sexta-feira, 24 de abril de 2020

"O ensino on-line será crucial no futuro, os professores deveriam esforçar-se mais"

Saiu ontem no jornal El País uma entrevista ao diretor de Educação da OCDE, Andreas Schleicher, cujo tema é, evidentemente, o estado actual e futuro do ensino e da aprendizagem em virtude da COVID-19. O país de referência é Espanha, mas poderia ser Portugal, apresentados ambos, em várias ocasiões, como exemplos do que, na perspectiva dessa organização, não deve acontecer nos sistemas educativos.

O modelo "educativo" que perpassa na entrevista é o de "produção de capital humano". Modelo que, se nada de substancial for feito, ganhará terreno nos tempos mais próximo, acentuando o redireccionamento da escola para que sirva directa e eficazmente o mercado de trabalho, de modo a beneficiar uma certa economia. E, para tal, é preciso que as empresas ganhem um novo protagonismo, superior àquele que já têm nos sistemas de ensino públicos. Isto deveria preocupar-nos, tanto quanto a COVID-19. É do futuro da educação que falamos (e, por inerência, da humanidade), submetida a um fim que não é, nem pode ser, o seu.
Um dos últimos estudos da OCDE indica que um em cada 10 estudantes não tem uma mesa para estudar na sua casa. Qual é a melhor solução para os alunos mais desfavorecidos? É passar de ano como o resto de seus colegas? É uma pergunta complicada. Acho que fazer os jovens repetir o ano é provavelmente a pior solução, porque, além de perder um ano, isso vai estigmatizá-los. Os sistemas educacionais devem encontrar forma de redobrar seus esforços e analisar como é que os alunos com menos recursos podem continuar a aprender. Há uma grande expectativa nos professores, são eles os que têm de agir como mentores e (…) manterem-se em contacto permanente com os seus alunos. 
Pode ser problemático que em Setembro [muitos] alunos não tenham assimilado bem os conhecimentos do curso anterior? Em Setembro a aprendizagem e o ambiente das salas de aula serão mais diversos do que em qualquer outro ano (…) 
A reabertura das escolas ocorre a diferentes velocidades na Europa. Os especialistas insistem em que a cada mês a desigualdade cresce exponencialmente. O custo social do fechamento das escolas é dramático (…) não é a cada mês, é a cada dia. Inevitavelmente, a desigualdade vai aumentar e, por isso, precisamos de encontrar fórmulas para mitigá-la: os alunos terão que dedicar mais horas ao estudo, será preciso envolver as famílias… Não há uma resposta clara. As famílias com mais recursos poderão compensar com aulas extracurriculares pagas do seu bolso. O que as famílias querem para seus filhos é o que o governo terá que assegurar para todos. 
Levando-se em conta a crise económica que está começando, é realista pensar que os governos vão priorizar o orçamento educacional para assegurar esse reforço? O futuro dos países depende da educação, as escolas de hoje serão a economia de amanhã. Desde que começou a pandemia que o caso da China me impressionou. Uma das suas prioridades foi a educação. O Governo lançou uma plataforma gratuita de aprendizagem na nuvem com 7.000 servidores e 90 terabytes de banda larga, que permite que 50 milhões de alunos se conectem simultaneamente. Apostar na educação é uma decisão que toda a nação deveria tomar. 
É uma questão de dinheiro ou de vontade política? Efectivamente, essa medida custou muito dinheiro, e grande parte dele foi doado por companhias tecnológicas. Há dois pontos de partida que são importantes. Desde o primeiro dia, todos os professores na China se envolveram com o uso dessa plataforma. Não se limitaram a dizer aos alunos que a usassem, telefonaram-lhes diariamente para entenderem as suas necessidades. Prestou-se muita atenção aos alunos sem acesso à internet, que receberam materiais didácticos, dentro de um plano organizado pelas escolas. 
