quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

IDEIAS E TEORIAS EM EDUCAÇÃO

Na continuação de textos anteriores (aqui e aqui), eis a terceira pergunta que um grupo de estudantes do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade de Coimbra me colocou: 

Como vê a relação das teorias ou ideias pedagógicas com as políticas de educação de hoje?

Uma ideia não é uma teoria ainda que uma teoria possa partir de uma ideia. Uma teoria científica é um articulado consistente que procura explicar algo. De modo simples ou, até, simplista, alguém, no singular ou no plural, percebe um fenómeno, algo que o deixa perplexo, avança uma ou várias explicações, que sujeita à verificação empírica. Essa verificação pode confirmar ou infirmar a teoria. Mesmo que a explicação seja confirmada, ela nunca pode ser declarada como definitiva, nunca pode ser dada como fechada. 

Voltando à pergunta, não vejo que seja dada importância às teorias dignas desse nome no delineamento das políticas educativas, nem no trabalho escolar. Lamentavelmente, também não vejo que elas sejam tidas em devida conta em muitas instituições que formam educadores, pedagogos, professores. Prevalece nestes diversos contextos a opinião desinformada, mas também, sobretudo nas políticas educativas, a ideologia interesseira e o doutrinamento calculista.

Ideias incoerentes, superficiais, confusas, erradas, perversas são apresentadas como teorias. Como "teorias" declaradas como certezas absolutas, globais, inquestionáveis que, por isso mesmo, se replicam na sociedade e nas academias sem serem objecto de crítica, ou, sequer, de atenção. 

É muito curioso que esta confusão entre "ideia" e "teoria" (acientífica) faça parte de um modo de pensar colectivo que mistura características do racionalismo moderno, do positivismo objectivista com características da pós-modernidade e da pós-verdade. Esta mistura é, à partida, impossível, mas, afinal, não o é. Sem percebermos a incoerência, a contradição vivemos confortáveis com ela. Limitamo-nos a ir atrás de… a seguir ideias... Dou exemplos. 
Sabemos que as crianças não conseguem aprender o que está alocado à escola sozinhas nem com os seus pares, precisam de adultos educados para as ensinar, mas insistimos em dizer que as crianças “são”, à partida, autónomas. 

Conhecemos os malefícios cognitivos, relacionais e afectivos que as novas tecnologias provocam nas crianças e nos jovens, malefícios que comprometem, nomeadamente, a aprendizagem da leitura e da escrita, a atenção e a concentração, mas insistimos – ou consentimos – em substituir os documentos em papel por aparelhos digitais. 

Sabemos que a memória é o nosso “aparelho” de aprendizagem, mas confundindo-a com a capacidade de memorização, negamos ambas para valorizarmos a compreensão e a criatividade, que não existem fora desse “aparelho” que é a memória, nem dispensa a memorização.
Em suma, se por “educação de hoje”, entender o que é determinado pelos sistemas educativos, penso que eles, muitas vezes dizendo socorrer-se de conhecimento teórico, tendem a seguir o que é contrário ao conhecimento teórico credível. Insisto: nem tudo o que se apresenta como conhecimento teórico o é, mesmo que se encontre publicado em revistas científicas.

6 comentários:

Miguel disse...

Ah!... Isto já pega em vários pontos interessantes que mexem nas ditas "Ciências da Educação"... são mesmo "ciências"? Ou o que raio afinal se anda a ensinar nos ditos "mestrados em ensino"? E sobretudo nos "mestrados do e para o ensino artístico"? Mas alguém anda a utilizar verdadeira ciência, no sentido de empiricamente testada e validada? Voltamos à velha questão: toda a gente parece ter ideias como se ensina (teorias, testadas, verificadas, realmente é outra coisa), menos gente parece ter sequer ideias como se aprende, e muito menos ainda, teorias, testadas e verificadas. Se calhar era bom começar por aí, se queremos chegar a algum lado... ou ainda andamos às voltas da pirâmide de Glasser?...

Alberto disse...

Quando pairava no ar, nos idos anos oitenta do século XX, a esperança de que a Educação para todos funcionaria como uma fantástica alavanca que elevaria cultural, social e economicamente o povo português, para os patamares de desenvolvimento dos países com melhores índices de qualidade de vida, inscrevi-me, cheio de garbo, numa Faculdade de Ciências com o objetivo mínimo de contribuir, na linha da frente, para o progresso da moderna Lusitânia. Nesses gloriosos tempos, o Estado oferecia o estágio remunerado, com vencimento integral, a quem se devotasse ao ensino das Ciências, mesmo antes de se estar formalmente licenciado pela Faculdade, de Ciências, exclusivamente. Ainda não era tudo igual ao litro. O povinho tratava-nos por doutores. Ser professor do liceu era muito diferente de ser educador de infância. Em Portugal, o comunismo dava os primeiros passinhos.
Saltando uma trintena de anos para a frente, eis-nos chegados ao lamaçal em que se atolou, em todos os sentidos, a Educação em Portugal.
Uma teoria educativa que, quando aplicada na escola, leva praticamente à proibição do ensino e dos conhecimentos, enciclopédicos e outros, dos professores, que se veem despidos de autonomia técnica e científica, sobrevaloriza a avaliação das aprendizagens instintivas dos alunos, por meio de grelhas enormes, do tipo chapa 5, ou seja, cheias de falsidades, que atestam o sucesso de todos, sem exceções, e omite o problema central da violência e indisciplina, relegando-o para teorias específicas como, por exemplo, o ubuntu, não é científica

Carlos Ricardo Soares disse...

