quinta-feira, 30 de abril de 2020

"Esta é a Ditosa Pátria Minha Amada"

Que me seja perdoado o arrojo de citar Camões em título deste texto.

Feita esta minha declaração preambular, que tive por conveniente  fazer pela aversão que me causa quem possa enjeitar este símbolo da pátria como se o passado de nobreza do povo português não devesse ser simbolizado em páginas de história que  se não devem circunscrever a “Grândola Vila Morena”, que serviu de senha para o golpe miliar de 25 de Abril data libertação da opressão do Estado Novo.

Em 2018, deputados do Partido Socialista cantaram "Gândara Vila Morena" numa cerimónia evocativa de 25 de Abril na  Assembleia da República. E no ano em curso, nas galerias da casa representativa da vontade dos portugueses, manifestada em eleições livres, abusivamente, foi cantada esta canção para interromper a intervenção do antigo primeiro ministro Passos Coelho como se a Assembleia da República passasse a representar aquelas  dezenas de pessoas que ali se sentaram em evidente arruaça.

Entendo que toda e qualquer homenagem prestada no hemiciclo deve ter como pano de fundo o hino nacional que exalta a epopeia camoniana como se o passado de nobreza do povo português não fosse verdadeiro hino prestado aos portugueses de antanho. Epopeia vilipendiada por Joacine Katar, nas escadarias do órgão representativo da vontade popular, nas últimas eleições legislativas, em que ela em vez de agradecer ao povo que a acolheu em pátria lusa como se ele não merecesse, já não digo gratidão - a gratidão só está ao alcance de almas nobre - mas um mínimo de respeito, ainda que só por uma pequeníssima franja de eleitores que a tirou do anonimato, para a sentar numa bancada da Assembleia da Republica aumentando os seus proventos económicos e estatuto social.

Por esse facto, acho que faz todo o sentido endossar-lhe  esta admoestação  de Jonny  De Carli: “Tenha gratidão, respeito e amor pela sua pátria, a terra que o acolheu. Ser patriota é uma das formas de expressar gratidão à pátria que nos acolheu. Vibre positivamente pelo seu país”. Portugal, em período da Restauração de 1640,  que libertou o país do jugo espanhol, teve os seus traidores, de entre eles o mais odiado, por ter desempenhado funções no governo espanhol equivalentes à de primeiro ministro, Miguel de Vasconcelos, defenestrado de uma das janelas do Terreiro do Paço.

Julgo chegada a hora de outorgar a nacionalidade portuguesa apenas aqueles que tenham a terra lusitana de nossos avoengos no coração, nunca por interesses ao serviço de posições de destaque na vida política nacional acompanhada de proventos rendosos económicos. Por outro lado, acusar os portugueses de esclavagismo é argumento que não deve colher dividendos, por acordar ódios ancestrais, a não ser sob a evocação da história do lobo e cordeiro: “Se não foi a vossa geração foi a geração dos vossos trisavôs ou tetravôs”.

Claro está que se não deve ocultar ou esquecer o seu horrendo, férreo e desumano desígnio que não se discute, aproveitado pela esquerda para tentar fazer crer à geração atual que Portugal não tem passado de glória mas tão-só de esclavagista num tempo em que ele era moeda corrente no continente europeu, pese embora Portugal ter sido o primeiro país europeu a abolir a escravatura.

Assim  nada ou pouco justifica o ostracismo  a que tem sido votada a letra do hino nacional, havido como o mais  vibrante  e belo do mundo a seguir à Marselhesa, muito menos, tê-lo como fascista como aconteceu logo a seguir a 25 de Abril. Esse ostracismo evidencia-se, nos jogos internacionais de futebol em que uns tantos jogadores sob a bandeiras das quinas, mesmo que nados e criados neste rectângulo europeu, fingem que o cantam mexendo apenas os lábios, fingimento detectável em língua gestual portuguesa.

