quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Fisiologistas do Exercício (6)

(Em defesa de um mestrado em Fisiologia do Exercício a ser criado na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra).

Com este texto, dou por terminada uma série de seis artigos. Nele dou conta de exercícios de musculação na terceira idade. que, há anos, era havida como a recta final da vida (50-77 anos), ampliada hoje para uma quarta idade de 78-105 anos, para já não falar de hipotéticas promessas de vida eterna!

O conceito de idade, dos meus tempos de adolescente, traz-me à memória  a lembrança de meu Pai, então cinquentão, que, quando  se referia à rapaziada do seu tempo, despertava  em mim uma sonora gargalhada acompanhada do comentário: “Rapazes do seu tempo? Velhotes do seu tempo, isso sim!”

Com o aumento de número da anos de vida, a preocupação da sociedade não pode descurar a velhice desamparada de meios que retardem várias doenças.

Consequentemente, tenho como urgente a criação de um mestrado (sem subdivisão de uma licenciatura) em Fisiologia do Exercício, na Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade de Coimbra, que faça frente a uma sociedade hipocinética responsável pela sarcopenia (diminuição da massa muscular e concomitante perda de força). 

Segundo o Doutor José Maria Santarem, em colaboração com dois colegas: “A piora da capacidade funcional dos idosos, que compromete a realização de tarefas simples do cotidiano, pode ser explicada, em grande parte, pela redução dos sistemas cardiorrespiratório, ‘sacopenia’, diminuição força muscular, redução do equilíbrio e alterações ósseas degenerativas que diminuem a flexibilidade articular".

Vai para meio século, a este propósito, no meu livro, “Educação Física- Ciência ao Serviço da Saúde Pública” (1971); no capítulo  “Educação Física e Gerontologia”, depois de tecer considerações de natureza científica  e da minha  experiência de vida de quarentão, escrevi:

“Reporto-me ao envelhecimento “não como fenómeno essencial do que é normal, mas de aparecimento insidioso por fora de tempo", como escreveu alguém.

Para as doenças tendo como etiologia o sedentarismo dos nossos dias, considero tão importante, no que respeita à saúde dos cidadãos, a construção de uma pista de atletismo como a construção de um hospital; de uma piscina como de uma casa de saúde; de um campo de jogos como de um posto sanitário”.

Encontro nisto o desejo de que na velhice, como diria Bulhão Pato, “o ardor da adolescência corra nas veias”, através de um vigor físico devidamente conservado pela prática de exercícios físicos que faça esquecer a idade cronológica avançada nos anos quando confrontada com a dade fisiológica retardada no tempo. Por outras palavras, ao processo de envelhecimento deverá contrapor-se não cómoda renúncia, mas um  combate sem tréguas de todo o organismo a um quadro de velhice precoce.

Na minha senda em defesa do exercício físico contribuir para saúde pública, pela minha experiência pessoal da influência dos pesos e halteres poderem contribuir para este desiderato, publiquei um livro baseado na minha conferência, proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique (1973), que mereceu, do meu ‘compagnon de route’  engenheiro Rogério de Carvalho, o posfácio que reproduzo, em homenagem póstuma, mais de que merecida, por motivos vários, de entre eles a nossa amizade e a notável, eficaz  e de bela forma literária da sua prosa:

“Se as conferências sobre pesos e halteres, do Dr. Rui Baptista, tiveram o êxito assegurado, pela autoridade do conferencista, a publicação deste livro, nem por isso, deixava de se impor como primeiro contragolpe em defesa da caluniada ginástica com pesos, como concreto e valioso passo para retirar a modalidade do campo sempre impreciso do empirismo e como meio de libertar os cultores mais timoratos da preocupação subconsciente pelo futuro dos respectivos e preciosos sistemas cardiovasculares.

Ainda que circunscrito, quanto mais não seja pelo título, o estudo do Dr. Rui Baptista atinge o “coração” do problema. Este mais um dos seus inegáveis merecimentos: a reputação dos pesos e halteres, aliás como muitas outra reputações, anda entregue ao virulento boato e a imprecisões tendenciosas; dir-se-ia mesmo que o cultivo dos “ferros”, imerecidamente rescendendo a brutalidade e à origem plebeia dos hércules de feira, se opõe, no consenso  burguês, herdado do século XIX, ao cultivo das coisas do espírito que, por sua vez, e não se sabe bem porquê, se associa à palidez e à debilidade do corpo.