A parte mais complicada para os professores, que, afinal, são a charneira dos problemas da educação, é que eles próprios continuam a ser tratados como alunos, não obstante terem um estatuto de professor, o que quer que isso signifique, mas muito abaixo de muitos dos alunos, mesmo em termos remuneratórios e de estatuto.
A sociedade em que vivemos é altamente perversa e quem conseguir adaptar-se a isso é idolatrado e contribuirá mais ainda para legitimar a crueldade. Todos aprendemos desde cedo que o princípio da eficiência e da economia é um princípio de racionalidade a todos acessível e incontestável.
E todos sabemos que a organização social, económica, política, militar, cultural, é a negação desses princípios. E é a negação intencional, procurada, fomentada a todo o custo.
Nenhum dos objetivos expressos da educação e do ensino está alinhado com a realidade política, económica, social, nomeadamente de mercado, cujos objetivos, embora tropecem naqueles e aqueles nestes, se impõem como “conditio sin qua non”.
E o que está em causa nesta realidade económica, cultural, social, não é, nem a eficiência, nem a economia, nem a educação, nem o conhecimento, nem o ensino.
Em Portugal, dois cérebros ou três acharam que podiam colocar os analfabetos portugueses a rezar o terço ou a fazer crochet para o resto da vida e que se dariam por satisfeitos.
Mas apareceram outros dois ou três que acharam viável porem-nos a correr atrás de uma bola, e isso resultou.
Faltam mais dois ou três cérebros que ponham os portugueses a resolver problemas de matemática e a ler e a escrever, mas isso só será possível se continuarem a fazer prioritariamente os jogos em pirâmide do costume.
E que no topo da árvore brilhe o sol que a todos providencia.

Anónimo disse...

O delírio persistente de confundir "ideias" com teorias humilde e cautelosamente sujeitas a "verificação" tem produxido, como resultado assustador, a mentira mais propagada pelos poderes que podem:: a mentira da "geração mais qualificada de sempre". "Ideias" há-as por aí abundantes, umas mais coloridas ou folclóricas do que outras. Como dizia um conhecido francês, grande conhecedor das coisas portuguesas, falando de um aclamado historiador da literatura portuguesa, que debitava ideias como quem bebe copos de água, "il a trop d'idées" ("ele tem demasiadas ideias"). Como dissera Einstein a Valéry, ideias boas, mas mesmo boas, daquelas que podem conduzir-nos a teorias verificáveis, se tivermos duas ou três, ao longo da nossa vida, já podemos dar-nos por felizes. Mas alguns dos nossos cientistas da educação, produzem um ofuscante fluxo de "ideias" a cada semana que passa

Anónimo disse...

Peço desculpa pelo acidente. Dizia eu que alguns dos cientistas da educação produzem um tão ofuscante fluxo de "ideias", a cada semana que passa, ideias "vistosas" mas que não constituem teoria seriamente verificável, que se torna estranho vê-las gulosamente aceites por quem governa, propondo-as como dogma que não necessita de prova.
Assino por baixo o texto da Prof. Helena Damião, que oportunamente chama a a tenção para a grande diferença entre ideias (que não faltam por aí) e teorias provisoriamente sustentáveis (bem menos abundantes, hélas!)
Infelizmente o nosso mercado intelectual anda cheio de gente "avec trop d'ídées"!
Eugénio Lisboa

Carlos Ricardo Soares disse...

Hilário: alguma vez sentiste necessidade de saber, por exemplo, porque é que o vinho tem um efeito embriagante?
Sabino: sei que tem esse efeito, mas confesso que ainda não sei porquê.
Hilário: não é por causa do álcool?
Sabino: e sabes o que é o álcool?
Hilário: então nunca usaste para desinfetar feridas?
Sabino: e qual é a relação entre o álcool e o efeito de embriaguez? Como é que sabes que é do álcool?
Hilário: não sei e os antigos romanos e gregos também sabiam que o vinho embriagava, mas ainda sabiam menos do que eu, porque nem sequer sabiam que o vinho tinha álcool e que embriagava por causa do álcool.
Sabino: acabaste de dizer uma coisa muito curiosa, que o conhecimento deles era muito mais limitado do que o nosso, embora, em termos práticos fosse igual ao que tu e eu temos acerca dos efeitos do vinho.
Hilário: nem sei quando é que alguém descobriu que o vinho tinha álcool e que era este que embriagava.
Sabino: durante milhares de anos preferiram imaginar que o vinho tinha espírito?
Hilário: é difícil para nós compreender a atitude dos antigos relativamente à composição química do vinho e da água, por exemplo.
Sabino: não devia passar-lhes pela cabeça que essas coisas eram compostos químicos.

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