Em contrapartida, Pepe, nascido em terras de Santa Cruz, canta-o alto e bom som, com alma e coração, num tempo em que o pedido da nacionalidade portuguesa, mormente não obedece a questões sentimentais. Já é tempo de deixar para trás os interesses dos portugueses de gema em prol de uma europa sem fronteiras e, como tal, escancarada a tudo e a todos. A actual pandemia veio demonstrar haver necessidade  de ter  cuidado, quanto mais não seja em defesa da saúde, segurança e bem estar  dos veros nacionais.

Já chega de atacar o nacionalismo e defender o internacionalismo da antiga União Soviética personalizado em Karl Marx quando afirmou que os operários não têm pátria, são internacionalistas, fechando as fronteiras de quem as delas se queria ver livre e, curiosamente, abrindo-as a presos políticos de outros países que nelas se refugiavam com estrito e absoluto controlo de que comungavam  de ideários comunistas.

Bem sei que me sujeito a críticas porque, como reconheci e escrevi em tempos, em opinião meramente pessoal, quem diz o que o partido manda é progressista, quem diz o que pensa é reacionário. Neste canto mais ocidental europeu, os partidos políticos que prometem embora sabendo  não poder vir a cumprir, ganham eleições. Estranho país este seara imensa de oportunistas!

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

O sentimento e o culto, mais do que as ideias, de pátria e de povo e de nação parecem-me historicamente compreensíveis e dão corpo a bons princípios humanos para legitimar e estruturar, por exemplo, as jurisdições, o sistema de justiça e as regras de domínio e organização de comunidades de uma população, e não propriamente de um Estado, em determinados territórios.
Em nome desses valores, que muitas vezes, é preciso invocar para fazer valer o direito e a justiça, a liberdade, a solidariedade e respeito pátrios, todavia, já se fizeram guerras civis.
Quando, por exemplo, duas formações militares do mesmo país invocam a defesa da pátria para se digladiarem, temos um problema semelhante ao de duas religiões monoteístas que se combatem em nome de deus.
As forças militares e os representantes políticos, eleitos ou não, com mais ou menos apoio popular, têm a obrigação de saber claramente que não devem estar ao serviço de partidos, religiões, clubes, grupos, qualquer que seja o ramo ou a arma, justamente porque os valores da pátria falam mais alto e é fundamental que exista esse sentido de unidade e de união em torno do bem comum.
Quem está investido de poderes políticos e militares, mais do que qualquer outro cidadão, devia dar provas de saber e agir com sentido pátrio e nacional, mais do que os exercer com sentido de Estado, porque este até pode existir sem aquele e contra aquele.
Muitos dos políticos e militares portugueses, por exemplo, em muitas situações, e não apenas nos seus discursos, revelaram estar longe de se preocupar com o que representa a pátria, o respeito que lhe é devido, como se a traição à pátria, de elevada censurabilidade, não fosse, aliás, crime punível com especial severidade.
Não obstante, a invocação da pátria e dos seus valores acontece, a maior parte das vezes, para reclamar contra actos antipatrióticos ou contra um pseudopatriotismo, passe a expressão, “herético e blasfemo”, praticado contra aqueles para os quais e por causa de quem faz algum sentido falar em pátria.
Estou a lembrar-me de que, na sequência do 25 de abril de 1974, mais do que uma vez, as tropas foram exortadas a obedecer nos estritos limites de serviço à pátria e aos seus valores e nunca a ordens de partidos, facções, religiões, clubes, nacionais ou estrangeiros.
Luís Vaz de Camões, que é um excelente símbolo da pátria portuguesa e de patriota esclarecido e crítico, interpretou e formulou como poucos o problema de muitos dos que querem ser mais patriotas do que os outros, na realidade serem ou estarem a trair a pátria e isso ser um gravíssimo problema para o povo.

Rui Baptista disse...

Dr. Carlos Ricardo Soares: grato pelo seu bem fundamentado e esclarecedor comentário. E se eu o escrevi com o coração o seu comentário contaria Pascal quando diz que o coração tem razões que a razão desconhece. O seu comentário foi escrito com o coração e fundamentado com a razão.

Rui Baptista disse...

Na 2.ª linha, onde escrevi contaria, corrijo para contraria

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