sexta-feira, 24 de abril de 2020

A defesa de Portugal como cidade

Mais um texto com pensamento "fora da caixa" de Santana-Maia Leonardo, inserto no jornal As Beiras de hoje:

Se os nossos governantes, caciques e deputados não fossem aquilo que toda a gente sabe que eles são, aproveitavam a oportunidade única que esta pandemia nos vai proporcionar para reverter, de vez, o modelo desenvolvimento grego da Cidade Estado, herdado da Corte de Lisboa, defendido por Salazar e cimentado por Guterres, Sócrates e Passos Coelho.

Eu sei que isto é praticamente impossível de concretizar tendo em conta a natureza maioritária do povo português residual. O povo português residual, como sabem, é descendente dos cortesãos e parasitas que ficavam nas praias de Lisboa, cheios de medo do mar sem fim, à espera da chegada das naus com as especiarias, o ouro do Brasil e, mais tarde, as divisas dos emigrantes com que matavam a fome e proclamavam o orgulho de ser português, como se, para tal, tivessem dado algum contributo, para além de darem ao dente. Ora, como facilmente se constata cada vez que um político ou comentador abre a boca, o povo português residual apenas aceita partilhar aquilo que é dos outros.

Acontece que, como o terramoto de 1755 já tinha demonstrado e esta pandemia veio a confirmar, o modelo de desenvolvimento holandês das cidades médias é o que melhor serve a Portugal, em todos os aspectos: unidade e desenvolvimento nacional, coesão e ocupação do território, defesa do ambiente, apoio intergeracional, luta contra a corrupção e capacidade de resposta a cataclismos naturais, pandemias e atentados terroristas.

O princípio estruturante desta grande reforma, que eu venho defendendo há mais de trinta anos, resume-se a isto: “governar Portugal como se fosse uma cidade, em vez de governar Lisboa como se fosse o país.”

 Se todos os ministérios, secretarias de estado, direcções gerais, Assembleia da República, universidades públicas, quartéis militares e os estados-maiores, Tribunais Superiores e Constitucional, etc. etc. fossem deslocalizados para os diferentes distritos, cada um com a sua especialização (Educação, Turismo, Agricultura, Negócios Estrangeiros, Justiça, Economia, etc.), e os diferentes organismos do Estado deles dependentes fossem distribuídos pelas diferentes vilas e cidades de cada distrito, para além de se libertar Lisboa da pressão urbanística e aliviar os transportes públicos da região de Lisboa, permitia não só que todos os funcionários destes serviços fossem a pé (ou de bicicleta) para o trabalho como também que os filhos fossem a pé para a escola.

Além disso, havia uma infinidade de gente que passava a poder usufruir e dar utilidade à grande quantidade de equipamentos públicos que estão à disposição por todo o interior do país (para já não falar, por exemplo, do aeroporto de Beja) e que estão sub-aproveitados por falta de pessoas.

Por outro lado, permitia que o país não ficasse decapitado se uma grande tragédia se abatesse sobre Lisboa, ao mesmo tempo que salvaguardava a unidade nacional. E já todos percebemos que, com o advento da internet, dos novos meios de comunicação e com a rede de auto-estradas existente, o facto de os edifícios físicos dos ministérios estarem distribuídos pelo território não só não causa qualquer transtorno na prestação do serviço como só tem vantagens.

E sendo obrigatório, para o relançamento da economia, o lançamento de obras públicas, era uma forma de levar a cabo um grande programa de obras públicas a nível nacional para a próxima década, ao mesmo tempo que se levava a cabo a reforma do Estado: reorganização territorial e administrativa; regionalização, reforma das autarquias e da lei eleitoral; reforma judiciária e judicial; reforma das forças armadas e das forças policiais; reforma do sistema educativo e da organização das universidades, etc. etc.

Finalmente, este seria um passo determinante na luta contra a corrupção, tendo em conta que é precisamente a concentração de todos os poderes numa pequena cidade como Lisboa e a entrega do resto do território, despovoado e sem massa crítica, aos caciques, todos eles afilhados do poder de Lisboa de cujo orçamento dependem, que são os alicerces e as traves mestras da corrupção portuguesa, uma corrupção estrutural, assente na cunha e no compadrio. A defesa de Portugal como cidade

Santana-Maia Leonardo Advogado

2 comentários:

Rui Ferreira disse...

É mesmo conforme diz "out off the box".
Sou de concordar com o modelo de desenvolvimento proposto. Creio mesmo que nenhum outro consiga atingir uma tão abrangência de fins, com melhorias substanciais na qualidade de vida.
Contudo, não consigo alcançar o patamar de entendimento segundo o qual a solução apresentada era defendida por Salazar, Guterres, Sócrates e Passos, reservando-me pois à minha ignorância.
Permita-me uma questão: de acordo com o grau cultural atual, a fazer-se conforme o sugerido, não correríamos um sério risco de multiplicarmos por cidade os tais problemas que muito bem são referenciados aqui ao modelo de desenvolvimento de hoje?

João Boavida disse...

O dr. Santana-Maia Leonardo, há muitos anos que escreve artigos de grande qualidade, não só no estilo, escorreito e conciso, como na qualidade e originalidade das ideias. Mais uma vez vem pensar «fora da caixa», como dizem. Mas a mediocridade lisboeta, cheia de si e incapaz de pensar bem e corajosamente, e, claro, sempre «dentro da caixa», não permitirá que o país saia desta «apagada e vil tristeza». O que nos vale ainda é Bruxelas, apesar de tanto disparate e deseducação com que a comunicação social lisboeta nos inunda constantemente.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...