Por que é que em países como a Espanha e a França não se tentou lançar esse tipo de plataformas, se as já existentes não têm capacidade suficiente? O governo espanhol tem feito um grande esforço para usar ferramentas digitais e tem agido bem na procura de aliados da indústria tecnológica. Acredito que o mais difícil para eles tenha sido envolver os docentes, é aí onde provavelmente os esforços devem ser concentrados, em conseguir que os professores sejam parte activa nesta mudança. O ensino on-line será crucial no futuro do ensino, os professores deveriam esforçar-se mais. 
Qual é sua recomendação para que o trabalho nestes dias seja eficiente? Como professor, neste momento, não há como resolver os problemas sozinho, só em equipa. Nisso a Espanha tem muito trabalho a fazer. Segundo os resultados do relatório Talis, os docentes espanhóis estão entre os que menos colaboram entre si, trabalham de forma isolada em sua sala de aula. Só 24% declaram participar numa rede colaborativa (...) frente aos 40% dos países da OCDE. É importante respeitar a autonomia dos docentes, mas neste momento é preciso fomentar a cultura colaborativa e não esperar instruções dos governos, assumir a responsabilidade da situação e contactar colegas para lançar medidas inovadoras. Os líderes da escola têm de se conectar com os professores, criar comunidades e estabelecer relações entre escolas. Um dos resultados do PISA é que, à escala mundial, 50% dos professores não se sentem confortáveis com o ensino digital. 
Os dados do Talis dizem que apenas 59% dos directores desenvolvem acções para conseguir a colaboração entre docentes. Quem deve mandar essa mensagem? A crise amplifica a necessidade de estarmos conectados. Essa mudança deve partir da própria comunidade educativa (…). O governo  está muito longe de ter um efeito no que acontece nas salas de aula. Os professores na Espanha continuam muitos dependentes do que a Administração dita. 
Os docentes deverão modificar sua forma de ensinar em Setembro? Absolutamente. O grande preço que vamos pagar pela crise não é só a perda de aprendizagem mas também a insatisfação dos jovens (…). [As escolas] terão de os escutar mais, detectar a necessidade de cada um e desenhar novas formas de aprendizagem para se encaixar em diferentes contextos pessoais. Não se pode voltar como se nada tivesse acontecido
Como se deve avaliar durante o confinamento? Devemos realizar a máxima avaliação possível (…) é preciso usar ferramentas on-line para ver se [os alunos estão] a aprender. Sou muito optimista e acredito que podemos ser muito criativos com novos formatos de avaliação. 
Deve-se manter a avaliação nestes meses de confinamento, ou focar o apoio emocional? Talvez seja preciso mudar a natureza da avaliação, mas insisto que é importante mantê-la para poder acompanhar a evolução dos alunos (…) e também é uma forma de conseguir que não se desconectem. 
Criticou que não haja uma maior colaboração público-privada para confrontar a crise educativa pela covid-19. A inovação educacional exige a colaboração entre o público e o privado, e na Espanha há uma cultura de confrontação entre o público e o privado. Parece que a educação é só coisa do governo, e é preciso que a sociedade se envolva e contribua com ideias criativas. As empresas também têm que tomar partido e propor soluções, por exemplo, para as práticas dos alunos de formação profissional.

