidas serão sustentadas em ordens judiciais para que assumam os seus deveres de pais e em cursos de educação para os pais, com multas que podem chegar às mil libras se não cumprirem as decisões dos tribunais'. O Livro Branco dá ainda aos professores um direito 'claro' de submeter os alunos à disciplina e de usar a força de modo razoável para a obter, se necessário”.

Em contrapartida, no nosso país chegam-nos zunzuns de que o governo se prepara para retirar os esquálidos benefícios sociais ao agregado familiar do aluno violento como se a forma eficiente de combater a agressividade fosse fazer passar ainda mais fome a quem chega a ter dificuldade em adormecer por ter o estômago vazio. Ou seja pagam possíveis justos – nem sempre a escola dos pais é a escola dos filhos – por um único pecador.

Embalar a alma lusitana na esperança sebastiânica de que o bullying nacional se trata de um fenómeno esporádico e de pouca expressão é tentar fazer com que ela, na sua pureza ingénua, se esqueça do dever que o governo tem para com uma sociedade, com escreveu Camilo Castelo Branco, em que “há lágrimas espremidas pelas mãos da prepotência por a lei se acobardar de levar aos olhos do fraco o lenço que vela os olhos da Justiça”.

2 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Em tempos, a anterior titular do Ministério da Educação pronunciava-se sobre as agressões físicas a professores como não tendo "significado estatístico". Em dada escola chegou a comentar-se que, segundo o mesmo raciocínio, a haver um "ministricídio" tal não teria importância por ser estatisticamente irrelevante. Tem sido esta a dimensão humana de quem governa(?) os destinos da educação.
E repare-se que as tentativas de solução apontam para medidas do tipo de aplicar sanções pecuniárias aos pais, quando são os meninos que fazem as patifarias. Ora, isto é simplesmente fazer tudo para que os "bons selvagens" se tornem "maus selvagens" a valer. Por enquanto há avós e pais que levam no corpo dos meninos que tão bem educaram, e que ainda disfarçam e os desculpam. Mas a situação é cada vez mais difícil de esconder. E eu admito que alguns dos actuais dóceis pedagogos ainda vão evoluir até se tornarem em entusiastas da algozaria. Vejo casos em que parecem ter começado discretamente a "camaleonar-se"...
É só esperar. Vai uma aposta? E a coisa pode mesmo tornar-se abrupta se algum aluno ou professor morrer em plena sala de aula. Acham impossível?
Eu sou dos que mais desejam estar enganado. E tomara que me chamassem justificadamente pessimista até à hora da minha morte. Mas, pelo que vejo...

joão boaventura disse...

Mal comparado podemos assistir aos relatos constantes na referência O Duelo e a Briga em Portugal, publicado no suplemento semanal do Século, Ilustração Portuguesa n.º 176, de 05.07.1909.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...