O saudável desenvolvimento muscular é no vasto e alheado mundo dos que ignoram os ginásios, indício de falta de sensibilidade e tacanhez de inteligência. E quero lembrar que, de ente as acusações, já de âmbito académico, atribui-se a esta ginástica o malefício de tornar mais ansiosos os tensos e mais neuróticos, os deprimidos, graças a um qualquer e desconhecido processo de contracção muscular. (1)

Mas onde a ré parece não ter absolvição é no que respeita ao coração que “arruína” e aos pulmões que “arrebenta”. Rui Baptista seu público defensor, faz mais do que atingir tecnicamente o centro de gravidade dos meios de detracção. Opõe-se, com ousadia, estribada no conhecimento e na investigação, ao doutor Cooper, estrela de momento, formidável adversário dos pesos e halteres, pelos recursos à americana, de que dispõe e pelo prestígio da astronáutica a que está indirectamente ligado.

Este estudo permitirá, mais do que conseguiram, sem dúvidas, esclarecedoras conferência sobre o assunto, desfazer tabus e atrair à modalidade a legião de tímidos que a maledicência arreigada dos tradicionalistas vem assustando.

Rui Baptista é, dada a natureza da luta e dos adversários, mais do que um técnico - é um cavaleiro andante de uma cruzada tão útil e nobre que todos nós, sectários inatos da mesma seita, só lhe podemos louvar os justo e autoritários golpes de montante que, com os riscos que correm todos o apóstata, vem desferindo por uma causa  que há-de vencer, através de todas as modas, no fundamental campo da cultura física: a dos PESOS E Halteres!”

(1) É um facto que todo  trabalho muscular intenso e para mais se associado  a situações novas de pressão como o  acontecido nas competições desportivas pode ser responsável pelo tensão nervosa Todavia, nos pessoa e halteres (culturismo),  mercê de um automatismo de gestos promotora de uma economia do consumo de oxigénio, ao nível do cérebro e do resto corpo, e de um aumento do fluxo sanguíneo, verifica-se uma eficaz drenagem de  produtos tóxicos motivados pela da contracção muscular, como o ácido láctico.
Desse fenómeno nos apercebemos quando após um dia intenso estudo, de trabalho extenuante, somos assaltados por ligeiras cefaleias que, gradualmente, com o treino com pesos vão desaparecendo dando lugar a uma salutar euforia psíquica “.

Premunição de um saudoso amigo, Rogério de Carvalho, que só  viria ecoar em granítico muro científico, passados 28 anos, quando enviei, o meu livro “Os Pesos e Halteres, a função cardiopulmonar e o doutor Cooper”,ao Professor José Maria Santarém, médico fisiatra e reumatologista de valioso e extenso currículo científico, doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Brasil), coordenador do Centro de Estudos em Ciência da Actividade Física da Disciplina de Geriatria da Faculdade de Medicina de São Paulo sendo um dos pioneiros na utilização terapêutica dos exercícios resistidos  e aplicação na promoção da saúde em geral, etc., etc. 

Como é natural, muito honrado e com grande júbilo, recebi, passado pouco tempo, a resposta seguinte:

“Com muita alegria recebi o seu livro e a sua carta. Nossos ideais são comuns, e nossas dificuldades históricas também. Felizmente hoje as evidências nos apoiam e somos ouvidos, mas é sempre emocionante lembrar os tempos em que éramos quase ignorados.

Gostei muito do seu texto que, naturalmente, deve se lido com a lembrança do conhecimento de então. Como me pediu, segue, em anexo, um texto meu actual que é um capítulo de livro de medicina do esporte, ainda a ser editado.

Meu desejo é que um dia nos possamos encontrar e rir bastante com as dificuldade do passado Um abraço fraterno. Santarem.”

Com estes seis textos gostaria de tornar realidade o meu modestíssimo contributo para a necessidade da criação do mestrado em Fisiologia do Exercício na Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade de Coimbra.

E se é verdade, segundo Pessoa, que “homem sonha e a obra nasce”, tenho fé  que o meu sonho passe a realidade!!

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