3 comentários:

Intra-vista disse...

Resposta infanto-científica a cada questão

1. Qual é a melhor solução para pais desfavorecidos? Aí se encontra a resposta. O problema é crónico desde a sua origem. Há solução para o círculo?

2. Estamos a falar de dois meses do 3.º período, geralmente utilizados para ultimar matérias, consolidar conhecimentos, fazer avaliações sumativas e festas de final de ano.
As aulas continuam: tarefas enviadas, manuais, livros de fichas, videoconferências com docentes e sites explicativos dos conteúdos.
Em setembro, geralmente, há sempre alunos que não assimilaram conhecimentos. Sempre houve.

3. Claro que à medida que o tempo passa, os desníveis dos alunos assumem os desníveis sociais das famílias. Conclusão: a escola até simetriza um bocadito!
Mais horas de estudo relativamente a quê? A um horário anteriormente existente já asfixiante? Envolver mais as famílias... Quais? As desempregadas? É que as empregadas não têm tempo. Aumentar os horários dos docentes - da população altamente envelhecida? Até à noite? O mesmo salário? É Covid?

4. “O futuro dos países depende da educação”. Ah! Afinal a super-criticada educação faz falta! “Um saco vazio nunca se põe de pé”, já dizia a minha querida avó.
“O Governo lançou uma plataforma gratuita de aprendizagem na nuvem com 7.000 servidores e 90 terabytes de banda larga, que permite que 50 milhões de alunos se conectem simultaneamente.” Que “coisa” mais maravilhosa! Isto é que é apostar na educação, ó deus da tecnologia empresarial! Afinal estamos todos bem em casa a criar raízes digitais – as novas e sofisticadas prisões. Em que ficamos?

5.Cá para mim é mesmo uma questão de ignorância. Uma solução pandémica de enclausuramento e evitamento da morte pode ser a solução da educação? Telefonar diariamente, constantemente, sistematicamente, ininterruptamente, se possível com os tarifários dos professores, eis a eureka procurada! Um destes dias desisto de ter telefone. Posso?
Os professores deveriam esforçar-se mais? Mas este ser vive em que planeta? Nem me vou pronunciar sobre as 10 ou 12 horas que atualmente os professores passam com alunos e pais e colegas e matérias e materiais e imprevisibilidades de toda a ordem. Só por causa disto, não vou trabalhar este fim de semana. Amuei!

6. Que empenhamento de pais e alunos? Já que nós estamos por cá a tempo inteiro a colaborar entre nós e a lançar como discóbolos alcoolizados medidas inovadoras...

7. Por que razão os professores devem assumir as rédeas da solução? Então agora já precisam de nós, tão nefastos que somos? Ditem lá as ordens que eu não sei nada do Covid e tenho uma péssima formação!!! Não é verdade???

8. Porquê? Mais plataformas digitais? Não me importo de dar metade das aulas presenciais e metade virtuais – o nobre caminho do meio. Mandar os TPC por email e os pais que imprimam e coisas assim... causa que devem pagar o que é gratuito. Fazer reuniões por videoconferência – brilhante!

9. Oralmente, durante as videoconferências – no processo formativo, garantia de autenticidade. Não está escrito em lado nenhum da lei que se devam fazer testes escritos como se não houvesse amanhã. Grelhas de observação direta – avaliação sumativa.
Exames no 6º ano (do 1º ano ao 6º ano – 1º ciclo de estudos - tudo em pluridocência) e 12º ano (do 7º ano ao 12º - 2º ciclo de estudos); licenciaturas e pós-graduações – 3º ciclo de estudos; mestrados e doutoramentos – 4º ciclo de estudos. A santíssima trindade mais o mau para a cereja no bolo.

10. Ambos. Já respondi à primeira. Apoio emocional ativando o SPO, e os profissionais de saúde. Cada macaco no seu galho e fiquem lá.

11. Uma boa oportunidade para os ratos tomarem conta do navio e comerem o comandante. Nham!

Rui Baptista disse...

Estigmatizar os alunos por os chumbar? Alunos que andaram ano todo o ano todo a "chuchar" ( passe o plebeísmo) com os professores que se esforçam por cumprira a nobre missão de ensinar e colegas que levam a escola sério , terem como prémio passarem de ano sem nada saber? A exemplo de licenciaturas tipo Relvas? Quem os estigmatiza não é o chumbo são eles próprios.

Rui Ferreira disse...

Nós percebemos o que a OCDE pretende dos alunos de hoje, mulheres e homens de amanhã, ignorantes, acríticos, funcionais e prontos a rastejar pela migalha atirada pelos senhores do mundo que ninguém elege.
Sabem também (jogam com isso) que a sociedade é muito dada a esta permeabilidade de discursos vazios de substância, mas muito fortes de convicção e de inteligência ruim.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...