segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"THE JESUIT AND THE SKULL"


Ainda me lembro de uma frase do Padre Teilhard de Chardin que li na juventude (em "O Despertar dos Mágicos", de Pauwells e Bergier) e me impressionou: "À escala do cósmico (toda a física moderna no-lo ensina) só o fantástico tem probabilidade de ser verdadeiro". Desde essa altura que me tenho interessado pela obra do sacerdote francês, que, ao longo da sua vida, tão incompreendido foi.

Assim foi com júbilo que encontrei uma recente biografia do jesuíta e paleontólogo Teilhard de Chardin (1881-1955) da autoria de um escritor norte-americano de divulgação científica de méritos confirmados, Amir D. Aczel (é o autor, entre vários outros, de "O Último Teorema de Fermat"). O livro, intitulado "The Jesuit and the Skull" e subintitulado "Teilhard de Chardin, Evolution, and the Search for Peking Man", saído em 2007 na Riverhead Books (do grupo Penguin) lê-se muito bem. Apesar de captar a vida toda, centra-se no papel que Chardin teve na descoberta do homem de Pequim, nos arredores da capital Chinesa, no final dos anos 20.

Lendo-o ficamos a saber mais sobre as perseguições de que Chardin foi vítima por parte da sua própria Ordem e da sua própria Igreja, que impediram qualquer sua publicação em vida que não se restringisse à sua actividade científica estrita. Aliás, Chardin foi, depois de ter participado na Primeira Guerra Mundial (há um livro que conta essa experiência: "Escritos do tempo de guerra", Portugália, 1969) e de se ter doutorado na Sorbonne, enviado para a China em 1922, precisamente por haver receios sobre a propagação das suas posições pouco ortodoxas sobre o pecado original. Hoje o autor de "O Fenómeno Humano" (Tavares Martins, 1965) , que concebeu uma curiosa síntese entre ciência e religião baseada na teoria da evolução está reabilitado, é uma "figura de culto" em muitos meios, objecto de muitos estudos, mesmo dentro da Igreja Católica (essa síntese é pouca ortodoxa e não agrada nem à ciência nem à religião). Não pude, por isso, deixar de me admirar quando Aczel, no prólogo, refere que nos Arquivos da Companhia de Jesus, em Roma, encontrou documentos secretos, tendo sido admoestado pelo Director do Arquivo: "O senhor é um escritor: tenha pois cuidado com o que escreve. Não nos cause problemas com o Vaticano".

A história da descoberta em 1929 do homem de Pequim, um exemplo do Homo Erectus fundamental para a compreensão para a evolução humana, é emocionante. Fiquei a saber que a maior parte dos vertígios ósseos desapareceram misteriosamente sem deixar rasto, devido talvez a peripécias da guerra entre China e Japão. Na pesquisa que fiz para saber o que aconteceu a esses restos humanos, fiquei ainda a saber que, segundo a Nature deste ano, um processo de nova datação recente coloca-o numa data mais antiga do que se pensava, há cerca de 800 000 anos, o que pode fazer repensar o modo como se deu o espalhamento da espécie humana "out of Africa".

Além da disputa teológica, de arqueologia asiática (incluindo incursões no deserto da Mongólia à la Indiana Jones) e de guerra, o livro contém também um romance. A história de amor que houve, platónica, entre o paleontólogo e a escultora americana Lucile Swan, que fez uma reconstrução plástica do homem de Pequim, tendo-se tornado amiga inseparável de Chardin. Aczel conta como ela quis levar mais longe a relação entre os dois e como ele resistiu a todos esses avanços, nunca renunciando aos seus votos eclesiais (as cartas entre os dois estão hoje publicadas em inglês, mas há cartas dela que nunca foram enviadas).

Aczel já escreveu um outro livro depois deste sobre um outro padre cientista, que se cruzou na China com Chardin: o francês Henry Breuil (1877-1961), mais conhecido por "Abbé" Breuil, o estudioso da arte pré-histórica O novo livro intitula-se "The Cave and the Cathedral" (John Wiley, 2009), tive-o em mãos, mas como estas já estavam demasiado cheias, guardei a sua aquisição para outra oportunidade. Não sei, por isso, se o livro fala da relação de Breuil com Portugal. Breuil esteve em Portugal por várias vezes, nomeadamente em 1919, logo depois da Primeira Guerra Mundial, quando foi preso por um guarda-fiscal sob a acusação de espionagem, e em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, tendo nessa altura cá permanecido durante quase dois anos. Breuil e Chardin testemunham a possibilidade de coexistirem na mesma pessoa as funções de cientista e de sacerdote católico. Há mais casos, claro, mas faço notar que nestes dois não houve a atribuição de paróquias. Os dois foram tudo menos paroquiais.

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